
ARTIGO
A organização retórica do conjunto de sumários executivos dos documentos temáticos das Nações Unidas no Brasil para implementar a agenda 2030
The rhetorical organization of the set of executive summaries of the thematic documents of the United Nations in Brazil to implement the 2030 Agenda
Taís Luciana ROVINA
taisrovina@hotmail.com
Universidade Estadual de Maringá, PR, Brasil.
FLUXO DA SUBMISSÃO Submissão do trabalho: 27/04/23 Aprovação do trabalho: 11/09/23 Publicação do trabalho: 15/09/23
Resumo
As contribuições da sociorretórica para o estudo dos gêneros discursivos (orais e escritos) têm sido muito significativas, especialmente no que diz respeito ao mapeamento e compreensão da organização retórica dos diversos textos com os quais temos contato em nossa vida pessoal e profissional. A linha sociorretórica inglesa concebe o gênero textual como uma ação social movida por um propósito comunicativo que apresenta recorrência de propriedades discursivas legitimadas e convencionadas por uma comunidade discursiva, servindo de moldura para a produção de textos individuais. O propósito comunicativo é compreendido, então, como a finalidade que motiva um escritor/falante a produzir textos, sendo ele um elemento considerado chave para a classificação de um gênero. Somado ao conceito de propósito comunicativo, o modelo CARS (Create A Research Space), proposto por Swales (1990), respalda o estudo da organiza ção retórica de um texto, possibilitando ao analista mapear os movimentos retóricos (moves) e os submovimentos (steps) que são utilizados pelos autores na progressão do conteúdo ao produzir um gênero discursivo. A análise da organização retórica dos sumários executivos dos documentos temáticos das Nações Unidas no Brasil revelou que, embora os sumários compartilhem do mesmopropósito comunicativo, os textos não mantêm um padrão rígido no que se refere à estrutura retórica, havendo certa variação da organização estrutural nos textos, o que vai ao encontro da teoria sociorretórica dos gêneros.
Palavras-chave: Gêneros discursivos; Sociorretórica; modelo CARS .
10.23925/2318- 7115.2023v44i2e61853
Distribuído sob Licença Creative Commons
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Abstract
The contributions of sociorhetoric to the study of discursive genres (oral and written) have been very significant, especially with regard to mapping and understanding the rhetorical organization of the various texts with which we have contact in our personal and professional lives. The English socio-rhetorical line conceives the textual genre as a social action moved by a communicative purpose that presents recurrence of discursive properties legitimized and agreed upon by a discursive community, serving as a framework for the production of individual texts. The communicative purpose is understood, then, as the purpose that motivates a writer/speaker to produce texts, being it an element considered key to the classification of a genre. Added to the concept of communicative purpose, the CARS (Create A Research Space) model, proposed by Swales (1990), supports the study of the rhetorical organization of a text, enabling the analyst to map the rhetorical movements (moves) and the sub movements (steps) that are used by the authors in the progression of the content when producing a discursive genre. The analysis of the rhetorical organization of the executive summaries of the thematic documents of the United Nations in Brazil revealed that, although the summaries share the same communicative purpose, the texts do not maintain a rigid standard with regard to the rhetorical structure, with some variation of the structural organization in the texts, which is in line with the socio-rhetorical theory of genres.
Keywords: Discursive genres; Sociorhetoric; CARS model.
1. Introdução
Oestudo sociorretórico dos gêneros textuais ou discursivos, para além da reflexão acerca da sua estrutura composicional, do conteúdo temático e do estilo verbal presentes no estudo do filósofo Bakhtin - elementos estes também de grande valor para a compreensão dos gêneros - tem servido de base para o conhecimento e caracterização das comunidades discursivas, explicando sobre a experiência retórica dessas comunidades, sobre a convenção de regras e costumes presentes entre os membros de uma comunidade discursiva que partilham situações recorrentes de uso dos gêneros discursivos e que geram discursos que se concretizam, ou se materializam, seguindo padrões estruturais muito semelhantes entre si, formando famílias de gêneros retóricos.
Nesse sentido, para esta pesquisa procurou-se compreender, sob a ótica da sociorretórica e, a partir da proposta da linha inglesa que abarca estudos acerca da organização retórica dos gêneros discursivos, alguns dos aspectos pragmáticos que cerceiam a produção de um gênero textual, tais como as diversas possibilidades de intenções dos produtores dos gêneros, as quais são motivadas por propósitos comunicativos, e que resultam em textos que, com base nos
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estudos realizados, se apresentam em formas de tipificações (modelos com recorrentes organizações retóricas).
Para fins de aplicabilidade prática dos conceitos estudados, os sumários executivos do conjunto de documentos temáticos (issue papers), presentes no documento intitulado “Documentos temáticos: objetivos de desenvolvimento sustentável 1.2.3.5.9.14 Brasil”1, foram utilizados como textos base para verificação da organização retórica, a partir do modelo Cars, de Swales (1990; 2001). A escolha deste documento se deu considerando a sua importância, pois a temática e os dados abordados nos textos são relevantes para a conservação do planeta Terra e, consequentemente, das condições para que haja vida no planeta, assim tais direcionamentos são compartilhados por entidades do mundo todo em prol do desenvolvimento global sustentável e da qualidade de vida, percorrendo várias comunidades discursivas (globais e locais).
Por este caminho, os textos estudados compõem o documento que foi encaminhado pela ONU Brasil (Organização das Nações Unidas no Brasil) à Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que apresenta um conjunto de textos envolvendo os seguintes ODS: 1) erradicação da pobreza, 2) fome zero e agricultura sustentável, 3) saúde e bem - estar, 5) igualdade de gênero, 9) indústria, inovação e infraestrutura) e 14) vida na água.
Para chegar à condição de análise dos textos, a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica que, de acordo com Pádua (2004), consiste em colocar o pesquisador com o que já se produziu e registrou a respeito do tema de pesquisa e a pesquisa documental, definida pela mesma autora como “aquela realizada a partir de documentos, contemporâneos ou retrospectivos, considerados cientificamente autênticos (não fraudados)” (PÁDUA, 2004, p.68). Após registradas as bases teóricas, em um segundo momento o modelo Cars de Swales foi aplicado no corpus selecionado, para a realização de um mapeamento qualitativo da organização retórica presente nos textos, neste momento da pesquisa buscou-se observar os movimentos retóricos (moves) e dento destes os passos (steps) utilizados, descrevendo posteriormente os resultados apurados a partir da análise realizada.
1 O conjunto de “documentos temáticos” (issue papers) abarca determinados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS, ciente de que há outros objetivos globais não menosimportantes, masvoltados a outras temáticas. O referido documento apresenta temas e questões que o Sistema ONU no Brasil considera relevantes no âmbito do processo de implementação dos ODS 1, 2, 3, 5, 9 e 14 no Brasil e têm a pretensão de servir como subsídios à Comissão Nacional para as discussões temáticas correspondentes na fase preparatória para o Fórum Político de Alto Nível de 2017, assim como em outras oportunidades relevantes.
Adaptado de: https://www.undp.org/pt/brazil/publications/documentos-tem%C3%A1ticos-ods-1-2-3-5-9-14. Acesso em: 12 set. 2023.
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Este artigo encontra-se estruturado em seções, iniciando com uma introdução e na sequência são abordados os seguintes tópicos teóricos e de análise: “Evento comunicativo e o contexto de produção”, “O propósito comunicativo e a utilização dos gêneros discursivos na perspectiva sociorretórica”, “Modelo Cars de John M. Swales e o estudo sociorretórico dos gêneros discursivos”, “A organização retórica dos sumários executivos dos documentos temáticos das Nações Unidas no Brasil para implementar a agenda 2030” e “Considerações finais”.
2. Evento comunicativo, conceito de gênero discursivo e ocontexto de produção de gêneros
Acomunicação humanase apresenta emconstante evolução, assim os estudos linguísticos fornecem subsídios para a interação com o outro de forma eficiente e, também, respalda o trabalho docente. A esse respeito, Garcez (1998, p.46) ressalta que “a linguagem é uma atividade humana cujas categorias observáveis se modificam no tempo e apresentam um funcionamento profundamente interdependente do tipo de contexto social em que ocorrem”, esta explicação evidencia a pluralidade de eventos possíveis de interação interpessoal (eventos comunicativos), os quais se concretizam a partir de diferentes formas de comunicação desenvolvidas pelo homem, inclusive marcando traços estilísticos observáveis em diferentes momentos históricos, e ainda, com a sua fala, Garcez nos instiga a buscar estudo acerca dos diversos gêneros discursivos que servem de suporte para que a comunicação seja realizada de forma eficaz.
Nos estudos sociorretóricos, a recorrência de propriedades discursivas de modo que estas estejam institucionalizadas em uma sociedade, servindo de moldura para a produção de textos individuais, caracterizam um gênero textual. Neste sentido, conforme pontua Bazerman (2009), nos atos de fala o homem se comunica linguisticamente com base em formas textuais padronizadas e tipificadas (gêneros textuais), orais ou escritas, as quais são materializadas a partir de -e considerando- o contexto de produção e as convenções estabelecidas pelas diferentes comunidades discursivas.
Bazerman (2009) explica, com a sua teoria, a ideia de gênero como ação social, sob a ótica de que, uma vez que assumimos papéis sociais diferentes em diferentes contextos de nossa vida ao agir e se comportar dentro de um determinado grupo, como o de profissional e o de amigo,
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conforme o papel assumido produzimos textos com diferentes propósitos e com maior ou menor grau de formalidade. Para fins de compreensão do que o autor explica, alguns exemplos podem ser trazidos à baila para ilustrar a ideia de Bazerman (2009), tais como: a) em um contexto profissional, ou seja, em uma circunstância comunicativa que demanda maior grau de formalidade, a produção do gênero notícia jornalística, por exemplo, exige do autor escolhas lexicais mais elaboradas, diferente de b) uma reunião entre amigos, que se trata de uma circunstância comunicacional que permite aos interlocutores escolhas de fala mais descontraídas. Swales (1990) compreende o gênero textual como uma atividade discursiva na qual, por
meio da linguagem, há eventos comunicativos, ou seja, a produção de discursos por participantes de comunidades discursivas, situados em um contexto histórico e cultural, e com propósito comunicativo muito bem definido. Este propósito é reconhecido pelos membros de uma comunidade (tanto os mais experientes, como os menos) e influencia o estilo e a escolha do conteúdo a ser trabalhado no gênero, uma vez que “os gêneros discursivos são veículos de comunicação para atingir um objetivo” (SWALES 1990, p. 46).
Assim, um evento comunicativo deve ser compreendido como uma situação de uso da linguagem, inserida em um determinado contexto de comunicação, e que deve ser pensada com base nos diferentes elementos que influenciam a produção de mensagens, tais como o pro pósito comunicativo, o emissor, o receptor, o gênero que melhor atenda às necessidades impostas pela ação retórica, o papel social assumido pelos interlocutores no ato comunicativo, entre outros aspectos.
3. O propósito comunicativo e a utilização dos gêneros discursivos na perspectiva sociorretórica
O propósito comunicativo é, por assim dizer, a finalidade que motiva um escritor/falante a produzir um determinado gênero. Para muitos estudiosos, como Swales (1990) e Bathia (1993), ele é um item extremamente relevante para a classificação de um gênero, dessa forma, este elemento demanda grande atenção no contexto de análise de gêneros discursivos uma vez que, para se chegar ao propósito comunicativo, é preciso verificar as diversas possibilidades de intenções dos autores e, dentre as mapeadas, verificar a que mais se evidencia no texto/gênero. Ter o propósito comunicativo definido e compreendido auxilia tanto o autor na produção
de textos, como também facilita a aceitação destes por parte dos possíveis receptores. A este
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respeito, Swales (2004) trabalha com as “metáforas de compreensão dos gêneros” e, dentre elas, o autor compreende o gênero “como moldura” e “como padrão”, explicando sobre as escolhas que um escritor/falante faz para decidir sobre a produção de um ou outro gênero, utilizando- o para a comunicação com seus pares.
Com relação à visão de gênero como moldura, Swales (2004), assim como Bathia (1993), considera que os gêneros satisfazem as necessidades sociais das comunidades discursivas e servem de moldura para materialização de propósitos comunicativos. Isso significa que o conhecimento convencionado acerca de gêneros possibilita que o autor tenha ideias sobre como escrever e o que pode ser ajustado com relação à estrutura, por exemplo. Para os autores, a ideia de “moldura” deve cumprir, então, o papel de espécie de matriz ou ponto de partida para a organização de ideias, mas sem podar o pensamento do escritor ou falante.
Por outro viés, ao conceber o gênero como padrão, Swales (2004) se refere ao conjunto de regras de conduta (etiqueta), valorizando o conhecimento do que é socialmente e retoricamente aceitável ou apropriado para a utilização na produção dos gêneros. É impo rtante observar, conforme Swales (2004) bem registra, que temos diversas possibilidades linguísticas para a comunicação, entretanto, o padrão é algo que deve direcionar os autores, mas de modo a não os engessar ou limitar em suas produções textuais.
Por este caminho, a forma, a estrutura e as expectativas da comunidade que receberá o texto/gênero precisam ser, também, analisadas a fim de compreensão do propósito comunicativo. Estes itens direcionarão a escolha do gênero que melhor atenda a uma circunstância comunicativa, a qual carrega as intenções de um membro para comunicar-se com seus pares.
Importa, ainda, registrar que, sendo o gênero concebido pela sociorretórica como uma ação social, com relação à constituição dos gêneros do discurso, a seguinte figura representa tal dimensão, ilustrando as esferas de circulação social, de comunicação e do enunciado em que se encontra a produção do gênero:
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Figura 1. Gêneros do discurso .
Fonte: a autora, baseado em Borgatto (2012 ).
Com a apresentação gráfica da figura 1 a ideia de ação social pode ser visualizada de forma didática, marcando o conjunto de elementos que constituem umgênero, os quais estão ilustrados em cada uma das esferas apresentadas: a esfera de circulação social, a de comunicação e a do enunciado, itens estes que não podem ficar esquecidos pelo analista de gêneros.
4. Modelo Cars de John M. Swales e o estudo sociorretórico dos gêneros discursivos
A análise de gêneros, na perspectiva sociorretórica, baseia-se no estudo da sua organização retórica, de modo que o analista de gêneros observa tanto a natureza da informação que é trazida no texto como, também, ou principalmente, a maneira como o autor disponibiliza as unidades discursivas em seu texto. John M. Swales é um dos nomes mais expressivos quando se trata dos estudos sociorretóricos dos gêneros, assim, seus estudos servirão de base para a análise da estrutura retórica do corpus selecionado para este estudo.
Swales (1990) explica que
[...] o propósito comunicativo é o critério privilegiado que faz comque o escopo do gênero se mantenha relacionado estreitamente com uma determinada ação retórica compatível com o gênero. Além do propósito, os exemplares do gênero demonstram padrões semelhantes [...]. Se forem realizadas todas as expectativas em relação àquilo que é
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altamente provável para o gênero, o exemplar será visto pela comunidade discursiva original como um protótipo. Os gêneros têm nomes que são herdados e produzidos pelas comunidades discursivas e importados por outras comunidades (SWALES, 1990, p. 58).
O modelo CARS (Create a Research Space), proposto por Swales (1990; 2001), originalmente descreve a estrutura retórica do gênero “introduções de artigos de pesquisa” e tem como finalidade a identificação da organização retórica das informações presentes no gênero. Para cumprir tal finalidade, este modelo é composto por movimentos retóricos (moves), que representam a organização dos textos por meio de três movimentos retóricos (moves), a saber: Move 1 – Estabelecer o território de pesquisa; Move 2 – Criar umnicho de pesquisa; Move3 – Ocupar o nicho de pesquisa. Os moves são subdivididos em passos (steps), que são os submovimentos presentes no corpo dos textos, os quais marcam as peculiaridades da progressão de conteúdo. Neste sentido, os passos (steps) representam as possibilidades de concretização de um movimento retórico (move), assim, compreender a teoria dos movimentos retóricos muito contribui para a observação eficiente dos padrões semelhantes em determinado gênero, ajudando ao analista observar como as informações são organizadas pelos produtores.
A figura 2, abaixo, apresenta o Modelo CARS original, de Swalles (1990):
Figura 2. Modelo CARS (1990) .

Fonte: Swales (1990, p.141) .
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A respeito dos movimentos retóricos, importa ter muito bem compreendido que
[...] um movimento na análise de gênero é uma unidade retórica ou discursiva que realiza uma função comunicativa coerente em um discurso falado ou escrito. Embora, às vezes, tenha sido alinhado a uma unidade gramatical como a sentença, o enunciado ou o parágrafo (ex.; Crookes, 1986), o movimento é melhor visto como flexível quanto à sua realização linguística. [...] O movimento não é uma unidade formal, mas funcional. (SWALES, 2004, p. 228-9 )
Este modelo de análise pode ser adaptado para análises de outros gêneros2. Neste sentido, com base na proposta sociorretórica de Swales para análise de gêneros, no tópico cinco deste artigo será apresentada a análise da organização retórica dos sumários executivos do conjunto de documentos temáticos (issue papers), presentes no texto “Documentos temáticos: objetivos de desenvolvimento sustentável 1.2.3.5.9.14 Brasil”.
5. A organização retórica dos sumários executivos dos documentos temáticos das nações unidas no Brasil para implementar a agenda 2030
Bathia (1993), ao refletir sobre a análise sociorretórica de gêneros, caracteriza esta tarefa como “uma busca de padrões” e não uma imposição deles, para este autor o analista de gêneros precisa trabalhar de forma a ter uma visão holística do objeto estudado, compreendendo o contexto emque ele está inserido, semperder de vista cada passo listado para a análise; Bazerman (2009) compreende o processo como estudo de formas textuais padronizadas e tipificadas e Swales (1990;2004), ao analisar gêneros, observa a recorrência de propriedades discursivas legitimadas e convencionadas por uma comunidade discursiva. De fato, o que pode ser observado como ponto de convergência entre estes autores é o fato de que a recorrência de propriedades discursivas e a convenção a respeito de tais propriedades são consideradas por todos os estudiosos, ainda que apareça nos seus estudos intituladas com diferentes nomes.
Assim, neste tópico apresentaremos as impressões construídas a partir da aplicação do modelo CARS de Swales (1990; 2002) na análise da organização retórica dos textos elencados para
2 A exemplo de adaptação do modelo CARS na aplicação de pesquisas científicas apreciando os gêneros “editorial”, “metadiscurso” e “seções de conclusão de artigos acadêmicos” :
1. https://www.researchgate.net/publication/334327505_Aplicacao_do_modelo_CARS_para_caracterizar_a_organiza cao_retorica_de_uma_amostra_do_genero_editorial
2. https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article/download/11282/8377/46806
3. https://publicacoes.unifal- mg.edu.br/revistas/index.php/entreparenteses/article/download/777/pdf/
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este estudo. Foram analisados seis textos intitulados “sumários executivos”, que cumprem a função de espécie de resumo introdutório dos textos que compõem o material “Documentos temáticos: objetivos de desenvolvimento sustentável 1.2.3.5.9.14 Brasil”.
Com a análise realizada, o seguinte quadro de moves e steps foram mapeados :
Quadro 1. Estrutura retórica dos sumários executivos (ONU Brasil 2017) com base no Modelo CARS de Swales (1990) .
Estrutura Retórica dos Sumários Executivos (ONU Brasil 2017)
Função Retórica 1 (FR1) – Contextualização do tema (ODS)
FR1A (step 1A) – apresentação do tema e/ou
FR1B (step 1B) – contextualização do ODS e/ou
FR1C (step 1C) – apresentação de dados sobe o tema e/ou
FR1D (step 1D) – contextualização da aplicação do ODS e/ou
FR1E (step 1E) – criando um nicho de discussão e/ou
FR1F (step 1F) – tecendo generalizações sobre o ODS e/ou
FR1G (step 1G) – explicando o ODS e/ou
FR1 H (step 1H) – problematizando o ODS e/ou
FR1I (step 1I) – elencando pontos que demandam ação
Função retórica 2 (FR2) – Discutindo o tema (ODS) FR2A (step 2A) – valorizando o ODS e/ou
FR2B (step 2B) – contra-argumentando discussões prévias
e/ou
FR2C (step 2C) – tecendo generalizações sobre o tema (ODS) e/ou
FR2D (step 2D) – citando dados de pesquisa prévia oficial e/ou
FR2E (step 2E) – contra-argumentando/apresentando hipótese e/ou
FR2F (step 2F) – ocupando o nicho e/ou
FR2G (step 2G) – sinalizando opção de saída para o problema e/ou
FR2H (step 2H) – justificando a implementação do ODS e/ou
FR2I (step 2I) – apresentar o objetivo a ser alcançado e/ou
FR2J (step 2J) – registrar a oficialização do documento Função retórica 3 (FR3) – Conclusão
FR3A (step 3A) – demonstrando resultados positivos
e/ou
FR3B (step 3B) – somando possibilidades e resultados e/ou
FR3C (step 3C) – apresentando proposta de trabalho e/ou
FR3D (step 3D) – registrando nova demanda de trabalho e/ou
FR3E (step 3E) – registrando ações para a nova demanda e/ou
FR3F (step 3F) – justificar importância das ações sugeridas e/ou
FR3G (step 3G) – contextualização do ODS e/ou
FR3H (step 3H ) – indicando caminhos de ação e/ou
FR3I (step 3I) – estabelecendo conexão para ação complementar e/ou
FR3J (step 3J ) – indicando pontos específicos para ação e/ou
Fonte: a autora, com base no modelo CARS de Swales (1990) .
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Com relação à estrutura retórica do grupo de sumários executivos analisados, foi observado que tais textos, embora compartilhem do mesmo propósito comunicativo, o de oferecer ao leitor uma contextualização, uma visão generalizada a respeito do que será tratado em cada texto do documento, não mantém um padrão rígido no que se refere à estrutura, havendo certa variação da organização estrutural nos textos, o que vai ao encontro da teoria sociorretórica dos gêneros, que reconhece a recorrência de ações por parte do escritor/falante a partir da convenção estabelecida dentro das comunidades discursivas, mas considera que, sendo uma ação social, tais regras estabelecidas pela convenção direcionam, porém, não engessam o produtor de gêneros.
Os elementos utilizados para cumprir a função retórica 1, “Contextualização do tema”, são apresentados de forma a sensibilizar os receptores dos textos, o que pode ser observado nos trechos: “pobreza extrema” e “requisito indispensável” – ODS 1; “fome”, “segurança alimentar” e “agricultura sustentável” – ODS2; “a saúde é umdireito inalienável” e “políticas públicas” – ODS 3; “direitos humanos das mulheres” – ODS 5; “industrialização inclusiva e sustentável” – ODS9 e “poluição marinha” e “gestão sustentável” – ODS 14.
Com relação ao cumprimento da função retórica 2, “Discutindo o tema”, diversos pontos são apresentados a fim de instigar ainda mais uma reflexão acerca da necessidade de cumprimento dos ODS, tais como: “pessoas vivendo na pobreza em todas as suas dimensões” – ODS 1; “mapa da fome” e “população vivendo em condições de subalimentação” – ODS2; “empoderamento” e “violência contra mulheres” – ODS5; “recessão” – ODS 9 e “gestão ecossistêmica” e “direito internacional sobre o tema” – ODS 14.
E, para a função retórica três, “conclusão”, trechos como “ninguém será deixado para trás” – ODS1; “essas conquistas e reconhecimento em escala global” – ODS 2; “depende do monitoramento” e “estratégias de combate ao racismo” – ODS5; “será essencial a liderança do governo” e “fomentar a pesquisa científica” – ODS 9.
Considerações finais
Os sumários executivos analisados apresentam claramente o propósito comunicativo deste gênero, o de contextualizar o governo brasileiro acerca do que será tratado por parte das Nações Unidas no Brasil para implementar a agenda 2030, servindo de subsídio para o trabalho da comissão nacional para a execução de tais discussões temáticas.
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Este propósito pode ser comprovado tanto pelo contexto de produção, que está centrado na ideia de ações para a implementação da chamada “Agenda 2030” – agenda de desenvolvimento sustentável subnacional, comotambémpor meio da própria progressão textual, que mostrou alguns padrões observados, revelados no mapeamento dos passos (steps), divididos nas três funções retóricas apresentadas neste artigo: Contextualização do tema, Discutindo o tema (ODS) e Conclusão.
Com relação à estrutura retórica dos sumários executivos, os textos em geral apresentam: uma contextualização acerca de cada ODS no início dos sumários executivos, seguindo com uma discussão do tema a partir de argumentos que cativam a aderência e implantação da agenda 2030 e progredindo por um caminho que leva a uma conclusão a partir de possibilidades de alcance da proposta, por meio de ações específicas.
Importa registrar que os steps não são cem por cento idênticos em todos os textos analisados, masque conforme Bathia (1993) e Swales (2004), umapequena variação dos steps não compromete a classificação deste gênero. Desta forma, os sumários executivos analisados apresentam em sua organização retórica a recorrência de generalizações que cumprem o propósito de contextualizar o que será tratado com maior propriedade no decorrer do documento. Assim, dentro do contexto em que se encontram, a ideia de sumário executivo é compatível a de introdução de textos da área científica.
Dessa forma, conclui-se que o modelo CARS de Swales (1990;2001) é uma ferramenta importantíssima para a compreensão e mapeamento da organização retórica de gêneros discursivos, visto que a sociedade abarca várias comunidades discursivas que compartilham movimentos e passos retóricos em suas formas tipificadas de comunicação, as quais são convencionadas pela comunidade discursiva e merecem ser estudadas por aqueles que têm interesse pelo tema, desejam desenvolver habilidades voltadas à determinada profissão e/ou serão professores da área da produção textual .
E, ainda, embora essa seja uma vertente a ser pesquisada e relatada em umoutro estudo – fica como sugestão ao leitor - , quando se pensa na esfera profissional, o conhecimento linguístico se faz essencial diante do fato de que aqueles que têm as habilidades comunicativas melhor desenvolvidas conseguem expor as suas ideias de forma estratégica, fazendo as escolhas
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linguísticas e do gênero consciente, priorizando palavras, expressões e modelos de textos que melhor atendam à situação comunicativa.
Referências
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