
ARTIGO
Perfil sociolinguístico dos surdos em regiões de baixa demografia no estado do T ocantins
Sociolinguistic profile of the deafs in low demography regions in the state of Tocantins
Fernando Cardoso dos SANTOS
fernandosantos@uft.edu.br
Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil .
Resumo
A pesquisa em Sociolinguística das comunidades surdas ainda é escassa no Brasil, principalmente em relação ao emprego efetivo da Língua de Sinais Brasileira – Libras, emcontato coma língua portuguesa. Com base nessa constatação, esta pesquisa objetiva descrever o perfil sociolinguístico dos surdos resultantes da comunicação e contato da Língua Brasileira de Sinais e da língua portuguesa. O corpus é formado por entrevistas realizadas via whatsapp com 30 surdos residentes em regiões de baixa demografia do Estado do Tocantins. Os result ados parciais revelam que, além da Libras e da língua portuguesa, os entrevistados empregam estratégias comunicacionais adicionais, como linguagem de sinais caseira e outras formas de comunicação.
Palavras-chave: Sociolinguística; Libras; Teoria laboviana.
A bstract
Research in Sociolinguistics of deafs communities is still scarce in Brazil, mainly in relation to the effective use of the Brazilian Sign Language – Libras, in contact with the Portuguese language. Based on this finding, this research aims to describe the sociolinguistic profile of deaf people resulting from communication and contact with the Brazilian Sign Language and the Portuguese language. The corpus is made up of interviews conducted via WhatsApp with 30 deaf people living in low-demographic regions of the State of Tocantins. Partial results reveal that, in addition to Libras and the Portuguese language, respondents employ additional communication strategies, such as homemade sign language and other forms of communication.
Keywords: Sociolinguistics; Libras; Labovian theory.
FLUXO DA SUBMISSÃO
Submissão do trabalho: 30/04/202 3 Aprovação do trabalho: 25/05/202 3 Publicação do trabalho: 29/05 /2023
10.23925/2318- 7115.2023v44i1e61873
Distribuído sob Licença Creative Commons .
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1. Introdução
As condições educacionais do século XIX, até certo ponto, são passíveis de serem questionadas, principalmente quanto ao tratamento do alunado surdo, uma vez que o objetivo era atender os padrões sociolinguísticos daquela época, bem como movimentos sociais os quais não estavam abertos ou preparados às diversidades sociais, culturais e individuais.
O padrão era que os surdos “falassem” – na verdade eles sempre falaram -, de acordo com a língua majoritária oral. Dessa forma a preocupação era “normalizar” os surdos aos padrões de comportamento linguístico da época (MCDONNELL, 2016).
Embora mais de umséculo tenha se passado, ainda não há acesso pleno dos surdos a uma língua que lhes seja acessível, qual seja uma língua de sinais. Com base nessa constatação inicial, a pesquisa se preocupou em descrever e revelar o perfil sociolinguístico dos surdos em regiões de baixa demografia no Estado do Tocantins. Esse objetivo central da pesquisa surgiu da necessidade de expandir o campo investigativo, o qual é guarnecido de carências em estudos científicos direcionados para essas regiões remotas, bem como para minorias linguísticas nos limites do Estado, que por vezes, ainda estão sujeitas à visão acerca dos indivíduos dos surdos predom inante no século XIX.
É de praxe que “privilégios” são acentuados nas cidades de grande demografia, isso porque há maior união sociolinguística dos surdos, familiares, profissionais e simpatizantes que fazem parte da sociedade surda. Privilégios como cursos de formação de profissionais em Libras, curso de Libras, profissionais habilitados e capacitados na fluência bilíngue.
Por outro lado, os surdos e seus familiares das regiões remotas não têm acesso de maneira integral à Libras e à língua portuguesa como segunda língua, devido à inúmeras questões, dentre elas a baixa demanda de profissionais, a pouca difusão da língua, a falta de interesse do setor público para contribuir com a inclusão das minorias linguísticas.
Diante do contraste entre as condições dos surdos de grandes centros urbanos e dos surdos moradores de regiões isoladas, surgiram indagações hipotéticas que estariam envoltas apenas pelos conhecimentos empíricos como: Que línguas são utilizadas pelos surdos? Sem acesso à Libras e à língua portuguesa como L2, como ocorre o contato, a comunicação e a interação dos surdos nos diversos contextos de interação?

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Quanto a isso, importa questionar se é possível haver comunicação e compreensão entre indivíduos surdos-surdos e surdos-ouvintes, embora os surdos e ouvintes não possuam fluência em uma língua sistematizada como a Libras.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Sociolinguística e suas contribuições
Segundo Elia (1987, p. 65) “[...], a Sociolinguística (distinta da Sociologia da Linguagem) estaria enriquecida com dados de natureza social, o que lhe permitiria ir além da frase, no sentido de uma gramática da interação falante/ouvinte”. Assim, a Sociolinguística mostra-nos influências sociais que regem nos diferentes contextos de comunicação e interação entre os indivíduos de fala. E essas influências não são imunes às variedades de ideologias e concepções quanto à diferença do outro, podendo ocorrer por via de comportamentos e atitudes linguísticas, bem como estranhamento do outro por não encaixar nos padrões almejados pela sociedade.
Nos primórdios dos estudos científicos sociais e linguísticos, os objetos de estudo língua e sociedade não alcançaram o êxito em caminharem separados, contudo, o aprofundamento prático em campo, ficou evidenciado que ambas possuem relações intrínsecas, mudam e variam conforme o tempo e o comportamento social. Essas discussões calorosas em torno de sociologia e de sua relação com a linguística tiveram seu apogeu na Europa, especificamente na França, e estenderam-se não somente para a América, mas também para outros continentes.
Conforme o sociólogo Émile Durkheim (1984, p.11), um dos principais estudiosos da Sociologia, é possível definir que
a sociologia é aquela que apresenta os fenômenos sociais externos aos indivíduos. Admite - se hoje que os fatos da vida individual e os da vida coletiva são até certo ponto heterogêneos: pode-se até dizer que umacordo, se não unânime, pelo menos muito geral, está em processo de formação sobre esse ponto. (tradução nossa) 1
Ofoco dos estudos de Durkheim era a sociologia, mas ele também dedicava uma vertente ao debate da linguística, no jornal francês Année sociologique, além de contar, entre seus discípulos linguistas como Meillet e Lévy-Brul. Um deles já definia a língua como uma das várias técnicas corporais que o homem emprega na sociedade (URIBE-VILLEGAS, 1977). A menção
1 No original: c'est celle qui présente les phénomènes sociaux comme extérieurs aux individus. On nous accorde aujourd'hui assez volontiers que les faits de la vie individuelle et ceux de la vie collective sont hétérogènes à quelque degré : on peut mêmedire qu'une entente, sinon unanime, du moins très générale, est en train de se faire sur ce point. (DURKHEIM, 1984, p. 11)
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“língua como várias técnicas corporais que o homem emprega na sociedade”, o autor demonstra que a língua vai além do aspecto da fala oralizada, que era vista com prestígio pela sociedade, e que técnicas corporais são línguas, que apesar de não seguirem as normas de estruturação padronizada, são fatores linguísticos e sociais que transmitem enunciados significativos e passiveis de compreensão entre os atores envolvidos, estendendo este posicionamento a outras sociedades de línguas diferentes em território onde impera uma língua majoritária.
Meillet contribuiu com seu legado, bem como orientou importantes discípulos cientistas que muito contribuíram com o surgimento da sociolinguística, como: Joseph Vendryes (1875 - 1960), Gauthiot Robert (1876-1916), Marcel Coehn (1844-1974), Alf Sommefeldt (1892- 1865), Georges Dumézil (1898-1986), Émile Benveniste (1902-1976) André Martinet (1908-1999), entre outros.
A partir de 1963, a linguística apercebeu-se que não fazia sentido deixar de lado o movimento social, isso porque as discussões giravam em torno desse assunto, a ponto de atingir quase total unanimidade o fato de o social e a língua não poderem ser separados um do outro. Meillet afirma que
[...] somos reconduzidos a uma concepção histórica [...], e que caímos na simples consideração de fatos particulares; porque se é verdade que a estrutura social é condicionada pela história, nunca são os fatos históricos eles mesmos que determinam diretamente as mudanças linguísticas, e são as mudanças na estrutura da sociedade a única que pode modificar as condições de existência da língua. Será necessário determinar a que estrutura social responde uma dada estrutura linguística e como, em geral, mudanças na estrutura social resultam emmudanças estrutura linguística. (MEILLET, 1982, p. 17, tradução nossa) 2
Segundo ele, as dimensões do estudo social e linguístico estão condicionadas aos vários fatores sociais, comos quais a diversidade linguística se relaciona às identidades sociais do emissor e receptor e à situação comunicativa.
Em meados da década de 60, havia muitos debates teóricos suficientes para pôr em prática questões da indivisibilidade da língua e sociedade, foi então que Labov (1960), concluiu que era a hora de ir a campo para aplicar a teoria na prática, no entanto, ele ainda estava
2 No original: qu’on soit par là ramené à une conception historique, et qu’on retombe dans la simple considération des faits particuliers ; car s’il est vrai que la structure sociale est conditionnée par l’histoire, ce ne sont jamais les fa its historiques eux-mêmes qui déterminent directement les changements linguistiques, et ce sont les changements de structure de la société qui seuls peuvent modifier les conditions d’existence du langage. Il faudra déterminer à quelle structure sociale répond une structure linguistique donnée et comment, d’une manière générale, les changements de structure sociale se traduisent par des changementsde structure linguistique. (MEILLET, 1982,p. 17).

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procurando entender como a heterogeneidade (ainda questionada, predominavam os estudos estruturalistas, desconsiderando-se o contexto social) da estrutura da língua era desconectada dos fenômenos sociais, e estava sendo defendida por renomados estudiosos antes de suas ideias. Para ele, a sociolinguística é a linguística dentro do contexto social, que pode ser estudada usando métodos de estratificação social, para averiguar a diversidade linguística de acordo com o contexto e movimento social coletivo e individual (LABOV, 2008; FREITAG, 2010; CALVERT, 2012; OLIVEIRA, 2017; MUSSALIM & BENTES, 2001).
A preocupação desses precursores da corrente teórica sociolinguística era aliar as regras e restrições e variações da língua a umsistema funcional e estruturado, ou seja, umalíngua sempre funcional e plena, embora em variação e mudança constante.
Nos dias atuais, pesquisas em Sociolinguísticas são influenciadas em sua maioria pelas contribuições teóricas de Labov (1963), mas, ainda predominam na estratificação social e nas comparações linguísticas, em especial a gramática. Considerou-se nesta pesquisa teorias que abordam referências à cultura e aos povos surdos para aprofundar estudos sociolinguísticos da comunidade surda e das línguas de sinais. Diante disso, tomou-se como estudos do americano Ceil Lucas (2004), que deixou excelentes contribuições sobre Sociolinguísticas das línguas de sinais, variação das línguas de sinais na comunidade surda e cultura surda.
Assim, amparado nos trabalhos de Lucas (2004), esta pesquisa buscou, para além da observação da língua de sinais, de forma que concretizou revelar os perfis sociolinguísticos dos participantes surdos em regiões de baixa demografia no Estado do Tocantins. Perfis que são construídos com base no indivíduo surdo, ou seja, perfis que o próprio sujeito construiu de forma natural ou sob influência do contexto social. Essa visão tem como objetivo buscar novas formas de ver o sujeito que não sejam especificamente sujeitos do sistema estruturalizados.
A partir desses pressupostos, diversos estudos sobre a sociolinguística vêm sendo desenvolvidos atualmente, com ênfase para comparações fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e estruturais da língua, bemcomo a diversidade linguística relacionada à estratificação social, considerando fatores como idade, gênero, cultura, entre outros.
2.2. Contato sociolinguístico no contexto surdo
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Assim como qualquer pessoa, os indivíduos surdos assumem suas posturas conforme o ambiente de contato, podendo afetar ou não o comportamento linguístico dos falantes (cf. WEINREICH, 1953). Dessa forma, o contato sociolinguístico aqui descrito aponta os fenômenos resultantes do contato das línguas dos participantes em suas diversas modalidades como a língua portuguesa falada e escrita, gestos e Libras.
Na modalidade de língua portuguesa escrita, é relevante a compreensão de como os participantes surdos trocam informações ao terem contato com idioma diferente no ambiente escolar e por meio de recursos tecnológicos (redes sociais, whatsapp, Instagram e Facebook ). Segundo Machado e Quadros,
O contato entre línguas ocorre quando línguas diferentes interagem ou se alternam no uso, ou entre dialetos que estão em constante contato no mesmo território, seja pela colonização, por invasões ou conquistas de guerras, por migrações, ou em localidades situadas em fronteiras. As línguas interagem também por meio de viajantes, da ciência e tecnologia, das relações industriais e comerciais internacionais, dos intercâmbios de estudos científicos, dos meios de comunicação, da globalização etc. Esse contato linguístico pode promover a produção e o aumento das palavras/sinais que se tornarão empréstimos podendo provocar alterações fonológicas, morfológicas e ortográficas nas línguas de chegada (MACHADO; QUADROS, 2020, p. 171).
Estudos sobre contato linguístico tratam, em sua maioria, de discussões teóricas que abordam contato linguístico entre línguas faladas emdiferentes contextos interativos. Os autores afirmam que podem ocorrer variadas formas de contatos, provocando então diferentes resultados, podendo ou não desencadear novos produtos provenientes do contato, como o processo de bilinguismo, dialetos, empréstimo linguístico, code-switching, pidgins, entre outros. No entanto, abordar a relação língua e sociedade, vai além da descoberta das variações linguísticas no campo da gramática, possibilitando investigar também as variabilidades linguístic as entre culturas e as variabilidades individuais dentro de um mesmo grupo social, indo em direção mais aprofundada nos produtos derivados dos contatos entre culturas distintas, entre indivíduos interculturais e suas atitudes, comportamentos e sentimento de pertencimentos diante da imersão num contexto em que diferentes línguas são usadas para o processo de comunicação interação. Segundo Weinreich (1953),
[...] duas ou mais línguas serão consideradas em contato se forem usadas alternadamente pelas mesmas pessoas. Os indivíduos que usam a linguagem são, portanto, o locus do contato. A prática do uso alternado de dois idiomas será chamada de BILINGUALISMO, e as pessoas envolvidas, BILÍNGUES. Aqueles casos de desvio das normas de qualquer idioma que ocorrem na fala de bilíngues são resultado de sua familiaridade com mais de um idioma, ou seja, como resultado do contato linguístico, serão referidos como fenômenos de INTERFERÊNCIA. São esses fenômenos da fala e seu impacto nas normas

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de qualquer uma das línguas expostas ao contato que convidam o interesse do linguista (WEINREICH, 1953, p. 1, tradução nossa)3 .
Obilinguismo, inclusive, é uma das propostas que ainda prevalece no processo de ensino dos surdos nas escolas, e, a cada dia ganha mais força, por intermédio da lei para sua inserção como proposta noensino regular, bemcomocriação de escolas bilíngues Libras-Língua Portuguesa. Essa proposta não é recente, e tem um histórico de lutas para melhoria na inclusão dos surdos no contexto escolar, e a partir desse ponto, o bilinguismo vem sendo ampliado para todos os setores sociais. Dessa forma, torna-se uma necessidade ser bilíngue para melhor se situar no “mercado linguístico ”.
Quadros (2017) relata que quando há o contato dos surdos de forma intensa com a língua de herança no contexto familiar e na comunidade em geral, diz-se que o herdeiro é “supostamente bilíngue”, por estar em contato com duas línguas nativas, podendo ele não ter fluência, ou ser “mais ou menos fluentes em uma e outra língua (desbalanceados)”. (p. 1).
Em se tratando dos surdos brasileiros, o debate sobre o bilinguismo ganhou fôlego com uma das propostas para educação de surdos, pois, antes de 2002, não havia um consenso sobre as propostas de ensino no contexto escolar. A abordagem do bilinguismo dos povos surdos concentra-se na educação e no reconhecimento das línguas de sinais e da Língua Portugu esa dentro do contexto escolar, ou seja, os alunos são “inseridos”4 na sala de aula com alunos ouvintes, professores ouvintes e intérprete de Libras. Consequentemente, o aluno está tendo acesso a duas línguas, a Língua Portuguesa e a Libras. Nota-se, em muitos casos, apenas o profissional intérprete sabe a Libras, portanto o ambiente bilíngue é restrito e não envolve abordagem bilíngue dentro de todo o contexto escolar como um todo.
Quanto a interferência dita por Weinreich, o autor ainda explicita,
3 two or more languages will be said to be in contact if they are used alternately by the same persons. The language - using individuals are thus the locus of the contact. The pratice of alternately using two languages will be called BILINGUALISM, and the persons involved, BILINGUAL. Those instances of deviation from the norms of either language which occur in the speech of bilinguals are a result f their familiarity with more than one language, i.e as a result f language contact, will be referred to as INTERFERENCE phenomena. It is these phenomena of speech and their impact on the norms of either language exposed to contact that invite the interest of the linguistic. (WEINRICH , 1953, p. 1).5
4 Até meados de 1999, os surdos eram inseridos ou integrados emcontextos escolares onde não havia acesso integral às suas necessidades. Após lutas dos povos surdos, o temo melhor usado foi a “inclusão” que perdura até os dias atuais, comconceito de que essa inclusão aborda todas as possibilidades de acesso e atendimentos às especificidades dos surdos.
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O termo interferência implica o rearranjo de padrões que resultam da introdução de elementos estrangeiros nos domínios mais altamente estruturados da linguagem, como a maior parte do sistema fonêmico, grande parte da morfologia e sintaxe e algumas áreas do vocabulário (parentesco, cor, clima, etc.). (WEINREICH, 1953, p. 1)5 .
O contato e a interação sociolinguística não estão atrelados apenas à língua, assim reações entre os indivíduos, sejam positivas ou negativas, dependendo do comportamento, da cultura, bem como o contexto interativo, devem ser consideradas. A posição individual e coletiva também é relevante, porque, como se trata de povos minoritários, tratá-los sem distinção q uantitativa eleva a compreensão de que todos são iguais perante os direitos e deveres sociais. Ações de inclusão devem atingir também indivíduos surdos que residem em cidades distantes dos grandes centros urbanos, mesmo que em menor número deve ser visto no mesmo patamar onde se diz cultura majoritária.
Lucas et. al., (2002), em seu trabalho sobre as línguas de sinais, relata que ,
Emsituações de contato prolongado, umalíngua costuma exercer alguma influência sobre a outra. Quanto mais apoio houver para uma variável demográfica, sociopsicológica ou psicológica, mais provável é que um grupo permanece uma entidade com sua língua, cultura e identidade intacta (LUCAS at. al., 2002, p. 157, tradução nossa)6 .
Os surdos e suas heterogeneidades sociolinguísticas atualmente têm ocupado seu espaço na sociedade, nas múltiplas esferas sociais, no contexto familiar e econômico, porque tem conquistado reconhecimento de seus direitos linguísticos. Sua mobilidade não está relacionada apenas a contextos culturais, como associações, grêmios, e locais específicos de contato para interagirem. Pelo contrário, estão onde qualquer outro indivíduo possa estar .
Bourdieu apud Rubio e Souza também dá evidências de que o social caminha a passos lentos à frente do movimento surdo, ao mencionar que,
A situação de igualdade com as crianças ouvintes e falantes de português, [...], irá depender de umasérie de fatores, dentre eles da aceitação da surdez, doacesso da criança à linguagem empregada no contexto familiar (nem sempre, os pais têm o domínio de uma língua de sinais) e da avaliação que a criança e os adultos fazem da língua de sinais e da língua oral presente no ambiente, ou seja, dos valores que as línguas em contato apresentam no “mercado linguístico” (BOURDIEU, 1977 apud RUBIO e SOUZA, 2021, np.).
5 The term interference implies the rearrangement of patterns that result from the introduction of foreign elements into the more highly structured domains of language, such as the bulk of the phonemic system, a large part f the morphology and syntax, and some áreas of the vocabulary (kinship, color, weather, etc.). (WEINRICH, 1953, p. 1).
6 In situations of prolonged contact one language usually exerts some influence on the other. The more support there is for a demographic, sociopsychological, or psychological variable, the more likely it is that a group will remain an entity with its language, culture, and identity intact. (LUCAS at. al., 2002, p. 157).

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As proposições citadas acima se devem às morosidades na difusão da língua dos povos surdos e sua cultura, visão estereotipada e estigmatização da língua, que infelizmente atrelam- se também à pessoa surda, isto porque, nem todos os surdos não exercem o papel de ativista, mas há de se considerar que, os surdos que vivem em regiões distantes dos grandes centros urba nos carecem de informações que possam contribuir para o desenvolvimento de sua pessoa e manterem-se atualizados, e é por isso que eles de certa forma são dependentes dos ouvintes, e são através destes e mídias sociais que recebem informações. No contexto escolar como mencionam os autores, a desigualdade entre pais e filhos ocorre por desconhecerem a Libras, fato marcante em regiões onde o acesso à informação das particularidades quanto à pessoa surda, e suas normalidades e independências. Devido à escassez de informações, os pais se preocupam em curar a surdez, recorrendo aos aparelhos auditivos, e aos implantes cocleares. Foi para esta finalidade que a lei 10.436 de 24 de abril de 2002, em seu artigo 2º, garante a difusão da Libras, assegurando adquirir o conhecimento da Libras pela sociedade em todas as regiões do país, no artigo 2º diz,
Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. (BRASIL, 2002).
Os dispositivos legais ora existentes no Brasil são majoritariamente de origem Federal que passam a ser validado em todo território nacional. Este caminho chegar a cidades de baixa demografia é uma situação que requer atenção, pois nos pequenos municípios há risco de a hierarquia política não atender a regulamentação Federal, pois nessas cidades não a demanda de profissionais capacitados, como então não há políticas engajado na luta pelos direitos linguísticos dos surdos, e levam como justificativa a falta de acesso aos surdos, bem como pequeno número de indivíduos residentes no município. No entanto, resta ficar a cargo das famílias e pessoas que se simpatizam com situações frágeis das pessoas suas, para construção de políticas linguísticas regionais.
3. Procedimentos M etodológicos
A pesquisa aqui realizada se ajusta com a abordagem qualitativa e quantitativa. Por meio da pesquisa descritiva foi realizada uma variedade de procedimentos metodológicos, incluindo levantamentos, observações e análises de dados secundários, com objetivo de
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descrever com precisão e objetividade as características do perfil sociolinguístico dos surdos em regiões de baixa demografia distantes dos grandes centros urbanos no Estado do Tocantins, bem como dos fenômenos resultantes da interação e contato entre suas línguas e a língua portuguesa em diferentes contextos interativos, em sua quantidade, distribuição e frequência. Oportunizando oferecer suporte para a tomada de decisões nas futuras pesquisa s que abordam a temática dos povos surdos.
Apesquisa descritiva, segundo Gil (1999 p. 45) “têm por objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou estabelecimento de relações entre variáveis”. A variáveis deste trabalho são as relações que ocorrem nos ambientes onde se fazem jus ao uso da Libras.
A descrição do perfil dos surdos se circunscreve em descrever de forma holística as características do perfil sociolinguístico dos surdos que fazem o uso da Libras, português e de outras formas de comunicação, e conforme Triviños (1987, p.110), o foco essencial do estudo d escritivo
reside no desejo de conhecer a comunidade, seus traços característicos, suas gentes, seus problemas, suas escolas, seus professores, sua educação, sua preparação para o trabalho, seus valores, os problemas de analfabetismo, a desnutrição, as reformas curriculares, os métodos de ensino, o mercado ocupacional, os problemas do adolescente, etc.
Dessa forma, a pesquisa qualitativa, bem como a metodologia abordada, se preocupou com a veracidade e a validade dos dados coletados. Assim, ao fazer a triangulação no uso de diferentes fontes e métodos de coleta de dados, possibilitou ter uma visão holística dos contextos, cenários e ambientes que cercam os surdos e fenômenos ações que ocorrem nesses espaços. O método de coleta face a face possibilitou garantir a credibilidade, assim como a qualidade significativa no contato com participantes surdos e dos dados coletados. Minayo pontua que,
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (2001, p.21).
Na análise quantitativa, pretendeu-se mostrar números que quantificam em relações à língua em uso dos municípios investigados, sendo o quantitativo de surdos que sabem ou não a Libras, a língua portuguesa, frequência em que costumam socializar com surdos/ouvintes,

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frequência de contato com surdos/ouvinte, bem como outras formas de comunicação no contexto familiar e social, explicitado pelos participantes no âmbito da investigação em campo. A proposta de avaliar um número significativo, no mínimo 30 participantes surdos, é justificada pela quantidade que possibilita uma margem para apresentar também a análise quantitativa, com objetivo de revelar o quantitativo de surdos que fazem o uso comum de uma determinada língua(gem), recursos extralinguísticos, dentre os outras situações que se fazem jus a responder as questões propostas neste trabalho, como taxa de recorrência, fenômeno s padronizados e possibilidade de prever acontecimentos futuros.
No levantamento de participantes surdos, foram feitas buscas com objetivo de localizar e identificar os surdos que residem nos pequenos municípios distantes num raio de até 300km da capital Palmas no Estado do Tocantins. Dentro deste raio, foram selecionados apenas surdos que tenham qualquer grau de perda auditiva.
A investigação para levantar os participantes surdos ocorreu da seguinte forma; contato com seções do ensino especial da Secretaria Estadual e Municipal de Educação, por meio de ofício e contato telefônico; por meio de informações através das coordenadorias da Educação Especial das Diretorias Regionais de Ensino; indicações do informante da pesquisa; indicações dos surdos já conhecidos pelo pesquisador e indicações dos surdos conhecidos pelos participantes que foram entrevistados.
Disposto dos dados do levantamento dos participantes dos pequenos municípios, foi organizada a rota de visita para aplicação do questionário de entrevista. No município onde reside o pesquisador, as entrevistas foram realizadas no formato presencial, nos demais municípios foram feitas via whatsapp, devido à distância e recursos para custeio no deslocamento do pesquisador.
Ao entrar em contato com os participantes foi definido o local do encontro, bem como do horário para acesso ao aplicativo whatsapp, conforme decisão dos entrevistados. No iní cio, antes da entrevista, foi explicitado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE7 . Neste primeiro momento percebeu-se que a diversidade de comunicação dos participantes surdos foi bastante variada de um indivíduo para o outro, ou seja, uns disseram não falar em Libras, outros sim, uns comunicavam apenas por sinais caseiros, outros fazem o uso da Libras,
7 TCLE foi aprovado pelo comitê de Ética em janeiro /2023.
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recursos extralinguísticos e leitura labial simultaneamente, logo, a explicação do termo e a aplicação da entrevista ocorreu de forma que foi utilizado recursos comunicativos que atendem à necessidade específica dos participantes, seja Libras, gestos, expressão facial e corporal, sinais caseiros, sinais icônicos,8 .
Na elaboração do questionário da entrevista, traçou-se um roteiro semiestruturado de forma que abordasse perguntas que pudessem responder ao problema desta pesquisa. Ao aplicar a entrevista não se ateu apenas às respostas fechadas do questionário, ademais, foi permitido que os surdos discursassem por livre e espontânea vontade, o que eles considerassem necessários expor suas condições sociolinguísticas em seus contextos de convivência, assim expandiu-se possibilidades de percepção quanto ao perfil sociolinguí stico dos entrevistados de acordo com seus discursos e exposições de suas ideias.
O questionário da pesquisa adotado foi conforme modelo survey. Este modelo segundo Paiva (2019, p. 50), “é um tipo de pesquisa descritiva bastante comum nos estudos sociais e educacionais”, e ainda conforme Brown e Rodgers (2002, p. 142), refere-se ao método survey como “quaisquer procedimentos usados para coletar e descrever as características, atitudes, visões, opiniões, e assim por diante, de estudantes, professores, administradores e qualquer outra pessoa que seja importante para o estudo” (BROWN; RODGERS, 2002, p. 142, tradução nossa9 ). Grifee (2012) define questionário como “os questionários como instrumentos de coleta de dados são instrumentos populares de pesquisa em muitos campos, incluindo comunicação, educação, psicologia e sociologia” (p. 135, tradução nossa10 ).
Foram entrevistados 11 surdos no formato presencial e 19 via whatsapp. Nocaso dos surdos que dominavam Libras, a explicitação do termo de consentimento e a decorrência da entrevista aconteceram em Libras. Alguns responderam que falam Libras mais ou menos. Assim a entrevista foi aplicada de forma que possibilitou alternar a fala entre Libras, gestos, mímica expressão facial e corporal, e leitura labial.
A entrevista feita por meio do aplicativo whatsapp foi gravada em vídeo, e a entrevista que ocorreram de modo presencia; as respostas foram anotadas de imediato emdiário de campo para
8 Destaque-se, neste momento, que o pesquisador proponente da pesquisa é surdo, pertencente à comunidade de surdos do Estado do Tocantins.
9 any procedures used to collect and describe the characteristics, attitudes, views, opinions, and so on, of students, faculty, administrators, and anyone else who is important to the study. (Brown and Rodgers, 2002).
10 “questionnaires as data-gathering instruments are popular research instruments in many fields including communication, education, psychology, and sociology” . (GRIFEE, 2012, p. 135)

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evitar desencontros entre as respostas dos entrevistados e o risco de esvair da memória do pesquisador.
O ponto inicial da entrevista sucedeu caráter informal, como saudações introdutórias (olá, bom dia, como vai, prazer conhecer você, qual nome da sua cidade etc.). O papel do informante nas entrevistas presenciais foi abrandar o ambiente para que o entrevistado se sentisse à vontade com seus pares surdos, possibilitando assim melhores consistências de dados e variabilidade nas respostas das perguntas situadas nos discursos dos entrevistados. As questões do formulário do apêndice I, abordaram questões focadas no participante surdo, com objetivo de conhecer sua concepção, o uso da língua(gem) para comunicação e interação com demais indivíduos sejam surdos ou ouvintes.
A primeira questão: Você fala Libras ou português, ou, como? Ou se comunica de outra forma? Como? Dará início a conversa, pois é possível que nem todos os participantes comunicam - se na mesma língua, ou melhor, dizer que eles se comunicam de acordo com suas particularidades e vivência num contexto sociolinguístico diversificado.
Dentre diversas formas de comunicação da comunidade surdas, alguns surdos disseram não falar em Libras, tão logo a entrevista procedeu por meio de gestos, mímica e expressão corporal e facial, considerando também os aspectos icônicos. No caso dos surdos que souberam Libras, a entrevista aconteceu em Libras. Alguns responderam que falam em Libras mais ou menos, assim a entrevista foi aplicada de forma que possa alternar a fala entre Libras, gestos, mímica expressão facial e corporal.
Em posse desses dados, organizado dos dados seguiu-se para leitura aprofundada procedendo-se às análises dos dados coletados.
Para o desenvolvimento das análises de dados buscou-se suporte de teorias que abordassem temáticas e autores dedicados à sociolinguística de surdos, bem como teorias sociolinguísticas das línguas oralizadas de forma que puderam ser adaptadas às teorias da sociolinguística dos surdos e das línguas de sinais.
Em posse dos dados qualitativos e quantitativos procedeu-se as análises com base nos documentos e discursos que foram além das respostas abarcadas no formulário da entrevista. Ou seja, nas respostas em que os surdos discorreram/complementaram ao relatar sua trajetória na aquisição, na comunicação, na aprendizagem, no contato de línguas, contato com
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surdo-surdo e surdo-ouvintes, bem como suas relações/interações sociolinguísticas em diferentes contextos linguísticos. Nesta análise foram descritas também o sentimento de ser surdo e quanto a oportunidade de ter a Libras, gestos e mímicas de acordo com sua aceitação e bem-estar no dia a dia .
Enfim, discorreu-se as considerações finais com apontamentos às contribuições que esta pesquisa nos trouxe, ponto de vista do pesquisador, bem como apontamentos de novos horizontes teóricos, práticos e metodológicos, assim como políticas linguistas que asseguram a valorização da Libras e dos direitos dos povos surdos .
4. Resultados
A pesquisa mostrou e confirmou de acordo com os pressupostos teóricos que a língua é inseparável do social e ambos se complementam, portanto nem a língua nem o social sobrevivem sem o outro.
As das hipóteses elencadas e foram baseadas em conhecimentos empíricos, no linguajar social, porque elas levantavam suspeitas quanto à língua usada nos diversos contextos interativos dos surdos, uma vez que muitas pessoas não se comunicam e nem se intercomunicam por receio de não saberem a língua diferente das faladas pelos surdos.
A hipótese: É possível haver comunicação e compreensão entre os indivíduos surdos - surdos e surdos-ouvintes, embora estes não possuam fluência em uma língua sistematizada como a Libras.
Os resultados mostraram que sim, apesar de contextos múltiplos e diversos, houve possibilidades de comunicação e compreensão entre os falantes envolvidos nos ambientes em que há múltiplas línguas em uso, sendo a Libras, língua portuguesa, gestos, mímicas, sinais icônicos, enfim recursos extralinguísticos.
Em contexto sociolinguístico familiar os dados revelaram que os pais de todos os participantes não se comunicam em Libras. No contexto social seus amigos ouvintes também não se comunicação através da Libras, e os que falam são poucos, porém, não têm contato com frequência. Nos contextos em que interagem com seus pares surdos alguns não sabem Libras, outros sim.

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Assim, os resultados apresentaram uma ampla diversidade de contextos interativos em que os surdos transitam. Portanto, que resultados fiéis de como é de fato a comunicação nesses múltiplos contextos interativos?
Os resultados apontaram que, emcontextos familiares, os surdos comunicavam através de gestos, mímicas, fazendo-se leitura labial e da iconicidade. Os resultados da análise qualitativa revelaram que ao fazerem o uso da leitura labial nem sempre consegue entender o contexto comunicativo, mas conseguem compreender bem quando o contexto da conversa é curto, ou seja, sentenças curtas, caso contrário, não conseguem compreender através da leitura labial, po is, consideram essa aptidão razoavelmente eficaz.
Os surdos que sabem Libras, em contextos interativos com amigos ouvintes se comunicavam em Libras, caso contrário, recorriam-se aos gestos, leitura labial, mímicas, expressões e recursos extralinguísticos.
Nos contextos de amigos surdos, tanto aqueles que sabem ou não a Libras, a comunicação flui de forma harmoniosa, se o surdo souber Libras, a comunicação acontece em Libras, caso contrário, recorrem-se aos gestos e sinais icônicos. Neste caso há particularidades a se considerar, ao serem indagados o porquê a comunicação flui harmonicamente bem com seus pares surdos que não sabem Libras, o resultado geral foi que todos eles na fase infantil começaram a se comunicar através de gestos, mímicas, sinais icônicos e leitura labial por serem filhos de pais ouvintes que não sabem Libras, e que esta fase da vida foi a fase linguística comum para todos os participantes da pesquisa.
A comunicação que em se fazem o uso da leitura labial é expressa pela fala em língua portuguesa pelos ouvintes de forma que o surdo através da visão capta os movimentos labiais para compreender o enunciado. Contudo, os resultados quanto ao uso, contato e interação nos contextos sociolinguísticos em que se fazem o uso da língua portuguesa apontou que o uso da leitura labial não é escolha dos surdos, mas uma maneira a qual eles recorrem para terem acesso mínimo no contato e nas interações com pessoas que não sabem expressar por outros meios linguísticos. Dada essa situação, todos participantes demonstraram desconfortos, e que essa forma de comunicação é em último caso.
Apesar de haver, na atualidade, ensino de Libras na escola, como português como segunda língua, nem sempre os surdos do interior têm/tiveram acesso pleno a essas línguas.
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Oresultado para esta hipótese no quesito da língua portuguesa escrita, apenas 5 disseram escrever mais ou menos e complementaram que conseguem escrever apenas sentenças curtas, não conseguindo descrever textos longos. Quanto a aprendizagem da Libras na escola, o resultado mostra que não tiveram acesso a Libras para ocasiões comunicativas extensa e complexas, deixando claro que nos ensinamentos na escola ainda prevalece o uso da língua majoritária.
Quanto à comunicação via recursos tecnológicos, redes sociais, o resultado aponta que as trocas de mensagens também eram apenas palavras curtas e de uso cotidiano, como cumprimentos e saudações, por outro lado, a comunicação síncrona acontecia por meio de videochamada exclusivamente comsurdos e comquemsabe expressar na língua desinais, mesmo que não seja estruturada.
Na hipótese em que se diz que os surdos de regiões interioranas fora dos grandes centros urbanos, apresentam características diferentes em relação à comunicação no dia a dia dos surdos residentes em regiões metropolitanas. Pode se referenciar esta hipótese aos pressupostos culturais dos surdos que moram distantes das grandes metrópoles urbanas.
Os resultados revelaram que os surdos residentes em regiões remotas demostraram um comportamento razoavelmente dependentes, sejam de seus pais, sejam das pessoas ouvintes por imaginarem que os ouvintes têm mais conhecimentos de temas abordados e estarem mais familiarizados com atualidades, do mesmo modo sentem diferentes de seus pares surdos que moram nas grandes metrópoles, por estes terem mais acessibilidades a empregos, cultura, socializações e informações. Dos participantes da pesquisa 70% demonstraram interesse em mudar para cidade grande, na esperança de melhorar a qualidade de vida e ter acesso às suas necessidades e aperfeiçoamento da língua brasileira de sinais.
Em síntese, diante da diversidade dos resultados e em consonância com os diversos contextos, podemos concluir que os surdos têm perfis que variam de acordo com os contex tos com os quais interagem, ou seja, se estão em contextos ouvintes que não sabem Libras, demostram terem um perfil que atenda minimamente sua inclusão nesse contexto, um perfil que eles usam diversos meios comunicativos. Esse perfil também é sintetizado em contextos familiares .
Em contextos interativos nos quais os interlocutores surdos e ouvintes fazem o uso da Libras, os surdos demostraram um perfil comunicativo mais consistente, sentem-se orgulhosos e

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inclusos, oportunizando-os fazer o uso de sua língua e compreender o contexto comunicativo naturalmente. Por outro lado, em contextos em que há surdos que sabem e não sabem a Libras, demostram um perfil acolhedor, em que retrocedem às aprendizagens linguísticas da infância, tempos em que comunicavam em gestos, mímicas, sinais icônicos e recursos extralinguísticos, pois os surdos que não sabem Libras ainda se comunicam dessa forma.
Por fim, quanto ao perfil demostrado em contexto em que a língua portuguesa é mais usada, revelaram um tom desmotivador, dificuldade, obstáculos, pois nesta ocasião, não há compreensão integral e completa na comunicação, no entendimento dos discursos abordados nos contextos interativos.
Diferente de falantes de outras línguas, os surdos fazem questão de se comunicarem com todos e com todas as línguas diferentes da sua, pois, eles se transformam em atores linguísticos, oras balbuciam, imitam, fazem mímicas, movem a face, o corpo, oras apenas expressam silenciosamente, beneficiando a si mesmo e ao outro, afirmando reciprocidade e desejo de inclusão e reforço nos laços interativos e culturais. Portando, essas infinitas possiblidades comunicativas deveriam ser vistas além das concepções surdas de forma que alcancem também a sociedade ouvinte.
Considerações finais
Os surdos residentes em cidades pequenas, distantes e de baixa demografia, possuem perfis diferentes. A pesquisa mostrou que eles reagem às inconstâncias dos contextos os quais têm contato e interagem, isto é, todos os participantes vivem em contextos sociolinguísticos em que a língua portuguesa é mais utilizada. Como não há grêmio, socialização entre seus pares, eles se esforçam na medida do possível para interagirem com falantes de outras línguas, e é por isso que eles “quase que forçosamente” fazem o uso de recursos não contemplados pelo s istema estruturado da língua, como sinais caseiros, por exemplo. Portanto, recursos extralinguísticos devem ser considerados como parte da língua de sinais de que por ora não são contemplados pelo sistema desta língua.
As escolas, bem com a gestão pública, deveriamdar mais visibilidade à comunidade surda local, com desenvolvimento de ações inclusivas e criações de legislações específicas que possa m atender as necessidades coletivas e individuais dos surdos. Passados 21 anos da criação da Lei da
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Libras, os municípios investigados, ainda carecem na difusão da Libras nos contextos sociolinguísticos, como consequência, a falta de valorização da Libras, e perpetuando as pessoas surdas como um mero deficientes.
Em suma, considera-se que, mesmo não havendo Libras nos contextos e ambientes de contatos e interações nos quais os surdos transitam, há um conformidade de entendimento de acordo com as línguas faladas, seja ela língua portuguesa, gestos, sinais caseiros e sinais icônicos , uma vez que estes recursos extralinguísticos são expressos concomitantemente com a leitura labial caracterizando os perfis dos participantes como plurilíngues, abarcando laços sociolinguísticos além do purismo e da polarização linguística.
Referências
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