E o Verbo se fez diálogo: o diálogo inter-religioso como exigência da fé  
And the Word became dialogue: interreligious dialogue as a requirement of faith 

Faustino dos Santos
*Mestre em Teologia pela Universidade Católica de Pernambuco – (UNICAP). Contato: faustino.2018606099@unicap.br 

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Resumo:

A pluralidade das religiões en- quanto realidade inegável da vida humana desafia a fé cristã a encon- trar caminhos possíveis de reflexão e diálogo em vista da unidade. Se, por um lado, a busca desses caminhos exige a conversão da pretensão de superioridade e exclusividade que provocou cruéis desumanidades na história das religiões, por outro lado, as razões do diálogo não devem ser justificadas simplesmente pela pluralidade em si, ou pluralismo de fato, mas pelas bases da própria fé que encontram em Deus a razão do diálogo, em Jesus de Nazaré e no anúncio e prática no Reino de Deus as justificativas para o dialogar e na defesa dos pobres e marginalizados, centro da experiência judaico-cristã de Deus, o critério e a medida da unidade das religiões. À luz daquilo que é normativo e próprio do cristianismo, esse trabalho quer apontar que os ca- minhos do diálogo são abertos por Deus e que encontram na singula- ridade de Jesus, o verbo feito diálogo com a humanidade e que foi descentrado de si, os fundamentos para o otimismo cristão com as outras religiões pela descoberta do potencial libertador que cada uma delas tem para a defesa dos neces- sitados e fracos, enquanto sentido mais autêntico para o dialogar. 

Palavras chave: Diálogo Inter-religioso; Deus; Religiões; Cristianismo; Humanidade; Pobres  

Abstract

The plurality of religions, as an undeniable reality of human life, challenges the Christian faith to find possible paths of reflection and dialogue in view of unity. If, on the one hand, the search for these paths demands conversion from the pretension of superiority and exclusivity that has provoked cruel inhumanities in the history of religions, on the other hand, the reasons for dialogue must not be justified simply by plurality itself, or pluralism in fact but by the foundations of faith itself that find in God the reason for dialogue, in Jesus of Nazareth and in the proclamation and practice of the Kingdom of God the justifications for dialogue, and in the defense of the poor and marginalized, center of the Judeo-Christian experience of God, the criterion and measure of the unity of religions. In the light of what is normative and proper of Christianity, this work wants to point out that the paths of dialogue are opened by God and that they find in the uniqueness of Jesus, the Word who became dialogue with humanity and did not announce himself, the foundations for Christian optimism with other religions through the discovery of the liberating potential that each one of them has for the defense of the ne- edy and the weak as the most authentic meaning of dialogue.  

Keywords: Inter-religious Dialogue; God; Religions; Christianism; Humanity; Poor 

Introdução 

O Concílio Vaticano II foi um espaço que respaldou as inquietações de muitos teólogos que nos anos anteriores já ensaiavam formas de renovação teológica. Não sem gerar barulho e desconforto aos convencionais modos de fazer teologia, o Concílio, tomando a decisão de caminhar pelos novos rumos que os tempos exigiam, tornou-se um importante evento da história do Cristianismo e, particularmente, da Igreja Católica como uma espécie de divisor de águas.  

Por meio do que se refletiu e produziu aí, a Igreja que se dispôs à impor-tância do diálogo com o mundo sinalizou para a sua missão universal enquan-to comunidade cristã aberta. Essa abertura favoreceu o nascimento de novas formas de atuação e reflexão, adquirindo, em alguns casos, dimensões sociais muito concretas e posições novas, como é o caso das teologias da libertação não só latino-americana, mas também asiática, africana e tantos outros modos de fazer teológico.

Em preocupação soteriológica, o Concílio Vaticano II encontrou vias de otimismo para com as outras igrejas cristãs e também religiões não-cristãs. A partir das decisões que implicaram, em grande medida, na revisão de axiomas centenários, a Igreja passou a assumir pautas que desde alguns anos já vinham sendo discutidas, seja no âmbito das igrejas cristãs, seja no âmbito das religiões. É nesse sentido e nessa época que uma teologia preocupada com as religiões lança “suas primeiras premissas imediatas” (DUPUIS, 1999, p. 13).

Segundo Dupuis, essa “discussão sobre uma teologia cristã das tradições religiosas da humanidade, junto ao debate sobre a teologia da libertação, veio gradualmente assumindo uma posição central nos recentes questionamentos teológicos” (DUPUIS, 1999, p. 13). No entanto, dado o avanço da reflexão nos anos posteriores, e sem desconsiderar as contribuições oferecidas por impor-tantes nomes da teologia, a delimitação de um estatuto epistemológico para uma teologia que concilie o fenômeno da diversidade religiosa com a centra-lidade do anúncio e prática de Jesus, ainda é motivo de muitas reflexões (cf. COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL, 1997, n. 4).

Algumas razões dão ao tema um caráter inadiável de emergência: o “en-contro das culturas e das religiões que, cada vez mais, vem se tornando um fato 

concreto” (DUPUIS, 1999, p. 11); o “crescente dinamismo de certas tradições religiosas e seu poder de atração e inspiração no Ocidente; [a] nova consciên-cia e sensibilidade em face dos valores espirituais e humanos das outras tradi-ções religiosas e a abertura de novos canais de conhecimento sobre elas; uma nova compreensão da atividade missionária” (TEIXEIRA, 1995, p. 11) e também pela crescente consciência que cada religião tem em si um “potencial libertador” (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 237) que é, ou pode ser, utilizado em favor da vida nas suas mais variadas expressões, sobretudo quando ela se encontra ameaçada.

Dada a jovialidade do interesse em fazer uma teologia das várias tradições religiosas no contexto da salvação e na sua relação com o mistério de Jesus e com a Igreja, nossa intenção é encontrar algumas razões que, desse ponto de vista, fundamentem, de um lado, a abertura e o otimismo cristãos frente as demais religiões e, do outro lado, que possibilite um diálogo com elas, não com um fim logocêntrico, desassociado de uma práxis determinada, mas para que juntas encontrem as melhores alternativas que favoreçam a dignidade da vida humana e do espaço onde a humanidade habita, a “casa comum” (LS, n. 1).

Para falar de uma teologia das religiões que favoreça o encontro e o diálogo da fé cristã com as demais tradições de fé, diremos que ela está fundamentada: 1) no próprio ser de Deus que não é fechado, mas aberto e é, tanto a razão pela qual todas as religiões recebem esse nome quanto a razão da unidade delas; 2) na pessoa de Jesus de Nazaré que foi centrado no anúncio e na prática do Reino de Deus e que, sendo naturalmente homem na história, por sua singularidade, não esgota o mistério de Deus nem põe termo à história das religiões; 3) no serviço à humanidade e à criação, sobretudo na defesa dos pobres e margi-nalizados enquanto critério e medida da verdade cristã e do diálogo entre as tradições religiosas.

1. Em Deus se encontra a razão do diálogo

Na encíclica Ut Unum Sint, o Papa João Paulo II definiu o diálogo como um “instrumento natural para confrontar os diversos pontos de vista e, sobretudo, examinar aquelas divergências que são obstáculo” (UUS, n. 36). Certamente, o diálogo é mais significativo que um instrumento de confronto de pontos de vistas e de exame de divergências. Há uma base antropológica que o envolve e que nos faz reconhecer que “como seres humanos, somos seres de relação, de intercâmbio e de enriquecimento mútuo” (WOLF, 2018, p. 8). 

Do ponto de vista estritamente antropológico, se assim podemos falar, não precisaríamos recorrer a Deus para falar da importância do diálogo, afinal o di-álogo é inegavelmente uma atitude fundamental à vida. Mas, enquanto tal, “o desenvolvimento do ser pessoa relacional incide na compreensão que temos da fé”, da vida e também de Deus (WOLF, 2018, p. 8). Ou seja, pensar o ser humano desassociado das imagens que ele constrói de si e do mundo que são, em gran-de medida, condicionadas pela relação que ele estabelece com o que lhe cerca é uma tarefa quase impossível. Nesse sentido, a imagem ou as imagens que a pessoa tem de Deus, enquanto realidade próxima e condicionante do seu ser humano, não são distantes da sua vida, mas constitutivas dela. Isto para dizer que quando nos referirmos a Deus, partimos não de uma compreensão etérea que paira sobre o mundo dos humanos ou das religiões, mas de uma realidade que está implicada na história e que em maior ou menor grau, orienta a vida e suas relações.

Do ponto de vista cristão, Deus é relação tanto em sua própria natureza quanto em relação ao movimento que ele faz para estar próximo da humanida-de. A maior convicção a cerca disso os cristãos a têm à luz dos ditos e feitos de Jesus de Nazaré que revela a Deus de modo pleno e definitivo e o faz tornando--se próximo dos seres humanos, sobremaneira dos excluídos e marginalizados do seu tempo.

Essa afirmação, longe de pretender sobrepor o cristianismo às demais for-mas e expressões de fé e espiritualidades, é válida, sobremaneira, para os cris-tãos que não podem abdicar dessa singularidade de Deus em Jesus de Nazaré. Denotamos com isso que todo fazer teológico é feito sempre a partir de uma tradição específica, com os pés postos num lugar determinado. No caso da teo-logia cristã, ancorada na tradição judaico-cristã, ela encontra seu pleno cumpri-mento da figura de Jesus de Nazaré, professado como o Cristo. Mas isso não sig-nifica que as outras singularidades fora de Jesus não sejam importantes para os seus adeptos. A mesma lógica que serve aos cristãos, pode ser aplicada a elas.

Seria egoísmo cristão, partindo de uma perspectiva pessoal e também indi-vidual, achar que o cristianismo seria a melhor religião para todas as pessoas do mundo. Não se trata de perpetuar o cristianismo no pedestal imperialista que já foi tão fortemente afirmado nos séculos passados. Antes, a intenção é colocá-lo em relação com as demais religiões, e isso se fundamenta no próprio Deus que 

está presente nas singularidades históricas de modos diversos e, ainda assim, não é fechado numa particularidade histórica que, por ser histórica, é limitada; tampouco se limita nela, ainda que seja em Jesus de Nazaré. Deus é sempre livre para se deixar encontrar onde quiser, ainda que seja fora de Jesus.

Ao dizer que em Deus se encontra a razão do diálogo denotamos, por um lado, que Ele é essencialmente dialógico e, por outro lado, que n’Ele as religiões que veiculam seu nome de diversos modos e que se pretendem sacramentos da salvação operada por Deus no mundo, encontram n’Ele o sentido de serem “religiões”.

A natureza dialógica de Deus se afirma na estrutura trinitária que lhe é constitutiva, ou seja, aponta para o princípio de relacionalidade presente na co-munhão das pessoas divinas. Essa relação intradivina se envolve com o mundo e a história humana e alcança seu ápice na encarnação da Pessoa do Filho que é o Verbo feito diálogo.

Sob essa ótica, a fé no Deus Trindade provoca a religião cristã, que se pre-tende ser sinal dessa comunhão, a testemunhar no mundo os sinais do diálogo a partir dum duplo movimento: ad-intra, pela sua pertença à natureza divina de comunhão e participação, e ad-extra, para o bom desenvolvimento da sua missão. Deste modo, o cristianismo “expressa a fé no Deus comunidade e se configura como uma comunidade de diferentes” (WOLF, 2018, p. 7).

Partindo da compreensão da natureza aberta de Deus, cristãmente, é pos-sível e é consequente pensar na preocupação divina universal. Isto é, na condi-ção de Criador da humanidade e do mundo, Deus deseja a salvação de todos: cristãos e não-cristãos, pertencentes ou não a uma religião. Violar esse direito se configura como uma agressão e até negação do próprio Deus.

A salvação que Deus pretende à sua criação não pode prescindir do mun-do, este é o lugar indispensável onde Deus salva a humanidade. No entanto, embora Ele precise desse lugar para realizar seu plano, em nada Deus se iden-tifica com o mundo ou se limita nele. As religiões que são os sinais visíveis da presença de Deus não representam toda a riqueza divina. “Deus é tão rico e tão acima de determinações para poder ser esgotado na sua plenitude por deter-minada tradição de experiência religiosa, que por ser determinada é limitada” (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 215).

Nesse sentido é que se pode dizer que em Deus se encontra abertura e não fechamento. Como pode alguma religião afirmar ter posse de Deus se Ele não se confunde com qualquer representação histórica que é d’Ele é feita? Qualquer consciência de eleição divina que faça distinção de pessoas ou cultive um espírito violento representa negação de Deus. Ele é exatamente o oposto e quer a felicidade de todos. O mesmo serve para a instrumentalização do Seu nome. Deus não é monopólio de ninguém, embora uns vivam de modo mais fiel a Sua vontade que outros. Mas isso não deve ser motivo de vanglória ou imperialismo de uns sobre os outros. O fato é que “se a religião, como as pesso-as que creem em Deus a experimentam a partir da compreensão que elas têm de si próprias [...], então todo abuso teórico ou prático da religião leva às mais cruéis desumanidades” (SCHILLEBEECKX, 1997, p. 170). Nem o nome de Deus, nem as religiões que veiculam o Seu nome devem justificar qualquer forma de violência, guerra, terrorismo ou maldade, pois assim haveria “incompatibilida-de entre a verdadeira fé e a violência, entre Deus e os atos de morte”. Usar o nome de Deus para justificar as ações que ferem a vida, acaba ferindo também a Ele próprio que, sendo essencialmente justo e bom, “não pode solicitar nem justificar a violência; antes, detesta-a e rejeita-a” (PAPA FRANCISCO, 2017). O desejo de Deus é de vida para todos (cf. Jo 10,10).

O posto que cabe à religião é, portanto, salvaguardar a memória das ex-periências de salvação que Deus realiza na história humana, sendo ela mesmo sinal dessa salvação, não como quem se coloca como mensagem, mas dando esse lugar a quem é de direito, isto é, a Deus e sua livre vontade de salvar as pessoas na realidade mundana. Salvaguardar o desejo de Deus para o mundo e quem nele habita configura-se como um desafio:

Se religiões e igrejas ainda querem proclamar credivelmente esta “uto-pia escatológica” [isto é, a libertação dos homens por Deus], deverão, elas próprias reconhecer primeiro que muitas vezes ocultaram, cuspi-ram e até mesmo desfiguraram a face da humanidade de Deus e sua solicitude para com todas as criaturas até a que menos conta. [Pois,] onde se põe, não o próprio Deus, mas a religião, a ciência ou qualquer outra força mundana, profana-se juntamente com o homem a “imagem de Deus” (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 20).

Se dizemos que Deus é a razão da unidade das religiões e não da divisão delas, então a pluralidade das religiões não deve ser eliminada historicamente por princípio. Se as religiões salvaguardam a verdadeira consciência da salvação de Deus na história humana e, portanto, encontram n’Ele o sentido de serem religião, então o pluralismo religioso não deve ser abolido. Eliminadas devem ser as contendas religiosas e os fanatismos religiosos por vezes justificadas em nome de Deus. 

2. Em Jesus e no Reino estão os fundamentos para o diálogo

A respeito da abertura e da essência dialogal de Deus, os cristãos têm me-lhor conhecimento disso pelos ditos e feitos de Jesus de Nazaré que é para eles a revelação plena e definitiva de Deus. É nesse princípio normativo que Deus se revela e se torna próximo da humanidade. É nele também que os cristãos devem encontrar os fundamentos que justificam o otimismo com as demais religiões. Isto é, do ponto de vista da fé e como exigência dessa, o diálogo não se faz importante simplesmente pelo pluralismo de fato, ou seja, porque existe uma variedade de crenças, de igrejas, de pensamentos ou porque a moderni-dade abriu o leque das possibilidades de sentido que foram abaladas com o seu surgimento. O otimismo com as outras religiões e o diálogo com elas só têm sentido porque encontram em Jesus de Nazaré, nessa singularidade histórica da revelação de Deus, o seu fundamento.

Quando se fala da singularidade ou particularidade de Jesus quer se di-zer que, mesmo sendo reconhecido como revelação plena e definitiva de Deus para os cristãos, Jesus de Nazaré enquanto pessoa que viveu na história e aí revelou seu Pai à comunidade que se reuniu em seu entorno, “historicamente” não pode representar toda riqueza de Deus. E quem desconsidera o elemento da historicidade de Jesus não só nega o próprio cristianismo como também as demais religiões com suas particularidades.

Se por um lado, negar a historicidade de Jesus seria cair numa ideologiza-ção e abstração religiosa, por outro lado, absolutizar sua historicidade tiraria do lugar devido a “autenticidade evangélica originária” da história da salvação, dando lugar à “mesquinhez histórica do cristianismo empírico” (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 214). Mas, olhando para essa particularidade de Jesus, o cristianismo é convidado a 

buscar certa direção em que se evitem, quanto ao que se chama “reli-gião”, tanto absolutismo como relativismo. Propor a pergunta referente à verdade do cristianismo não é de maneira alguma, como amiúde se cria, identificar-se com a pergunta acerca da superioridade do cristia-nismo. Trata-se da pergunta acerca da identidade cristã, que respeito samente reconhece a identidade de outras, que se permite desafiar por outras religiões e que, em virtude da própria identidade, também as desafia (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 212).

Esse alerta é válido porque “o cristianismo interpretou a própria verdade e singularidade (que não devem ser negadas) amiúde como pretensão abso-luta, pelo que todas as outras religiões foram consideradas de menor valor” (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 211). Mas o fato é que à luz da sua singularidade, Jesus não põe termo à história das religiões. As religiões estão para a salvação que Deus opera e não para Jesus que, do ponto de vista histórico, representa um modo singular de Deus salvar, apesar de ser o modo decisivo para os cris-tãos. Ademais, continuam abertos os caminhos para Deus com possibilidade de surgimento de novas expressões religiosas ou ressignificação das já existentes.

Quando se diz que em Jesus se deu um modo de revelação entre tantos ou-tros, isso não quer dizer que o cristianismo seja igual às demais religiões. Cada religião possui sua singularidade. O esforço de reconhecimento da legitimidade das múltiplas experiências que se pode fazer de Deus, nesse caso, é a busca pela experiência comum que passa pelo respeito às diferenças. 

Quando nos propomos a falar à luz da fé sobre o diálogo entre as religi-ões ou sobre o reconhecimento do valor positivo que o cristianismo deve ter com as demais religiões, não deixa de ser presente a preocupação também de conservar a identidade e singularidade do próprio cristianismo. Aqui se evoca cuidado para não cair num extremo “trivial e fundamentalmente falso” que considera que todas as religiões são de igual valor. Isso seria uma “forma banal de tolerância” (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 211) pois, reconhecer o valor do outro não significa se desfazer dos seus valores.

Para os cristãos, Jesus continua sendo o propósito e o sentido de suas vi-das. Continua valendo para estes que a “salvação se encontra só no nome de ‘Jesus de Nazaré’”. Nesse sentido, não é necessário enquadrar todas as religiões sob mesmo peso e medida. O necessário é conseguir alcançar uma “experiência comum”, pois só ela “pode levar a uma interpretação hermenêutica de sentido igual” (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 212). Por outro lado, “o resultado da questão da verdade referente à religião própria não deve ser necessariamente discrimi-nante para com as outras religiões. Nenhuma religião em particular esgota a questão da verdade. Por isso, devemos in religiosis abandonar qualquer abso

lutismo, como também qualquer relativismo” (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 211).

Olhando para esse Jesus que as comunidades professam como o Cristo, dele não pode ser desvinculado aquilo que representa o centro da sua vida e missão: o Reino de Deus. Jesus não se anunciou a si mesmo, ele foi completa-mente voltado ao Reino que significa a realeza de Deus no mundo humano lhe oferecendo a salvação nos termos da paz, da justiça, da felicidade. Deste modo, se os cristãos têm em Jesus o que é de mais normativo para suas vidas, então a religião cristã deveria estar voltada para a vivência e o anúncio do Reino de Deus no mundo e se esforçar sempre mais para ser descentrada da sua preten-ciosa superioridade que foi marcada por muito tempo pelo axioma cunhado no concílio cristão de 1442, realizado em Florença-Ferrara, Extra ecclesiam nulla salus.

Distando de um auto anúncio, o cristianismo deve superar a postura impe-rialista cultural e religiosa cultivada ao longo dos anos e que levou às inúmeras atrocidades. Nesse lugar, ele deveria assimilar que a unicidade e universalida-de de Jesus estão em relação ao serviço à humanidade e ao respeito às dife-renças. Deve reconhecer que “não é o comum em muitas religiões, mas justo sua diversidade recíproca que constitui sua singularidade e identidade própria” (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 213). Nessa diversidade, deve encontrar o potencial que cada religião tem de servir a humanidade no esforço de torná-la mais justa e pacífica.

Em chave reinocêntrica, o cristianismo deve se reconhecer não como o de-tentor da Verdade, mas deve lutar para tornar o desejo de Deus presente no mundo, provendo felicidade e liberdade à humanidade e à criação. Mais próxi-mo de Deus está quem mais fiel se faz à Sua vontade. E fazer a vontade de Deus deve ser a meta dos cristãos, não para cultivar o sentimento de superioridade sobre os outros, mas para provar que a verdade que segue é credível e inspira-da pelo próprio Deus. É por isso que a questão da verdade do cristianismo não pode ser confundida com a questão da sua superioridade.

Sob o horizonte do Reino, o cristianismo reconhece o valor das demais re-ligiões quando se percebe não como a única promotora da vontade divina, mas quando se abre ao reconhecimento de que quem colabora com a causa dos injustiçados de todos os tipos e tempos colabora com o Reino de Deus, sejam pertencentes a uma religião ou outra ou a nenhuma religião, seja nomeando essa experiência de solidariedade com os últimos como Reino de Deus ou não. Sob esse prisma, é possível reconhecer com Schillebeeckx que 

há mais verdade (religiosa) em todas as religiões no seu conjunto do que numa única religião, o que também vale para o cristianismo. Existem, pois, aspectos, “verdadeiros”, “bons”, “belos” – surpreendentes – nas múltiplas formas (presentes na humanidade) de pacto e entendimento com Deus, formas que não encontraram nem encontram lugar na expe-riência específica do cristianismo (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 215).

Nesse sentido, o cristianismo é convidado a se desafiar frente ao “potencial salvífico-humanizador” (AQUINO JUNIOR, 2019, p. 239) das demais religiões e, em virtude da sua própria identidade, também as desafiar pelo potencial que lhe é próprio. Afinal, há elementos verdadeiros, bons e belos nas demais re-ligiões que não encontram lugar no modo de vida cristão. De igual modo, no cristianismo há elementos novos que não se encontram facilmente em outras religiões que podem colaborar no enriquecimento de suas experiências.

3. Nos pobres está o critério e a medida de todo dialogar

Ancorado, por princípio, em Deus e justificado em Jesus de Nazaré e no anúncio e na prática do Reino de Deus, o diálogo entre as religiões não pode estar desassociado de um elemento determinante que é a dignidade da pessoa humana. Ou seja, o esforço da interreligiosidade está profundamente implicado no compromisso com os pobres e marginalizados que são o critério e medida de todo o dialogar.

A prática do diálogo deve estar regida pela pergunta sobre o seu sentido. Se o diálogo entre as religiões não tiver uma finalidade práxica ele corre o risco de “tornar-se um mero exercício intelectual, uma experiência de elite religiosa e cultural, ou até mesmo uma conversa interessante em um salão de ‘interessa-dos no assunto’” (AYUSO, 2017, p. 5). O fato é que o problema do diálogo inter--religioso não deve se encerrar numa questão de linguagem ou de etimologia. Aquino Junior, sobre isso, considera que

a problemática da unidade entre as religiões não é apenas uma questão de logos (discurso, linguagem) nem se dá simplesmente por meio dele (dia-logos), como pode sugerir a expressão diá-logo inter-religioso. O logos por mais importante que seja é apenas um modo de intelecção. E a própria intelecção só existe como um momento do processo mais am-plo e complexo da interação ou práxis humana. Só no contexto de uma práxis determinada pode-se compreender o uso/sentido de um logos determinado – caráter práxico da linguagem. De modo que o problema da relação e unidade entre as religiões, mais que um problema de dia--logo é um problema de inter-ação (AQUINO JUNIOR, 2019, p. 237)

Embora por caminhos diversos, muitos chegaram a essa conclusão: Jüngen Moltmann diz que “o diálogo só se torna sério quando se torna necessário. Ele torna-se necessário quando surge um conflito que ameaça a vida, e cuja solução pacífica deve ser buscada conjuntamente mediante o diálogo” (MOLTMANN, 2004, p. 28-29); Hans Küng na sua criteriologia positiva diz que as religiões são importantes “na medida em que serve à humanidade, uma vez que em suas doutrinas de fé e moral, em seus ritos e instituições fomenta identidade, a sen-sibilidade e os valores humanos, permitindo assim ao ser humano alcançar uma existência rica e plena” (KÜNG, 1999, p. 279); Pedro Casaldáliga, por sua vez, diz que a preocupação do diálogo entre as religiões não é colocar as religiões reu-nidas para elas falarem de si, mas “o verdadeiro diálogo inter-religioso deve ter como conteúdo e como objetivo a causa de Deus, que é a própria humanidade e universo. Na humanidade a causa prioritária é a grande massa empobrecida e excluída; e no universo, a terra, a água e o ar profanados. A justiça e a ecologia, a liberdade e a paz. A vida” (CASALDÁLIGA, 2003, p. 7), etc.

Ainda que algumas religiões deixem de realizar uma ação mais consequen-te com o que lhe é essencial, e isso também pode se aplicar ao cristianismo, não é errado considerar que “as religiões em geral são particularmente sensíveis às situações de sofrimento e injustiça, ao clamor dos pobres e oprimidos, e têm como uma de suas tarefas mais importantes o cuidado e a defesa dos pobres, oprimidos e fracos” (AQUINO JUNIOR, 2019, p. 228). A defesa à vida, sobretudo dos mais pobres e marginalizados, é entendida aqui como um elemento essen-cial da identidade das tradições religiosas e que não compromete sua espiritu-alidade, antes é um aspecto que lhe é próprio e essencial. A opção pela vida é o pêndulo que confere às religiões sua autenticidade e fidelidade. Em outras palavras, é o critério que mensura sua verdade. As religiões e a disposição para o diálogo entre elas são regidas, no final das contas, como diz Marcelo Barros, por uma lógica “vidacêntrica”, isto é, de vida para todos, a ponto de ser possível inferir que é mais próxima da verdade a religião que mais se compromete com a vida nas suas mais variadas dimensões.

Se isso vale para as diversas religiões, vale, particularmente, para a tradição judaico-cristã cuja “afirmação e defesa da dignidade humana ou mais concre-tamente do direito dos pobres e marginalizados constituem [...] o núcleo da experiência judaico-cristã de Deus” e isso “é o que há de mais religioso, sagrado, espiritual, transcendente” (AQUINO JUNIOR, 2019, p. 240).

Se no início dissemos que o diálogo é constitutivo à vida e que, por inspira-ção divina, o mais profundo das religiões chama ao diálogo e à fraternidade, en-tão havemos de considerar que o diálogo é uma forma de viver a filiação divina e tem como critério a medida dos pobres. Afinal, não há como chamar Deus de Pai e ficar indiferente aos irmãos caídos na estrada, “pois só amando os irmãos, ama-se a Deus” (AQUINO JUNIOR, 2019, p. 240). É o amor ao próximo o critério de amor a Deus (1Jo 4,20), esse é o núcleo da experiência cristã de Deus.

Olhar para os pobres e marginalizados como o critério e medida para o diálogo não é uma fuga disfarçada do debate sobre uma problemática estrita-mente religiosa, afinal, o que há de mais essencial na religião senão a vida e a sorte do ser humano, sobremaneira dos pobres, excluídos e marginalizados des-se mundo? Tê-los como medida e critério é comprometer as religiões naquilo que de mais espiritual cada uma delas salvaguarda: o socorro dos necessitados, a justiça aos injustiçados, a compaixão e a misericórdia aos esquecidos e aban-donados. 

O diálogo inter-religioso faz-se, portanto, “sempre num compromisso so-cial pelos excluídos”, esse é o “conteúdo e objetivo do diálogo” (CASALDÁLIGA, 1997, p. 36). E ele “será inútil, hipócrita e até blasfemo, senão está voltado para a vida e para os pobres, sobre os direitos humanos que também são divinos” (CASALDÁLIGA, 2003, p. 7). Enfatizando o compromisso do encontro entre as religiões com os excluídos, Casaldáliga diz:

Eu não entenderia de jeito nenhum um diálogo inter-religioso se não o entendesse como compromisso sóciopolítico e econômico, a serviço das maiorias excluídas que é a maior parte da família desse Deus da Vida que a gente quer proclamar. Fazer da fé no Deus da Vida um culto militante à vida, por amor à obra e ao sonho desse Deus. E dialogar com todas as religiões, não apenas com as chamadas ‘grandes’, pois neste caso estaríamos nos distanciando da tradição evangélica, pois o evan-gelho distingue-se por dialogar com o que é pequeno. Dialogar também com as pequenas religiões, com as religiões indígenas (CASALDÁLIGA, 1997, p. 36).

A centralidade dos pobres e marginalizados é regida pela consciência que para “conhecer Deus é necessário conhecer o homem” (CELAM, 1987, p. 5). Tal critério, além de trazer para o centro o cuidado da humanidade sofrida e ameaçada como algo íntimo das religiões pelo seu potencial libertador, também se desvencilha do equívoco em achar que para fazer diálogo entre as religiões é necessário abdicar das identidades que lhe são próprias e também do re-ducionismo em achar que o diálogo é um problema logocêntrico. Antes, pelo contrário, cada religião deve se somar na defesa da vida através das suas parti-cularidades e singularidades mostrando com isso que a dinâmica de suas vidas não é problema de palavras (dia-logos), mas de ação (dia-práxis).

Nas palavras de Aquino Junior, “é no cuidado e na defesa da vida dos po-bres, oprimidos, excluídos e fracos que as religiões e a interação/diálogo entre elas tornam reais e efetivos seu potencial e sua missão salvífico-humanizado-res” (AQUINO JUNIOR, 2019, p. 243).

Conclusão

Considerando o fato de ser um tema recente que, certamente, emerge com advento dos novos tempos, o tema do diálogo inter-religioso sistematizado nos termos de uma teologia das religiões ainda gera alguns confrontos, seja en-tre os que se dedicam ao estudo do tema, seja no meio dos que se aproximam dele de modo pueril ou de “ouvir falar”.

Não pouca coisa se produziu desde que esse tema passou a ser preocupa-ção dentro e fora do cristianismo. Podemos encontrar esforços antes mesmo do Concílio Vaticano II que nesse trabalho foi apresentado como o evento que abre oficialmente as portas dessa reflexão na Igreja católica.

Deste modo, pela jovialidade do tema e mediante o fenômeno sempre cria-tivo da pluralidade de religiões, a preocupação cristã deve estar pautada em dar uma reposta baseada não pluralismo de fato, mas no pluralismo de princípio. Isto é, a abertura do cristianismo às religiões é mensurada não pelo fenômeno da pluralidade das religiões em si, mas pela própria fé ela professa.

Se falamos nos termos do pluralismo de princípio, encontramos o sentido do diálogo e da unidade em Deus enquanto unidade transcendente que se es-pelha nas imanentes semelhanças de famílias permitindo-as dar o nome unitá-rio de religiões. Sob essa perspectiva, ou consciente que as religiões espelham verdades sobre Deus e não podem, em detrimento da sua condição histórica, se dizer portadoras da verdade e liberdade absolutas que é própria de Deus, o cristianismo se abre às demais religiões e reconhece os elementos de bondade, beleza e verdade presentes nelas.

Por meio do reconhecimento da historicidade da revelação de Deus em Jesus de Nazaré que foi descentrado de si e totalmente voltado para o Reino de Deus, o cristianismo que se pretende o seu corpo histórico deve reconsiderar sua postura e testemunho, ou seja, ser descentrado de si e direcionado a Deus e a sua vontade. Tal descentramento exige não somente revisões do passado que pelo uso do nome de Deus legitimou uma superioridade violenta, mas também exige, pela força da necessidade nos tempos presentes e futuros, reelaborar seu discurso/doutrina de modo que seja mais consequente com a missão herdada de Jesus Cristo.

Por essa tomada de consciência que é aberta pelo Reino anunciado e vivido por Jesus, o cristianismo dista da grave pecaminosidade que ofende e profana o mundo pela violação do direito e da dignidade da pessoa humana dentro ou fora das outras religiões. Como caminho de reparação, a religião cristã faz a opção decisiva pela causa de Deus que é a causa da humanidade e do mundo. Longe dos exclusivismos, ele assume a carne e a causa dos mais sofridos e sai em defesa deles pela prática do seu potencial se libertação. Na arena de defe-sa da vida, encontra as outras religiões também provando suas verdades pelo exercício da caridade e do amor com os mais sofridos e necessitados e encon-tram aí a principal razão para o diálogo entre elas.

Diante dessa arena, quando perguntado pela sua identidade e verdade, o cristianismo de modo algum pode confundir-se com a pergunta acerca da sua superioridade. Respeitosamente, ele deve reconhecer as identidades das de-mais religiões, permitir-se desafiar por elas e em detrimento de sua própria ver-dade e identidade, também as desafiar. A ação sempre nova e urgente reside no exercício da caridade, do cuidado e da defesa dos pobres, oprimidos e fracos. Quanto mais servidora dos necessitados, mais verdadeira uma religião será e mais sentido haverá para dialogar. 

Referências

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