Reflexões Fenomenológicas sobre a Religião: o aspecto relacional da experiência religiosa

Phenomenological reflections on Religion: the relational aspect of religious experience

Jungley de Oliveira Torres Neto
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Contato: jungleyjf@hotmail.com


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Resumo: A fenomenologia da religião, como abordagem metodológica nos estudos religiosos, desempenha um papel crucial na compreensão da experiência religiosa. Diferentes autores que trabalharam a temática, como Johann Heinrich Lambert (1728-1777), Edmund Husserl (1859-1938), Pierre Daniel Chantepie de la Saussaye (1848-1920) ou Gerardus van der Leeuw (1890-1950), relacionaram a fenomenologia como algo que se mostra (was sich zeigt). Nesse sentindo, a experiência religiosa que se manifesta e/ou deixa-se luzir possibilita sua abordagem, seja ela descritiva, sistemática, comparativa ou especulativa. Igualmente, a experiência religiosa se coloca como uma Potência que se manifesta em sua excepcionalidade própria, não prescindindo do aspecto relacional, frequentemente identificado como a conexão entre o ser humano e o divino/sagrado ou transcendente. Essa vivência de plenitude espiritual e de desdobramentos de significados é o cerne da experiência religiosa na qual o método fenomenológico se propõe a lançar lumes.

Palavras-chave: Aspecto relaciona; Fenomenologia; Religião

Abstract: The phenomenology of religion, as a methodological approach in religious studies, plays a crucial role in understanding religious experience. Different authors who worked on the subject, such as Johann Heinrich Lambert (1728-1777), Edmund Husserl (1859-1938), Pierre Daniel Chantepie de la Saussaye (1848-1920) or Gerardus van der Leeuw (1890-1950), related phenomenology as something that shows itself (was sich zeigt). In this sense, the religious experience that is manifested and/or allowed to shine makes its approach possible, whether descriptive, systematic, comparative or speculative. Likewise, religious experience is positioned as a Power that manifests itself in its own exceptionality, not dispensing with the relational aspect, often identified as the connection between the human being and the divine/sacred or transcendent. This experience of spiritual plenitude and unfolding of meanings is the core of the religious experience in which the phenomenological method aims to shed light.

Keywords: Relational aspect; Phenomenology; Religion

Introdução

A fenomenologia, como abordagem metodológica, tem desempenhado um papel significativo nos estudos da religião. Entre as características mais notáveis da fenomenologia da religião, encontra-se sua capacidade de estudo sistemático. Ao explorar as experiências religiosas de maneira metódica e aprofundada, a fenomenologia oferece uma estrutura que permite aos pesquisadores abordarem as especificidades religiosas de maneira mais abrangente. Desse modo, a fenomenologia, como metodologia de abordagem, oferece possibilidades de perscrutar a experiência humana; dentre essas experiências, podemos citar a experiência religiosa. Ao aplicar essa perspectiva ao estudo da religião, a fenomenologia desempenha um papel fundamental na análise do fenômeno religioso. Através do método fenomenológico, os estudiosos da religião podem abordar as experiências religiosas individuais e coletivas, a fim de compreender as motivações, significados e implicações dessas experiências. Isso envolve a exploração das crenças, rituais, práticas espirituais e a dimensão transcendente que permeiam a vida religiosa.

Destarte, podemos dizer que a fenomenologia da religião é uma disciplina que se concentra na análise das experiências religiosas em suas formas elementares e basilares. Ela procura identificar os elementos ‘essenciais’ que são comuns a todas as experiências religiosas, independentemente das diferenças culturais, religiosas ou históricas. Essa abordagem filosófica confirma que, embora as expressões da religião possam variar consideravelmente, há uma característica subjacente, uma "potência" que preenche totalmente a experiência religiosa.

Diante desse contexto, se estabelece a relação entre a fenomenologia e a religião; relação esta que é simbiótica. Enquanto a fenomenologia oferece às religiões uma abordagem que pode ajudar a lançar luz sobre as dimensões mais profundas da vivência humana, a religião, por sua vez, fornece uma rica fonte de dados experiencias, permitindo que os cientistas da religião analisem as experiências humanas em sua profundidade transcendente e que são repletas de significações. Neste contexto, a fenomenologia da religião se concentra na análise das vivências e experiências religiosas, e não apenas na doutrina ou na teologia formal. Ela permite que os pesquisadores e estudiosos da religião abordem questões essenciais, como a natureza da fé, o papel da experiência mística, as interações entre o divino e o humano e a maneira como as tradições religiosas moldam a identidade e a cultura.

De modo ainda introdutório, podemos dizer que a fenomenologia da religião é uma abordagem que busca compreender o cerne da experiência religiosa humana, identificando o que nela é existe de fundamental. Em outros termos, o método fenomenológico pode ser útil à análise do entendimento da religião em um contexto global e intercultural. 

Neste desiderato, o presente artigo objetiva explorar a abordagem fenomenológica da religião, destacando sua relevância e aplicação nos estudos da religião. Ao fazê-lo, busca-se não apenas compreender o que é um fenômeno religiosa, mas também os modos de vivência religiosa, isto é, o aspecto relacional dessa experiência designada de religiosa. Através dessa lente fenomenológica, esperamos lançar luz sobre, contribuindo assim para uma compreensão mais profunda e abrangente da religião como parte integrante da experiência humana. 

1. Método fenomenológico e Experiência Religiosa

O termo fenomenologia e suas primeiras abordagens se dão em 1764, com o matemático e filósofo suíço-alemão Johann Heinrich Lambert (1728-1777), entretanto, o alemão, de ascendência judaica, Edmund Husserl (1859-1938) é considerado o “pai da fenomenologia” por inaugurar a filosofia contemporânea, com sua obra “Investigações Lógicas” (1900-1901), onde o filósofo desenvolve o método fenomenológico, que exerce grande impacto no pensamento filosófico do século XX e sua influência estende-se a todas as ciências humanas. No entanto, a expressão “fenomenologia da religião” foi referida pelo holandês, historiador das religiões, Pierre Daniel Chantepie de la Saussaye (1848-1920) na primeira edição da sua obra “Manual de História das Religiões” (1887), o mesmo utilizou-se da expressão para indicar uma alternativa terminológica para a chamada Religiões Comparadas.

A menção da “fenomenologia da religião” se dá pela primeira vez na segunda metade do século XIX, sua referência se dá nos estudos de religião comparada pelo professor holandês D. Chantepie de la Saussaye[1]. O autor introduz o termo no seu manual “Lehrbuch der Religionsgeschichte" para se referir ao momento sistemático da disciplina. É importante frisar que a fenomenologia da religião, neste momento inicial, não foi apresentada como um método próprio, mas como uma possível sistematização dentro dos estudos de Religião Comparada. A fenomenologia da religião, porém, veio a se estabelecer e constitui-se, enquanto método, cinquenta anos depois com outro holandês, a saber, Gerardus Van der Leeuw. Concomitante, na Alemanha, mais precisamente, no começo do século XX, um tipo de estudo fenomenológico estava acontecendo, tanto da fenomenologia de Husserl phaenomenon e eidos, quanto com a Escola de Marburgo, de linha mais neo-kantiana. 

Nesse desiderato, é conferida à abordagem da fenomenologia da religião uma expressão mais significativa pelo holandês Gerardus van der Leeuw (1890-1950), na sua obra “Fenomenologia da Religião” (1933), o teólogo van der Leeuw propõe um método de compreensão e não apenas de descrição. Eis a guinada: do plano meramente interpretativo e/ ou descritivo para o âmbito da compreensão, da experiência religiosa, a partir da análise das suas linguagens ou meios de manifestações, mais precisamente, dos fenômenos. A grande contribuição de van der Leeuw é indagar o sentido do fenômeno religioso, através de uma pesquisa histórica, em suas diversas manifestações, e a explicitá-la do ponto de vista do homo religiosus. Apontando-nos que toda experiência que se declare ou que se mostra religiosa diz respeito a uma potência. 

Conforme aponta-nos a pensadora italiana Angela Ales Bello: 

A reflexão filosófica sobre a experiência religiosa vai da escavação antropológica à análise das manifestações históricas, indicando, seja num caso ou no outro, um elemento caraterístico, essencial, invariante na sua qualidade, o qual pode ser expresso ou declinado de diversos modos[..] a esta descrição histórico-filosófica do fenômeno “experiência religiosa” podemos dar o nome de “fenomenologia da religião”. A fenomenologia da religião dá “sentido” à constatação histórica da presença de uma experiencia humana peculiar, aquela religiosa, aquela à qual se tenta ou se tentou reduzir a alguma outra, mas que emerge sempre e novamente com sua caraterística específica, a experiência de uma Potência que preenche totalmente (BELLO, 2019. p.33). 

Em contraste com abordagens que tentam reduzir a religião a uma explicação puramente teológica, sociológica ou psicológica, a fenomenologia busca entender a experiência religiosa como ela é vivenciada subjetivamente pelos indivíduos. Isso envolve uma exploração de percepções, implicações, práticas e emoções relacionadas à religião. Nesse contexto, percebe-se que a experiência religiosa envolve a sensação de uma "potência" que preenche completamente a vida dos indivíduos. Essa Potência pode ser interpretada de várias maneiras, dependendo das crenças religiosas e da cultura, mas ela está frequentemente relacionada a uma conexão com o divino, ao sagrado ou à transcendência. Essa sensação de plenitude espiritual e significado é o cerne da experiência religiosa.

Percebe-se que a reflexão filosófica sobre a religião é algo que se manifesta e emerge em sua potência, o que conflui com às palavras de van der Leeuw: “um fenômeno é algo que se mostra (was sich zeigt)”. Este mostra-se, no entanto, “corresponde tanto àquilo que se mostra, quanto àquele a quem é mostrado” (NOÉ, 2003, p.65), isto é, diz respeito à relação: um “objeto” relacionado a um sujeito e um sujeito relacionado a um “objeto” e/ ou sua referência. Em outros termos, o fenômeno se mostra/ manifesta a alguém e quando este alguém fala sobre aquilo que se lhe mostra, então, “surge” a fenomenologia (VAN DER LEEW, 1970, p. 553).  

Essa manifestação da religião é algo que é percebido e vivenciado por indivíduos e comunidades, e é algo que tem o potencial de despertar uma profunda busca por compreensão e significado. Igualmente, essas manifestações da religião podem assumir várias formas, incluindo práticas religiosas, experiências espirituais, rituais, crenças etc. Esses aspectos da religião são mostrados aos indivíduos de diversas maneiras, muitas vezes evocando um senso de transcendência, mistério ou profundidade. O importante é notar que essa relação é bidirecional, significando que não se trata apenas do sujeito observar passivamente o objeto religioso. O sujeito é ativo na busca por compreensão e significado, e o objeto religioso, por sua vez, tem um impacto profundo na vida e na perspectiva do sujeito. 

Desse modo, a fenomenologia busca entender não apenas o que se manifesta, mas também como essa manifestação se relaciona com o sujeito; ela explora as experiências, e percepções do sujeito em relação ao objeto religioso. Através desse processo de experiência, reflexão e análise, a fenomenologia busca desvendar as complexidades e significados das experiências religiosas. Neste sentido, podemos inferir que a fenomenologia da religião diz respeito a vivência (Erlebnis) compreensível da gradativa revelação (allmähliches Offenbarwerden), em seu sentido mais intenso e profundo, da experiência do transcendente. A fenomenologia da religião diz respeito à compreensão (Verstehen) e testemunho (Zeugen) da experiência humana com o divino. Desse modo: “Compreender e testemunhar seria, portanto, a tarefa genuína da fenomenologia” (NOÉ, 2003, p.65). 

Diante dessa constatação, de que a fenomenologia diz respeito a vivência do sujeito, menciona-se que a fenomenologia da religião é um campo acadêmico interdisciplinar que se estende para além da filosofia, envolvendo disciplinas como antropologia, história, psicologia, sociologia e, propriamente, a teologia. Essa abordagem mais holística possibilita uma compreensão mais abrangente, ao considerar o fenômeno religiosa não apenas como algo de seu próprio gênero, mas, sim, considerar os aspectos socioculturais e históricos presentes nessas experiências e/ou vivência religiosa. Através dessa abordagem, os estudiosos da religião podem explorar a profundidade do fenômeno religiosa e como ele ressoa na experiência humana.

Nesse sentido, a especialista Vitória Peres diz:

A fenomenologia, portanto, tem trazido aos estudos da religião uma contribuição metodológica importante através do seu estudo sistemático. Dentre as características mais gerais da fenomenologia da religião, poderíamos citar a sua capacidade de generalização, essa busca de um caráter geral da religião dentro da diversidade das suas manifestações, sua proposta de construção de uma tipologia, classificações, enfim, uma sistematização dos fenômenos religiosos que permite que se chega ao mais geral, e, se possível, ao mais universal (OLIVEIRA, V.P. 2003, p. 43).

O método fenomenológico possibilita pensar que, embora haja uma grande diversidade de tradições religiosas em todo o mundo, há elementos universais nas experiências religiosas (embora podemos questionar esse método se realmente há esses elementos universais). A fenomenologia da religião se concentra em identificar o que é comum a todas as experiências religiosas, independentemente de sua origem geográfica ou cultural. Isso ajuda a estabelecer uma compreensão global das experiências religiosas e um estudo comparado entre as religiões. Desse modo, conforme sugere a citação de Vitória Peres, a fenomenologia busca identificar as estruturas essenciais das experiências religiosas, permitindo que os estudiosos analisem o que é comum a todas as religiões e o que é único em cada uma delas. Isso contribui para uma análise mais abrangente e sistemática do estudo religioso. 

Em síntese, a fenomenologia fornece uma maneira global de pensar sobre as implicações religiosas ao enfatizar a universalidade da experiência religiosa, sem prescindir de barreiras culturais e histórica, enfatizando a experiência subjetiva e abrindo espaço para o diálogo inter-religioso. Por isso, essa abordagem se mostra interdisciplinar e aberta, capaz de contribuir para uma compreensão mais holística da experiência religiosa que, nos termos de Angela Ales Bello, representa a experiência de uma Potência. Nesse contexto, a noção de Potência é considerada o cerne da experiência religiosa, pois, independentemente das diferenças nas tradições religiosas, na mitologia ou na cosmologia, a busca pela Potência é uma constante na experiência religiosa; ela oferece às pessoas um senso de direção, propósito e conexão com algo maior do que elas mesmas.  De modo mais enfático, Potência é a sensação de ir além do mundano, do finito e do contingente, alcançando algo maior e mais significativo, marcando, assim, o traço característico/fenomenológico da experiência religiosa. 

2. O aspecto relacional contido na abordagem fenomenológica 

Da noção de experiência “brota do encontro vivo e direto com alguém ou alguma coisa”, o que nos remete à experiência enquanto relação, “prescindido do papel mais ou menos ativo do sujeito ou da maior ou menor intensidade do seu envolvimento” (GRECO, 1992, p.47). Quando nos remetemos a experiência compreensiva religiosa, estamos nos remetendo, fundamentalmente, à relação, não apenas uma relação de polaridade entre sujeito e objeto e/ ou sua referência, mas uma relação que se dá, por exemplo, na oração, no culto, sacrifício, na devoção, afeição ou qualquer ato de fé. Mais precisamente, a experiência religiosa é um ato relacional, isto é, que indica uma relação, seja de uma consciência que se dirige a algo ou de alguém que se projeto para algo, ela estabelece uma relação entre duas ou mais coisas. 

Nas Palavras de Carlo Greco: 

Sob o perfil estritamente fenomenológico, a diversificação das formas da experiência obedece a três modos fundamentais da presença do real na consciência: a presença das coisas (experiência do objeto), do outro (exponencia interpessoal), de nós a nós mesmos (experiência do eu). Estes três Âmbitos (as coisas, o outro e o eu) da experiência e a linguagem estão relacionados e comunicam-se entre si, definindo espaço do intencional no homem. Portanto, se a experiência religiosa é possível parece dever constitui-se fenomenologicamente dentro de tal espaço, ou seja, entre os polos daquilo que aparece (fenômeno) e o eu para qual tem lugar a parição (GRECO, 1992, p. 50).

A experiência religiosa é, intrinsecamente, uma vivência relacional, que envolve os âmbitos subjetivos, objetivo e intersubjetivos. O ser humano está sempre diante de alguma relação ou às margens de algo e/ou alguém, mesmo que esse alguém seja diante de si mesmo ele estará projetado para algo, em outras palavras, o ser humano está sempre diante de alguma relação, seja com os demais seres humanos, com o mundo ou consigo, e, por conseguinte, a experiência religiosa é constituída em sua plenitude na relação humana com o divino ou com o transcendente. Entendo aqui algo divino ou transcendente como algo superior, sublime, uma abertura de possibilidade para uma experiência excepcional. 

Greco diz: 

O caminho de acesso a experiência religiosa e à sua estrutura de sentido de inteligibilidade é dado pela linguagem que em que ela se exprime.  Por intermédio da análise de suas objetivações (os símbolos, os ritos e os ritos), remontar-se-á fenomenologicamente ao objeto da experiência religiosa, dando relevo à sua "face", ou seja, os significados que configuram a percepção vivida do divino, e ao sujeito da mesma experiência, vale dizer, ao modo como se manifesta a consciência e no qual se articula o sentir do homo religiosus. Sujeito e objeto ficarão assim intimamente correlacionados, de tal forma a mostrar em sua relação recíproca a estrutura própria da experiência religiosa (GRECO, 1992, p. 46)

A experiência religiosa, que aponta para o aspecto relacional, encontra na fenomenologia sua justificativa, uma vez que a fenomenologia diz respeito, fundamentalmente, à relação, à consciência de. e pretende ir ao encontro da “coisa mesma”, e esse movimento de ir ao encontro é a própria constituição da relação. Neste sentido, à guisa de exemplo, o sagrado se apresenta, nos termos de Eliade, em hierofania, que etimologicamente significa "que algo de sagrado se nos manifesta". 

Nas palavras de Eliade:

Da hierofania mais elementar, por exemplo, a manifestação do Sagrado em um objeto qualquer, uma pedra ou uma árvore, à hierofania suprema, que para um cristão é a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não há solução de continuidade. É sempre o mesmo ato misterioso: a manifestação de algo completamente diverso, de uma realidade que não pertence a nosso mundo, em objetos que fazem parte integrante de nosso mundo "natural" e "profano" (ELIADE, 1992, p.15).

Eliade nos ajuda a pensar o fenômeno religioso e traz um exemplo de experiência religiosa em seu sentido genuíno contida nas Sagradas Escrituras/ Bíblia Sagrada, mais precisamente, no livro de Gênesis capítulo 28, versículo 10, denominado “O sonho de Jacó em Betel”. Jacó, em sua juventude, teve que sair de sua casa orientado pela sua mãe e ir em direção onde vivia um de seus tios, ele, então, sai de Berseba e vai em direção à Harã, e saindo sozinho, no percurso em meio ao cansaço, onde já era noite, ele tomou uma pedra e a pôs por seu travesseiro, adormecendo ali na cidade chamada Luz, e sonhou, no sonho Jacó via uma escada que ligava a terra ao céu, via anjos subindo e anjos descendo por aquela escada, e ele ouviu uma voz que dizia: “Eu sou o Deus de seus pais, Abraão e Isaque; esta terra, em que estás deitado, darei a ti e à tua descendência”. Jacó quando acorda, diante daquela experiência, toma a pedra em que ele estava deitado e a erigiu como um sinal sagrado e derramou sobre ela o óleo que era o elemento que consagrava aquela pedra, que se tornou uma pedra sagrada, e atribui aquele lugar a nomeação de  Betel (em hebraico: בית אל: Bêṯ-ʼĒl ,"casa de Deus"). Jacó, após a experiência com o Sagrado supracitada, passa a sentir-se protegido para percorrer sua trajetória (ELIADE, 1992, p. 20). 

Nessa relação entre o ser humano e o Sagrado, onde o Sagrado remete à manifestação de algo superior que se fez presente, à uma experiência de excelência, a problemática que surge é que para o ser humano moderno, dessacralizado, essa abertura parece ter sido reduzida. E, por isso, Eliade aponta que o Sagrado é qualitativamente diferente do profano, embora possa se manifestar no mundo profano, por intermédio de hierofanias, tal como citado anteriormente através do personagem Jacó. 

A respeito desta oposição entre o sagrado e o profano, Eliade afirma: 

O homem ocidental moderno experimenta um certo mal estar diante de inúmeras formas de manifestações do sagrado: é difícil para ele aceitar que, para certos seres humanos, o sagrado possa manifestar-se em pedras ou árvores, por exemplo. Mas, como não tardaremos a ver, não se trata de uma veneração da pedra como pedra, de um culto da árvore como árvore. A pedra sagrada, a árvore sagrada não é adorada com pedra ou como árvore, mas justamente porque são hierofanias, porque “revelam” algo que já não é nem pedra, nem árvore, mas o sagrado (ELIADE, 1992, p.13). 

O fato é que a referência do sagrado posiciona o ser humano diante de sua própria existência, como, por exemplo, na experiência de Jacó, da qual se deu o rito religioso, que foi a profissão de fé de Jacó, mediante a sua experiência religiosa, que dizia: “Esse lugar é a casa de Deus e a porta do céu”, porque abre para uma realidade superior, para um lugar superior, um espaço sagrado. E aquele lugar passou a dá sentido para a caminhada de Jacó (ELIADE, 1992, p.25). A experiência religiosa, tal como citada no personagem de Jacó, nos aponta para concretude experienciada do indivíduo que se coloca diante da manifestação extraordinária de algo superior, algo que se manifesta e mantem-se velado, algo que é dinâmico, tal como no subir e no descer dos anjos narrado no livro de Gênesis

A citação de Eliade e a referência à experiência de Jacó destacam a importância do sagrado em seu aspecto relacional entre o ser humano e o divino. A experiência religiosa não é apenas uma experiência individual, mas também uma experiência que envolve uma relação profunda com algo superior. Essa dimensão relacional é uma característica essencial da experiência religiosa, pois oferece significado, plenitude espiritual e um sentido mais profundo à vida das pessoas. O aspecto relacional aparece como o fio condutor de uma experiência religiosa. 

Em síntese, da fenomenologia da religião somos direcionados ao aspecto relacional da vivência religiosa; esse âmbito relacional tece a experiência religiosa, conectando o indivíduo a Potência de algo que se apresenta em sua excepcionalidade. Essa figuração relacional é o que dá à experiência religiosa sua profundidade, significado e potência, capaz de ilustrar como a religião diz respeito ao modo humano de se relacionar, marcando conexões significativas que moldam a vida e a visão do mundo das pessoas.

Conclusão 

A fenomenologia da religião, como abordagem metodológica, possibilita o estudo da experiencia religiosa de modo sistemático e profundo. Através do método fenomenológico, é oferecida uma estrutura que permite aos pesquisadores abordarem de modo comparativo os estudos das religiões. Por conseguinte, a potencialidade do método fenomenológico permite-nos perscrutar as nuances da experiência humana, com foco especial na experiência religiosa.

Outrossim, a fenomenologia da religião não busca apenas compreender o que se manifesta, mas também como essa manifestação se relaciona com o sujeito, explorando as experiências e percepções do sujeito em relação ao objeto religioso. Por meio desse processo de experiência, reflexão e análise, a fenomenologia busca descortinar os significados das experiências religiosas, permitindo, assim, a compreensão e o testemunho dessa experiência designada de religiosa. 

Em última análise, como ponto de avanço do trabalho, buscamos enfatizar que a fenomenologia da religião nos conduz ao aspecto relacional da experiência religiosa, que é o elemento fundamental dessa experiência. Essa dimensão relacional da experiência religiosa diz respeito a consciência do sujeito e/ ou sua atitude do indivíduo de experimentar/vivenciar a Potência de algo que se apresenta em sua excepcionalidade própria. Portanto, a fenomenologia da religião desempenha um papel fundamental na análise e compreensão do fenômeno religioso, permitindo que se explorem as relações complexas e profundas que o caracterizam.

Referências

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1998.

ALES BELLO, A. O Sentido do Sagrado: da arcaicidade à dessacralização. Tradução de Paulo 

Sérgio Lopes Gonçalves e Dilson Daldoce Júnior. São Paulo: Paulus, 2019. 

CAPALBO, C. Fenomenologia e ciências Humanas. Londrina: UEL, 1996.

DREHER, Luís Henrique (org.). A essência manifesta: a fenomenologia nos estudos 

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ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 

GOTO, T. A. O Fenômeno Religioso: A Fenomenologia em Paul Tillich.  São Paulo: Paulus, 

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GRECO, C. A Experiência religiosa: Essência, valor, verdade: um roteiro de filosofia da 

religião. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2009.

LEEUW, Gerardus Van der. Phänomenologie der Religion, Tübingen: Mohr, 1956.

OLIVEIRA, Vitória: A Fenomenologia da Religião: temas e questões sob debate. In: DREHER. Luís H (org). A essência manifesta: a fenomenologia nos estudos interdisciplinares da religião. Juiz de Fora: UFJF, 2003.

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Notas

[1] A especialista Vitória Peres de Oliveira na obra A essência manifesta, obra organizada pelo professor Luis H. Dreher (UFJF), aponta que D. Chantepie de la Saussaye retirou o capítulo que mencionava e tratava a fenomenologia na reedição do seu manual dez anos depois. Sua abordagem foi e é conhecida na história da fenomenologia como descritiva de tipo sistemático. Isso porque ela parte de uma base comparada, na qual o método comparativo depende de critérios e modalidades que variam segundo o estudioso, não sendo por isso uma análise muito rigorosa (OLIVEIRA, V.P. 2003, p.38).