Luciano Betim
Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).Contato: lucianobetim@outlook.com.br
Resumo: Este artigo objetiva dialogar com os principais temas da teologia batismal em perspectiva reformada, mais especificamente no contexto da Igreja Presbiterana do Brasil. O batismo é um dos sacramentos na tradição reformada. Trata-se de um rito de iniciação na comunidade do povo de Deus. A fundamentação teórica está amparada em textos de João Calvino, na Confissão de Westminster, no Manual Presbiteriano e em outros teólogos e biblistas. Os resultados apontam o batismo como um meio de graça. O batismo deve ser ministrado conforme a fórmula trinitária, por um ministro oficialmente ordenado. O povo de Deus é a comunidade batismal, unida pelo sagrado sacramento.
Palavras-chave: Batismo; Forma; Liturgia batismal
Abstract: This paper aims to discuss the main themes of baptismal theology from a Reformed perspective, more specifically in the context of the Presbyterian Church of Brazil. Baptism is one of the sacraments in the Reformed tradition. It is a rite of initiation into the community of the people of God. The theoretical foundation is supported by texts by John Calvin, the Westminster Confession, the Presbyterian Manual and other theologians and biblical scholars. The results point to baptism as a means of grace. Baptism must be administered according to the Trinitarian formula, by an officially ordained minister. The people of God are a baptismal community, united by the sacred sacrament.
Keywords: Baptism; Form; Baptismal liturgy
O batismo é uma ordenança sacramental praticado por todas as as tradições cristãs. Entretanto há diferentes opiniões no entendimento bíblico-teológico do significado do sacramento batismal. De certa forma não tem ocorrido concordância teológica sobre a essência do seu significado. Neste artigo propomos apresentar a ordenança sacramental em uma perspectiva reformada, na eclesiologia sacramental da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Discussões sobre a forma e quem deve ser batizado têm gerado debates calorosos entre cristãos, principalmente envolvendo a forma de batismo, seja ela a imersão ou a aspersão. Outras comunidades discutem até mesmo se o batismo deve ser realizado em água corrente ou parada e se as crianças devem ser batizadas, principalmente na comunidade batista mundial.
Nosso foco está delimitado dentro da tradição reformada. O batismo é um dos sacramentos. É um rito de iniciação na comunidade do povo de Deus. A fundamentação teórica está amparada em textos de João Calvino, especialmente nas Institutas e comentários, bem como na Confissão de Westminster[1] e em outros teólogos e biblistas. A versão bíblica padrão é a Bíblia de Jerusalém (BJ).
No primeiro tópico trabalhamos com o tema: “Teologia batismal: apontamentos bíblicos “; no segundo tópico: “Fórmula batismal: batismo trinitário”; no terceiro tópico: “Os ministros da liturgia batismal”; no quarto tópico: “Um só batismo, várias formas”. Os resultados apontam o batismo como um meio de graça. O batismo deve ser ministrado conforme a fórmula trinitária, por um ministro oficialmente ordenado. O povo de Deus é uma comunidade batismal, unida pelo sagrado sacramento.
A doutrina do batismo cristão tem sua fundamentação bíblica nos Evangelhos, no livro de Atos dos Apóstolos e nas Epístolas. Por questão de espaço não há como citar todas as referências sobre o tema. João Batista, o precursor de Jesus, anunciou o batismo, adaptando-o dos banhos rituais judaicos, como relatado no evangelho de Marcos:
João Batista esteve no deserto proclamando um batismo de arrependimento para a remissão dos pecados. E iam até ele toda a região da Judéia e todos os habitantes de Jerusalém, e eram batizados por ele no rio Jordão, confessando seus pecados. (Mc 1,4-8).
Após sua ressurreição, Jesus instrui seus discípulos a evangelizar e batizar os conversos:
Jesus, aproximando-se deles, falou: "Toda a autoridade sobre o céu e sobre a terra me foi entregue. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!" (Mt 28,18-20).
O livro de Atos dos Apóstolos, ao narrar a história da igreja cristã em sua infância, cobre vários anos, desde a ascensão de Jesus até à soltura de Paulo em Roma. Num dos relatos de batismo em nos Atos, mostra ser uma prática comum no processo de iniciação na comunidade cristã:
Respondeu-lhes Pedro: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos vossos pecados. Então recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós é a promessa, assim como para vossos filhos e para todos aqueles que estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar (At 2,38-39).
Na epístola aos Romanos, Paulo trata do batismo. Para o apostolo “Ou não sabeis que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, é na sua morte que fomos batizados? Portanto pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte” (Rm 6,3-4, BJ). Leon Morris (2003, p.97), biblista e teólogo reformado situado na tradição anglicana, observa que não são muitas as citações paulinas em relação aos sacramentos, as duas ordenanças tão significativas para a igreja no transcurso dos séculos. Isso não significa que o assunto não fosse importante para o apostolo Paulo.
O batismo em contexto missionário sempre envolve a exposição do evangelho e o chamado ao arrependimento. Assim era na antiga aliança. Quando um adulto estrangeiro desejava a circuncisão, deveria professar a fé no Deus único. Era um processo de conversão, por assim dizer. Mas as crianças não estavam fora da aliança. Os meninos eram circuncidados ao oitavo dia (Gn 17). Mas e no Novo Testamento? Voltaremos nessa questão do batismo infantil no próximo capítulo. Ele é sinal e selo da aliança.
O batismo não era algo inédito nos dias do Novo Testamento. Hulsbosch (1977, p.576) argumenta que além da prática entre os judeus, era um costume comum também em outras correntes religiosas Egípcias, Persas e no hinduísmo.
Hulsbosch (1977, p.576), ressalta que nas religiões de mistério o batismo estava ligado a iniciação, assim como no judaísmo o rito conectava à religião judaica. Apesar das ocorrências nas diversas religiões, a prática batismal cristã tem seus precedentes nos rituais de purificações praticados pelos judeus.
De acordo com Bridge e Phypers (2005, p.19):
Nos dois séculos que antecederam e se seguiram ao nascimento de Jesus, o batismo de prosélitos foi amplamente praticado. Para os gentios, nascidos pagãos, que eram atraídos para a fé no único Deus vivo, o batismo marcava a entrada na aliança dos Judeus. Esse banho cerimonial era acrescentado à circuncisão, a fim de cobrir a impureza sofrida após a conversão.
Em Calvino é possível delinear a gênese do pensamento reformado da teologia batismal. Conforme o entendimento do reformador, o batismo é um símbolo que comprova a purificação, uma espécie de documento que de certo modo atesta que os pecados foram perdoados e que deve ser recebido como uma promessa de perdão (CALVINO, 2009, p.293). É um meio de graça.
O batismo é o signo de iniciação pelo qual somos recebidos na sociedade da igreja, para que, enxertados em Cristo, sejamos contados entre os filhos de Deus. Além disso, foi-nos dado por Deus para este fim [...] para servir, primeiro à nossa fé nele, e, então para confessá-la perante os homens (CALVINO, 2009, p. 717).
O Reformador explica que o batismo não é um mero símbolos, mas de fato uma ordenança sacramental, aquilo que denominamos de “meio de graça”:
O batismo é nosso ingresso na Igreja e o símbolo de nosso enxerto em Cristo [...]. Deus não joga conosco usando figuras destituídas de conteúdo [...]. Por isso se expressa adequada e genuinamente que o batismo é a lavagem da regeneração [...]. Paulo está se dirigindo aos crentes, em quem o batismo é sempre eficaz, e que, portanto, está corretamente expresso em conexão com sua eficácia e efeito (CALVINO, 2009, p.355).
A Confissão de Westminster trata do batismo no capítulo XXVIII. A ênfase teológica é a mesma proposta por Calvino. De acordo com a teologia confessional de Westminster, o batismo é um sacramento que tenciona receber e selar o batizado no pacto da graça em sua união com Cristo (CONFISSÃO DE WESTMINSTER, 2005, p. 93). Esse ensino aparece também no breve Catecismo de Westminster e no Catecismo Maior, ambos adotados como Símbolos de Fé nas igrejas presbiterianas no mundo todo, entre elas a Igreja Presbiteriana do Brasil.
Karl Barth, um teólogo reformado, e Oscar Cullmann, de tradição luterana, produziram uma obra sobre a teologia do batismo. Na concepção de ambos “o batismo cristão, é em sua essência, a imagem da renovação do homem, devido à sua participação pelo poder do Espírito Santo, na morte e ressurreição de Jesus Cristo” (Barth & Cullmann, 2004, p.13). Embora o batismo seja um sacramento ordenado não é algo automático. Sua eficácia depende da ação do Espírito agindo internamente.
A simbologia é também enfatizada por Hodge (2001, p.1449), ao afirmar que o batismo externo é um “sinal da regeneração ou novo nascimento, por meio do qual, como por um instrumento, os que recebem o batismo são enxertados à igreja”. Essa perspectiva é compartilhada por John Stott (2003, p.205), no sentido de que o batismo significa a união com Cristo crucificado e ressurreto, purificação de pecados, o dom do Espírito Santo, mas o significado principal é a união com Cristo. Tudo ocorre em conexão com a ação da Palavra de Deus sobre o sacramento.
Por fórmula batismal estão em vista aqueles palavras e orações adotadas nas liturgias batismais. Essas fórmulas enfatizam o aspecto trinitário do batismo. Liturgicamente o sacramento é oficiado por meio da invocação trinitária: em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Nesse aspecto a maioria das igrejas cristãs concordam estão de acordo teologicamente. Contudo, há algumas igrejas, especificamente aquelas que professam o unitarismo que batizam apenas em nome de Jesus.
Os reformadores, Martinho Lutero e João Calvino, continuaram a prática bíblico-teológica do batismo trinitário. Calvino (2009, p. 721) observa que a causa do batismo está no Pai, sua matéria no Filho e seu efeito no Espírito Santo. Esse entendimento litúrgico aparece também na Confissão de Westminster, ao salientar que o batismo deve ser realizado em nome do Pai, Filho e Espírito Santo (CONFISSÃO DE WESTMINSTER, 2005, p. 93).
O Manual Litúrgico da Igreja Presbiteriana do Brasil traz rubrica orientando batizar por aspersão. As seguintes palavras de comando aparecem no rito: “Eu o batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (MANUAL Litúrgico, 1992, p.49-50). Esse importante aspecto é aprofundado por Charles Hodge (2001, p. 1420), teólogo presbiteriano de Princeton:
Segundo esta fórmula, o que recebe o batismo como rito cristão, por isso professa estar naquela relação com o Pai, o Filho e o Espírito Santo que mantém aqueles que professam receber a Deus Pai como seu Pai, a Deus Filho como seu Salvador e a Deus Espírito Santo como seu mestre santificador.
Embora Jesus tenha instruído seus discípulos a batizar em nome do Pai, Filho e Espírito Santo, como citado anteriormente (Mt 28.19), algumas passagens no livro dos Atos dos apóstolos (2.38) registram casos de batismo apenas em nome de Jesus: “Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo”.
Como lidar então com essas passagens que não fazem referência a Trindade indicando uma aparente contradição? Conforme Calvino (2009, p. 720.):
[...] os Apóstolos batizavam em seu nome (At 8.16, 19.5), ainda que tivessem sido enviados para batizar também em nome do Pai e do Espírito Santo. Pois todos os dons de Deus que são oferecidos no batismo se encontram somente em Cristo. No entanto é impossível que alguém batize em Cristo, sem que, ao mesmo tempo, invoque o nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo [...].
No entendimento de Charles Hodge (2001, p. 1420), não há contradição entre a ordem de Jesus e os casos apresentados no livro de Atos Apóstolos, haja vista batismo é tanto para o nome de Jesus ou como em referência a Ele. As igrejas reformadas seguem o cristianismo histórico batizando em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, entendendo se tratar de uma prática bíblica e bem fundamentada teologicamente.
Um outro aspecto refere-se sobre a quem deve administrar ou oficiar o rito do batismo. Apenas ministros ordenados estariam aptos ou os leigos na comunidade do povo de Deus podem também ministrar os sacramentos? No cristianismo histórico há diferentes posicionamentos sobre essa questão.
Entretanto, nas igrejas reformadas apenas os presbíteros docentes (pastores), chamados também “ministros da Palavra e dos sacramentos” oficiam os ritos batismais:
Também diz respeito a este assunto saber que não é bom que uma pessoa particular usurpe para si a administração, pois ela é parte do ministério eclesiástico, tanto quando a dispensação da Santa Ceia. Pois Cristo não ordenou nem às mulheres nem a quaisquer homens que batizassem, mas deu este mandato àqueles que ele havia constituído Apóstolos (CALVINO, 2009, p.731).
Por exemplo, na Igreja Presbiteriana do Brasil apenas os pastores ordenados ministram os sacramentos. Esse posicionamento reflete o ensino de Calvino da Confissão de Fé de Westminster, ao argumentar que nenhum sacramento deve ser ministrado por alguém não ordenado, de modo que apenas ministros da Palavra legalmente constituídos possuem essa incumbência (Confissão de Westminster, 2005, p. 92). De acordo com o artigo 31 da Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil:
Art.31 - São funções privativas do ministro:
a) administrar os sacramentos;
b) invocar a bênção apostólica sobre o povo de Deus;
c) celebrar o casamento religioso com efeito civil;
d) orientar e supervisionar a liturgia na Igreja de que é pastor (CONSTITUIÇÃO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL, 1999, p.19).
Desde os tempos de Calvino até os dias atuais essa tem sido a prática nas igrejas reformadas. Nas igrejas reformadas clássicas, não há o costume do batismo realizado por leigos, embora teólogos nessa tradição reconheçam que há precedentes no Novo Testamento:
O Novo testamento menciona com frequência o batismo e indica que um apóstolo (1Co 1.14-16), um evangelista (At 8.38; 21.8) e um membro da igreja cristã (At 9.18) ministraram o batismo. Não existia na igreja primitiva nenhuma regra fixa. Paulo até declara que sua primeira responsabilidade era pregar o evangelho e não batizar (1Co 1.17). Portanto, o costume de permitir que membros da igreja não-ordenados ministrem o batismo tem prevalecido durante os séculos. Na maioria das igrejas, principalmente nas de orientação Reformada, esta prática foi interrompida. Para promover a ordem e a dignidade, apenas pastores ordenados realizam batismos (KISTEMAKER, 2003, p.452).
A liturgia da Igreja Presbiteriana do Brasil é bastante clara nesse ponto. A Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil prescreve que “o ministro do evangelho é o oficial consagrado pela igreja, representada no presbitério, para dedicar-se especialmente à pregação da Palavra de Deus, administrar os Sacramentos” (CONSTITUIÇÃO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL, 1999, p.19). Desse modo, pelo menos no sistema Presbiteriano, apenas ministros ordenados estão autorizados a realizar a ministração dos sacramentos.
Mesmo assim a Igreja Presbiteriana do Brasil reconhece como válidos os batismos realizados em outras comunidades evangélicas, seja ele por meio de pastores ordenados ou presbíteros, conforme a organização da igreja de origem em questão (CONSTITUIÇÃO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL, 1999, p.19). Cristãos oriundos de outras comunidades de fé evangélicas são recebidos por transferência ou por jurisdição a pedido.
Uma questão controvertida em relação a teologia sacramental está relacionada à forma do batismo. Imergir o batizando na água ou aspergir água sobre ele? Qual forma é a mais correta ou que mais se aproximada do ensino do Novo Testamento? As comunidades reformistas, luteranas, presbiterianas, anglicanas e metodistas praticam o batismo por aspersão.
Alguns estudiosos na tradição reformada, mais especificamente os entre os batistas reformados, são convictos em suas crenas de que a imersão é a forma correta do batismo. Strong (2003, p.697), por exemplo, afirma que “o batismo cristão é a imersão do crente na água”. É claro que mesmo entre os batistas há diferentes níveis de entendimento mesmo, embora a imersão seja a forma padrão em suas comunidades.
Calvino admite uma variedade do formas:
De resto, pouco importa se o batizado é submerso inteiro, se três vezes ou somente uma, se apenas derramando água sobre ele. Isto deve ser deixado a critério da igreja, segunda a diversidade dos países. Ainda que a palavra mesma “batizar” signifique “submergir”; e conta que a igreja primitiva observou este rito de submergir (CALVINO, 2009, p. 731).
A Igreja Presbiteriana do Brasil costuma batizar por aspersão, reconhecendo, entretanto, a validade dos outros modos. Essa pluralidade de formas reflete o ensino da Confissão de Fé de Westminster: “não é necessário imergir na água o candidato, mas o batismo é devidamente administrado por efusão ou aspersão” (CONFISSÃO DE WESTMINSTER, 2005, p. 93).
Vale a pena lembrar que pessoas batizadas em outras comunidades cristãs evangélicas (batistas, luteranas, metodistas, congregacionais, menonitas, pentecostais clássicas) são recebidas apenas por profissão de fé na Igreja Presbiteriana do Brasil.
O Novo Testamento apresenta basicamente duas palavras, traduzidas em português como batismo. São os termos bapto e baptismo. De acordo com Gingrich & Danker (1984, p.40), o termo grego bapto significa mergulhar, imergir, lavar as mãos. Embora o sentido primário de bapto aponte para imersão, isso não significa que seja apenas esse o sentido. Uma análise em diversas passagens no Novo Testamento indica que bapto possui uma gama de significados em diferentes contextos.
Essa análise é importante não somente para a compressão teológica do significado do batismo, mas também para a busca da unidade do povo de Deus. Por exemplo, Rayburn (1990, p.157) observa que o termo bapto em Lucas 11.38, Atos 1.5, 1 Coríntios 10 1-2, Hebreus 9.10-23, não tem o sentido de imersão. Outras passagens são apontadas por Hodge (2001, p. 1413), entre elas Lucas 16.24, narrando o pedido do rico para que Lázaro molhe (bapto) a ponta da do dedo, e João 13.26, relatando o ato de molhar (bapto) o pão. Essas passagens não apresentam o sentido de mergulho completo.
John Stott (2003, p.207), teólogo reformado anglicano, argumenta que
Estamos longe de saber ao certo se os primeiros batismos eram feitos por imersão total; alguns quadros primitivos do batismo de Jesus, por exemplo, o retratam de pé dentro do rio, com a água pela cintura, enquanto João Batista derrama água sobre sua cabeça. Porém a verdade simbólica de morrer para a velha vida e ressurgir para a nova vida permanece, qualquer que tenha sido a forma de batismo usada.
A reflexão profunda sobre o assunto deveria conduzir a comunidade do povo de Deus olhar com carinho e aceitação aqueles que pensam de modo diferente:
Com certeza não há por que abandonar ou postergar o batismo na falta de instalações adequadas para imersão. O mesmo vale para alguma fragilidade, enfermidade ou idade avançada que torne a prática desaconselhável. Nem se devem fazer com que cristãos sintam que seu batismo é inválido ou inferior, unicamente devido à pequena quantidade de água utilizada (PHYPERS; BRIDGE, 2005, p.29).
Três, dos quatro Evangelhos narram, o batismo de Jesus. Nenhum deles específica detalhadamente o modo em que o batismo ocorreu. Hendriksen (2001, p.301-302) argumenta que pouco importa se Jesus estava em pé ou com o corpo submerso na água, não é indicado e que o Espírito Santo não quis revelar o modo exato da forma de ministração. Em poucas palavras, a imersão é uma forma correta. Mas não é a única. Há outras formas válidas.
A palavra grega "bapto" pode significar: imergir, molhar, afundar etc (GINGRICH; DANKER, 1984, p.40). Alguns textos em que aparece:
- "A sentença sobre Nabucodonosor cumpriu-se imediatamente. Ele foi expulso do meio dos homens e passou a comer capim como os bois. Seu corpo molhou-se (bapto) com o orvalho do céu". (Daniel 4,33 – LXX)
- "Confessando os seus pecados, eram batizados (bapto) por ele no rio Jordão." (Mateus 3,6)
- "Quando chegam da rua, não comem sem antes se lavarem (bapto). E observam muitas outras tradições, tais como o lavar (bapto) de copos, jarros e vasilhas de metal.) (Marcos 7,4)
- "Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda que Lázaro molhe (bapto) a ponta do dedo na água e refresque a minha língua" (Lucas 16,24)
- "Imediatamente, algo como escamas caiu dos olhos de Saulo e ele passou a ver novamente. Levantando-se, foi batizado (bapto) " (Atos 9,18)
Nesse sentido, imergir é batizar (bapto) quando há bastante água. Quando alguém é batizado por aspersão (derramando água), também é batismo (bapto). Enfim, há um só batismo realizado numa pluralidade de formas. É pertinente a observação sobre práticas de natureza quase que fundamentalista adotadas por algumas comunidades:
Na Bíblia não lemos a respeito de roupas de borracha, nem de batistérios, nem de pessoas que eram levadas aos rios e arroios como hoje se costuma fazer. São invenções modernas e não pertencem aos dias apostólicos. Se a imersão fosse o único modo de batismo, muitas pessoas nas regiões geladas do norte, e nos desertos como o Saara, onde não se poderia obter água suficiente, não poderiam ser batizadas, e Deus teria ordenado uma impossibilidade (SWIFT, 1956, p.8).
Pensando na unidade do corpo de Cristo, Grudem (1999, p. 828) salienta que o batismo é uma doutrina secundária, de modo que as igrejas poderiam a conviver melhor, evitando assim as divisões. O batismo, como símbolo de identidade, deve apontar para a unidade do povo de Deus em suas mais variadas expressões.
Os Princípios de Liturgia da Igreja Presbiteriana do Brasil e o Manual Litúrgico da Igreja Presbiteriana do Brasil trazem rubricas e formas para a cerimônia batismal de crianças e adultos. O Artigo 11 dos Princípios de Liturgia, recomenda que “Os membros da Igreja Presbiteriana do Brasil devem apresentar seus filhos para o batismo, não devendo negligenciar essa ordenança” (Princípios de Liturgia, 1999, p.113). Em outras situações assinala que “Os menores poderão ser apresentados para o batismo por seus pais adotivos, tutores, ou outras pessoas crentes, responsáveis por sua criação” (PRINCÍPIOS DE LITURGIA, 1999, p.113).
Quanto a forma do batismo, o Manual Litúrgico da Igreja Presbiteriana traz várias liturgias próprias para a ministração do sacramento. No caso do batismo de adulto, aqueles que não foram batizados em uma Igreja Evangélica, há uma série de perguntas fundamentas nos artigos do Credo Apostólico e em outros documentos da tradição reformada (Manual Litúrgico, 1992, p.47-48). Do mesmo modo, as perguntas são realizadas aos pais ou repisáveis no caso do batismo de bebês (Manual Litúrgico, 1992, p.47-48). A oração para o batismo infantil reflete a Teologia do Pacto. Deus faz uma aliança com aqueles que creem e seus filhos:
Graças te damos, ó Deus, porque não somente nos abençoas com os benefícios que conferes a todos os homens, mas também com as promessas e dons do Evangelho. Rendemos-te graças, porque nos chamaste para sermos teu povo; e também nossos filhos, assinalando-os com este sacramento do batismo. Portanto, embora indignos de teus favores, te suplicamos que protejas está criança; confere-lhe as graças significadas neste sacramento (MANUAL LITÚRGICO, 1992, p.91).
Neste artigo buscamos dialogar com os principais temas da teologia batismal em perspectiva reformada, mas especificamente com a tradição na Igreja Presbiteriana do Brasil. O batismo é um dos sacramentos na tradição reformada. Nosso foco foi mais dialogar com a teologia sacramental de João Calvino bem na Confissão de Westminster, Símbolo de Fé do presbiterianismo mundial. No presbiterianismo, assim como para as demais tradições, o batismo é um rito de iniciação na comunidade do povo de Deus.
Os resultados mostram o batismo como um meio de graça e não apenas um símbolo vazio de significado. O batismo deve ser ministrado conforme a fórmula trinitária, e por um ministro oficialmente ordenado. A Igreja Presbiteriana do Brasil se orienta pelos Princípios de Liturgia e pelo Manual Litúrgico. Os batizados formam o povo de Deus, a comunidade batismal, unida pelo sagrado sacramento. O batismo não é propriedade da tradição reformada. Desse modo, os batizados em outras comunidades de fé são válidos. Os novos membros oriundos de outras comunidades evangélicas irmãs, são recebidos por profissão de fé, sem a necessidade de “rebatismo”.
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[1] A Confissão de Westminster, juntamente com o Catecismo Maior e Breve, são os Símbolos de Fé do Presbiterianismo mundial.