A PRODUÇÃO TEOLÓGICA NO PÓS-CONCÍLIO
Prof. Dr. Pe. Paulo Sérgio Lopes Gonçalves
RESUMO Pretende-se neste texto expor a produção teológica na atualidade e suscitar algumas prospectivas, tendo como marco fundamental o Concílio Vaticano II. Para atingir esse objetivo, foram explicitadas as teologias que contextualizaram o Concílio Vaticano I e afirmou-se o Concílio como um evento de recepção criativa que articulou mistério e história. Em seguida, elaborou-se um quadro que aponta quatro elementos cruciais no pós-concílio: a hermenêutica teológica, o pluralismo teológico, as teologias contextuais e a pós-modernidade. A partir desse quadro, levantou-se um conjunto de prospectivas que denota a tarefa da teologia: suscitar a esperança do snho do Reino de Deus presente na história. |
ABSTRACT The present work aims to present today's the theological production and to raise some perspectives starting from the II Vatican Council. To this purpose we tried to make explicit the theologies in whose context the I Vatican took place and the very Council was presented as the creative event in which mystery and history were articulated. We next elaborate a framework of four crucial elements in the aftermath of the Council: the theological hermeneuthics, the theological pluralism, the contextual theologies and the post-modernity. From this framework a set of prospectives is presented which points to the task of theology: to awaken the hopes of the dream of God's Kingdom present in history. |
1. INTRODUÇÃO
Objetiva-se neste texto expor o processo pelo qual se efetuou a produção teológica após o Concílio Vaticano II, bem como apontar algumas prospectivas denotativas da pertinência e da relevância da teologia na atualidade. Justifica-se esse objetivo o fato do Concílio Vaticano II ser uma referência fundamental na história da teologia contemporânea, propiciando a recepção do processo de renovação teológica e o impulso à produção de complexos teológicos incidentes na realidade histórica e no próprio sentido da vida humana.
De fato, à luz do Concílio Vaticano II, a teologia cristã católica tornou-se mais aberta a dialogar com o mundo, a assimilar as contribuições de outras teologias, a acolher as diferentes e necessárias mediações científicas, a desenvolver com maior intensidade a sensibilidade histórica, a deixar-se ser criticada para a afirmação de seu próprio caráter de contemporaneidade. Dessa forma, a produção teológica atual, não se configura como um discurso ou uma reflexão ou um saber isento de plausibilidade, de consistência, de importância contemporânea, mas seu escopo fundamental é, sem sombras de dúvidas, mostrar-se como uma ciência prática, uma reflexão crítica que visa dar sentido à vida vista em suas diferentes formas e dimensões.
2. O SIGNIFICADO DO CONCÍLIO VATICANO II PARA A TEOLOGIA
O Concílio Vaticano II constitui-se em um grande marco na história da teologia contemporânea. De fato, esse Concílio significou um momento de recepção criativa do movimento de renovação teológica desenvolvido desde o final do século XIX. Além disso, deve-se recordar a grande intuição do Papa João XXIII que, convocou o Concílio para que a Igreja realizasse o aggiornamento em diálogo com o mundo moderno. Buscava-se encerrar definitivamente a postura apologética da Igreja em relação à Modernidade que produziu constantes juízos axiológicos de condenação à filosofia moderna. Dessa forma, o Concílio recepcionou a teologia da história produzida pelo Nouvelle Théologie que trouxe à tona o caráter prático e científico da teologia, desenvolvendo temas importantes, tais com o ecumenismo, o diálogo inter-religioso, o diálogo da fé com a ciência, o diálogo com o ateísmo. Recepcionou também a teologia transcendental produzida, especialmente por Karl Rahner, que afirmou a centralidade antropológica na teologia, apontando a necessidade de se discursar sobre Deus a partir das realidades do ser humano. Além disso, o concílio a teologia do mistério elaborada por Odo Casel que, por sua vez, negou a sinonímia entre mistério e segredo e afirmou a identificação do mistério com sacramento na história produzida pelos seres humanos. Ademais, não se pode esquecer que também pela vertente filosófica, o processo de renovação foi impulsionado. Trata-se de reconhecer a relevância do personalismo cristão de Emanuel Mounier, do existencialismo cristão de Gabriel Marcel e do humanismo integral de Jacques Maritain, tão relevantes à percepção analítica de um mundo em mudança e marcado por colapsos, tais como as duas guerras mundiais e os totalitarismos políticos, terrivelmente traumáticos à humanidade. Ao lado da renovação da teologia católica está também a renovação da teologia protestante, cujo movimento especulativo e olhar contemplativo á realidade histórica foram fundamentais para que complexos relevantes e pertinentes surgissem. Trata-se de reconhecer a teologia do profundo de Paul Tillich que explicitou a verdade da revelação à luz do diálogo da fé coma cultura, da teologia com a fenomenologia. A influência da hermenêutica filosófica propiciou a emergência da teologia da Palavra de Karl Barth que desenvolveu dialeticamente a hermenêutica da Palavra revelada e da teologia querigmática de Rudolf Bultmann que culminou em uma teologia existencial centrada na hermenêutica do sujeito situado historicamente. Surgiram também na esteira da hermenêutica filosófica as teologias da história de Oscar Cüllmann e de Wolfhart Pannenberg, cujo teor fundamental é o de superara dicotomia entre história sagrada e história profana e afirmar a unidade da história a fim de que possa acentuar o caráter histórico da revelação cristã [1]. A figura de João XXIII foi sem dúvida marcante para o Concílio, especialmente por assumir as categorias aggiornamento e diálogo como fundamentais para o desenvolvimento do Concílio. Seguindo a etimologia da palavra, João XXIII afirmou que aggiornamento implica em tornar o mundo iluminado, em fazer com a que a Igreja seja a luz de Cristo para os povos: Lumen Christi, Lúmen Ecclesia e Lúmen Gentium. E essa iluminação não se dá sem o diálogo, compreendido como um processo de comunicação em que vige a reciprocidade, o amor á verdade, o respeito efetuado à luz da alteridade, a comunhão dos pólos dialogantes [2].
Ecclesiam Suam [3]antes da constituição dogmática sobre a Igreja – o Concílio articulou o mistério com a história e, com uma metodologia da dialética entre indução e dedução incidiu sobre questões relativas a Deus, à Igreja – principalmente – e ao ser humano, afirmando uma revelação histórica, uma eclesiologia de comunhão que acentuou a categoria Povo de Deus e uma antropologia denotativa de um ser humano imanente transcendente. Dessa incidência decorrem temas relevantes à teologia: a relação entre Escritura e Tradição, o diálogo da teologia com as ciências humanas, o ecumenismo e o diálogo inter-religioso, o caráter pastoral da teologia e a espiritualidade da teologia ou uma teologia espiritual. Em todos esses temas, a iluminação da fé – lúmen fidei – se articulou com a razão – lúmen ratio – vista à luz da história, campo no qual estão contidos os acontecimentos humanos denotativos da própria ação de Deus [4].
3. OS DESDOBRAMENTOS TEOLÓGICOS APÓS O CONCÍLIO VATICANO II
Imbuída de um grande dinamismo, a teologia do Concílio Vaticano II constituiu-se de um profundo dinamismo, cujas marcas estão no seu conteúdo e nos efeitos histórico-teológicos após o término do Concílio, a saber: a hermenêutica teológica, o pluralismo, a regionalização da teologia, a pós-modernidade e todas as suas implicações.
[5]emergiu na esteira da hermenêutica filosófica, particularmente no âmbito da história e da linguagem, tão bem desenvolvidas por Hans-Georg Gadamer [6] e Paul Ricoeur [7]. Seu principal fruto foi defrontar-se com a apologética fundamentada e fechada em determinados conceitos, irredutíveis às interrogações e às possibilidades de aperfeiçoamentos de suas formas. A teologia passou a ser produzida a partir de um processo que pressupõe a tomada dos textos da Escritura e da Tradição, levando a cabo o estudo do contexto histórico, da filologia e de uma correta articulação entre letra e espírito, com a finalidade de se compreender a Palavra de Deus na atualidade histórica. O grande exemplo de efetividade da hermenêutica teológica está no aprofundamento dos métodos de leitura bíblica, cuja perspectiva histórica já havia sido reconhecida pelo magistério eclesiástico tanto com Pio XII [8] quanto no Concílio Vaticano II [9] e ampliada pela Pontifícia Comissão Bíblica [10]. Com isso, foram consolidados vários métodos de leitura da bíblia: o histórico-crítico, os de análise literária – retórica, narrativa, semiótica –, os de base na tradição – o canônico, os de base judaica, os da história dos efeitos do texto –, os oriundos do diálogo com as ciências humanas – o sociológico, o antropológico-cultural, o psicológico e psicanalítico –, os contextuais – libertador e feminista – e o da leitura fundamentalista. Essa última é passível de crítica pelo seu fechamento à hermenêutica e, por conseqüência a uma interpretação veraz e consistente. E isso, porque a hermenêutica não apenas foi consolidada para uma correta interpretação da bíblia, como também possibilitou que a compreensão das características de uma interpretação que esteja efetivamente a serviço da revelação cristã. Outro exemplo da efetividade da hermenêutica teológica está na interpretação dos diversos dogmas, cujo conteúdo possui base bíblica e sua forma requer sempre aperfeiçoamento. Assim sendo, jamais um dogma pode ser assimilado em sua formulação absoluta, mas deve sempre passar por um processo de interpretação pelo qual ele se torna cada vez mais atual e contemporâneo [11]. Buscou-se eliminar a afirmação de uma determinada interpretação autoritária da Palavra e de uma postura meramente servil da teologia em relação à letra doutrinária do magistério eclesiástico. Com isso, a verdade teológica emergente isenta-se da adequatio dogmática, mas constitui-se do testemunho histórico que parte da arché – fundamentum – e afirma a historicidade da verdade e a relevância da linguagem – vista por Martin Heidegger como a casa do ser [12] – em todo processo de elaboração teológica. Dessa forma, a verdade teológica é fruto do consenso histórico e eclesial, dado que há uma unidade multiforme da fé no tempo e no espaço, eliminando o dogmatismo e o absolutismo epistemológicos. E por ser consensual e interpretativa, a hermenêutica teológica é aberta, respeita a originalidade da revelação cristã e se firma como uma unidade plural para a elaboração de uma autêntica verdade cristã.
O pluralismo teológico é outra herança importante do Concílio Vaticano II. Eliminou-se a concepção de uma teologia una e de uma forma teológica única assumida pela Igreja. Emergiu o clima plural, marcado pela diversidade de formas de produção teológica, constituída de perspectivas que muitas vezes foram temas teológicos. Foram consolidadas a teologia da história e a teologia transcendental, dando continuidade à supracitada centralidade antropológica. Concretizou-se um diálogo da teologia com as ciências humanas, trazendo à tona um redimensionamento temático em função das novas perspectivas. Emergiram as teologias da práxis presentes nas perspectivas da experiência de Edward Schilebeeckx, da secularização de Harvey Cox, política de Johanes Baptiste Metz e feminista de algumas teólogas norte-americanas. Essas perspectivas trouxeram em comum a superação de centralismo religioso e do eclesiocentrismo na produção teológica. A religião deixou de ser a única perspectiva possível ou a Igreja como única instância possível à salvação na produção teológica. O pluralismo denota a secularização do mundo, tornando a religião como um dos eixos de compreensão deste mundo [13], suscitando a experiência como categoria imprescindível à compreensão e interpretação da ação de Deus na história [14]. A política não é mais tomada como tema em teologia, mas como luz e perspectiva, com a qual se ressalta à teologia a tarefa de fazer uma hermenêutica política da sociedade com o objetivo de elaborar uma reflexão crítica capaz de nortear evangelicamente a sociedade. A teologia política é uma teologia fundamental do sujeito que incide na práxis social [15]. A teologia feminista emerge propriamente como uma teologia produzida a partir do lócus da mulher, vista em sua totalidade vital como vítima do machismo uxoricida. Sua preocupação é a libertação da mulher e o desenvolvimento do princípio feminino de refletir sobre Deus, a Igreja e o ser humano. Busca-se uma transversalidade do feminino em toda teologia, provocando a emergência de uma linguagem teológica isenta de androcentrismo, mas imbuída de um corpus capaz de equilibrar o masculino com o feminino e de superar o machismo que escraviza a mulher [16]. Nesse clima de pluralismo teológico, emergiu também a teologia cristã para o pluralismo religioso, cujo objetivo é refletir a salvação em Jesus Cristo no contexto de legitimidade de outras tradições religiosas, não mais destruindo os diferentes canais religiosos, mas assumindo-os em uma única economia salvífica. Por isso, essa teologia assume a cristologia trinitária, o pneumatocentrismo e o reinocentrismo e reflete a unicidade salvífica em Jesus Cristo, a revelação e a salvação nas religiões, o relativismo e o absolutismo religioso, o diálogo inter-religioso e a identidade religiosa na pluralidade das religiões [17].
A produção da teologia em contexto é uma grande riqueza que se construiu após o Concílio. As teologias política, da experiência, da secularização e a feminista são as matrizes geradoras das teologias contextuais, as quais possuem a tarefa de refletir Deus a partir de um locus determinado em profunda ligação com a fé positiva. Surgiram as teologias latino-americana, negra americana, negra sul africana, africana e asiática. Cada realidade possui uma identidade específica própria de história, organização sócio-política-econômica, cultura, religião e suas conseqüentes expressões. No entanto, todas elas possuem em comum uma situação de pobreza, de injustiça, de marginalização, de alienação, tornando os povos dependentes e oprimidos. A intuição básica de todas elas é a produção teológica que surge da articulação entre fé positiva e o contexto específico, no qual a teologia é efetivamente realizada. Na elaboração do complexo teórico de cada uma está a preponderância de uma ou mais dimensões, dependendo do lugar da produção teológica. No entanto, são teologias emergentes do mundo dos pobres, do locus da negação do ser, da privação da vida, do clamor pela libertação e do sonho utópico da construção de uma história marcada por relações fraternas, por estruturas justas, por uma cultura da solidariedade e da paz [18].
No conjunto das teologias contextuais, destaca-se a teologia da libertação latino-americana [19], cuja obra fundamental que referenda sua origem é a "Teologia de la liberación" do peruano Gustavo Gutiérrez [20] denotativa de que essa teologia é um novo complexo teológico capaz de articular a fé com o mundo dos pobres. Sua sustentação está em dois outros teólogos: o brasileiro Hugo Assmann [21] e o uruguaio Juan Luis Segundo [22], grandes expoentes que acentuaram respectivamente a necessidade de afirmar a teologia da libertação como uma teologia política latino-americana e sua imprescindível libertação de determinados vícios teóricos de uma formulação ineficaz em sua práxis histórica. Durante toda a década de 1970 até 1984, a teologia da libertação desenvolveu-se e consolidou-se como um modo de fazer teologia, tendo como destaque a eclesiologia do brasileiro Leonardo Boff que aprofundou o significado de Igreja dos Pobres [23], a epistemologia de Clodovis Boff [24] denotativa da necessidade da teologia da libertação ser constituída das mediações sócio-analítica, hermenêutica e teórico-prática, a cristologia do espanhol Jon Sobrino [25] e a eclesiologia de Ignácio Ellacuría [26], cuja profundidade foi capaz de compreender que a verdadeira Igreja dos Pobres é aquela do Povo crucificado. A partir de 1984 inicia-se uma nova fase da teologia da libertação marcada por um grande paradoxo: a simultaneidade entre a crítica do magistério eclesiástico [27] e a consolidação na forma de um sistema teológico expresso na coleção teologia e libertação [28] e na obra Mysterium liberationis [29]. Com isso, a teologia da libertação revisou o seu passado, consolidou-se como uma nova teologia pertinente, relevante, útil e necessária à Igreja e à sociedade e ampliou os seus horizontes, enveredando-se também pela crítica à idolatria do mercado neoliberal, pela formulação de uma teologia ecológica capaz de explicitar o grito da Terra [30] em uma clara conotação de que a teologia da libertação é um complexo teórico nascido em um contexto específico, mas de um profundo alcance universal [31]. Outros temas relevantes de conotação universal têm sido desenvolvidos na teologia da libertação, especialmente aqueles referentes ao fenômeno religioso de cunho neopentecostal, à subjetividade pós-moderna [32] e o pluralismo religioso visto à luz das grandes tradições religiosas afro-americanas e ameríndias [33]. Dessa forma, a teologia dalibertação consolida-se como uma teologia integral de efetiva e verdadeira centralidade do Reino de Deus.
Os elementos supracitados como efeitos histórico-teológicos do Concílio Vaticano II evidenciam que a teologia não mais se consolida em sua configuração apologética. Não se trata mais de negar e combater a Modernidade e nem mesmo ignorar a Pós-modernidade. A teologia tem buscado compreender o verdadeiro significado da subjetividade moderna, efetivamente egocêntrica e solipsista. A subjetividade moderna conduziu as pessoas ao individualismo e ao narcisismo, de modo que os valores da solidariedade, da humildade e do desapego foram marginalizados. Ademais, essa subjetividade desemboca na vertente Pós-Moderna marcada por elementos arcaicos [34] e pelas novas formas de comunicação, especialmente a de rede e a midiática. Da subjetividade moderna passou-se à comunidade virtual em que são efetivamente realizadas relações virtuais mediadas por rede de computador e pelas imagens digitais. Muitas pessoas estão sendo educadas pela rede de informação, personalizam suas relações com os indivíduos virtuais, formam comunidades que visibilizam a privacidade pessoal sem que tenham sentimentos de ofensa. E esse modo de comunicação é profundamente veloz, ágil e promotor de mudanças axiológicas significativas na vida das pessoas [35]. Nesse clima pós-moderno, novas expressões religiosas são marcadas pelo retorno ao arcaico e pela adesão às novas estratégias de markenting e propaganda acerca dos produtos religiosos. Com isso, emergiram especialmente os neopentecostalismos totalmente isentos de historicidade pneumatológica e que se apresentam na mídia televisa e na internet, propiciando uma grande divulgação de seu conteúdo [36].
A Pós-modernidade propiciou a emergência da consciência acerca do pluralismo dos povos, das religiões, das igrejas e do próprio ser humano que deve ser compreendido em sua pluridimensionalidade. Com isso, o clima pós-moderno rechaça todo tipo de uniformidade e de preconceito racial, cultural e religioso. Daí que a perspectiva da flexibilidade e da alteridade é extremamente necessária à convivência com as diferenças e com o horizonte utópico da unidade dessas mesmas diferenças [37].
O clima Pós-moderno é fundamentalmente cultural, abarca o comportamento moral e atinge a ética das pessoas. Mas há também de se afirmar um fenômeno denotativo da superação da guerra fria, da luta entre dois grandes blocos – o capitalista e o socialista – e da emergência da era da globalização política e econômica. Com isso, o Estado moderno passou a conviver com novas formas organizacionais denotativas da unidade das Nações e a ação de um país seja no nível econômico, seja no nível político influi em praticamente todo o globo. A pobreza que era vista na localidade do terceiro mundo passou a ser uma realidade mundial, suscitando uma enorme indignação ética. Essa indignação também vale para o planeta em seu todo. A globalização trouxe à tona as questões planetárias em função da devastação dos bosques, do efeito estufa, do buraco da camada de ozônio e outros fenômenos devastadores e a perspectiva ecológica tornou-se uma realidade a ser abarcada pela ética, pela ciência [38] e pela teologia.
4. PROSPECTIVAS
Diante da realidade exposta, cabe à teologia, seguindo o espírito conciliar, em ser cada vez mais aberta aos sinais dos tempos. Ainda que se afirme a posição favorável a um Concílio Vaticano III [39] para se enfrentar esta nova realidade, o efetivo posicionamento é dar continuidade ao espírito dialógico e de aggiornamento proporcionado pelo Concílio Vaticano II. Com isso, a teologia deverá aprofundar o seu caráter científico, seu diálogo com as ciências humanas e investir no diálogo com outras ciências especialmente a física e a biologia, áreas que tiveram grandes avanços nos últimos anos, a fim de ser um complexo teórico sério, contundente, pertinente e relevante. Ademais, a teologia haverá de ter uma grande sensibilidade histórica para compreender bem os novos fenômenos sociais e religiosos e a abertura necessária e eficaz para o diálogo científico com a antropologia cultural e religiosa no tocante ao pluralismo religioso, com a história para superar as inércias políticas e centrar-se em uma compreensão de vida a partir do entrelaçamento dos seres vivos e dos não vivos enquanto efetiva teia da vida [40].
Pelo que já se produziu, a teologia deverá continuar a formulação de uma teologia cristã do pluralismo religioso [41], a elaboração de uma pneumatologia histórica denotativa da ação histórica e transformadora do Espírito Santo [42] e a produção de uma teologia ecológica capaz de afirmar a vida planetária e cósmica a partir da concepção de que a Schechina de Deus está em tudo e em todos [43]. Terá também de enfrentar com maturidade necessária a nova realidade da comunicação marcada pela era midiática e pela era digital. Deverá preocupar-se em emitir a imagem de um Deus vivo que combate os ídolos no contexto da eficiência e da eficácia da velocidade das novas tecnologias da informação. A teologia terá também como tarefa recuperar, segundo os princípios da fé, a identidade educacional da comunicação, tendo em vista à necessidade de se formar a consciência humana para a promoção do bem comum e da vida [44].
No tocante à ética, a teologia deverá continuar enfrentando as questões fundamentais da bioética que vão desde o seu conceito até os elementos pontuais relacionadas ao binômio morte-vida, tais com aborto, eutanásia, distanásia [45]. Além disso, deverá confrontar-se com a realidade das biotecnologias que prometem muitas mudanças no cenário da vida com as propostas referente à clonagem e aos transgênicos [46]. Confrontar-se-á também com as questões da ética social – propriedade privada, o mercado neoliberal, reforma agrária, guerra, justiça social e paz. E o fará à luz da perspectiva dos pobres em articulação com a fé positiva oriunda do próprio movimento da revelação divina [47]. Nesse sentido, tanto a bioética quanto a ética social serão simultaneamente defensoras e promotoras da vida.
Considerar-se-á também o dilema da sobrevivência dos seres humanos, especialmente dos pobres. Nesse sentido, deve-se aprofundar a categoria compaixão nos diversos complexos teológicos. Em tempo de sofrimento torna-se necessário desenvolver a atitude de sofrer com quem sofre – compassionis – para que o sofrimento seja factualmente canal da solidariedade humana. Por isso, a teologia deverá lançar um ethos global da luta pela vida, de sensibilidade pela dor do Outro e de continuidade da denúncia da injustiça e anúncio dos horizontes utópicos de vida. Além disso, deverá também continuar a promover a grande oikouméne da paz, da unidade dos povos, da unidade dos seres vivos, da unidade criacional denotativa da unidade trinitária de Deus. Eis então o sonho que a teologia poderá promover e com isso efetuar a esperança de um mundo novo e de um ser humano também novo [48].
Prof. Dr. Pe. Paulo Sérgio Lopes Gonçalves
Bacharel e Licenciado em Filosofia, Bacharel, Mestre e doutor em Teologia. Professor de Teologia Sistemática e Diretor do Centro de Ciências Humanas da PUC-Campinas. E é professor convidado do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Teologia da Pontifícia Faculdade d eTeologia Nossa Senhora da Assunção.