ESTUDOS HISTORIOGRÁFICOS DO CATOLICISMO NA AMÉRICA LATINA

Prof. Dr. Pe. Ney de Souza

 

RESUMO

O artigo apresenta os principais estudos e fontes sobre o catolicismo na América Latina. Esta dividido em Fontes documentais, narrativas, monográficas e historias globais. Aqui se faz o registro, através da historiografia, das principais atividades humanas do catolicismo latino-americano.

Palavras-chave: Historiografia, catolicismo, América Latina.

 

ABSTRACT

This article presents the main studies and sources of Catholicism in Latin America, divided in documental, narratives, monographic sources and global histories. Herein, is to be found, through historiography, the main human activities of the Latin American Catholicism.

Key words: historiography, catholicism, Latin American.

No seu sentido amplo, a historiografia é a apresentação e a análise da atividade humana do catolicismo, analisando, primeiramente as culturas pré-colombianas e os precedentes medievais como pressupostos para a ação colonizadora e catequizadora a partir de 1492.

Divide-se aqui em 4 blocos a classificação das fontes, estas que são material transmitido oralmente, por escrito (manuscritos), por meio de representação plástica, entrevistas gravadas em vídeo, K7, fotografias, inscrições em mármore que servem para a reconstituição do catolicismo latino-americano.

I) FONTES DOCUMENTAIS

Estas fontes documentais estão constituídas por documentos de toda espécie, relacionados com a atividade do catolicismo e que constituem em escritos unitários com um ou vários destinatários concretos. Textos breves e que, com raras exceções, não eram difundidos por meio da imprensa.

A maioria destas fontes permanece inédita, mas desde o final do século XIX têm-se editado coleções destes documentos, seguindo na maioria das vezes um critério territorial.


Estes textos documentais podem ser estruturados em 5 tipos:

Documentos pontifícios referem-se à nomeação de bispos, ereção de dioceses, concessão de privilégios e promulgação de indulgências. São constituídos por bulas, breves e outros documentos da Santa Sé expedidos para o território latinoamericano ou relacionados a este.

Documentos legislativos textos da Coroa espanhola, portuguesa e das autoridades eclesiásticas, tanto aquelas que estavam na América como aquelas que estavam na Europa. São textos que dizem respeito a todos os aspectos do catolicismo latino-americano. São reflexos do que acontecia na América e um indicador de como se deveria proceder diante dos acontecimentos.

Incluem-se aqui, numerosas cédulas reais, ordens reais ou pragmáticas da Coroa referentes a assuntos eclesiásticos; as disposições dos bispos e dos superiores de Ordens religiosas; as normas dos concílios provinciais, dos sínodos diocesanos e dos capítulos ou congregações dos religiosos.

Documentos informativos são as cartas, memoriais, informes, atestados, relações das visitas pastorais e as descrições de uma situação ou de um fato concreto. Em geral, eram elaboradas para o conhecimento das autoridades, sobretudo da Coroa, e seus autores atuavam algumas vezes oficialmente e outras de maneira particular.

Este tipo de documentação revela uma mesma estrutura do texto e, portanto são semelhantes, descrevem todo tipo de acontecimentos, até aqueles pessoais e normalmente o autor expõe ao destinatário sua própria opinião sobre o que estava sucedendo ou/e como deveriam ser as atitudes a serem tomadas.

Documentos "polêmicos" eram aqueles destinados a manter ou ratificar uma determinada postura ou levantar uma contrária.

Esta documentação é também bastante vasta. Isto se deve às numerosas controvérsias mantidas na América, e se referem, sobretudo, aos problemas relacionados com as conquistas armadas, as encomiendas, a escravidão indígena, às diversas formas de pregar o Evangelho, as disputas mantidas pelos bispos e religiosos pelos privilégios destes últimos, da entrega das paróquias de índios ao clero diocesano, divergências entre a autoridade civil e eclesiástica, as dissensões surgidas dentro das Ordens religiosas e as diferenças entre os membros de uma mesma Ordem, sobretudo com o motivo da alternância dos cargos entre os peninsulares e os criollos.

Documentos propagandisticos eram elaborados para ressaltar os méritos próprios de uma Ordem a que pertencia o autor ou para edificar o leitor e suscitar vocações missionárias. As celebres Cartas Anuas da Companhia de Jesus estão incluídas nas duas últimas finalidades, enquanto as circulares que no Século XVIII distribuíam pelos conventos da Espanha, são exemplos da última.

O inconveniente destes documentos não consiste no falsear a verdade para conseguir seu objetivo, mas em insistir ou recorrer a casos que justifiquem exclusivamente seu objetivo, omitindo os outros.



II) FONTES NARRATIVAS

Neste item estão incluídas as narrações ou exposições da atividade da Igreja na América Latina elaboradas com um fim determinado: a difusão por meio da imprensa.

Estas fontes narrativas estão constituídas fundamentalmente pelas Histórias propriamente ditas, denominadas muitas vezes de Crônicas, sobretudo no caso dos franciscanos e agostinianos, as Vidas ou biografias de personagens eclesiásticos destacados e as Relações de uma situação ou de um acontecimento determinado.

Pelo objetivo diferenciado, estas fontes possuem uma determinada especificidade. A História ou Crônica abarca um campo geográfico e cronológico mais amplo que o das outras fontes. A biografia é restrita a uma pessoa, enquanto as Relações podem constituir uma verdadeira história ou somente o relato de um acontecimento.

Todas estas fontes, especialmente as Histórias ou Crônicas, revestem-se das seguintes características:

  1. Na maioria das vezes são obras de autores que escreviam na América ou que haviam estado aqui. Outras vezes, eram textos de fora da América, concretamente da Espanha. Em muitos casos, os autores são testemunhas pessoais do que relatam.
  2. Salvo em casos concretos, como o de Gil Gonzalez Dávila, pertencente ao clero secular, os autores são todos do clero regular e escrevem para cumprir um pedido de seus superiores.
  3. A narração dos fatos se baseia em documentos autênticos ou em testemunhos de quem os presenciou e até os protagonizaram, razão pela qual constituem uma valiosa fonte.
  4. Tanto o superior, como o autor encarregado da obra, segue dois objetivos: o brilho da própria Ordem, implícita ou explicitamente deduzido da atuação de seus membros e a exemplaridade do leitor, perseguida mediante o relato. Este duplo propósito não exclui a veracidade da história, pois o autor sempre se propõe a narrar os fatos. Algumas vezes, porém, omitia o que não contribuía para o seu propósito.
  5. Os autores também tinham a tentação na busca do maravilhoso, buscando um caráter messiânico, providencialista e até milagroso dos acontecimentos, até a primeira metade do século XVII. Deste período em diante, esta tendência cede à insistência no extraordinário, menos no sobrenatural. A mudança obedeceu a um decreto promulgado pelo papa Urbano VIII em 1625 e ratificado em 1634, pelo qual proibiu a impressão de obras que falavam de milagres, revelações e dotes de santidade sem a prévia aprovação da autoridade eclesiástica ou da Sagrada Congregação dos Ritos.
  6. Uma característica de toda esta produção histórica é a insistência nas grandes dificuldades da própria Ordem ou as dificuldades do personagem biografado. Estas foram sempre reais, mas o que surpreende é o desejo de fazê-las ressaltar e a freqüente omissão, sobretudo desde o século XVII em diante, das facilidades que gozavam os protagonistas.
  7. No conteúdo destas obras predomina a narração dos acontecimentos eclesiásticos, deixando os civis com menor atenção. O destaque vai para a prévia conquista armada do território e, no caso das histórias missionais, a descrição da história dos costumes indígenas, de grande valor etnográfico.
  8. A história religiosa, na grande maioria das vezes, é reduzida à descrição da própria Ordem. Muitas vezes o título não corresponde á totalidade a obra. Como nos casos dos franciscanos Toribio Paredes de Benavente e Motolinia (Historia de los índios de Nueva España), Jerônimo de Mendieta (Historia eclesiástica indiana) e Jose´Torrubia (Monarquia indiana). O título traz expectativas mais amplas daquilo que de fato é tratado. O mesmo Gil Gonzáles Dávila trata somente da questão da hierarquia eclesiástica, mas o título supõe o propósito de abarcar toda a Igreja e o catolicismo.
  9. Uma obra como a de Francisco de Gonzaga (De origine Seraphicae Religionis Franciscanae, Roma, 1587), junto com a de Gonzalez Dávila, que abarca toda a América, constituem uma exceção na tendência geral deste tipo de obras. A limitação territorial não seguia um critério geográfico, mas o do âmbito da Província religiosa ou Missão a que pertencia o autor, de maneira que a história não era de um território como tal, nem daquele ocupado por uma determinada Ordem tomada no seu conjunto, mas a da correspondente a uma determinada Província ou Missão, circunstância que somente figurava no título da obra. Esta é a razão de que, em conformidade com a extensão geográfica da Província ou Missão, às vezes a narração se limitava a um território bem concreto. Como por exemplo, Michoacán, Florida ou Chiloe. Em determinados casos e lugares se escolhiam alguns territórios e se prescindia de outros, o que acontece entre os franciscanos que tiveram diversas províncias.
  10. A produção histórica dos jesuítas refletia uma mentalidade mais moderna em relação às outras Ordens religiosas. Por outro lado, tanto uma como outra evoluíram com o decorrer do tempo. Em todas se observa uma clara tendência cronológica, quase uma obsessão com o suceder dos anos, de maneira que estas histórias terminam convertendo-se em verdadeiros anais, enquanto que outras se ordenam em função da sucessão cronológica dos Provinciais ou das Congregações da respectiva Província.
  11. A produção também ressalta a importância da fundação de conventos e as biografias, até o ponto que algumas destas obras, como por exemplo, do dominicano Alonso Franco (Segunda parte de la historia de la província de Santiago de México, Orden de Predicadores de la Nueva España, México, 1645), mais do que uma história propriamente dita é uma espécie de santoral não oficial, pois na prática se limita a traçar biografias.



III) ESTUDOS MONOGRÁFICOS

São estudos que abordam os mais diferentes aspectos da história do catolicismo na América Latina. Alguns com a finalidade de divulgação, outros com objetivos e bases cientificas. Esta diversidade impede a classificação estrita nesta parte das fontes. Do ponto de vista de sua forma e do âmbito de seu conteúdo, pode-se ter uma estruturação da seguinte maneira:

a) Artigo de revista constitui o tipo mais freqüente e cujo conteúdo é também mais restrito, tanto temática como cronologicamente. Esta limitação se vê compensada pela exatidão dos dados apresentados.

b) Monografias, mediante as quais se procura esgotar um tema escolhido. A maior parte configura-se nestes grupos, geográfica e cronologicamente: uma instituição, principalmente bispados, Ordens ou Províncias religiosas; um território, diocesano ou missional; uma idéia ou corrente, como a teocracia pontifical ou o Real Padroado; um personagem eclesiástico; uma análise e edição de uma obra inédita ou que se considera necessitada de uma nova edição ou estudo.

c) Histórias da Igreja em uma nação determinada. Alguns paises possuem varias. Algumas não correspondem às exigências atuais. Histórias do México, Colômbia, Peru, Chile e Argentina.



IV) HISTÓRIAS GLOBAIS

Neste bloco estão incluídas algumas obras que procuram abordar todos os aspectos da Igreja, do catolicismo latino-americano. Aqui, um breve relato de seus autores.

a) Antonio Ybot Leon, teve o mérito de ter sido o primeiro autor moderno (1954-1963) que abordou o tema com uma visão global. Isto faz sua obra ser importante até a atualidade, mesmo que em alguns pontos tenha sido superada.

b) Leandro Tormo elaborou em 1962 um breve resumo, onde predomina o critério da seleção de temas.

c) Leon Lopetegui, Francisco Zubillaga e Antonio Egaña, cuja Historia, Publicada em 1965-1966, oferece uma visão das questões globais. O texto trata exaustivamente de temas espanhóis, relegando determinados pontos latino-americanos. O próprio autor reconhece que apresentou mais um "episcologico" do que uma história eclesiástica e do catolicismo propriamente dita.

d) A CEHILA (Comissão de estudos de Historia da Igreja latino-americana) oferece uma visão própria, esforçando-se por traçar uma teologia da historia, oferece visões gerais com base em testemunhos e situações concretas.

e) Hans Jurgen Prien, em 1978 em alemão e em 1985 em espanhol, oferece uma visão com dados concretos, com relativo enfoque.

 

BIBLIOGRAFIA

BORGES, P. Historiografia de la evangelización americana, in VAZQUEZ DE PRADA, V. – OLABARRI, I. Balance sobre la historiografia iberoamericana 1945-1986. Pamplona, 1989, 187-219.
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DUSSEL, E. Hipotesis para uma historia de la Iglesia enAmérica Latina. Barcelona, 1967.
VILLOSLDA, R. G. Historia de la Iglesia en Espana. Madrid, 1980.



Prof. Dr. Pe. Ney de Souza

Doutor em Historia Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma / Registro USP. Vice-Diretor acadêmico e professor da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção.