RESENHA
SANTOS, Dom Benedito Beni dos. Discípulos e missionários. Reflexões teológico-pastorais sobre a missão na cidade. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2007, 91 p., ISBN 978-349-2539-6.
O livro de Dom Benedito Beni dos Santos, Bispo diocesano de Lorena, tem como objetivo apresentar a articulação entre discípulo e missão, tema que foi tão caro para a V Conferência do Episcopado Latinoamericano em Aparecida, de modo que as reflexões feitas por Dom Beni, nos ajudam a compreender e a aprofundar o tema central da Assembléia. O subtítulo do livro destaca a missão na cidade, contexto em que Dom Beni fez as suas reflexões, como Bispo Auxiliar, durante 4 anos na Arquidiocese de São Paulo, diante dos desafios que a pastoral enfrenta na nova civilização representada pela cidade, especialmente por uma metrópole como São Paulo. O ponto de partida é o projeto eclesiológico do Vaticano II, que foi um Concílio da Igreja e um Concílio sobre a Igreja. O Concílio tratou da Igreja em todas as suas dimensões e aspectos, buscando quatro objetivos: apresentar uma noção clara da Igreja; tratar da renovação da Igreja, o chamado aggiornamento, procurar a restauração da unidade dos cristãos, como busca da catolicidade na diversidade de liturgias, de tradições, de espiritualidades e carismas, e finalmente, tratar da presença da Igreja no mundo, e dessa forma o Concílio procurou estender uma ponte entre a Igreja e o mundo. O projeto eclesiológico elaborado pelo Vaticano II tem como pilares a Constituição Dogmática Lumen Gentium, em que trata da Igreja e da sua autocompreensão, e a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, em que se analisa presença da Igreja no mundo. Ao falar da Igreja, o Vaticano II assumiu a perspectiva da fé, a saber, da Igreja em relação a Cristo. A Igreja por causa dos sacramentos que celebra e enquanto continuadora da missão de Jesus, num certo sentido, é continuadora da encarnação. Diante da impossibilidade de tratar de todo o projeto eclesiológico, são analisados seis aspectos: "a eclesiologia de comunhão, a Igreja, como contínua construção desde a sua origem, o ser relacional da Igreja, a Igreja como sacramento universal da salvação, a Igreja – povo missionário e, finalmente, a Igreja a serviço não só de seus membros, mas de todos os seres humanos" (p. 11). A comunhão eclesial tem sua origem e referência na Trindade Santíssima. Os instrumentos práticos necessários de comunhão têm origem no Novo Testamento, tal como o ministério petrino e a colegialidade dos bispos, e há instrumentos que foram criados ou incentivados pelo Vaticano II: as conferências episcopais, os conselhos de presbíteros, os conselhos de pastoral, e outros. A Eucaristia é o centro da comunhão eclesial, e o carisma coordenador da comunhão eclesial é a caridade, "que leva cada um a procurar a própria identidade na relação com o outro; a ver, em cada um, um reflexo da Trindade e um depositário dos dons divinos, antes de tudo para a comunidade" (p.13). Quanto à origem da Igreja, a Lumen Gentium mostra que a Igreja, embora tenha nascido do mysterium Christi na sua totalidade, esteve em processo de gestação em toda a história da salvação. Ela foi prefigurada desde o início da criação, através das alianças realizadas com Abel, Noé, representantes da humanidade, e que fizeram surgir verdadeiras experiências religiosas de natureza comunitária. "Algo dessas experiências (a adoração de Deus, a busca da salvação) passou para a Igreja de Jesus Cristo" (p. 14). A Igreja foi preparada na história do povo de Israel, de quem a Igreja herdou as Escrituras do Antigo Testamento. Os primeiros cristãos fizeram uma leitura cristológica do Antigo Testamento, e muita coisa da sinagoga passou para a liturgia cristã, e a Igreja herdou do antigo Israel também o caráter sagrado da família. A comunidade primitiva se reunia nas casas de família. "Quando o Novo Testamento fala da Igreja, como templo de Deus, entende, com essas expressões, a comunidade reunida" (p. 14). É no dia de Pentecostes que a Igreja foi manifestada ao mundo. O dom do Espírito Santo transformou a comunidade em movimento missionário e a revelou a mundo. O Vaticano II ao mostrar a Igreja em relação com a Trindade, apresenta uma Igreja não fechada sobre si mesma, mas em relação com o mundo, entendido como totalidade da criação, da qual a humanidade é parte. "Mundo também no sentido humano, ou seja, construído pelo ser humano: a família, o trabalho, a ciência, a técnica, a cultura" (p. 15). "A presença da Igreja no mundo significa que ela é sacramento universal de salvação. Significa também que ela é feita de realidades terrestres; que ela é uma dimensão do mundo. As alegrias e tristeza, as vitórias e insucessos do mundo perpassam a vida da Igreja. Também as fraquezas e debilidades do mundo. Por isso mesmo, a Igreja não só chama o mundo à conversão, mas ela mesma sente necessidade de conversão" (p. 15). Com relação à missão, a índole da Igreja é missionária, missão que é ação missionária, mas também esforço de inculturação do evangelho e da fé, e também diálogo inter-religioso. O Decreto Ad Gentes afirma que a missão é a expressão do desígnio salvífico de Deus. Essa missão teve origem no mandado de Cristo: "Ide, anunciai o evangelho a toda criatura" (Mc 16, 15). O Decreto Ad Gentes indo além diz que a origem da missão está na própria Trindade; ela nasce da missão do Filho e Espírito, enviados pelo Pai ao mundo. Conforme Ad Gentes a dimensão pneumatológica da missão é outro aspecto importante, porque ela é realizada em obediência ao mandato de Cristo e envolvida pela caridade e graça do Espírito Santo (AD, n. 5). "A ação do Espírito Santo precede, acompanha e dirige a missão (AD, n. 4). É ele que move os pés do missionário, como aconteceu em Pentecostes. Ele é também o primeiro missionário. Aquele que chega antes de todos, para preparar o terreno, espargindo as "sementes do Verbo" na expressão dos Padres Apologetas. Sem essa ação do Espírito, a missão seria superestrutura, acréscimo acidental à vida e cultura do povo. Sem essa ação do Espírito, a missão não seria resposta a uma busca" (p. 18). A Igreja sendo Igreja do Verbo Encarnado, que se uniu a cada ser humano, de modo que a revelação de Deus é, ao mesmo tempo, revelação do homem, a revelação de sua dignidade, de sua vocação divina de ser filho de Deus, de forma que a Gaudium et Spes possibilita uma compreensão qualitativa da missão da Igreja, ou seja, "ela está a serviço não só de seus membros, mas de todos os seres humanos, independentemente de raça, de religião, de regime político" (p. 19). Nos capítulos segundo, terceiro e quarto, são analisados os fundamentos teológicos da missão evangelizadora da Igreja: origem trinitária da missão; articulação entre missão e discipulado no ministério de Jesus; a ação do Espírito, que envolve a atividade evangelizadora da Igreja e sua configuração histórica, em Pentecostes, como comunidade missionária. A missão da Igreja nasce da missão do Filho e do Espírito, enviados pelo Pai ao mundo. São analisados também alguns aspectos práticos da missão a partir do quinto capítulo, e termina apresentando no nono capítulo, Maria como a Estrela da Evangelização, expressão usada por Paulo VI, e que mostra o papel de Maria na vida de Jesus e em toda a história da Igreja. Maria, além de ser a mãe de Jesus, é a primeira e a mais importante entre os discípulos e discípulas de Jesus. "Ela tornou-se discípula quando, pela primeira vez, tomou Jesus em seus braços. Segundo São Lucas, Maria guardava cuidadosamente e meditava em seu coração todos os fatos ocorridos com o Menino Jesus (Lc 2, 19.51). É a atitude do discípulo, que procura reter e assimilar tudo o que aprende com o mestre" (p. 82-83), condição essa essencial para que possamos ser discípulos missionários. Este é um livro muito profundo, oportuno e prático; oportuno porque nos coloca no clima da V Conferência, somos chamados a refletir sobre a nossa missão de discípulos e missionários, e prático, porque após cada capítulo, Dom Beni coloca algumas questões para incentivar a reflexão individual e comunitária.
Prof. Dr. Pe. Pedro K. Iwashita CSSp