Carolyne Santos Lemos
Mestre em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo. Contato: carolynelemos1@gmail.com
Resumo: Este artigo explora as interseções ideológicas entre o Bolsonarismo, a Teologia da Prosperidade e a Teologia do Domínio, e como essas conexões impactaram as políticas sociais no Brasil. Analisamos a ascensão do Bolsonarismo e a popularidade crescente da Teologia da Prosperidade nas igrejas neopentecostais, destacando figuras como Rousas John Rushdoony e Gary North, cujas ideias moldaram a Teologia do Domínio. Rushdoony defendia um Estado mínimo regido por leis bíblicas, enquanto North integrava princípios bíblicos com teorias econômicas liberais. Francis Schaeffer, embora crítico de Rushdoony e North, também contribuiu para a Teoria do Domínio, promovendo uma aplicação mais equilibrada dos princípios cristãos na sociedade. A convergência dessas ideologias reforça uma visão de Estado mínimo, privatização e meritocracia, com impactos significativos nas políticas públicas e na população vulnerável. Apesar da derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, o Congresso Nacional continua predominantemente conservador, perpetuando a agenda política bolsonarista. Esta persistência conservadora influencia a criação de leis e políticas, mantendo a tensão entre visões de Estado mínimo e a necessidade de um Estado mais interventor e protetor dos direitos sociais. O artigo conclui que a interação entre Bolsonarismo, Teologia da Prosperidade e Teologia do Domínio contribui para a manutenção de desigualdades sociais e a desresponsabilização do Estado na provisão de serviços públicos. Propostas de políticas alternativas são sugeridas para promover justiça social e um modelo de governança atrelado à provisão adequada de serviços públicos.
Palavras-chave: Bolsonarismo; Teologia da Prosperidade; Políticas Sociais
Abstract : This article explores the ideological intersections between Bolsonarism, Prosperity Theology, and Dominion Theology, and how these connections have impacted social policies in Brazil. We analyze the rise of Bolsonarism and the growing popularity of Prosperity Theology in neo-Pentecostal churches, highlighting figures such as Rousas John Rushdoony and Gary North, whose ideas shaped Dominion Theology. Rushdoony advocated a minimal state governed by biblical laws, while North integrated biblical principles with liberal economic theories. Francis Schaeffer, although critical of Rushdoony and North, also contributed to Dominion Theory, promoting a more balanced application of Christian principles in society. The convergence of these ideologies reinforces a vision of a minimal state, privatization, and meritocracy, with significant impacts on public policies and the vulnerable population. Despite Jair Bolsonaro’s defeat in the 2022 elections, the National Congress remains predominantly conservative, perpetuating Bolsonaro’s political agenda. This conservative persistence influences the creation of laws and policies, maintaining the tension between visions of a minimal State and the need for a more interventionist State that protects social rights. The article concludes that the interaction between Bolsonarism, prosperity theology and dominion theology contributes to the maintenance of social inequalities and the lack of accountability of the State in the provision of public services. Alternative policy proposals are suggested to promote social justice and a governance model linked to the adequate provision of public services.
Keywords: Bolsonarism; Prosperity Theology; Social Policies
Nas últimas décadas, o neopentecostalismo se consolidou como uma força social e política relevante no Brasil. Sua influência se manifesta através da crescente presença de representantes neopentecostais no Congresso Nacional e da utilização de um discurso moral que permeia a esfera pública, influenciando debates sobre sexualidade, gênero, família e outros temas sensíveis. Consequentemente, o Brasil testemunhou a ascensão do Bolsonarismo e da Teologia da Prosperidade - TP, movimentos que, embora distintos, compartilham interseções ideológicas significativas. Deste modo, este artigo explora como essas ideologias se interconectam e influenciam a redução do investimento estatal em políticas sociais no Brasil.
A Teologia da Prosperidade pode ser entendida como uma ramificação da Teologia do Domínio - TD, um conceito amplamente promovido por teólogos como Rousas John Rushdoony e Gary North. A preocupação dos pregadores da TP não está relacionada aos verdadeiros princípios que constam no Evangelho, isto é, ao compromisso com os mais pobres, mas com a acumulação indiscriminada de riqueza, luxo e bem-estar. As preocupações com caridade, cuidado pastoral e evangelização são mínimas.
A confluência entre o Bolsonarismo e a Teologia da Prosperidade resulta em um enfoque reduzido do papel do Estado como provedor de políticas sociais. Sob o governo de Bolsonaro, houve uma diminuição significativa nos investimentos em áreas como educação, saúde e assistência social, em favor de políticas que favorecem a iniciativa privada e a responsabilidade individual.
A transferência da responsabilidade pela demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento resultou em políticas que favorecem o agronegócio em detrimento dos direitos indígenas, intensificando os conflitos fundiários. As mortes dos yanomamis representaram uma catastrófica crise humanitária, provocada pela ausência do poder público no provimento das necessidades básicas desses povos e no avanço do garimpo ilegal sobre suas áreas de habitação.
Mesmo com a derrota nas urnas durante as eleições de 2022, o Congresso Nacional permanece predominantemente conservador, influenciando o desenho das leis e políticas públicas brasileiras, o que demonstra claramente o longo caminho a ser percorrido pela sociedade para alcançar uma política efetivamente plural, que respeite o Estado laico e seja comprometida com a justiça social.
Para tratar da Teologia da Prosperidade e sua expansão para as nações de economia periférica, é necessário discorrer sobre a Teologia do Domínio ou Dominionismo - TD, cujo objetivo é transformar os aspectos culturais a partir de valores cristãos. Dito isto, a TD busca a reconstrução da sociedade contemporânea com base na expansão do domínio teocrático em diversas esferas da vida, dentre as quais, educacional, cultural e política. Acerca desta última, há uma crença de que a predestinação dos cristãos está em ocupar os postos de poder (presidências, ministérios, parlamentos, municípios, supremas cortes).
Deste modo, o termo domínio deriva da interpretação do livro de Gênesis 1.28 - “Dominai a terra”. Esta interpretação, nos moldes da TD, deverá ser aplicada aos cristãos. Consideremos três importantes expoentes da corrente dominionista – o teólogo e escritor norte-americano Rousas John Rushdoony (1916-2001), um dos fundadores do movimento Reconstrucionista Cristão, e seu genro, Gary North, historiador e economista e editor de diversas publicações relacionadas ao Reconstrucionismo Cristão. Há ainda, Francis Schaeffer (1912-1984), influente teólogo, filósofo e pastor presbiteriano, que influenciou significativamente a formação do pensamento evangélico contemporâneo.
É necessário ressaltar, no entanto, as divergências presentes dentro da Teologia do Domínio, protagonizadas por reconstrucionistas e moderados. Os reconstrucionistas defendem a instauração de uma sociedade teocrática, na qual os princípios bíblicos sejam a principal base da lei e de toda a organização social. É a defesa de um papel ativo e intervencionista do cristianismo na esfera social, cultural e política. Nestes moldes, caberia ao Estado se curvar diante da lei bíblica, visto que nesta vertente não se admite a separação entre Igreja e Estado.
Já os moderados, acreditam que a fé cristã é capaz de influenciar positivamente a sociedade, mas não necessariamente a partir da construção de uma sociedade teocrática. Baseando-se em conceitos como discipulado, evangelização e transformação individual, os moderados defendem uma sociedade mais justa e ética, sem a subordinação do Estado à Igreja. O cristianismo influenciaria a sociedade por meio de meios não coercitivos - respeito mútuo, cooperação, argumentação, busca pelo consenso e demais meios alternativos à coerção.
Faz-se oportuno dissecar o contexto social vivenciado por Rushdoony, que de família armênia, precisou migrar para os Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial. Após se tornar pastor presbiteriano, atuou na evangelização dos povos indígenas do Oeste, experiência que o levou a acreditar na ineficácia do poder público no atendimento das demandas das pessoas e na prevenção da deterioração moral da sociedade (PEREIRA, 2023).
Em seu livro “The Institutes of Biblical Law" (2009), Rushdoony argumenta que a lei bíblica deveria ser a base para a sociedade civil moderna. Ao mirar a visão central do reconstrucionismo cristão, defende a aplicação da Lei de Moisés em todos os aspectos da vida pública e privada. Nesta perspectiva, a sociedade deveria ser governada por princípios bíblicos, com uma ênfase na soberania de Deus sobre todas as esferas da vida, e a igreja deveria exercer influência direta sobre a educação, governo, economia e outros aspectos da sociedade.
Suas opiniões rígidas sobre a aplicação da lei bíblica podem ser traduzidas na defesa do apedrejamento em casos de adultério e blasfêmia, e da escravidão por dívidas. Entretanto, essas ideias foram criticadas por muitos, incluindo outros cristãos, que consideravam as propostas de Rushdoony extremas e impraticáveis para uma sociedade pluralista. Mesmo com as críticas recebidas por parte de alguns cristãos, Rushdoony seguiu defendendo seu projeto de poder evangélico. Sua perspectiva em relação à política de educação ancorava-se na crítica da educação secularizada e na defesa de um projeto educacional baseado nas leis de Deus. Para tanto, seria preciso exercer o controle sobre as escolas, alterar os currículos escolares e reduzir o papel do Estado na educação pública. Uma das práticas defendidas para a perpetuação desse projeto é o ato dos pais cristãos educarem seus filhos em casa. Nas palavras de Ingersoll (2015), dominar o ensino com valores cristãos significa construir uma proposta multigeracional direcionada à reconstrução da sociedade, mesmo que a longo prazo. Assim, os reconstrucionistas não acreditam na autonomia do universo secular, haja vista que tudo é religioso.
Rushdoony reinterpretou eventos históricos, como a Guerra Civil Americana, afirmando que ela foi motivada por uma guerra religiosa em defesa de uma “cultura agrária, patriarcal e cristã”, minimizando o papel da escravidão. Além de defender a autoridade para educar os filhos como privativa das famílias, o autor defende o Estado mínimo. Logo, o Estado não deverá interferir em outros setores – econômico, social, cultural. Políticas sociais e valores humanistas são interpretados como demoníacos e de orientação comunista, estando, portanto, distantes dos valores do cristianismo, e a governança deverá ser orientada por princípios bíblicos e pela iniciativa privada.
Já Gary North defendia a aplicação da lei bíblica na economia e no governo, manifestando críticas ao comunismo e ao intervencionismo estatal. Suas perspectivas econômicas foram obtidas, sobretudo a partir das influências dos economistas Ludwig Von Mises e Friedrich Hayek (PEREIRA, 2023). Para o autor, a política econômica intervencionista não é capaz de alcançar os objetivos, nem das autoridades e nem das massas, demonstrando o autor, que mais tarde se tornaria sócio do Instituto Von Mises, estar de acordo com as ideias da economia clássica.
Nestes moldes, é relevante resgatar a perspectiva de Mises (2017), para quem o intervencionismo é uma política econômica que restringe as atividades dos proprietários, mesmo que seja uma intervenção voltada para a manutenção da propriedade privada. O autoritarismo e as proibições exercidas aos capitalistas representariam a abertura do espaço para a entrada de uma sociedade socialista, cujas decisões ligadas à produção estariam concentradas nas mãos do Estado.
A perspectiva da economia clássica contraria a intervenção estatal na redução das desigualdades; assim, para North, o Estado jamais deverá intervir na vida pública por meio de programas sociais, dada a existência da pobreza como algo natural e sujeita à vontade divina. Somente Deus seria capaz de exaltar os pobres ou rebaixá-los, não cabendo ao Estado exercer influência em torno da pobreza. Logo, ao defender a articulação entre economia e leis divinas, por um lado, o autor assinala a naturalização da pobreza e critica o intervencionismo do Estado e, por outro, manifesta a defesa do livre mercado.
Quanto às contribuições de Francis Schaeffer (1912-1984), crítico aos teonomistas Rushdoony e Gary North por rejeitar a visão radical de lei bíblica e domínio, Schaeffer, considerado um dos maiores teólogos do século XX, foi pioneiro da apologética cristã pressuposicional, que argumenta que a fé cristã é capaz de fornecer o ponto de partida mais lógico e coerente para entender o mundo. A partir de então, desenvolveu uma abordagem abrangente de defesa da fé, aproximando-se das áreas da filosofia, cultura e das questões sociais de seu tempo (PEREIRA, 2023).
Contrariando Rushdoony e Gary North, Schaeffer defendia a separação entre igreja e Estado, argumentando que essas duas instituições apresentam papeis distintos a desempenhar na sociedade. Manifestou, portanto, sua posição oposta à teocracia radical, defendendo uma sociedade pluralista onde a liberdade civil e a fé religiosa possam coexistir.
O contexto econômico do Pós-Guerra demarca a fase da expansão capitalista, com elevadas taxas de lucro tanto nos EUA quanto na Europa. Nesta última, assinalamos o pacto fordista-keynesiano, o investimento massivo em serviços públicos, a expansão da proteção social aos trabalhadores e políticas de pleno emprego, sendo este quadro, impulsionado a partir do Plano Marshall[1] e da propagação da ideologia liberal. Entretanto, há que se ressaltar os fatores endógenos que contribuíram para a eclosão do seu desenvolvimento – manifestação das associações sindicais e dos partidos trabalhistas; forte apelo por paz, segurança e justiça social como reação aos horrores da guerra, e as diferentes culturas e valores dos países europeus também moldaram o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar[2].
Ainda que a expansão de gastos sociais seja alvo de críticas por parte da TD, o período do Pós-Guerra, caracterizado por forte onda de incentivo ao consumismo, possibilitou o entrelaçamento dessa teoria com a mensagem da prosperidade material - TP. Nomes pioneiros como de Kenneth Hagin e Oral Roberts propagavam que a fé dos cristãos poderia proporcionar saúde, prosperidade e sucesso em todas as áreas da vida (ABREU, 2022). Esse ideal ecoou entre aqueles que buscavam alcançar o american way of life e enfrentar a situação de pobreza. Estava no centro da TP a propagação do consumismo e da prosperidade econômica como principais fatores para se alcançar a salvação divina. Os EUA, por ser uma nação consumista em potencial, propagaram os ideais do American way of life e obtiveram auxílio da maré da TP para arrastá-los para várias partes do mundo.
O pastor norte-americano Hagin liderou o movimento de Confissão Positiva, isto é, uma prática que busca por meio da fala e do pensamento influenciar a realidade; há uma crença de que nossas palavras e pensamentos são potenciais transformadores de nossas experiências. Para que a confissão positiva seja eficaz, é fundamental a existência de coerência entre pensamentos e palavras, haja vista que afirmar algo que não se acredita de fato enfraquece o poder da confissão (ABREU, 2022). Para o teólogo, o sucesso, a riqueza e a prosperidade estariam prometidos por Deus nas escrituras, enquanto a pobreza e a miséria seriam obras produzidas pelo Demônio. Como fuga da situação de empobrecimento, caberia a destinação das posses dos leitores ao templo.
O consumismo e o poder econômico, exaltados por Hagin como bênçãos divinas, integram as bases do conservadorismo político norte-americano. A conquista de posses materiais, deste modo, estaria associada unicamente ao desempenho e trabalho do cristão. O ócio e o desprendimento em relação ao progresso econômico individual seriam sinônimos de manifestações diabólicas. Esta visão de que o baixo poder econômico é creditado ao fracasso pessoal desconsidera fatores estruturais como saúde, educação, cultura, economia e política.
Nessa conjuntura, entre políticos da direita propagou-se a ideia de que os EUA se tornaram uma potência econômica mundial graças à “benção de Deus” sobre o país. Acoplada à ideia de que o crescimento econômico somente é adquirido a partir de trabalho, devoção divina e dedicação, está a crítica contundente às políticas de desenvolvimento social e a qualquer forma de intervenção do Estado para melhorar a condição de vida dos mais necessitados.
Após a crise do Estado de Bem-Estar social adentramos na fase de duras críticas ao Estado de Keynes e defesa do Estado mínimo por parte dos neoliberais, defensores do desmantelamento do movimento sindical, de parcos gastos sociais, da estabilização monetária como meta suprema, rigor na política fiscal, redução de impostos sobre rendimentos altos e do desmonte de direitos sociais (BEHRING, 2006). Reagan (EUA) e Thatcher (Inglaterra), ambos de inclinação conservadora, alavancaram a hegemonia do capital financeiro, fase que viria aniquilar as conquistas sociais dos trabalhadores das nações de capitalismo central, aprofundando os traços estruturais dos países de capitalismo periférico, com o desenho do fundo público cada vez mais orientado para o interesse das classes dos credores.
Aquele tipo de sociedade europeia entrou em crise e o capital superou suas fronteiras e amarras nacionais, impondo um novo tipo de acumulação, a acumulação especulativa, fictícia e parasitária (CARCANHOLO; SABADINI, 2009). Desta forma, a lógica capitalista de acumulação não se traduz em exploração direta do trabalho e sim de forma indireta através do Estado e da sua dívida pública. Neste sentido, segundo Maranhão (2013), a principal maneira que o capital especulativo encontrou para afinar sua relação com o fundo público estatal foi por meio da ampliação das dívidas externa e interna dos Estados nacionais.
É durante este período de reformas orientadas para o mercado que a Teologia da Prosperidade chega ao Brasil, prontamente recebida pelos fundadores da Igreja Universal do Reino de Deus - IURD, Edir Macedo e R.R Soares, e posteriormente por outras igrejas que abraçaram a doutrina - Igreja Internacional das Graças de Deus, Comunidade Evangélica Sarando a Nossa Terra, Renascer em Cristo, Nova Vida Bíblica, Associação de Homens de Negócio do Evangelho Pleno - ADHONEP, Ministério Palavra da Fé, Missão Shekinah, Comitê Cristão de Homens de Negócio (CCHN), etc. (MARIANO, 2014).
As diversas denominações e instituições paraeclesiásticas surgidas no Brasil entre os anos 1970 e 1980 foram influenciadas pelos modismos teológicos provenientes dos EUA, como a TP, a TD, a nova reforma apostólica, a Teologia Reino Agora, dentre outros (MARIANO, 2014). Ao escrever diversos livros defendendo as ideias propagadas por Hagin, R.R Soares, dentre suas obras, escreveu “Como tomar posse da bênção”. É possível observar a influência de elementos do American way of life em seus escritos, cujo discurso religioso credita a pobreza à culpa individual e à ausência de fé das pessoas, desconsiderando o contexto social que as envolve. Ao lermos as páginas de sua obra, ideias de individualismo, rejeição à solidariedade, culpa individual aos que não prosperam economicamente mostram-se evidentes.
São perspectivas que se coadunam principalmente com a lógica do sistema de produção de mercadorias e com a defesa do livre mercado, então não há dúvidas de que os pressupostos da TP tenham conseguido se infiltrar em várias igrejas.
Os ensinamentos da TP são tão penetrantes e influenciadores, que em maior ou menor grau, nenhuma igreja, nem mesmo a igreja católica, deixou de ser influenciada por essa teologia. Os ideais da TP estão tão em consonância com os horizontes de transformações econômicas, que passam a penetrar no âmago de várias denominações religiosas. O discurso de que os verdadeiros crentes conquistarão prosperidade independentemente do sistema social, político e econômico em vigor passa a ser quase generalizado (LEMOS, 2017, p. 86).
Essa cultura religiosa de defesa da prosperidade material ancora-se ao liberalismo econômico e na crítica ao Estado interventor, pilares do conservadorismo cristão gestado nos EUA. Tais perspectivas têm influenciado políticas econômicas e sociais dos países emergentes, a exemplo do caso brasileiro, que mesmo durante a vigência de governos mais progressistas, convive com pacotes de austeridade fiscal.
Todavia, é nas gestões mais inclinadas ao autoritarismo e ao conservadorismo que as ações de proteção social sofrem maiores ataques, principalmente as ações ligadas aos direitos e interesses das minorias (mulheres, comunidades quilombolas, povos indígenas, comunidade LGBTQIA+, negros).
Após a seara que compreende o processo de redemocratização do Brasil, que culminou na formulação da Carta Magma de 1988, o país é incorporado ao Canto da Sereia do Neoliberalismo, entoado pelos países de capitalismo central. Em concordância com Behring (2003), adentramos na ofensiva da contrarreforma do Estado, defendida pelos adeptos da financeirização do capital, que fazem da crise fiscal do Estado o discurso para alavancar o desmonte dos direitos sociais e trabalhistas, por meio da progressiva reconfiguração do papel do Estado e do fortalecimento de uma política macroeconômica que beneficia as instituições financeiras.
O processo de desregulamentação dos mercados nacionais, a abertura ao movimento de financeirização do capital e uma série de privatizações tiveram início no Brasil a partir da década de 1990. Esta dinâmica iniciou-se, sobretudo, a partir da gestão de Fernando Collor de Melo (1990-1992), sendo aprofundada por FHC (1994-2002) e mantida durante as gestões posteriores.
Para Salvador (2014), toda essa conjuntura de incorporação do país ao ideário neoliberal acabou por aprofundar os traços estruturais do nosso fundo público, de contorno restritivo, tanto pelo viés do financiamento quanto pelo dos gastos sociais e, muito distante das limitadas conquistas da social-democracia protagonizadas nos países de economia capitalista central.
O Brasil não vivenciou uma experiência na qual a classe trabalhadora conseguisse retomar politicamente parte do fundo público estatal, por meio da obtenção de políticas sociais de cunho universal, pois ao longo da história do país, parte significativa do fundo público sempre sofreu apropriações do grande capital nacional e do capital estrangeiro (MARANHÃO, 2013).
A adequação do Estado brasileiro aos ditames do Consenso de Washington[3] aprofundou as bases para uma nação cada vez mais comprometida com o desmantelamento dos direitos sociais e trabalhistas, em favor do interesse dos credores. Estava-se diante de um campo fértil para o estabelecimento de diretrizes pelas agências multilaterais, tais como Fundo Monetário Internacional – FMI e Banco Mundial – BM. Na verdade, a modernização do Estado, discurso sobre o qual FHC foi eleito em 1994, não passou de uma adequação do Estado brasileiro para a nova fase de acumulação capitalista (LACERDA, 2005).
Sabemos que as bandeiras mais levantadas por FHC durante sua gestão giraram em torno das privatizações e da redução dos gastos estatais, além disso, uma vasta destruição de postos de trabalho e desmantelamento de diretos trabalhistas foram provocadas pelo fluxo da reestruturação produtiva. Percebemos, nesse contexto, a afronta conduzida aos trabalhadores, pulverizados da organização coletiva e lançados para as incertezas de um mercado de trabalho cada vez mais informal e precarizado.
É indispensável apontar como um dos componentes da contrarreforma, a reforma gerencial, mecanismo fortalecedor dos desígnios perseguidos pela nova dinâmica de acumulação capitalista. O ex-ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser- Pereira, durante a gestão de FHC, elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (1995), definindo objetivos e diretrizes para a administração pública, que deveria distanciar-se dos ranços burocráticos, considerados os causadores da perpetuação do patrimonialismo e do clientelismo. Ao elaborar o plano de reforma, Bresser-Pereira demonstrou a sua concepção de Estado enquanto instituição ineficiente, rígida e burocrática. Dessa forma, a administração pública burocrática deveria ser em partes, aniquilada em favor da instauração da administração gerencial (BEHRING, 2003).
As reformas tão exaltadas como capazes de otimizar os gastos públicos atingiram em potencial as políticas sociais, arrastadas para o crivo da refilantropização, vitimando a população com o crescente afunilamento da assistência social. As estarrecedoras alterações no campo da assistência social contaram com a eclosão de Organizações não governamentais (ONGs).
A reforma gerencial também lançou impactos negativos na política de saúde. Houve retrocesso no princípio do sistema único, sob o pretenso argumento de proporcionar maior governabilidade para os gestores de saúde, mas na verdade, insere os hospitais estatais no rol das organizações sociais, transformando-os em entidades públicas não estatais. Esta publicização[4] permite que essas instituições celebrem contratos de gestão com o poder público. Trata-se de um procedimento altamente prejudicial aos municípios, encarregados de contratar os serviços dos hospitais estatais, e estes, passam a compor a lógica da competitividade com hospitais públicos não estatais e com os de natureza privada (BEHRING, 2003). Tais configurações no plano da saúde estão presentes na NOB SUS, de 1996 (BRASIL, 1996), que promete fortalecer a política de saúde dos municípios, no entanto, penaliza esses entes com a introdução da lógica de mercado ao estabelecer o financiamento da saúde com base nos procedimentos realizados.
De acordo com Filgueiras (2006), mesmo diante das gestões mais progressistas, o tripé macroeconômico da era FHC foi mantido, embora flexibilizado em determinados momentos de prosperidade econômica. Durante sua gestão (2003-2006 e 2007-2010), Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceu uma ampla coalização com o bloco dominante e comprometeu-se a dar continuidade ao atendimento das exigências do capital estrangeiro.
Para esses autores, a gestão de Dilma Roussef, iniciada em 2011 e mantida até o impedimento em 2016, manteve o padrão do “Modelo Liberal-Periférico” (FILGUEIRAS, 2012, p.31) exercido por Lula após a crise econômica de 2008, mesmo com a realização de significativas conquistas sociais. Embora o governo Lula e a primeira gestão de Dilma estivessem capitaneados pelo crescimento da economia mundial, a exemplo do boom das commodities, em sua gestão, a presidenta Dilma deparou-se com uma onda avassaladora de manifestações populares, as chamadas “jornadas de junho”, que tiveram início no dia 6 de junho de 2013 na capital paulista. Na ocasião, as reivindicações eram contra o aumento das passagens dos ônibus urbanos. Dez dias depois, milhares de pessoas tomaram as ruas de diversas cidades brasileiras, com pautas demasiadamente heterogêneas e perspectivas distintas.
Os protestos localizados e ainda modestos, organizados por grupos e movimentos que desde a década passada se organizavam em torno da pauta do transporte público urbano, deram espaço a um gigante movimento de massas, ocasionando algumas das maiores manifestações da história recente do país (PINHEIRO-MACHADO et al., 2019).
A massa de manifestantes era composta por setores heterogêneos e de pautas um tanto quanto difusas. De um lado, setores da esquerda, representados por movimentos estudantis, sindicatos, organizações e partidos políticos, questionavam as reformas oriundas de um modelo clássico da democracia de matriz liberal; de outro, a direita também passaria a ocupar as ruas, espaço tradicionalmente ocupado por movimentos democráticos e progressistas, representada por organizações nacionalistas extremistas, jovens pertencentes ao Movimento Brasil Livre - MBL, defensores do retorno da monarquia, saudosistas do período ditatorial, grupos religiosos conservadores e cidadãos de classe média contribuiriam para o fortalecimento de um genérico sentimento anticorrupção.
As manifestações demonstraram o esgotamento do projeto político que estava sendo desenhado desde o período da redemocratização, e que atingira seu ápice na gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva. Dentre as práticas recorrentes desse projeto estavam as focalizadas na distribuição de cargos, emendas parlamentares e verbas públicas para a obtenção do apoio da maioria parlamentar no congresso nacional, e o projeto reformista de redução da pobreza sem a execução de mudanças estruturais.
Porém, mesmo diante do desgaste sofrido pela base governista do PT, a presidenta Dilma Roussef conquistou a vitória nas urnas durante as eleições de 2014, em uma disputa acirradíssima contra o psdebista Aécio Neves, ex-governador do estado de Minas Gerais. O resultado das eleições acabou por contrariar inúmeras análises realizadas a partir de 2013, as quais identificavam os protestos de junho como potenciais causadores da derrota de Dilma nas eleições do ano seguinte.
A vitória nas eleições exigiria árduo esforço da presidenta eleita para a sua manutenção no posto de chefe de governo e chefe de Estado, dada a imperiosa necessidade de recuperar o apoio social e recompor a base governista. Para tanto, o governo protagonizou a aproximação com nomes conservadores do campo econômico, a exemplo da indicação de Nelson Barbosa para o Ministério do Planejamento e de Joaquim Levy para chefiar o Ministério da Economia e, da aproximação com o PMDB. Por outro lado, é mantida a polarização política existente na sociedade.
Todavia, Dilma fracassou na tentativa de recuperar a governabilidade e sua aproximação com setores conservadores que a inclinavam à adoção de políticas de austeridade fiscal desagradou os setores sociais mais progressistas. Ainda, o candidato derrotado nas urnas em 2014, Aécio Neves, aproveitou-se do descontentamento social com as pautas de redução de gastos sociais, como a proposta de redução do orçamento do FGTS, para inflamar o sentimento de antipetismo.
Diante do aumento da polarização política, do descontentamento de setores da esquerda com os pacotes de ajuste fiscal, e ainda, diante do quadro de irregularidades na estatal Petrobrás, sobretudo a partir do pagamento de propinas por empreiteiras para agentes políticos e partidos políticos, o isolamento de Dilma Roussef tornou-se inevitável. As tentativas fracassadas de recuperar a governabilidade e desvendamento dos escândalos de corrupção na Petrobrás com a chamada Operação Lava Jato, que desaguou em delações premiadas, receberam ampla cobertura midiática, e os aparelhos midiáticos contribuiriam massivamente para a ocorrência de novas grandes manifestações contra o governo.
No início do ano de 2016, o Brasil era bombardeado por novas acusações de corrupção, delações premiadas, vazamentos de ligações telefônicas e a intensa cobertura de informações da grande imprensa esgarçariam ainda mais a fraca base de sustentação do governo. Além de fornecer corpo e fôlego aos protestos de rua, o agravamento da crise política ensejou o forte desejo popular pelo impeachment da presidenta, cuja aceitação por Eduardo Cunha, deputado evangélico e presidente da Câmara dos Deputados, conduziria a aprovação do processo por 367 deputados, enquanto apenas 136 parlamentares manifestaram oposição ao impeachment (PINHEIRO-MACHADO et al., 2019).
Já durante a gestão do presidente Michel Temer, foram anunciadas reformas para conter gastos públicos, como a reforma trabalhista que estimula a terceirização e a precarização das condições de trabalho; a aprovação da Emenda Constitucional número 5 que limita os gastos primários do governo federal de modo a corrigi-los com base na variação da inflação do ano anterior, e a Emenda Constitucional número 93, que estendeu a desvinculação de recursos da DRU até 2023.
Os escândalos de corrupção também estiveram vigentes durante a gestão Temer, especialmente a partir do beneficiamento de políticos tradicionais de diversas correntes ideológicas com o pagamento de propinas por parte da JBS. Este escândalo, somado ao crescente histórico de corrupção que se instaurava na máquina pública desde 2013, contribuiu para o crescimento de Jair Messias Bolsonaro nas intenções de voto.
Entretanto, o início da corrida presidencial de 2018 seria confuso, visto que Lula apresentava ampla vantagem nas intenções de voto. Não podendo participar das eleições, seria substituído pelo candidato Fernando Haddad, que embora estivesse participado dos debates presidenciais, não venceria as eleições contra o candidato da extrema direita. Este, sofrendo um atentado poucas semanas antes das eleições e obtendo amplo apoio das lideranças neopentecostais, teve sua campanha fortemente impactada.
Recebendo apoio dos pastores Edir Macedo e Silas Malafaia, Bolsonaro angariou sólida aproximação com os setores mais conservadores da sociedade. Sob o manto do conservadorismo, da defesa da família tradicional e do pensamento cristão, construiu a base para a sua vitória nas urnas em 2018, mesmo sem consolidar em seu plano de governo e em seus discursos temas essenciais ao desenvolvimento do país.
O bolsonarismo[5], movimento político associado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, adotou uma abordagem neoliberal em termos econômicos, priorizando a redução do papel do Estado na economia e a promoção do mercado livre. Tais práticas frequentemente se traduziram em cortes de gastos públicos e em medidas de austeridade para controlar o déficit fiscal. Isso incluiu cortes em programas sociais e uma menor ênfase em novas iniciativas de redistribuição de renda.
Uma das reformas mais significativas foi a da previdência, que buscou reduzir os gastos públicos a longo prazo. Embora justificada pela necessidade de sustentabilidade financeira, essa reforma é prejudicial aos trabalhadores mais pobres e vulneráveis. O governo Bolsonaro frequentemente defendeu a descentralização das políticas sociais, passando a responsabilidade para estados e municípios, o que, na prática, pode resultar em menor uniformidade e alcance das políticas devido às variações na capacidade administrativa e financeira das regiões.
As fragilidades presentes no plano de governo de Bolsonaro podem ser analisadas a partir da baixa ênfase dada a questões essenciais, como os direitos das mulheres, o combate à violência doméstica e a proteção aos direitos humanos. A ausência de menções a termos como "gênero" também indica uma falta de compromisso com políticas voltadas para a igualdade de gênero e os direitos da população LGBTQIA+.
Já as palavras "Deus" e "família" aparecem com frequência no plano de governo de Jair Bolsonaro. Tais termos refletem a ênfase atribuída a valores tradicionais e conservadores. A defesa da família, muitas vezes entendida como a família nuclear tradicional, e a invocação de Deus são pilares centrais da retórica de Bolsonaro, direcionados a um eleitorado que valoriza fortemente esses aspectos.
Diversas políticas de saúde que beneficiavam diretamente as mulheres, como programas de saúde reprodutiva e combate à mortalidade materna, sofreram redução de recursos e mudanças na sua execução. Soma-se a esse quadro a redução do orçamento destinado a políticas de igualdade de gênero e combate à violência contra a mulher, haja vista que, em 2019 o orçamento da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres foi cortado em cerca de 27% em comparação ao ano anterior (BEHRING; CISLAGHI; SOUZA, 2020).
A Secretaria de Políticas para as Mulheres foi rebaixada em termos de importância ao ser incorporada ao Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos. Essa modificação enfraqueceu a autonomia da secretaria na promoção de políticas públicas específicas para as mulheres. Ainda, diversos programas voltados à participação da mulher no mercado de trabalho e na ciência e tecnologia foram descontinuados.
Dentre as principais diretrizes do Plano Plurianual (PPA 2020-2023), está a redução do papel do Estado na economia, a reforma tributária, a modernização do Estado e a eficiência do gasto público, o equilíbrio das contas públicas, o fortalecimento da educação básica, o estímulo à concorrência e o incentivo ao empreendedorismo (PPA, 2013, p. 3).
A ênfase na redução do papel do Estado tende a prejudicar os mais pobres e aprofundar as desigualdades com a redução dos investimentos sociais. Vista como agente econômico, o foco está na família tradicional mononuclear. Quase todos os programas do campo social manifestam alguma menção à família, sem considerar a função do Estado no campo dos direitos direcionados à sua proteção. Não há, pois, nenhuma menção às palavras machismo, opressão, violência de gênero e questões raciais (BEHRING; CISLAGHI; SOUZA, 2020).
O que se pode observar é a condução da campanha eleitoral e da presidência a partir do uso desenfreado de interpretações rasas do testemunho bíblico e da apropriação de pautas ligadas à moral e aos bons costumes como uma das principais estratégias para alavancar o apoio popular. O governo, igualmente, demonstrou disposição servil ao capitalismo financeiro, bancos e ao empresariado, reduzindo a importância do serviço público e imprimindo na sociedade uma insegurança permanente.
Assim, muitas igrejas evangélicas que pregam a TP têm um papel ativo no apoio a Bolsonaro. Esse apoio não é apenas religioso, mas também político, promovendo uma agenda que inclui valores conservadores e uma visão econômica que favorece a redução do Estado. Logo, a TP pode levar à moralização da pobreza, em que a falta de sucesso financeiro é vista como resultado de falta de fé ou esforço, em vez de ser reconhecida como consequência de desigualdades estruturais. Isso se alinha com as políticas de redução de investimentos sociais do bolsonarismo.
Líderes evangélicos com grande alcance midiático como Silas Malafaia garantem tonalidade ao discurso de Bolsonaro, ao defenderem a economia e a manutenção do status quo como prioridades, em detrimento da vida das pessoas. Ora, essa perspectiva, ao ser disseminada para o conjunto dos cristãos, contribui para a perpetuação da politização das igrejas, fazendo com que essas tornem-se canais de transmissão de quem conduz o processo político em um determinado momento histórico, a exemplo do processo que ocorreu na Alemanha durante a década de 1930, período histórico marcado pela divisão que ocorreu na igreja evangélica, que evidenciou, de um lado, os cristãos apoiadores de Adolph Hitler, de outro, o pequeno grupo de opositores, dentre os quais, os adeptos do socialismo religioso.
Nesses moldes, a igreja assume sua subserviência a um projeto de poder inclinado à legitimação do autoritarismo e ao desprezo aos reais problemas da nação. Ao deixar de pautar seu pensamento e ação no evangelho da graça e no amor libertador de Cristo, a igreja se transforma em apoiadora de grupos e instituições “que em nada colaboram ou servem à causa de Cristo e do evangelho, isto é, à causa da liberdade plena da pessoa” (ZWETSCH;TREIN, 2020, p.5).
Nas palavras da documentarista, jornalista e escritora Eliane Brum (2019), a política orquestrada por Jair Bolsonaro articula uma confusão entre o nome de Deus e o Nacionalismo, mas se trata de um nacionalismo desfigurado, amplamente associado a uma política econômica que beneficia os rentistas e bancos privados - uma clara vinculação aos interesses do capitalismo financeiro, razão pela qual o número de desempregados e de trabalhadores informais tendeu a aumentar consideravelmente, isto somado à inércia do governo diante da demissão em massa de trabalhadores e trabalhadoras durante a pandemia da Covid-19.
Sobre o sentido do nome de Deus para Bolsonaro, Brum explicita uma importante provocação para teólogos e teólogas: em que crê o Deus de Bolsonaro? Para Brum, o Deus sob a customização de Bolsonaro seria aquele que despreza os direitos das minorias, sobretudo dos negros, dos mais pobres e dos mais afetados pelo fenômeno da violência. Seria o Deus que considera que as escolas são terrenos facilmente corrompíveis pelos professores defensores da ideologia de gênero. Seria o Deus que credita os imigrantes à ameaça da soberania nacional, e que, portanto, não hesita em considerá-los a escória do mundo.
Esse mesmo Deus também exercita a descrença, ao desconsiderar as mudanças climáticas, a importância da cobertura vacinal para as doenças para as quais existem vacinas, e tampouco crê que o Brasil esteve sufocado por uma ditadura civil-militar durante mais de 20 anos (1964-1964) - período trágico e sangrento da história brasileira, que contabilizou milhares de mortes, torturas, exílios e desaparecimentos. Para este deus gestado no ventre do bolsonarismo, o aquecimento global, a discriminação racial e a desigualdade de gênero não passam de invenções da esquerda, do comunismo e do marxismo cultural, estando este último sempre exercendo influência nas escolas brasileiras.
Impera um abuso sem precedentes da cultura religiosa no Brasil desde os tempos coloniais, ou seja, a apropriação do nome de Deus para justificar a violência, a opressão, a miséria e o descaso com a população marginalizada. E ainda com o apoio de parte da população, embora tenha sido observada uma redução dessa popularidade diante da postura que o ex-presidente assumiu durante a pandemia, que consistia no incentivo ao consumo de medicamentos sem eficácia comprovada, recusa na compra da vacina chinesa Coronavac, resistência ao isolamento social como forma de evitar a propagação do vírus, e na falta de oferta de suporte aos estados e municípios para a condução da pandemia, o que refletiu a ausência de uma coordenação nacional para gerir os efeitos provocados pela crise sanitária.
De acordo com o teólogo Leonardo Boff, a apropriação política e indevida do sentido do Evangelho constitui blasfêmia. Ele sinaliza o teor caótico do Brasil durante o período marcado pela manifestação do ódio visceral, desprezo pelas minorias e proliferação de fake news até por parte da autoridade presidencial, que insistia na manutenção de uma compostura incompatível com o cargo ocupado e despreocupada com as consequências das intervenções e pronunciamentos realizados tanto aqui quanto no exterior (BOFF, 2019).
Nas palavras de Boff (2019), o bolsonarismo representa a política de confrontação aos opositores, sem diálogo com o congresso e sem o aperfeiçoamento da máquina pública em favor dos menos favorecidos. Predomina a cultura da violência e da implantação da sensação de insegurança na sociedade, com o incentivo à aquisição de armas de fogo, sob o imperativo de que basta se armar para eliminar as ameaças que pairam sobre a propriedade privada. Sobre esta última, é imperativo recordar a avalanche de decretos e alterações legislativas que facilitaram o porte e posse de armas de fogo para a população civil, principalmente para atiradores, caçadores e colecionadores. Até o final do mandato de Bolsonaro, o Exército Brasileiro registrou cerca de 1,3 milhões de armas.
Durante a campanha presidencial, não escondia sua hostilidade em relação aos povos originários; sob o anúncio de que não daria sequer um centímetro de terra aos povos indígenas, discursava acerca de uma pauta que não teria espaço em sua gestão. Os grupos populacionais tradicionais e específicos - GPTEs, a saber, comunidades quilombolas, trabalhadores que lutam por acesso à terra, povos indígenas, dentre outros, não estavam nos planos da agenda governamental do governo de extrema direita, mas estavam na mira do projeto de poder autoritário que estava sendo desenhado antes mesmo da formalização da candidatura de Bolsonaro ao planalto. Estar na mira significa estar em posição desfavorável em comparação aos setores beneficiados por aquele governo (setores ligados ao agronegócio, classe média alta, instituições bancárias). Enquanto estes foram excessivamente beneficiados, os GPTEs passaram a viver sob o manto da constante ameaça de extermínio – a promessa de facilitar o acesso a fuzis para cada fazendeiro efetuar a repressão ao Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ilustra essa circunstância.
Os rearranjos ministeriais ocorreram de modo vigoroso na gestão do ex-presidente, principalmente a partir da transferência da pauta da demarcação de terras indígenas, antes pertencente à Fundação Nacional de Amparo aos Povos Indígenas - Funai, para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A reestruturação do executivo Federal também contou com a remoção da Funai do Ministério da Justiça e seu deslocamento para o Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos.
Sob a gestão do ex-presidente foi registrado o aumento na média anual de mortes dos povos indígenas, que foi de 32,5% maior em comparação ao número registrado nos nove anos anteriores (CORREIO BRAZILIENSE, 2024). Nesse ordenamento, é ímpar explicitar a crise humanitária que assolou os yanomamis. Só no ano de 2022, foram mortos 343 yanomamis, estando a desnutrição, a contaminação por malária e a intoxicação alimentar por mercúrio entre as causas das mortes desses povos (MASSULO, 2023).
As mortes, em grande proporção, ligam-se ao avanço do garimpo nas regiões habitadas pelos yanomamis. Neste aspecto, o consumo de peixes e pescados contaminados por mercúrio ocasionam intoxicação alimentar, problemas pulmonares, neurológicos e alterações no fígado. Ainda, além de causar graves problemas de saúde na população, o garimpo ilegal ocasiona desmatamento e destruição dos cursos d’água (PEREIRA, 2023).
Com a ofensiva do garimpo avançando sobre os territórios dos povos originários, e a consequente crise humanitária que os assolou, a Comissão da Organização dos Estados Americanos - OEA notificou o governo Bolsonaro a adotar medidas de proteção à saúde dos yanomamis. O governo prontamente se pronunciou negando as acusações que o associavam ao descaso para com a vida dos yanomamis, quando na verdade, as práticas governamentais confirmavam as promessas que Bolsonaro já vinha realizando desde a campanha, isto é, de que não governaria para as minorias[6].
Ao abordar a omissão e morosidade na regularização das terras indígenas, o Relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil” demonstra a existência de cerca de 829 processos de demarcação com alguma pendência judicial por parte do Estado (CIMI, 2020). Foram devolvidos 27 procedimentos de regularização de terras indígenas pelo Ministério da Justiça à Funai. A devolução ocorreu para que os procedimentos se adequassem ao Marco Temporal[7].
As práticas relacionadas à demarcação de terras indígenas foram criticadas por lideranças evangélicas, as quais associavam a expansão da demarcação à desvalorização da economia brasileira e do agronegócio, cabendo ao legislativo interferir nas questões atinentes à distribuição de terras, e não ao Poder Judiciário. Isto ilustra o quanto o componente ideológico-religioso foi apropriado por um projeto de poder guiado pelo incessante compromisso de manutenção do status quo e de destilação de ódio e intolerância aos segmentos que mais precisam da atuação positiva do Estado.
Prevalece, deste modo, a proliferação da teologia do ódio ou a pseudoteologia como forma de reatualização de práticas tradicionalmente coloniais:
Nesse sentido, a aproximação de igrejas neopentecostais à direita norte-americana e ao sionismo fundamentalista é algo novo e preocupante como fenômeno religioso no Brasil. O judaísmo integrista, como visto na Igreja Universal do Reino de Deus, reforça a linguagem do ódio ao não judeu, justificando políticas neocoloniais praticadas pelo atual Estado de Israel, por exemplo, contra o povo palestino (ZWETSCH; TREIN, 2020, p. 14).
Seria o cristianismo às avessas, em que a proteção aos mais vulneráveis representaria o impedimento para a chegada ao Reino dos Céus? Para o Papa Francisco, a medida da grandeza de uma sociedade se dá pela sua preocupação com aqueles que nada possuem além da própria condição de pobreza. Para o cardeal, o compromisso com os pobres independe de qualquer tipo de julgamento moral e jamais deverá ser pautada por critérios de discriminação (TEIXEIRA, 2013).
A chamada “sociedade de mercado” foi indiscutivelmente construída sobre uma exacerbada valorização do indivíduo, e o individualismo, de fato, consumiu a importância da coletividade. Logo, os infortúnios enfrentados por muitos se esbarram no crivo da insensibilidade e indiferença por parte da sociedade, que acaba por esquecer a conexão entre amor e justiça. Nessa perspectiva, “Trabalhar pela justiça no quadro de relações primárias como também entre comunidades, igrejas e nações é o objetivo perene das práticas pastorais” (SATHLER-ROSA, 2004, p. 103).
O neopentecostalismo misturado à política tende a reforçar a postura conservadora de oposição às pautas progressistas e pode promover agendas individualistas, além de manifestar a crença na meritocracia. Sobre esta última, a defesa do sucesso como resultado do esforço individual tende a obscurecer as desigualdades estruturais e as barreiras enfrentadas pelos mais pobres.
Mesmo com a ausência de Bolsonaro na liderança do planalto, a política brasileira permanece predominantemente conservadora, com grande parte do Congresso Nacional composto por políticos tradicionais e defensores de pautas conservadoras, realidade esta que deságua nos projetos de leis propostos pelos parlamentares.
Para o exercício da cidadania, é indispensável a existência de um Estado Democrático de Direito, em que a plena participação social seja viabilizada por meio das instâncias de participação e deliberação. A efetivação de um Estado plenamente comprometido com a democracia também requer o atendimento das necessidades da população, principalmente daqueles que mais precisam da atuação do poder público.
A ascensão do Bolsonarismo e da Teologia da Prosperidade no Brasil representa uma convergência ideológica que enfraquece o papel do Estado nas políticas sociais. A Teologia da Prosperidade, como uma ramificação da Teologia do Domínio promovida por figuras como Rushdoony e Gary North, e criticada por Francis Schaeffer, fortalece a ideia de uma sociedade governada por princípios bíblicos conservadores e um Estado mínimo. Esta associação, influenciada por economistas como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, tem profundas implicações para a sociedade brasileira, exacerbando desigualdades e alterando a percepção pública sobre o papel do governo e da religião na vida cotidiana.
Para combater essas tendências, é fundamental promover uma rejeição à cultura do bem-estar egoísta e incentivar a construção de uma sociedade mais justa e solidária. A igreja, com sua influência e alcance, deve estar voltada para os pobres, miseráveis, refugiados e moradores de periferia, destacando a importância da luta por justiça social. Isso implica um compromisso renovado com a defesa dos direitos humanos e a promoção de políticas inclusivas que garantam dignidade e igualdade para todos.
Portanto, é essencial que haja uma conscientização coletiva sobre os perigos de uma ideologia que prioriza o individualismo e a riqueza pessoal em detrimento do bem comum. Apenas através do engajamento ativo na luta por justiça social poderemos construir uma sociedade mais equitativa e humana, onde o Estado desempenhe seu papel de proteção e promoção do bem-estar de todos os cidadãos.
ABREU, Vitória Vieira de Souza. Capitalismo, neopentecostalismo e internacionalização: o caso da Igreja Universal do Reino de Deus. 70 f. Trabalho de Conclusão de Curso - (Graduação em Relações Internacionais). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2022.
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BEHRING, Elaine Rossetti; CISLAGHI, Juliana Fiúza; SOUZA, Giselle. Ultraneoliberalismo e bolsonarismo: impactos sobre o orçamento público e a política social. Políticas sociais e ultraneoliberalismo. Uberlândia: Navegando Publicações, p. 103-121, 2020.
BOFF, Leonardo. A blasfêmia de Jair Bolsonaro: que “Deus” acima de todos? 25 mar. 2019. Disponível em: https://leonardoboff.org/2019/03/25/a-blasfemia-de-jair-bolsonaro-que-deus-acima-de-todos/ Acesso em: 29 de julho de 2024.
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO (CIMI). Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil (dados de 2019). Disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2020/10/relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2019-cimi.pdf Acesso em: 29 de julho de 2024.
CORREIO BRAZILIENSE. ‘Média de mortes de indígenas sob Bolsonaro foi 32,5% maior do que em 9 anos’. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2024/01/6790653-media-de-mortes-de-indigenas-sob-bolsonaro-foi-325-maior-do-que-em-9-anos.html Acesso em: 21 de julho de 2024.
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ZWETSCH, Roberto Ervino; TREIN, Hans Alfred. TEOLOGIA E POLÍTICA: uso e abuso do nome de Deus. Interações, v. 15, n. 1, 2020.
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[1]Também chamado de Plano de Recuperação Europeia, o Plano Marshall consistiu na destinação de recursos financeiros dos Estados Unidos para os países da Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial. A ajuda financeira permitiu o desenvolvimento econômico dos países europeus. Auxiliou na recuperação de estradas, portos, ferrovias, pontes e outras infraestruturas essenciais ao funcionamento da economia; impulsionou a produtividade agrícola e industrial, e contribuiu para o investimento em programas de redução da pobreza (HOLM, 2016).
[2] O quadro do Pós-Guerra era calamitoso para os países europeus, destruídos econômica e territorialmente pelo conflito. A Rússia ocupava partes do continente, e os anexou como recompensa por derrotar o nazismo. Os Estados Unidos foram os grandes beneficiários do conflito. Com o território ileso, expandiu enormemente sua economia, participando da reconstrução da Europa. A influência americana possibilitou a implantação da regulação fordista, que junto com os postulados Keynesianos proporcionou um ciclo de expansão capitalista, combinado com o fortalecimento do Estado e a ampliação dos direitos sociais.
[3] Em 1989, na capital dos EUA, foram concretizados acordos em torno de reformas estruturais, tais como redução dos gastos públicos, reestruturação dos sistemas previdenciários para a obtenção de uma política econômica superavitária, liberalização financeira e privatizações. Ver: Mascarenhas (2014).
[4] Para Bresser Pereira, Publicizar não é tornar público e sim disponibilizar para os agentes privados da sociedade civil o que é dever do Estado (BRESSER-PEREIRA, 1995).
[5] Nas palavras de De Freixo e Pinheiro-Machado, (2019), trata-se de um fenômeno político que transcende a própria figura de Jair Messias Bolsonaro, caracterizando-se por uma visão de mundo ultraconservadora, que defende o retorno dos “valores tradicionais” e assume uma vertente patriótica e contrária aos ideais de progressismo.
[6] Disponível em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/07/15/bolsonaro-defende-falas-transfobicas-minorias-tem-que-se-adequar.htm Acesso em: 15 de julho de 2024.
[7] A tese do Marco Temporal permitiria a demarcação somente das terras indígenas tradicionalmente ocupadas até a data da promulgação da Constituição de 1988 (5 de outubro de 1988).