Identidade Narrativa de Jesus de Nazaré
Jesus of Nazareth Narrative´s identity

Antonio Manzatto
Professor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP). Doutor em Teologia pela Université Catholique du Louvain. Email: antoniomanzatto@gmail.com
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Resumo
O conceito de identidade narrativa foi elaborado por Paul Ricoeur para apresentar aquela configuração de si que é definida pelas narrativas que se fazem sobre o personagem. O presente estudo procura conhecer a identidade narrativa de Jesus a partir da percepção de que os textos evangélicos não apresentam simplesmente a história de Jesus ou um tratado doutrinal definido sobre ele, mas sim contam histórias a seu respeito. Tais histórias articulam os elementos de historicidade, de teologia e de literatura e apontam para uma identidade definida a partir da ideia de Messias.

Palavras chave: Jesus de Nazaré; Messias; identidade narrativa; Paul Ricoeur; Adolphe Gesché.

 

Abstract
The concept of narrative identity developed by Paul Ricoeur present the self-configuration that was define by the narratives that were make about the person. This study seeks to understand the narrative identity of Jesus from the perception that the Gospel texts not simply tell the story of Jesus or have a doctrinal treatise about him, but tell stories about him. These stories articulate the elements of history, theology and literature and point to an identity defined from the idea of Messiah.

Keywords: Jesus of Nazareth; Messiah; narrative identity; Paul Ricoeur; Adolphe Gesché.

Identidade narrativa

No final de seu texto Temps et Récit1, Paul Ricoeur se defronta com a questão da identidade narrativa e sua reflexão sobre este tema vai ocupar alguns artigos que ele escreveu na sequência2. Não se trata da identidade do narrador ou do gênero literário, mas sim do tipo de “identidade à qual um ser humano acede graças à mediação da função narrativa”3.

Segundo ele, “a constituição da identidade narrativa, seja de uma pessoa individual, seja de uma comunidade histórica, era o lugar procurado desta fusão entre história e ficção”. Afinal, continua ele, “não se tornam as vidas humanas mais legíveis quando são interpretadas em função das histórias que as pessoas contam a seu respeito? E estas “histórias da vida” não se tornam elas, por sua vez, mais inteligíveis, quando lhes são aplicadas modelos narrativos?”. Assim ele se propõe a seguinte sequência de raciocínio: “o conhecimento de si próprio é uma interpretação; a interpretação de si próprio, por sua vez, encontra na narrativa, entre outros signos e símbolos, uma mediação privilegiada; esta última serve-se tanto da história como da ficção, fazendo da história de uma vida uma história fictícia ou, se se preferir, uma ficção histórica, comparáveis às biografias dos grandes homens em que se mistura a história e a ficção”4.

Percebe-se, então, se não de saída a elaboração dos detalhes de sua argumentação, ao menos a direção que seguirá sua reflexão e, se não o ponto de chegada, ao menos o horizonte que se descortina a partir de sua reflexão. O conceito de identidade pessoal será trabalhado, de maneira muito interessante, a partir do viés narrativo, inclusive beirando ou integrando o ficcional.

Anteriormente Ricoeur já havia apresentado um estudo sobre a identidade do texto e a afirmava dinâmica no seguinte encadeamento de raciocínio: “o tecer intriga5 é o paradigma de toda ‘síntese do heterogêneo’ no campo narrativo; a intelegibilidade narrativa possui mais afinidade com a sabedoria prática, ou com o julgamento moral, que com a teórica; o esquematismo narrativo é constituído por uma história que participa de todas as características de uma tradição”; e por fim ele arremata dizendo que “a identidade do texto narrativo não se limita ao que se chama de ‘dentro do texto’, pois como identidade dinâmica emerge para a intersecção do mundo do texto e o mundo do leitor”. Ajunta ele que “nesse ato de leitura a capacidade que tem a intriga de transfigurar a experiência é atualizada”, já que o “ato de leitura pode desempenhar esse papel porque seu dinamismo próprio enxerta-se no do ato configuracional e o conduz a seu acabamento”6. Aqui também está posta, na percepção do caminho, a direção a ser seguida pelo pensamento.

Sua reflexão vai, então, da identidade do texto à afirmação da identidade pessoal, passando pela importância que ele mesmo atribui ao encontro do mundo do texto e do mundo do leitor. De alguma maneira a obra não estará completa sem o trabalho de leitura criativa realizada pelo leitor, possibilitando a interação dos dois mundos: aquele que a obra descortina e aquele onde o leitor se refigura. Não se trata, como ele mesmo destaca, de encontrar o dentro e o fora do texto, pois se trata da interação da história ou de histórias.

Há um caráter ético nestas afirmações que não passaram desapercebidas a estudiosos do pensamento de Ricoeur7. Afinal, sabe-se que se “o símbolo faz pensar”, uma de suas frases mais conhecidas, e que também se pode passar do texto à ação8, outra de suas formulações lapidares. Refigurar-se diante do mundo não é apenas conhecer-se, enquanto consciência de si, mas também situar-se enquanto sujeito de ação que constrói sua vida, decifra comportamentos e toma decisões. A partir do texto o leitor se conhece e situa melhor sua ação no mundo em que vive, em referência àquele de quem se narram histórias. A pergunta pelo “quem?” pode ter um maior esclarecimento pelas narrativas que se fazem sobre ele e que repercutem na vida do leitor.

De alguma maneira isto também se aplica à leitura religiosa que se faz da Escritura. Desde sempre a leitura dos textos sagrados se realiza para ajudar o crente a melhor situar-se em seu mundo e a decidir comportamentos de acordo com aquilo que interpretará dos textos lidos. Foi assim com os oráculos na antiga Grécia, com a profecia em Israel, com as consultas mediúnicas de todos os tempos e com o contato direto com os textos que se referem à fé. Só aqui já teríamos uma interessante aproximação entre a hermenêutica ricoeuriana e a Bíblia.

Que Paul Ricoeur elabora sua filosofia hermenêutica em grande proximidade com textos literários, e também com categorias de análise e estudos literários, é fato sobejamente conhecido. A poesia e os textos de ficção são trabalhados por ele de maneira a poder elaborar e conferir as afirmações que realiza sobre o fato interpretativo, para além dos textos históricos. Aquilo que pode ser afirmado a partir de um texto de ficção pode ser afirmado para todos os textos, nos ensina ele. De alguma maneira talvez se possa dizer que o que pode ser verdade para um “texto falso” com mais razão poderá ser verdade para um “texto verdadeiro”. Teríamos reunido, aqui, três assuntos que, nos últimos anos, vimos considerando importantes e mais ou menos relacionados e que configuram nosso objeto de estudo: a literatura, o pensamento de Ricoeur e a Escritura, alma da teologia.

Da pregação à narração

Mas há ainda um complemento a isso que considero importante e que vem do próprio Ricoeur. Em seu texto “Da proclamação à narrativa”9, ele realiza uma interessante relação entre o anúncio evangélico e a intriga, ou mais especificamente “o tecer intriga”. Este “tecer a intriga”, como dissemos, é mais que simplesmente a intriga porque não diz apenas do argumento da história ou de seu enredo, mas sim, para além disso, dos personagens, do cenário, das situações, da temporalidade, enfim, tudo o que se relaciona com o que são os elementos que compõem o mundo do texto.

A relação que Ricoeur estabelece entre a pregação da comunidade primitiva e a elaboração do texto evangélico segue um itinerário de três passos: a proclamação do Reino de Deus por Jesus, o confronto e a história do sofrimento. O esquema teológico do anúncio parece bastante coerente, e o resultado redacional pode ser encontrado nos textos evangélicos que conhecemos ou, ao menos, estes podem ser lidos segundo essa chave. Afinal, sem querer elaborar propriamente uma teologia, Ricoeur tenta como que uma “engenharia reversa” do texto bíblico, encontrando nele ecos da pregação da Igreja que lhe é anterior, como fazem também os exegetas na aplicação de alguns de seus métodos de análise10.

Segundo sua apresentação, a pregação de Jesus sobre o Reino de Deus não apenas estrutura o texto evangélico, mas parece ser um pressuposto da confissão de fé da comunidade primitiva que atribui a Jesus o título de Messias. Só pode haver confissão messiânica se há concretamente execução da função messiânica, e isso se realiza em relação ao Reino de Deus. Messias é aquele que realiza o Reino, o anuncia e o concretiza. Fora desta situação, a titulação atribuída a Jesus poderia ser simplesmente diferente, de profeta, de rabino ou outra. Se se afirma que ele é o Messias, isto se dá em função da realização do Reino de Deus.

Este Reino, na pregação da Igreja, e talvez como eco da pregação de Jesus, não é simples grandeza apocalíptica, como textos do intertestamento poderiam nos fazer pensar. Reino de Deus não é uma grandeza cosmológica, geográfica ou temporal simplesmente, mas relacional. Não simplesmente um outro mundo em outra época, mas um outro jeito de organizar o mundo que pode ser desta época já: “hoje se cumpriu esta passagem da escritura que acabais de ouvir” (Lc 4,21). Esta nova organização do mundo, capaz de ser compreendida como “novos céus e nova terra” (Ap 21,1), gera novos comportamentos e nova estrutura, de maneira a não haver mais excluídos na sociedade nem fronteiras, religiosas ou sociais, que deixem de fora inúmeros cidadãos. Por isso “a comunidade dos que creram era um só coração e uma só alma” (At 4,32), de tal forma que entre eles não havia “judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher, pois são um em Cristo Jesus” (Gal 3,28). O Reino de Deus, portanto, é a forma de estabelecer o governo de Deus que faz iguais todos os seres humanos: “vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). Que o privilégio dos pobres estruture esta forma de pensar é algo evidente, porque o novo mundo vem exatamente em seu benefício. São eles os excluídos do mundo atual e, por isso, são eles os primeiros beneficiados do mundo reorganizado por Deus e seu Messias.

Disso se segue, inevitavelmente, o confronto, que Ricoeur caracteriza como controvérsia. Não é simples nem é consensual a instalação da forma de organização do mundo e de sociedade proposto pelo conceito de Reino de Deus. Em primeiro lugar, claro, porque os privilegiados não vão admitir outro mundo onde eles não mantenham os mesmos privilégios. E ainda muitos dos que foram subjugados gostarão de uma revanche, fazendo com que os subjugados de hoje sejam os privilegiados de depois. O “entre vós não será assim” (Mc 10,26) encontra aqui seu eco. O anúncio do Reino conhece, então, rejeição e recusa, aliás desde o início. É esta recusa que está na base da crucificação e morte de Jesus. A recusa da mensagem vai de par com a recusa do mensageiro. Um e outro são identificados, inclusive porque há unidade entre eles, e por isso um e outro recebem negação e rejeição. O Messias não é reconhecido e seu Reino não é aceito, e isto transparece nos relatos da paixão.

Não se estranha, pois, que os evangelhos sejam estruturados como “história do sofrimento” ou da recusa. “Ele veio para os seus e os seus não o receberam” (Jo 1,11) são palavras colocadas no início do evangelho de João, assim como o “não havia lugar para eles na casa”, de Lucas (Lc 2,7). A recusa de Jesus e de sua pregação atravessa todo o texto evangélico de tal forma que as controvérsias se sucedem e as autoridades apenas procuram o melhor momento para prender e calar Jesus, decisão já tomada no início da história, como relatada em Marcos (Mc 3,6). Os textos da paixão e morte de Jesus se inserem dentro da mesma lógica, a da recusa de sua pregação e de seu reconhecimento como Messias. Segundo Ricoeur, a história não poderia ser contada de outra forma a não ser como história do sofrimento, a intriga correspondendo à identidade do personagem. A identidade narrativa de Jesus transparece no texto tal como ele é elaborado, e não poderia ser de outra forma.

Identidade narrativa entre fé e história

Adolphe Gesché, fecundo leitor de Ricoeur, publicou em 1999 um interessante estudo intitulado “Pour une identité narrative de Jésus”11. Ali o que preocupava o autor era a intermediação apontada e realizada pelo texto evangélico entre a história de Jesus e a profissão de fé da Igreja. Para Gesché, o texto evangélico revela um Jesus que não é propriamente aquele histórico que caminhou pelas estradas da Palestina no século I da era cristã, nem exatamente aquele que a teologia da Igreja apresenta na riqueza de sua doutrina. Entre a história e a doutrina, há uma passagem obrigatória pelo texto evangélico, que não é relato historiogáfico nem compêndio de doutrina teológica, mas obra elaborada realçando uma intriga, tal qual a elaboração de uma obra literária.

Ressalta Gesché12 que esta intermediação é voluntária e, ao menos em certos aspectos, definidora da identidade de Jesus. Não se trata de simples ponte que liga os dois elementos importantes, a figura histórica e a doutrinal. Há a construção, pelo texto, de uma identidade própria de Jesus que, por isso mesmo, é chamada de identidade narrativa. Ela não é oposta à identidade histórica, mas lhe seria posterior. Contam-se histórias a respeito de Jesus depois de sua existência histórica. Ela também não é simples continuação da história de Jesus, agora em forma de relatos, pois pode haver múltiplas formas de contar a história de um personagem, e temos isto, inclusive, no número plural de evangelhos que conhecemos. Ela busca, sim, responder à questão “quem”?, que, segundo a elaboração do pensamento de Ricoeur, só poderá ser respondida pela narrativa. Por outro lado, a tradição eclesial sempre compreendeu que os textos evangélicos visavam suscitar no leitor a resposta a esta pergunta. “Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8,27) é a pergunta central do evangelho e, no texto de Marcos, se encontra exatamente no meio da obra.

Por outro lado, se pode ajuntar à reflexão de Gesché que, mesmo não sendo relato historiográfico sobre Jesus, o texto narrativo possui elementos de história e a ela não é impermeável, assim como não é impermeável a elementos teológicos que já estão presentes em sua elaboração. A narrativa sobre Jesus não é um texto doutrinal, em sentido estrito, é certo, mas encaminha para a construção teológica. Neste sentido, ela é ponte entre a história de Jesus e a proclamação de fé da Igreja. Mas, se ela desabrochará em reflexões teológicas e elaborações doutrinais na sequência, ela já é portadora de uma experiência de fé e, por isso, já há elementos de teologia que ajudam em sua estruturação, da mesma maneira que ela se refere a elementos de história efetivamente acontecidos. Sua elaboração não é estritamente teológica nem histórica, mas narrativa, ou seja, literária. O autor não pensa uma teologia e depois a preenche criptograficamente com narrativas sobre Jesus, nem apenas dá conta da sequência histórica de acontecimentos que compuseram sua existência. A composição narrativa segue o princípio de “contar uma história” de maneira atraente e com coerência e por isso, indiscutivelmente, visa o leitor. Não apenas o leitor imediato da comunidade que compõe o texto, mas simplesmente “o leitor”, que tomará, mais tarde, contato com o texto e procurará responder à questão da identidade do personagem da narração: “quem é ele?”.

O Jesus Histórico e o Cristo da Fé

Quando Bultmann faz sua crítica radical das pesquisas sobre a história de Jesus13 e aponta a proclamação de fé da Igreja como a única afirmação importante sobre ele, os estudos bíblicos viveram certo abalo. Como poderia ser possível referir-se aos evangelhos se não como história de Jesus? É verdade que Bultmann é prisioneiro de certo positivismo histórico14 que não lhe permite outra saída. Se, durante muito tempo, os evangelhos foram tomados como histórias “verídicas” a respeito de Jesus, a demitologização da Escritura realizada por Bultmann mostrava que tudo não era tão histórico assim na elaboração dos textos sagrados15.

O avanço das pesquisas históricas do mundo bíblico mostrava certas incongruências de dados em alguns textos e mesmo livros inteiros, como o de Jonas, careciam de comprovação histórica. Algo semelhante se passava com Jesus pois, fora os textos evangélicos, não havia documentação histórica que sequer assegurasse sua existência. Para o positivismo histórico, que exigia comprovações documentais ou arqueológicas, a existência de Jesus poderia ser uma fábula, talvez uma criação literária mítica como a de outros personagens conhecidos da antiguidade. A negativa da historicidade de Jesus parecia fazer ruir todo o edifício da proclamação da fé eclesial, e os positivistas mais ferrenhos não escondiam sua alegria por isto.

O caminho encontrado por Bultmann parece bastante interessante16. Não foi ele quem criou a distinção entre o Jesus Histórico e o Cristo da Fé, mas ele explorou esta distinção e pode realizar uma reflexão teológica que salvaguarda a fé mesmo diante da eventual impossibilidade de comprovar a existência histórica de Jesus. Segundo ele, o Jesus Histórico é aquele que caminhou pelas estradas da Palestina no Século I e a quem se referem os textos evangélicos. Este personagem não deixou nada escrito e não há registros de suas palavras, de suas ações ou mesmo de sua existência fora dos círculos cristãos. Parece ter sido um personagem sem importância de forma que não há registros sobre sua passagem na história humana. Como acontece com todo ser humano, nasceu, viveu e morreu, se é que existiu. Mas mesmo tendo existido, ele não é o objeto da afirmação da fé da Igreja. A reconstituição total dos acontecimentos de sua vida, ainda que isso fosse possível, não ajuntaria nada à fé eclesial, e mesmo se não se pode dizer nada sobre sua existência histórica, ainda assim é possível que a Igreja professe sua fé no Verbo Encarnado.

A fé da Igreja, insiste Bultmann, é a afirmação do Cristo Ressuscitado17. Ora, a Ressurreição é absolutamente incomprovável por caminhos de história e só pode ser afirmada na fé. Todo ser humano é convidado a fazer ou não sua decisão de vida diante do Cristo. Os atos da vida de Jesus podem ajudar na compreensão da fé, mas esta não carece de comprovação histórica para ter sentido e a historicidade concreta de Jesus não é decisiva para a proclamação da fé enquanto tal. Os nomes de seus apóstolos, os lugares que frequentou, as histórias que narrou, nada disso precisa ser comprovado historicamente para dar sustentação ao ato de fé. O que é necessário é, diante do Cristo, cada pessoa fazer sua opção de vida e aceita-lo ou não como Salvador. O princípio da teologia protestante ajuda muito aqui, pois afirma que o essencial é cada cristão definir-se pessoalmente diante do crucificado, confessando-o como seu Salvador: “Se você confessar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo” (Rm 10,9). O essencial será, então, a proclamação da fé eclesial. Se não é possível dizer nenhuma palavra comprovada sobre a história de Jesus, ele só poderá ser conhecido pela proclamação da fé da Igreja. Cremos porque a Igreja crê em Jesus Cristo e no-lo anunciou. Cremos, então, o que a Igreja crê, em uma articulação necessária entre o “eu creio” e o “nós cremos”. A fé, neste sentido, é eclesial e sua confissão pessoal integra no ambiente de Igreja. A história de Jesus não é passível de anúncio pela Igreja, mas sim a fé em Cristo. Não é relevante a comprovação do lugar ou data de seu nascimento para que seja possível a afirmação de fé que o reconhece como Salvador. A fé é possível ainda que sem comprovação histórica dos dados que afirma.

Depois de Bultmann, porém, vários de seus alunos assumiram postura mais matizada do que a crítica radical do mestre18. Ainda que admitindo que o centro da fé eclesial seja a afirmação do Cristo da Fé, estes teólogos passaram a admitir, também com a evolução dos estudos históricos e sua libertação dos quadros positivistas, que algo a respeito da vida de Jesus poderia ser conhecido com segurança histórica. Ainda que se admita a impossibilidade de precisão sobre datas, lugares e pessoas, os acontecimentos relacionados a Jesus tiveram tal impacto na história do mundo que, ao menos indiretamente, algo de sua existência pode ser afirmada com força de “verdade histórica”. Ao menos sua existência pode sê-lo: é tal a insistência em sua morte de cruz que isso se impõe como evento real; se morreu, é porque viveu, porque nasceu. E aqui já temos a comprovação histórica de sua existência. O essencial da fé continua sendo aquilo mesmo, a proclamação que Jesus Cristo é o Salvador e a consequente adesão à sua pessoa. O fato de poder dizer de sua existência dá mais segurança à possibilidade de fé do crente, mas não muda essencialmente sua proclamação ou as exigências éticas e religiosas que dela decorrem.

Nos tempos atuais vive-se nova busca pela história de Jesus conhecida agora como “third quest”, a terceira busca do Jesus Histórico19. Corresponde ao avanço das pesquisas científicas no campo da história, auxiliada pela arqueologia mas também pela antropologia cultural, pela linguística, pelos estudos do meio social onde Jesus teria vivido e onde nasceram os evangelhos. Há toda uma gama de ciências que aportam seus conhecimentos específicos para estudar, comprovar ou ao menos verificar a possibilidade dos fatos narrados a respeito dele nos evangelhos. E muito já se chegou a admitir, como as datas referenciais de sua existência, o meio que frequentava, o tipo de movimento que suscitou, o porquê da oposição que lhe custou a vida e mais outros detalhes referentes à sua existência20.

Tais conhecimentos, que permitem sob certos aspectos uma reconstrução da vida de Jesus, não fazem apelo à fé e por isso podem ser realizados por cientistas sem envolvimento de sua confissão de fé ou sem que signifiquem exigência de estudos teológicos21. Foi exatamente isso que motivou a crítica de Bento XVI à forma de execução da pesquisa e o levou à publicação de sua obra em três volumes sobre a vida de Jesus22. O fato é que aqui, ainda uma vez, os conhecimentos históricos sobre Jesus darão maior segurança ao crente para fazer sua profissão de fé, mas não vão nem proibir nem obrigar à realização de sua confissão. As pesquisas pela história de Jesus não comprovarão sua ressurreição ou que ele é o Filho de Deus, mas também não proibirão que tais afirmações sejam feitas na fé, pois não comprovarão que Jesus não tenha ressuscitado ou não seja o Verbo Encarnado.

Isto porque fé e ciência tratam de conhecimentos distintos, ou de diferentes formas de acesso ao conhecimento da verdade. As ciências descrevem os fenômenos, e isso é de sua competência; não cabe à fé ou à teologia a descrição do fenômeno da chuva, por exemplo, porque é a ciência quem tem propriedade de falar da evaporação, da condensação, das condições de precipitação, etc. Por outro lado, o sentido dos fenômenos não será afirmado pela ciência. A ausência ou presença da chuva, por mais que se descrevam as suas condições de possibilidade, poderá ser atribuída à divindade por conta do sentido do fenômeno, e por isso visto como ação divina que permite ou impede a chuva. Ainda que falando da mesma realidade, a uma compete a descrição e à outra a atribuição de significado. Se há problemas quando a ciência se atreve a fazer o que não é de sua competência, dizendo, por exemplo, que se o universo nasceu do Big Bang não há ato criador, porque uma coisa não impede a outra já que o Big Bang diz do “como” enquanto o ato criador diz “o quê”, pois Deus pode criar através do Big Bang, por outro lado também há problemas quando a fé ou a teologia querem sair de sua competência e descrever fenômenos, como por exemplo dizendo qual o corpo celeste que é centro do universo. Se uma e outra erram ao sair de seu campo específico de atuação, por outro lado uma e outra podem colaborar no processo do conhecimento humano, cada qual segundo sua competência e maneira de ser.

O Messias do texto

Se a ciência não impede a fé e esta não atravanca a evolução do conhecimento científico, o literário não precisa ficar alheio a esta relação. A literatura não é ciência, mas pode conhecer e aludir à verdade; também não é afirmação de fé, mas pode dizer do sentido das coisas e dos acontecimentos23. Ela pode exercer como que um papel mediador entre um e outro, ao menos naquilo que nos ocupa. O Jesus Histórico não é o objeto da fé, e o Cristo da Fé não é passível de ser conhecido pelas investigações históricas. Um e outro não estão em oposição, mas se completam como uma única realidade e uma única pessoa. Entre um e outro, como ponte a ligar a história e a fé, temos então o texto literário. Como vimos, para Gesché, o texto liga a história que lhe antecede à confissão de fé que o sucede, agindo como ponte que permite a união de um e outro.

Cabe ressaltar aqui, como já lembrava Paul Ricoeur, que uma vida não pode ser contada de qualquer maneira, mas que os fatos a serem narrados, independentemente de sua veracidade histórica, encaminhame de certa forma determinam sua maneira de apresentação. Assim, fatos históricos se enquadram mais na narração, normas nos textos legislativos, e assim na sequência. A história de Jesus de Nazaré cabe bem nas narrações evangélicas, apresentadas como história de sofrimento por conta da controvérsia originada pela pregação sobre o Reino de Deus. Note-se bem aqui a ponte que une estas realidades, juntando história, texto literário e teologia, exatamente pelos elementos destacados.

As pesquisas sobre a história de Jesus afirmam que sua pregação se referia fundamentalmente ao Reino de Deus24. Sob certos aspectos se pode mesmo caracterizar seu movimento como Movimento do Reino, no sentido de que sua proposta de renovação da fé de Israel25 centra-se na categoria de Reino de Deus e é expressa por este símbolo. O Primeiro Testamento conhece a ideia de que Deus é Rei (Salmo), que Deus governa seu povo, através dos juízes, do rei ou por outros meios (1Sm 8). No entanto a expressão Reino de Deus não se encontra ali presente. A ideia de um mundo de Deus, onde ele governa, que vem para substituir o mundo presente parece datar do intertestamento ou, ao menos, da apocalíptica26. E se a pregação de Jesus tem características apocalípticas, elas não são únicas em seu ensinamento.

O anúncio da chegada do Reino de Deus não precisa ser entendido apenas como a notícia do fim do mundo físico, em um grande evento cosmológico que decreta o fim da história. A apocalíptica apresenta realidades físicas como símbolos do religioso que, por sua vez, refere-se à forma de vida das pessoas no mundo e na sociedade27. Dito de outra maneira, o anúncio do final do mundo físico refere-se ao final do mundo de pecado, dominado por Satã; o fim do reinado do pecado implica em final da opressão estabelecida sobre o povo pelos dominantes estrangeiros. Assim, o que é proposto é o final da opressão social, significando o final do domínio do pecado simbolizado pela substituição do mundo onde reina Satã pelo mundo onde Deus governa, onde não haverá opressão, pecado nem sofrimento, mas fraternidade e paz.

Na pregação de Jesus, se o Reino não apenas está se aproximando mas já chegou, então não será preciso esperar uma mudança de espaço para viver sob o governo de Deus. Pode-se viver assim desde já, mas não apenas em disposições interiores, senão em práticas que estruturem um novo modo de o mundo se organizar em justiça, paz e fraternidade: “veja como os chefes das nações as dominam e as tiranizam... entre vós não deverá ser assim” (Mt 20,25-26). Por isso sua atenção aos pobres, aos fracos e aos doentes, pois são aqueles que mais sofrem opressão por conta da organização social e religiosa. Visto desta maneira, o Reino de Deus é, em verdade, um novo mundo, pois uma nova maneira de ser, uma nova maneira de viver, onde os pobres não serão os últimos, mas os primeiros, já que destinatários da atenção e do amor especial de Deus. Este Reino será finalmente estabelecido por ação Deus, aliás, está sendo estabelecido por Deus através de seu Cristo, e aqui o papel fundamental que Jesus percebe em sua proposta de Reino, donde o título messiânico que lhe é atribuído pelos textos e pela comunidade crente.

Que Jesus seja o Messias é a clara profissão de fé do grupo apostólico, entendendo o Messias não apenas como aquele que vem de Deus, mas como aquele que tem a função de estabelecer o Reino de Deus. O Messias, assim, é lugar tenente de Deus para organizar e estabelecer o governo de Deus. Foi assim que Jesus foi entendido por seus contemporâneos, mas que talvez enxergassem o estabelecimento deste Reino não como um mundo novo, mas como um outro governo entre tantos outros, mais nacionalista mas, ainda assim, como os outros. Esta não é a proposta de Jesus, e seu grupo de seguidores parece ter tido dificuldade para compreender o alcance maior de sua proposta. Porém, parece que seus adversários não tiveram as mesmas dificuldades. Para eles, a proposta do estabelecimento de um governo diferente daquele de César, fosse ele nacionalista ou universal, deveria ser combatido. Em jogo não apenas suas convicções, mas seus privilégios. Também os chefes da religião oficial de Israel se colocavam desta maneira, pois se tinham logrado privilégios no governo de César, isto talvez não fosse garantido em um governo diferente. E seria melhor que Deus governasse através deles do que através de alguma outra pessoa.

A oposição que se desenha ao movimento de Jesus eclode rapidamente, ele é preso, executado e seus seguidores perseguidos. Havia que alijar do horizonte um movimento assim perigoso e ainda impossibilitar que ele reapareça em qualquer outra parte. Por isso a execução exemplar de Jesus, na cruz reservada àqueles que atentavam contra o império. Não contavam com a notícia da ressurreição daquele que havia sido morto e do anúncio de que ele vivia novamente. Tal anúncio significaria o início dos eventos escatológicos, pois a ressurreição dos mortos, segundo a apocalíptica, aconteceria no “último dia”. Ora, se os eventos escatológicos estavam se sucedendo, o governo de Deus estava definitivamente instalado, o Reino estava realizado e o Messias seria conhecido e aclamado por todos. Este é o anúncio apostólico que se situa na continuação do evento Jesus.

Que a vida de Jesus possa ser resumida desta forma, talvez a história já pudesse dizê-lo, excluída, claro, a questão da ressurreição. O fato é que os textos que narram Jesus apresentam este enredo fundamental e, neste sentido, encaminham sua identidade narrativa. Não é um acontecimento ou outro que caracteriza sua vida ou o próprio personagem Jesus, mas o conjunto de sua prática colocada sob a luz de sua messianidade. Profetas podem falar do desígnio ou das palavras de Deus; sacerdotes e teólogos podem falar da natureza de Deus e de seu relacionamento com os seres humanos; apenas o Messias pode instaurar o Reino de Deus. Que as narrativas sobre Jesus encaminhem nesta direção será perfeitamente compreensível, tendo sido isto ou não o que tenha marcado a existência histórica de Jesus.

Note-se, ainda, que este é o encadeamento teológico que se sucede, que se constrói a partir do texto ou que tenha influenciado sua organização. A teologia, que evolui na direção da elaboração da doutrina, parte da afirmação de fé que Jesus “foi constituído Senhor e Cristo” (At 2, 36) por ação de Deus. Significa que a confissão de fé inicial da Igreja, seu kerygma primeiro, é a proclamação da messianidade de Jesus: ele é o Cristo, ele é o Ungido, ele é o Messias28. Novamente é bom lembrar que Messias se relaciona com o Reino de Deus: sim, alguém que procede do mundo de Deus e que por ele é investido em função messiânica. A pergunta sobre a natureza do Verbo e suas relações com o Pai será colocada mais tarde na história da Igreja. Em primeiro lugar vem a proclamação de sua função messiânica.

A afirmação da identidade narrativa

“Quem dizem os homens que eu sou? (...) e vós, quem dizeis que eu sou? (...) Tu és o Cristo” (Mc 8, 27-29). O evento pode ser histórico ou não, a declaração de Pedro pode ser textual ou não. Está assim narrada, é perfeitamente verossímil e, com o que se conta a respeito do personagem, é a definição de sua identidade no texto: ele é o Messias. É o que o texto procura afirmar, se pudéssemos falar de uma intencionalidade do texto. Mais que isso, o que se diz é que a identidade messiânica de Jesus é definida pelas narrativas feitas a seu respeito. O texto como que vai estabelecendo este caminho de leitura para que os leitores não se percam na paisagem e possam, no final, compreender e afirmar que Jesus é o Cristo, e engajar sua vida e sua identidade pessoal a partir daí. Donde a teologia que reflete sobre o significado da afirmação de fé. Aquele que a afirma em liberdade, com estas ou outras palavras, como aquelas do centurião ao pé da cruz (Mc 15,39), por exemplo, ou outras que serão formuladas mais tarde na Igreja, engaja sua vida e define sua forma de viver no mundo, ao menos enquanto horizonte de possibilidades. O texto evangélico não é uma relação historiográfica de eventos da vida de Jesus. Também não é um tratado de teologia ou um compêndio de doutrina. É uma narrativa sobre Jesus, aliás uma narrativa plural, pois são textos evangélicos. A história ou histórias que se contam sobre ele, pois, apontam para a sua identidade narrativa, configuram sua identidade pela narração. Não definem para o Jesus Histórico, cuja pesquisa pertence à ciência e cuja identidade pode não ser nunca definida, na medida em que personagens do passado são inalcançáveis. Não definem o Cristo da Fé, na medida em que a proclamação da Igreja será feita, sim, a partir de tais narrativas mas se desdobrando em doutrina que se tornará vivência de quem crê. Elas apontam para o Messias do texto, edificam a identidade narrativa de Jesus a partir de sua messianidade e afirmam, assim, um espaço que une os três elementos, o Jesus, o Cristo e o Messias. Ou a história, a teologia e a literatura, três irmãs reunidas em um esforço que lhes permite aceder, por caminhos diversos ou similares, ao conhecimento da verdade do Reino edificado por Deus através de seu Ungido.

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Notas

[1] RICOEUR, P. Temps et récit III, Le temps raconté, Paris: Seuil, 1985.

[2] Em 03 de novembro de 1986 Ricoeur pronunciou na Faculdade de Teologia da Universidade de Neuchâtel uma conferência que está na base de dois artigos que ele pubicou em seguida, ambos com o título de “Identidade Narrativa”, e ambos publicados em 1988. Um foi publicado na revista Esprit, 7/8 (1988) 295-304 e o outro foi publicado na obra coletiva La narration. Quand le récit devient communication, Genebra: Labor et Fides, 1988, 287-300.

[3] RICOEUR, P. “L’identité narrative”, Esprit 7/8 (1988), 295-304. A tradução aqui apresentada é de CORREIA, J. C. “A Identidade Narrativa e o Problema da Identidade Pessoal”, tradução comentada de “L’identité narrative” de Paul Ricoeur”, publicado em Arquipélago 7 (2000) 177-194.

[4] RICOEUR, P. “L’identité narrative”, Esprit 7/8 (1988), 295-304. A tradução aqui apresentada é de CARLOS, J. C. “A Identidade Narrativa e o Problema da Identidade Pessoal”, tradução comentada de “L’identité narrative” de Paul Ricoeur”, publicado em Arquipélago 7 (2000) 177-194.

[5] Segundo o próprio Ricoeur, este termo “tecer intriga” é mais amplo que a simples “intriga” pois a engloba e ainda ajunta outros elementos presentes na narrativa como os personagens, os temas, a temporalidade, etc.

[6] RICOEUR, P. “O texto como identidade dinâmica”, in RICOEUR, P. A hermenêutica bíblica, São Paulo: Loyola, 2006, p. 117-129.

[7] Veja-se, por exemplo, LISBOA, J. M. A. O conceito de identidade narrativa e a alteridade na obra de Paul Ricoeur: aproximações In Impulso, 23(56), 2013, 99-112.

[8] RICOEUR, P. Du texte à l’action. Essais d’herméneutique II, Paris: Seuil, 1986.

[9] RICOEUR, P. A hermenêutica bíblica, São Paulo: Loyola, 2006, p. 267-278.

[10] Há uma proximidade aqui com a proposta do método exegético histórico-crítico, como aparece em LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. Também BAENA, Gustavo. El Método Histórico Crítico In Theologica Javeriana, 122, p. 155-179.

[11] Adolphe Gesché, « Pour une identité narrative de Jésus », RTL 30/2 (1999) 153-179 – completado pela publicação da segunda parte do artigo no número seguinte da mesma revista: RTL 30/3 (1999) 336-356. Tais artigos foram por ele retomados em 2001, quando da publicação do sexto volume da coleção “Dieu por penser” (Le Christ. Paris: Cerf, 2001 – sua publicação no Brasil é de 2004.)

[12] Veja-se com proveito a compreensão de exegese literária apresentada por Adolphe Gesché, O Cristo São Paulo: Paulinas, 2004, especialmente p. 112-113.

[13] BULTMANN, Rudolf. Jesus Christ and Mythology. New Jersey: Prentice Hall, 1997.

[14] Positivismo histórico é aquele procedimento de estudo da história que quer manter-se adstrito aos dados das fontes, sem nenhum envolvimento do cientista que possa ser visto como interpretação. Efetivamente, no século XIX, com a afirmação dos nacionalismos europeus e a necessidade de criar bases sólidas para a união nacional, surge a preocupação de fazer da história uma ciência a mais exata possível, o que acabou por exigir a comprovação documental de tudo o que se afirmava em seu âmbito. A eventual carência de documentação ou seu comprometimento pelo envolvimento das fontes, significaria a impossibilidade de afirmação do evento histórico e mesmo de sua existência histórica. Veja-se BORGES, Pacheco Vavy. O que é história, São Paulo: Brasiliense, 2006.

[15] Veja-se BULTMANN, Rudolf. Existence and Faith. Shorter Writings of Rudolf Bultmann, edited and translated by S. M. Ogden, London, 1961.

[16] BULTMANN, Rudolf. Jesus Christ and Mythology. New Jersey: Prentice Hall, 1997.

[17] Idem.

[18] Por exemplo, BORNKAMM, Gunther. Jesus de Nazaré, Petrópolis: Vozes, 1976.

[19] A terceira busca do Jesus histórico, evidentemente, supõe duas buscas anteriores. A primeira, conhecida como busca liberal, data do final do séc. XVIII e tratou-se de diferentes tentativas de reconstituir uma vida de Jesus que não se iniciasse com as afirmações dogmáticas e que fosse encaminhada a partir da harmonização dos diferentes textos evangélicos; tais textos são confessionais, no sentido de terem o compromisso de testemunhar a fé das primeiras comunidades crentes, o que impossibilitou o avanço de tal busca. Uma segunda busca nasce na metade do século passado e liga-se ao método histórico-crítico e à situação vivida por Bultmann, por exemplo, como foi dito; distingue, pelo próprio método exegético empregado, o que poderia ser atribuído a Jesus e o que seria produção da comunidade redatora do texto evangélico; em última análise, tudo será produto da comunidade redatora, já que se trata de texto redigido, e ela conhece seu limite prático que é o mesmo limite do método histórico-crítico. A terceira busca à qual se alude, começa por volta dos anos 1980 e visa recolocar Jesus no contexto religioso, social e político de seu tempo; várias disciplinas, como as citadas, fornecem informações sobre Jesus e seu ambiente de vida, de tal forma que se pode conhecer melhor o personagem em relação ao ambiente onde viveu.

[20] Para os estudos da terceira busca do Jesus Histórico veja-se CROSSAN, John D. O Jesus histórico, Rio de Janeiro: Imago, 1994; MEIER, John. Um judeu marginal, 5 vols., Rio de Janeiro: Imago, 1993-2003; PAGOLA, Jose Antonio. Jesus, aproximação histórica, Petrópolis: Vozes, 2010.

[21] Por exemplo, Reza Aslam, Zelota: a vida e a época de Jesus de Nazaré, Rio de Janeiro: Zahar, 2013; André Leonardo Chevitareze e Gabriele Cornelli, A descoberta do Jesus histórico, São Paulo: Paulinas, 2009.

[22] Bento XVI, Jesus de Nazaré, 3 vols., São Paulo: Planeta, 2007; Principia, 2011, 2012.

[23] Por exemplo Antonio Manzatto, Teologia e Literatura, São Paulo: Loyola, 1994; também Alberto Toutin, Teologia y literatura, hitos para um diálogo; Anales de la Facultad de Teologia 3; Suplementos a Teología y Vida; Santiago: Pontifícia Universidad Católica de Chile, 2011.

[24] CROSSAN, John D. O Jesus histórico, Rio de Janeiro: Imago, 1994; PAGOLA, Jose Antonio. Jesus, aproximação histórica, Petrópolis: Vozes, 2010.

[25] Adolphe Gesché, O Cristo São Paulo: Paulinas, 2004.

[26] Veja-se Pierre Grelot, A esperança judaica no tempo de Jesus, São Paulo: Loyola, 1996; Vários, Apocalipsismo, Porto Alegre: Sinodal, 1983; e os clássicos Harold Henry Rowley, A importância da literatura apocalíptica, São Paulo: Paulinas, 1980; Leonard Rost, Introdução aos livros apócrifos e pseudepígrafos do Antigo Testamento e aos manuscritos de Qumran, São Paulo: Paulus, 1980.

[27] Cf. Gottfried Brakemeier, Reino de Deus e esperança apocalíptica, São Leopoldo: Sinodal, 1984; também Pierre Grelot, A esperança judaica no tempo de Jesus, São Paulo: Loyola, 1996.

[28] Cf. Antonio Manzatto, “O Messias do texto”, Ciberteologia, v. 36, 2011, p. 5-22.