O Jesus de Leminski: aproximações teológicas
The Jesus of Leminski - theological approaches

Márcio Capelli e Danilo Souza Mendes de Vasconcellos
Professor na Faculdade Batista de Teologia do Rio de Janeiro (FABAT). Doutorando em Teologia pela PUC-RJ. Email: alocappelli@gmail.com.
Graduando em Teologia pela FABAT – RJ. Email: danilo.smendes@hotmail.com.
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Resumo
O presente artigo apresenta uma leitura da biografia “Jesus a.C.”, escrita por Paulo Leminski, através dos seus cinco principais temas: Jesus como profeta; As parábolas de Jesus; Jesus e a economia; Jesus e o feminino; e O Reino de Deus, correlacionando-os e fazendo aproximações teológicas a partir de diferentes teólogos contemporâneos. Este artigo torna-se relevante na medida em que relêa obra leminskiana por uma ótica teológica, não no intuito de reduzir a importância da literatura frente aos estudos formais da religião, mas buscando interagir e reconhecer esta disciplina como possível e importante linguagem para o aprofundamento das pesquisas teológicas. Neste objetivo, o problema final a ser respondido é: que linguagem Leminski usa para falar de Jesus? Ao responder a esta pergunta numa abordagem teológica, abre-se um novo campo possível para entender o autor e, consequentemente, abre-se a possibilidade de aprofundar as pesquisas hermenêuticas em Lemisnki.

Palavras chave: Paulo Leminski; Jesus; Cristologia; Reino de Deus.

 

Abstract
The present article presents a reading of the biography “Jesus a.C.”, written by Paulo Leminski, through those five leadings topics: Jesus as a prophet; Jesus’ parables; Jesus and the economy; Jesus and the female; and the Kingdom of God, correlating and theologically approaching them starting from different contemporary theologians. This article is relevant as long as it reads Leminski’s work through a theological optic, not to reduce the importance of the literature compared to the formal religion studies, but seeking to interact and recognize this discipline as a possible e important language to the deepening of the theological researches. In this objective, the final problem to be answered is: what language Leminski uses to talk about Jesus? Answering this question in a theological way, a new possible field to understand this author is opened, and, consequentially, the possibility of deepening the hermeneutical researches in Leminski is also opened.

Keywords: Paulo Leminski; Jesus; Cristology; Kingdom of God.

Introdução

Paulo Leminski foi poeta, tradutor, compositor, biógrafo e romancista. Nascido em 1944 em Curitiba, destacou-se por sua extensa obra poética, que continua relevante hoje, 27 anos após sua morte. Além de poesia e prosa, Leminski escreveu quatro biografias: Cruz e Souza1, Bashô2, Jesus3 e Trotski4 - reeditadas pela Companhia das Letras em 2013 em volume único: Vida5. Destas obras, o presente artigo interessa-se somente por Jesus a.C., encontrada em sua recente reedição. Nesta biografia, Leminski se propõe a falar do “Jesus antes de Cristo”, isto é, antes das formulações teológicas posteriores (realizadas à luz da experiência pascal) que acompanham a redação dos evangelhos6. Percebendo esta diferenciação, Leminski escreve toda a obra sobre esse Jesus que “já nos aparece traduzido” 7 , visto que os relatos evangélicos foram escritos em grego e Jesus falava em aramaico - não poupando as críticas, implícitas e explícitas, à tradição. Entretanto, o biógrafo curitibano não deixa de mostrar a credibilidade do biografado: “Não resta, porém, a menor dúvida, de que, por trás desses ditos e feitos, existiu uma pessoa real, de carne e osso, um rabi da Galileia, que mudou o mundo como poucos.”8.

Neste ponto, faz-se necessário salientar a relevância do presente artigo. Por que esta pesquisa é interessante para os campos da teologia e da literatura? Ora, o estudo justifica sua relevância justamente no momento em que faz dialogar um dos maiores poetas brasileiros do século XX com as recentes pesquisas no campo da cristologia. O artigo mostra-se importante a partir do instante em que revela uma possível base teológica da literatura leminskiana - mesmo que pela biografia de Jesus. Em terceiro lugar, podese dizer que é relevante, hoje, reconhecer a literatura como um lugar mais que válido e legítimo para falar sobre a religião: neste ponto, nada mais justo do que privilegiar a fala de um poeta (por mais que Leminski tenha uma experiência forte com a religião, chegando a morar num mosteiro) sobre Jesus. Apesar de não ser um ponto central de sua obra, é, também, importante compreender a imagem que Leminski tem de Jesus para um hermenêutica mais profunda, e mais justa de sua poesia.

Para que tal diálogo ocorra de fato, será necessário reconhecer e explicitar as principais categorias que Leminski usa no decorrer da obra, ao falar sobre Jesus, e por meio de uma análise de tais categorias, apontar algumas aproximações teológicas. Contudo,no intuito de valorizar também a diferença de abordagem do poeta em relação à Teologia, serão apontadas, algumas divergências. Afinal, estas divergências constituem, também,um solo fértil para o diálogo. Portanto, a contribuição que o artigo pretende dar também é mostrar que no diálogo nenhuma das partes deve tentar convencer a outra, mas ressaltar que o diferente é a possibilidade do início do diálogo.

Não será necessário um aprofundamento ou uma revisão nas citações que o autor faz do próprio texto bíblico (seja tratando do chamado “evangelho da infância”, das parábolas ou de outras narrativas), visto que, por ter estudos de teologia e também ser tradutor, Leminski domina o grego koiné, idioma no qual foi escrito o Novo Testamento , tendo ele mesmo traduzido todas as citações. Interessante expor que a tradução livre é feita de modo crítico, honesto e sem se importar com os dogmas da ortodoxia, utilizando até mesmo expressões da linguagem popular. Leminski tem uma imagem muito peculiar e própria sobre quem foi o nazareno mais importante do século I. Isto fica claro a qualquer leitor que, atento ou não aos detalhes, sente-se impulsionado a mergulhar em sua obra. Seria um grande desrespeito falar que, em seu estudo biográfico, Leminski não faz Teologia: com um toque suave de inteligência, o autor constrói uma Teologia-narrativa, muito mais próxima dos evangelhos do que a Teologia-metafísica que, mantendo a metáfora, aproxima-se dos escritos paulinos. Fica claro, então, que o objetivo principal do artigo é aproximar a teopoética leminskiana da teologia formal (já estabelecida como tal) e, neste diálogo, buscar entender melhor a compreensão que o poeta curitibano tem sobre Jesus, explicitada na linguagem poético-biográfica.

As categorias e as aproximações

Durante a narrativa, algumas categorias ficam bem claras, pois são recorrentes. Outras são mais fortes em algum ponto: enfatizadas o suficiente para dar novo sentido à história popular sobre Jesus. E ainda, outras são básicas (no sentido de “dar base”), sustentando todo o edifício que Leminski constrói ao longo da obra. De toda a diversidade de categorias que o poeta usa, algumas acabam ficando em segundo plano, como a origem farisaica de Jesus; o relacionamento Jesus-João Batista/essênios; Jesus e a Lei; entre outros. Consideradas como primárias e essenciais à análise teológica da obra, cinco temas/categorias foram priorizadas para o estudo: Jesus como profeta; As parábolas de Jesus; Jesus e a economia; Jesus e o feminino; e O Reino de Deus. As aproximações teológicas seguirão a mesma posição de Leminski sobre cada categoria.

Jesus como profeta

Leminski, partindo da afirmação de que a mensagem de Jesus é primordialmente o Reino de Deus9, considera Jesus como um profeta alinhado com a tradição hebraica dos profetas, “dos quais ele [Jesus] foi o maior”10. Para além da palavra “pro-feta”, o autor argumenta que Jesus é um “nabi”, um tipo de “louco de Deus” que vivia pregando e anunciando um tempo vindouro, tentando restaurar a pureza religiosa, sempre por meio do exagero. Neste ponto, Paulo Leminski se aprofunda nos profetas do Antigo Testamento, como Isaías e Jeremias, caracterizando-os, junto com Jesus, como grandes figuras da literatura: “Não é de admirar que, entre os ‘pro-fetas’, estejam os maiores poetas dessa literatura hebraica que o Ocidente chama de Antigo Testamento. A começar por esse extraordinário Isaías, que Jesus, superpoeta, gostava de citar.”11. Ao descrever os profetas mais tradicionais e famosos da bíblia hebraica, o autor insere, explicitamente, uma comparação entre Jesus e Elias:

Como Jesus, Elias é um taumaturgo. Ressuscita o filho da viúva de Sarepta, assim como Jesus ressuscitou Lázaro. Multiplica a farinha, assim como Jesus multiplicou os pães. E, como um xamã índio, faz cair a chuva. [...] Como Jesus, Elias foi perseguido pelo ímpio rei, Acab, que, conforme a Bíblia, ‘tinha passado a fio de espada todos os profetas’. [...] Sucessor de Elias foi Eliseu, que o profeta encontrou lavrando com seus bois e consagrou-o profeta, prefigurando o que João faria com Jesus e o que Jesus faria com os pescadores da Galileia, que transformou em apóstolos e portadores de suas palavras e parábolas12.

Esta comparação culmina, para Leminski, na narrativa da transfiguração, quando Jesus, junto com três discípulos, sobe ao monte e tem um encontro miraculoso com Elias e Moisés, o que sugere que a “sombra” de Elias esteve o tempo todo presente nos atos do superpoeta. Fechando o ciclo de comparações, Leminski lembra a confusão quando, ao ouvirem o grito de Jesus na cruz, os populares acreditaram que ele estivesse chamando por Elias.

Por fim, é possível concluir que, para o autor, como profeta, Jesus se assemelhava aos outros profetas de sua tradição. Uma possível síntese é: “Nem só nos textos, porém, se revela a originalidade dos nabi. Sua vida, também, sempre trouxe o selo da estranheza e do exagero. Do excesso, da excentricidade e do milagre. Jesus foi um nabi.”13. Não é privilégio de Leminski, e nem pioneira, a leitura de Jesus como profeta. Antes, já nas narrativas bíblicas os discípulos fazem tal comparação14. Ainda hoje, autores da teologia consideram válida a hermenêutica que se esforça para ler a vida de Jesus, seja pelos evangelhos, seja pelas pesquisas históricas, como a vida de um profeta. Leminski vai além, considerandoo profeta/poeta. Que aproximações teológicas podem surgir desta compreensão? O que significa enxergar um “nabi” em Jesus? Como dialogam as noções de pro-feta na literatura e na teologia?

José Comblin, teólogo belga da libertação, que atuava no Brasil, entende que Jesus se comparava aos profetas da tradição hebraica à medida em que este reconhece que a própria vida pertencia Àquele que o chamou: Deus. Neste ponto, ratifica a comparação (mantendo clara a ideia mais metafórica do que objetiva):

De todos os papéis históricos vividos no passado, o que mais se aproxima da missão de Jesus é o de profeta: nem os sacerdotes, nem os reis, nem os escribas nem os sábios oferecem em um termo de comparação, nem Jesus se pensou nas categorias deles. Pelo contrário, ele se comparou com os profetas e aceitou a semelhança.15

Embora Comblin aceite a imagem de Jesus como profeta, ele a aceita parcialmente, isto é, apenas a nível de comparação, e não “realidade direta”, como faz Leminski. Em termos de linguagem, pode-se dizer que Comblin afirma “Jesus era como um profeta”, enquanto Leminski diz que “Jesus era um nabi”. O teólogo belga ainda afirma que Jesus conhecia parcialmente sua missão, isto é, ele se entendia como escolhido de Deus para a casa de Israel, e não pelos pagãos, por quem anunciou a vinda, “mas ele próprio não os foi buscar”16. Desenvolvendo este ponto, Comblin afirma que Jesus “inspirou” a formação da Igreja, mas ele mesmo não a fundou. Esta afirmativa em muito converge com a ideia primeira de Leminski de escrever uma biografia de Jesus a.C., isto é, antes das formulações cristológicas e, consequentemente, antes da Igreja.

Outra convergência entre esses dois autores é a ênfase na comparação entre Jesus e Elias, tão clara nos evangelhos quanto nessas duas obras. E também seus desdobramentos concretos no ministério de Jesus. Comblin afirma que “naqueles tempos, na mente do povo o profeta era, primeiramente, um taumaturgo, que faz sinais maravilhosos de Deus”17 e, por isso, a insistência da narrativa evangélica em comparar os sinais destas duas personagens. O anúncio da justiça ou da vinda de Deus também é tema essencial para que se compare Jesus a um profeta e nisto, nosso superpoeta não fica atrás: anuncia a irrupção de um novo tempo: o Reino de Deus, o qual será tratado mais tarde. Também em consonância com Leminski, Comblin afirma a superioridade de Jesus sobre os outros profetas e mais: declara-se mais importante que Moisés e com “autoridade suficiente para interpretar e completar a lei de Moisés. [Jesus] Faz esse trabalho não como comentador, e sim como quem tem realmente autoridade”18. Em conclusão a esse breve estudo de Comblin sobre Jesus como profeta, o autor reitera sua posição de que o “titulo de profeta não esgota o sentido que Jesus atribui à sua missão”19. Embora Leminski concorde em certo ponto, dizendo que a compreensão de “nabi” é maior do que a compreensão de “profeta”, a discordância entre estes dois autores parece clara neste assunto.

Utilizando uma linguagem menos cristológica e mais historiográfica, Joachim Jeremias, teólogo bíblico alemão que possui grandes estudos sobre o Novo Testamento, também faz sua leitura de Jesus como profeta e em muito pode contribuir no diálogo aqui proposto.Jeremias diz que existe a possível leitura de Jesus como escriba, baseada em leituras das narrativas em que Jesus ensina na sinagoga, discute com “homens da lei”, etc., mas logo rejeita essa ideia. Para o autor, Jesus não foi aceito como teólogo de profissão, nem mesmo nos casos em que é chamado de “rabi”. Antes, “o juízo unânime formulado sobre ele foi: ele é um profeta. É isso que ecoa repetidamente entre o povo”20. Concordando, em termos, com Comblin, Jeremias diz que Jesus não recusa o título de profeta, alinha-se a esta tradição (como também diz Leminski), mas argumenta dizendo que a incumbência da missão de Jesus não cabe completamente descrita como missão profética. Outro ponto que, para o autor, dá indícios da relação profética de Jesus com seu ministério é o fato de “pretender possuir o Espírito. Pois, para a sinagoga, a posse do Espírito Santo. Isto é, do Espírito de Deus, que era a marca por excelência da profecia.”2121. Com esta afirmação, Jeremias deixa fundamenta toda a sua tese que enxerga Jesus como profeta. Em outras palavras, pode-se dizer que o autor afirma que Jesus como profeta só se sustenta mediante a relação dele (Jesus) com o Espírito Santo. Joachim Jeremias desenvolve este ponto mostrando como as narrativas falam de Jesus com o Espírito Santo:

[...]Jesus atribui também suas expulsões de demônios ao Espírito de Deus. [...] referiu [Jesus] a si próprio a profecia de Is 61, 1 sobre o Espírito, [...] confere aos discípulos autoridade sobre os espíritos impuros, [...] promete aos discípulos o Espírito como advogado[...]. Todas essas passagens evidenciam que Jesus, desde sua vocação no batismo, pretendeu possuir plena autoridade profética.22

Parte emblemática de seus estudos, Joachim Jeremias analisa o modo com que Jesus falava, explicitando os acentos, o ritmo, as assonâncias e outras características, e conclui, também com isso, que até o jeito de falar de Jesus era influenciado por sua consciência profética. Entretanto, o autor mostra que a igreja das origens evitava tratar Jesus como profeta, pois tal título seria muito humilde para ele. Esta tese é paradigmática, se confrontada com a ideia leminskiana de falar de “Jesus antes de Cristo”: antes da formação das comunidades primitivas, antes da tradução grega da fundamentação teológica judaico-cristã, antes da necessidade das primeiras formações teológicas quando só a experiência e as narrativas davam conta dos questionamentos da realidade, Jesus poderia ser reconhecido como profeta, mas depois evita-se esta comparação. Leminski parece ter, então, motivo suficiente para querer diferenciar o Jesus Messias do Jesus Cristo.

Parece claro que Leminski converge com diversas ideias de Comblin e Jeremias, a começar pela possibilidade de ver em Jesus um profeta, um nabi. Todos também concordam que esta normatização não esgota o ministério de Jesus: Leminski, ao afirmar que Jesus mais que um profeta é um nabi; Comblin, ao dizer que Jesus é como um profeta; e Jeremias, ao afirmar que a vocação profética de Jesus é parte de seu ministério, e não ele todo. Dialogam também os autores na ênfase que dão aos atos proféticos de Jesus. Leminski enfatiza a característica excêntrica de Jesus, no seu exagero. Já Comblin, acentua a propriedade taumaturga dos profetas, isto é, a capacidade e a relação do ministério com os milagres. Difere[, neste momento, Joachim Jeremias - o que dá base para uma formulação conjunta dos três -: este percebe a importância do Espírito Santo para a comunidade da época. Fazendo uma síntese dos três pensamentos, pode-se assumir que Jesus, como (um) profeta, exagera em palavras e ditos, é excêntrico na escolha de seus companheiros de caminhada, e a estes e com estes, realiza milagres, sempre animado pela força do Espírito de Deus. Na força do Espírito criador e criativo, Jesus “nabi”, pro-feta, superpoeta comunica sua mensagem de maneira digna de seus títulos: muito excêntrica, Jesus fala por parábolas.

As parábolas de Jesus

Um segundo tema a que Leminski dá muita importância em sua biografia Jesus a. C. são as questões das parábolas. Literato que é, não poderia deixar que passassem imunes estas construções fabulosas, feitas por Jesus para explicar o conteúdo de sua mensagem e exemplificar suas ideias. Nas palavras do autor,

Jesus não falava claro. Nabi, profeta, falava por parábolas. [...] O essencial das mensagens de Jesus está longe de ser transmitido por cadeias de raciocínios. Mas através de “estórias paralelas”, as parábolas, unidades poéticas e ficcionais, capazes de irradiar significados espirituais e práticos, abertas à exegese, à explicação, à liberdade.23

Desta forma, segundo Leminski, explica-se a duração do pensamento de Jesus. Com tantas formas de serem interpretadas, as parábolas até hoje são discutidas e analisadas. Assim, o poeta decide analisar algumas das parábolas apresentadas pelo superpoeta, mostrando como eram nebulosas as histórias para seus primeiros ouvintes, e como Jesus é concreto em suas palavras. O primeiro exemplo é a parábola dos semeadores, na qual Jesus usa diversos elementos concretos: água, terra, pescar, semear. Surge então, na narrativa, o questionamento dos discípulos, querendo entender por que Jesus falava em parábolas. Mas quem responde é o poeta curitibano: “As parábolas de Jesus são epifanias [...], nós de histórias donde se despende um princípio geral.”24. O autor admite ficar intrigado com a ambiguidade das parábolas de Jesus. De um lado elas revelam, mas, de outro, elas velam novamente. Nos termos do autor, “ocultamento da doutrina” e “despistamento”25. Para Leminski, a linguagem de Jesus é cifrada, utilizando as parábolas como ícones, que produzem informação e emitem signos. Esta linguagem seria própria de um profeta/poeta de Israel

Leminski confere tanta importância às parábolas para se entender Jesus, que ele cria, quase na parte final do livro, um “parabolário”. O próprio autor as traduz do grego koiné e as comenta brevemente depois de seu desfecho. Começando pelas parábolas do Reino, Leminski comenta “O semeador, o grão de mostarda, o fermento do pão: é do mundo material, do trabalho simples, que Jesus extrai os símiles para anunciar o advento de uma nova ordem de coisas.”26. Depois destas três parábolas, o autor comenta sobre outras duas: a do tesouro no campo e a das pérolas: “Aqui, os termos de comparação deixam de ser agrícolas e fabris e passam a ser comerciais, monetários”27. E por fim, a parábola das redes ao mar. Terminando este parabolário com um comentário, uma espécie de “moral da história”, Leminski diz:

As seis parábolas sobre o Reino têm seu símile no mundo do trabalho (agricultura, artesanato, culinária, comércio), culminando na parábola piscatória, haliêutica, evidentemente muito ao gosto dos pescadores entre os quais Jesus recruta seus primeiros e mais tenazes seguidores. [...] Em matéria de sentido, Jesus sabia o que estava fazendo. Muitos são chamados, poucos, porém, os escolhidos28

Já no capítulo seguinte, Leminski continua com o mesmo tema, mas com o nome de “outras parábolas”. Tirando o fato de que essas parábolas não são sobre o Reino de Deus, o autor segue o mesmo método, traduzindo as parábolas e depois comentandoas. O autor lê a parábola das cem ovelhas como um chamado de Jesus às crianças, “pelas quais tinha um apreço especial”29, e defende a teoria de que algumas parábolas narradas nos evangelhos não eram próprias de Jesus, mas circulavam pelo primeiro século. Assim, as parábolas poderiam ser de Jesus, contadas por ele, mas sem autoria conhecida, ou, ainda, interpretações das parábolas que ele contava. O ápice das peças ficcionais, para Leminski, encontra-se no final do capítulo 15 de Lucas: a parábola do filho pródigo. Para o autor, ela “é a molécula de uma novela arquetípica, onde não falta nenhum dos melhores ingredientes do gênero: cor local, surpresa, adversidade da fortuna, rompimento, aventura, a fuga da origem, a volta às origens.”30. Somando-se a estas características, o autor salienta que, na segunda parte, “A entrada em cena, na trama, do irmão mais velho é um primor de ficção, cheio de cor, detalhe, movimento e até música”31. Leminski diz que a interpretação do sentido desta fábula não é fácil, embora seja clara a aparência de tratar do perdão, da volta do perdido (o que justificaria a amizade de Jesus com publicanos e pecadores). Entretanto, para além da interpretação, ela tem outros conteúdos importantes, “Uma leitura atual, à luz da economia, da sociologia, e da história, pode extrair da parábola um quadro muito claro das relações de trabalho e produção, na Palestina de Jesus, no meio agrário.”32. Assim, Leminski considera-a a mais completa, mais rica, redonda, ampla e realizada entre todas as outras

Joachim Jeremias, teólogo bíblico chave para esta comparação, trata das parábolas de Jesus em mais de uma obra. Mesmo que, em Teologia do Novo Testamento, o autor não trate especificamente do assunto, existe uma pequena parte de seu estudo sobre ipsissima vox reservada para uma breve análise delas. Não serão aqui vistas pelo conteúdo, mas tratadas de modo direto e objetivo. Esta parte do estudo encontra-se junto com os outros fenômenos que, para Jeremias, constituem-se como originais de Jesus. O autor inicia dizendo que “Nem em toda a literatura intertestamentária do judaísmo antigo, nem nos escritos essênios, nem em Paulo, nem mesmo na literatura rabínica achamos algo que possa ser comparado com as parábolas de Jesus”33. Esta ideia já diverge de Leminski, quando este diz que a comunicação por parábolas era uma característica comum dos profetas. A diferença entre os dois autores encontra-se no fato de Jeremias diferenciar as parábolas como um gênero literário único, enquanto Leminski as entende como “ditos enigmáticos”, a semelhança dos profetas. Esta divergência fica clara quando Jeremias afirma, mais uma vez contrariando a literatura leminskiana, que “em Jesus, não encontramos nenhuma fábula”34. Embora Jeremias defenda o conteúdo original, além da forma original, das parábolas, o autor reconhece que Jesus usa as mesmas metáforas que já são correntes do Antigo Testamento, mesmo assim, sem compor alegorias. É justamente este ponto que baseia a afirmação de que a divergência entre a biografia de Leminski e a teologia de Jeremias não é completa. Jeremias entende um emprego parcial da tradição profética, enquanto Leminski percebe uma continuação total. Assim como Leminski, Jeremias entende como as parábolas de Jesus são importantes para seus primeiros ouvintes. Segundo ele:

As suas parábolas [de Jesus] nos conduzem antes ao coração pulsante da vida do dia-a-dia. Elas constituem elementos sem analogia pela sua proximidade com a vida, por sua simplicidade e clareza, pela maestria de suas descrições concisas, pela seriedade com que apelam à consciência, por sua compreensão amorosa para com os desclassificados em termos religiosos35.

Terminando sua breve análise das parábolas, Jeremias dá um panorama teológico geral de como elas são entendidas, no que se refere à sua credibilidade histórico-factual delas: “Hoje se reconhece de modo geral que elas são parte integrante do estrato mais antigo da tradição”36, isto é, reconhece-se que tais histórias foram, com muita probabilidade, ensinadas pelo próprio Jesus histórico.

Em As parábolas de Jesus37, Joachim Jeremias trata somente desta questão. Nela são enfrentadas questões de redação e compilação, por exemplo. Na segunda parte da obra, Jeremias classifica as parábolas mediante suas mensagens principais, agrupandoas pelos núcleos de sentido. Como a proposta do artigo é somente dialogar a linguagem de Leminski sobre Jesus com a própria teologia (que por vezes apresenta-se, pretensiosamente, como linguagem oficial sobre Jesus), poucas partes desta obra de Jeremias serão utilizadas.

As compreensões, aqui, mostram-se divergentes: Leminski defende a semelhança de gênero entre as parábolas e os textos proféticos; Jeremias discorda. apresentando o mesmo exemplo de Leminski, Jeremias sinaliza a influência e a possível intertextualidade de Jesus com o Antigo Testamento: “No que diz respeito à parábola do grão de mostarda [...] provavelmente [há] leve alusão à Dn4,9.18 e Ez 17, 23 e 31, 6. Procede de Dn 4,17 também a designação do pé de mostarda como árvore [...]”38. Assim, percebese que, para Jeremias, Jesus está ligado à tradição profética por imagens, metáforas, alusões de figura, mas não por gênero - como afirma Leminski. Afora esta divergência, é possível encontrar uma convergência essencial entre os dois autores: ambos tratam da importância das parábolas como estratégia de comunicação concreta usada por Jesus. Joachim Jeremias afirma que

Elas [parábolas] constituem uma peça da rocha primitiva da tradição. Reconhece-se de modo geral que as imagens se imprimem mais fortemente na memória do que ideias abstratas. Com referência particularmente às parábolas de Jesus, acresce que elas refletem exatamente e com especial nitidez a boa-nova de Jesus, o cunho escatológico da sua pregação, a seriedade do seu apelo à conversão, bem como o seu conflito com o farisaísmo.39

Também é convergente a ideia de que atualmente há uma dificuldade de interpretação das parábolas. Embora Leminski atribua isso à própria enigmaticidade dos ditos de Jesus, Jeremias apela para a distância temporal e de cultura: “o que ao ocidental parece inabilidade, é comum no meio palestinense.”40. Tratando da parábola que Leminski considera como a mais completa de todas, a do filho pródigo, Jeremias não vê tanta importância nela. Entretanto, dentro do grupo de parábolas classificadas por mensagem “A misericórdia de Deus para com os culpados”, Joachim Jeremias a coloca como um ponto que suplanta outros dentro desta classificação, colocando-a em proeminência sobre as outras de mesma categoria. Inclusive, Jeremias diz que ela deveria se chamar “a parábola do amor do pai”41. Mais uma vez, o autor reforça sua ideia, convergindo com Leminski, de que as parábolas de Jesus são extremamente concretas e falam a respeito do dia-a-dia dos ouvintes palestinenses. Diferentemente de outrora, Jeremias afirma esta posição a partir da própria estrutura da parábola, mais especificamente na segunda parte, onde, após a volta do filho seu irmão sente-se incomodado com a festa para o “irresponsável”. Para o autor, esta parte é primordial pois, nela, Jesus responde aos publicanos e fariseus. Nas próprias palavras do autor: “a parábola endereça-se a homens, que parecem com o irmão mais velho, isto é, há homens que se escandalizam do Evangelho”42.

Finalmente, Leminski e Jeremias concordam em muitas coisas sobre as parábolas de Jesus. Ambos reconhecem que a estrutura narrativa das parábolas possui grande originalidade, entretanto, não se encontra sozinha: utiliza uma tradição já conhecida, a profética além das figuras e imagens concretas, aproximando o emissor dos receptores, Jesus dos pobres palestinenses do século I. O ato de percebeemr Jesus como produtor de significados reais e importantes para a vida dos marginalizados, já mostra a imagem que ambos constroem dele: um Jesus preocupado com um tipo de gente.Não só com o destino metafísico deles, mas com a concretude da realidade pela qual eles são influenciados, com a dureza da vida diária, mas também com a esperança, com a confiança de que o mal a ser enfrentado terá fim. O mal diário também foi assunto das parábolas, por exemplo, as que usavam imagens de ricos e senhores de terra. A superação do mal exige um projeto concreto de vida, transpassado e bem comunicado pelas parábolas, que começa no relacionamento dessas pessoas com a economia. Também importa dizer que, no que divergem, os autores também contribuem para a formação de uma linguagem sobre Jesus. Em outras palavras, a postura divergente de Leminski em relação à Jeremias deve ser respeitada como, também, construção teológica válida (mesmo que não seja esta sua pretensão).

Jesus e a economia

Paulo Leminski dedica um capítulo inteiro de sua obra a falar sobre a relação de Jesus com a economia, nas palavras do autor, fazendo uma “leitura monetária de Jesus”43. O capítulo “quanto custa jesus” começa falando da moeda, objeto físico que surgiu por volta de VII a. C como símbolo de escravidão. Juntos, escravidão, dinheiro e alfabeto formam, para o autor, a base das sociedades mediterrâneas e aí Jesus aparece: numa sociedade mediterrânea monetária. Seguindo esta linha, tratando do objeto onde está cravada a face e o nome do imperador/dominador, Leminski explicita:

no mundo em que Jesus vivia, o dinheiro era a evidência da presença do dominador: o povo de Israel estava nas mãos dos goiim, os pagãos, idólatras, politeístas,que não reconhecem o poder de Jeová, que não sabem que só há um Deus e que esse Deus escolheu um povo para crer nele e só nele. Na Judéia, a mais ínfima moeda era um índice da humilhação nacional.44

Para o autor, a relação de Jesus com a economia é muito forte, muito clara e muito presente em diversas narrativas evangélicas. A começar pelas narrativas do Evangelho segundo São Mateus em que, o próprio Mateus, é encontrado no telônio, isto é, num lugar próprio para os judeus recebedores de impostos. (Estes, são odiados pelos judeus mais zelosos, afinal, são aliados à dominação romana, e além: viviam destas operações de troca, empréstimo a juros, e etc..) Para Leminski, estes publicanos se sustentavam por meio dessas operações financeiras. Da mesma forma, o autor também afirma que “todo o pensamento abstrato dos gregos não passa de uma tradução conceitual de operações monetárias: lógica e juro, metafísica e porcentagem, filosofia e crédito são, no fundo, o mesmo fenômeno.”45. Diferentemente dos gregos, para o poeta curitibano, os judeus são muito concretos, inclusive no trabalho: são artesãos, carpinteiros, pedreiros... e o dinheiro, poder em forma de moeda, só pode ser um objeto do diabo. Assim, Leminski liga a relação do confronto de Jesus com o dinheiro à fala contra Mammom46: “Mammom é uma palavra aramaica que significa ‘aquilo em que se confia’, isto é, ‘crédito’, e por extensão ‘riquezas, bens, dinheiro acumulado’”47. Parece claro que, para o autor, Jesus tem uma relação áspera com a economia de seu tempo, chegando a considerar que o dinheiro, a moeda, e as riquezas são um tipo de diabo (ideia que teria vindo da Pérsia, segundo Leminski). Terminando esta sua breve exposição, Paulo Leminski usa a mais paradigmática entre as narrativas sobre o tema, onde se encontra a famosa frase “dai a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. “Na resposta, Jesus contrapunha sua utopia místico-política do ‘Reino de Deus’, a mlechah Adonai, à estúpida realidade do Império Romano, criando-lhe um concorrente.”48. Ironicamente, ressalta o autor, Jesus foi traído por um dos doze principais: justamente o que cuidava das economias, e este o vendeu por trinta moedas de prata, trinta objetos redondos com a imagem do imperador. Em resumo, Leminski vê a relação de Jesus com a economia como antagônica: ou serve-se ao dinheiro, ou a Deus; ou serve-se a César, ou ao Reino de Deus. Ou o demônio “monetizado”, em forma de moeda, ou ao homem de carne e osso. O Jesus de Leminski vai contra a economia vigente, por ir contra a lógica da dominação, da qual era ele também um sofredor.

Richard Horsley, teólogo americano, trata, em um capítulo de Jesus e o Império49, sobre a última questão colocada por Leminkski: a sagacidade de Jesus em responder àqueles que o questionam sobre o pagamento dos tributos devidos a César. Assim como o poeta, Horsley vai contra a visão tradicional de que Jesus lutava por um Reino espiritual e não se opunha ao governo romano: “hoje vemos essa perspectiva [tradicional] como uma projeção cristã tardia de autoproteção e acomodação”50. A base, segundo o teólogo americano, para entender o que Jesus quis dizer com sua resposta é eliminar o pressuposto moderno de que a religião deve ser separada dos assuntos econômicos. Os fariseus e herodianos, questionadores de Jesus neste episódio, sabiam que, de um lado, pela lei de Moisés, não se deveria pagar tributos a Roma, e de outro lado, o não pagamento de tais tributos era um ato de rebeldia contra ela. Jesus precisa escapar da armadilha, o que ele consegue fazer sutilmente, para não ser preso como rebelde. O superpoeta não responde diretamente que não era lícito pagar os tributos, entretanto, isto fica subentendido em sua resposta (não hoje, mas para os palestinenses da época, os primeiros ouvintes). Desta maneira, conclui Horsley:

Se Deus é o senhor e Mestre único, se o povo de Israel vive sob o reinado exclusivo de Deus, então todas as coisas pertencem a Deus, sendo bem óbvias as implicações para César. Jesus está clara e simplesmente reafirmando o princípio israelita de que César, ou qualquer outro governante imperial, não tem direitos sobre o povo israelita, uma vez que Deus é seu rei e mestre de fato.51

Diferentemente de Horsley, Sean Freyne, teólogo irlandês é mais moderado quanto à leitura da resposta de Jesus aos fariseus e herodianos. Em Jesus, um judeu da Galileia52, Freyne defende que Jesus se opunha à dominação romana: de modo diferente dos que eram da elite do poder, o judeu da Galileia não aceitava “a inevitabilidade da dominação romana como queriam os romanos em sua propaganda [...]. Como outros impérios, este também estava condenado a passar.”53. O teólogo irlandês afirma que Jesus se opõe ao projeto da pax romana, entretanto, não pensava em responder violentamente a essas condições. A busca por estas respostas, segundo o autor, era comum no século I, o que desembocou numa revolta sangrenta e de consequências desastrosas. Desta forma, Jesus ordena o pagamento dos tributos a César, de modo enigmático, apesar de posicionar-se contra o Império. Enquanto Leminski aposta na concorrência criada entre Reino de Deus e Império e Horsley aposta na resposta revolucionária, e, talvez, explosiva de Jesus, Freyne diz que a reposta transparece uma esperança maior, uma confiança na bondade da criação de Deus. Então sugere:

Nenhum império humano poderia ser comparado a esse poder [de Deus-criador], não importa o quão absolutos ele e seus agentes pareçam ser: César podia ter a sua imagem gravada na moeda do tributo, mas não podia controlar o poder da imaginação alimentada pela tradição que anuncia a poderosa (ainda que oculta) presença de Deus no mundo, à qual nenhuma imagem poderia fazer justiça.54

Em conclusão, pode-se dizer que a relação de Jesus com a economia, entendida principalmente na imagem oferecida pela narrativa da resposta de Jesus aos fariseus e publicanos sobre os tributos, é áspera e até revolucionária. Embora não concordem totalmente, tanto Leminski quanto Horsley e Freyne percebem que a resposta de Jesus é forte e segura: os impostos da dominação romana estão errados. Tal resposta é modelar para o entendimento geral do que Jesus representa: um revolucionário pacífico que critica o imperialismo romano, mas evita a violência e o embate físico. Mesmo em sua discordância, o pensamento de Leminski se apresenta de forma coerente e curiosa: revela Jesus como inimigo mortal (literalmente) do Império econômico. O superpoeta é, para os três autores, uma força de resistência profética, isto é, crítico contra a exploração do povo e contra as lógicas econômicas que o escravizam. Os estes dois teólogos não fogem da compreensão de Leminski de que Jesus enxergava o dinheiro como um “deus”, ou melhor, um ídolo adorado, dominador e representante do próprio Mal. Contra este ídolo, opõe-se Deus e seu Reino. Contra uma economia injusta, opõem-se Jesus e seus discípulos, sofredores deste mal. Falar de economia nos evangelhos é falar de como Jesus posiciona-se a favor de um tipo de pessoa: as vítimas da injustiça. Falar do modo como Jesus enxerga as estruturas sociais de seu tempo, inclusive a economia, é falar de como o superpoeta se relaciona com quem está à sua volta: os pobres, as crianças, os doentes. E principal e especialmente, as mulheres.

Jesus e o feminino

A quarta categoria que Leminski dá ênfase em sua biografia Jesus a.C. refere-se à relação de Jesus, e sua tradição, com as mulheres, descrita principalmente no capítulo “jesus macho e fêmea”. Neste, o autor apresenta a estrutura que, para ele, constitui a metafísica do patriarcalismo semita: o mito do Gênesis, em que, ao contrário da biologia, a mulher nasce do homem. Paulo Leminski a denomina como uma “inversão da realidade”55. Para o poeta, o mito ainda apresenta um argumento filológico, mostrando como a palavra “homem” é parecida com a palavra “mulher”, parecendo esta que veio daquela. A tradição patriarcal é tão forte que, para o autor, encontra sua melhor tradução na aceitação e prática poligâmica. Também paradigmático é o fato de as mulheres serem excluídas de ofícios sacerdotais nas três religiões: judaísmo, cristianismo e islamismo. Recapitulando a presença destas estruturas patriarcais desde o início da bíblia, Leminski diz:

Nesse universo patriarcal, falocrático, poligâmico, a mulher só pode ter uma existência, uma condição ontológica rarefeita, essencialmente subalterna, secundária, menor, algo entre os camelos e rebanhos e os humanos plenos, que são os machos. Daí os rigores da lei mosaica contra o homossexualismo e a sodomia, instâncias de aguda feminilização do homem, punidos com a morte. Por isso mesmo, espanta o registro da saga de várias mulheres, entre os antigos hebreus, tal como os apresenta o antigo testamento: Miriam, irmã de Moisés, Judite, Rute, Ester.56

O autor continua citando exemplos surpreendentes em uma cultura falocêntrica: fala da juíza Débora (que poderia ser nabi, profeta, líder militar e suprema autoridade judiciária). Para explicar o fenômeno, Leminski aposta na influência egípcia, que dava muitos poderes às mulheres, espantando até os gregos. Chegando aos tempos de Jesus, o autor diz que, provavelmente, a situação na palestina não tinha mudado muito para as mulheres, mesmo que a questão da poligamia houvesse praticamente desaparecido nas classes mais baixas. Leminski diz que são

Complexas as relações de Jesus com as mulheres. Parece que sua presença e doutrina exerciam grande fascínio sobre elas. [...] Eram as mulheres do séquito de Jesus que asseguravam sua subsistência, bem dentro de um esquema mãe-filho: eram as mulheres que davam de comer a Jesus. Nada de anômalo nisso: a espiritualidade nas mulheres é mais intensa. Entre elas, todos os criadores de religiões, os inventores do signo transcendental, encontram logo seus mais pacientes ouvintes e seus primeiros seguidores.57

O autor percebe a importância das mulheres para que o cristianismo chegasse até o Império Romana, afinal, as primeiras pessoas a se converterem foram imperatrizes e damas da família imperial. Voltando ao ministério de Jesus, para Leminski há uma importância dos evangelhos para as mulheres e as crianças, mas, ao mesmo tempo, também é perceptível uma relação negativa de Jesus com Maria, sua mãe, a quem ele chama de mulher, diversas vezes.

Paulo Leminski segue, então, uma teoria nada ortodoxa, dizendo que “Jesus, por exemplo, era muito namorador”58. O autor afirma que Jesus namorou com a mulher samaritana do poço (do capítulo 4 de João) e com Maria, irmã de Marta e Lázaro. De maneira bem sugestiva e poética, o autor conclui essas histórias com “Nenhuma dúvida de que Jesus ganhou seu gole d’água”59 e “Maria escolheu a parte melhor, que ninguém vai tirar dela”60. Apesar destes relacionamentos mais íntimos, o autor aponta que Jesus tinha uma compreensão muito profunda da mulher, o que fica claro no episódio da adúltera. O autor, entretanto, ressalta o relacionamento de Jesus com o Pai, com os 12 mais próximos (todos homens), por mais que houvesse Maria, Marta e Madalena. Com a vinda da tradição/tradução do cristianismo, Lemisnki afirma que, Paulo já coloca as mulheres como bruxas, isto é, já as coloca como nível mais baixo de humanidade, uma segunda categoria. Leminski termina estas considerações sobre Jesus e o feminino, ressaltando como Paulo transforma e adultera a mensagem de Jesus, mas, principalmente, a relação de Jesus com as mulheres, assim como com outros “pequeninos”): “Foi [Paulo] também um grande poeta/profeta capaz de dizer ‘a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus’, na mesma carta à ‘eclésia’ de Corinto na Grécia, onde consagra, para sempre, a inferioridade da mulher e seu afastamento definitivo do altar.”61.

Ao tratar da posição de Jesus em relação à mulher, Jeremias já inicia discordando de Leminski. Para o teólogo, é certo que Jesus (como João Batista) era solteiro. E mais, era provável que ainda exigisse de alguns seguidores a renúncia ao casamento. Mas não há privilégios nisto: também era exigido que muitos largassem “pai e mãe”, isto é, a família de origem, o clã familiar. Seguindo esta linha, o autor afirma que é errado pensar que haja um desprezo pelo casamento. Tal pensamento não se confirma, se confrontado com a proibição do homem dispensar a esposa. Jesus entra em contradição com o Antigo Testamento, entretanto, parece certo que, para os discípulos, o casamento era indissolúvel. Sobre a posição da mulher nos tempos de Jesus, Jeremias afirma que “Em suas obrigações religiosas ela é equiparada ao escravo; ela não precisa, por exemplo, orar o shema [...]. O judaísmo procurava proteger a moralidade, afastando a mulher tanto quanto possível da esfera pública.”62. Encontrando as mulheres nesta condição, o autor mostra que, pelas narrativas evangélicas dos encontros entre Jesus e as mulheres, ele tinha plena consciência da universalidade de sua mensagem, alcançando até as mulheres. Segundo Jeremias, “Jesus se afasta do costume que isola a mulher.”63. Desta maneira, o autor mostra como o superpoeta era próximo das mulheres, conversando naturalmente com elas, sendo ouvido por elas, sendo seu amigo (Maria e Marta, por exemplo),e sendo acompanhado e sustentado por elas. Para o teólogo, há uma ruptura brusca de costumes. Mas como isso é possível?

Mt 5, 28 dá a resposta. O entorno queria proteger a mulher, segregando-a, porque se tinha a concupiscência como invencível, Jesus assume a mulher no círculo de seus discípulos porque espera dos seus discípulos que superem a concupiscência. O velho éon está sob o domínio da concupiscência, de que o homem se protege tanto quanto pode. No novo éon domina a pureza, que disciplina até o olhar [...]. Em nenhum outro âmbito da sociedade a vida nova faz uma incursão tão visível no cotidiano como neste ponto.64

Ao concluir, também a Paulo, Joachim Jeremias lê, diferentemente de Leminski, que esta tradição de inclusão é tão forte que influencia Paulo. Para o autor, a máxima de Gl 3, 28, que diz não haver nem homem nem mulher, é bastante incomum para um judeu de nascença, portanto, vem desta tradição de Jesus. Pode-se dizer que Joachim Jeremias percebe uma grande ruptura de Jesus em relação ao judaísmo, dando voz às mulheres, e ganhando espaço de fala entre elas. Ajuda-as quando necessário, até mesmo indo contra as leis formais, como no caso do apedrejamento da mulher adúltera, e leis informais (como no caso da mulher samaritana do poço), e sendo ajudado por elas, por meio do sustento financeiro. Jesus posiciona-se contra a opressão que as mulheres sofriam na palestina, rompe com a tradição falocêntrica do judaísmo e encontra nas mulheres mais que seguidoras, encontra amigas como foram Marta e Maria, irmãs de Lázaro, e também Maria Madalena, que chorava copiosamente no local onde Jesus fora sepultado. Para Jeremias, a relação de Jesus com o feminino é paradigma de como se deveria basear-se o novo tempo (éon) que chega: na fraternidade e na igualdade entre todos e todas.

Neste ponto, o teólogo francês ÉmileMorin em Jesus e as estruturas de seu tempo65, apresenta-se útil para uma base teológica mais sólida e mais profunda. Ao analisar as estruturas econômicas, sociais, políticas, culturais, cultuais e familiares do tempo de Jesus, Morin inclui um estudo sobre a condição da mulher e, posteriormente, a relação de Jesus com as mulheres, neste caso, as estruturas familiares. Num primeiro momento, o teólogo francês analisa como era vista a mulher na Palestina do século I. Assim como Jeremias, Morin cita Flávio Josefo como autoridade antiga, mostrando o desprestígio da mulher e como elas eram associadas aos escravos e às crianças, que todos considerados inferiores. O autor diz que na cidade “um homem não devia olhar para uma mulher casada, nem cumprimentá-la. [...] Nos meios populares, na roça, estas normas quase não eram respeitadas. Contudo, mesmo na roça, um homem não falava a uma mulher estrangeira.”66. Também no aspecto religioso, a mulher deveria se sujeitar a várias proibições da Lei, incluindo pena de morte. Este caso era tão radical que, diz Morin, “alguns mestres julgavam que era preferível queimar a Torá (Lei) que ensiná-la às mulheres”67. O testemunho delas não era válido, eram separadas dos homens nas sinagogas, nos rituais e nos vitais entre homens e mulheres. O autor afirma que era legítimo vender filhas menores, pois a mulher era posse do marido. Apesar de todos esses péssimos aspectos e tradições que pesavam sobre as palestinas do século I, Morin diz que Jesus tem um relacionamento diferenciado com elas. Para ele, não só os encontros e ditos, mas também os milagres são significativos: “uma cura representava, então, o aspecto de uma reintegração na sociedade [...]”68. O autor ressalta a importância das mulheres no Novo Testamento e na construção das primeiras comunidades cristãs. Sua ótica é radical, em ver como Jesus via e se relacionava com o feminino:

A atitude de Jesus em relação às mulheres pecadoras é suficientemente conhecida. O relato sobre a mulher adúltera (Jo8, 1-11), de inegável caráter lucano em sua atual redação, terá colocado a Igreja primitiva em apuros. [...] Elas [parábolas lucanas] testemunham, à sua maneira, a originalidade das relações de Jesus com as mulheres da sociedade judaica. Jesus não excluía mulheres de sua doutrinação. [...] Ele, judeu, doutor, baralhando todos os rituais da época, fala com uma mulher samaritana, em público, pede-lhe de beber. Lembre-se que todo utensílio samaritano era reconhecido, pelos judeus, como totalmente impuro.69

Concluindo suas teses sobre Jesus e as mulheres, Émile Morin é enfático: “O cristianismo primitivo se reconhece nesta atitude de abertura.”70. Resumidamente, pode-se dizer que o teólogo enxerga em Jesus uma ruptura radical com a tradição, uma abertura extrema às mulheres e aos marginalizados, e não só as acolhe, mas também dá autoridade para que elas sejam protagonistas nas comunidades nascentes.

É fácil perceber e afirmar que os três autores utilizados para entender Jesus e o feminino têm boa fundamentação. Nenhum deles tenta enxergar os movimentos de Jesus com, e pelas mulheres como movimentos soltos no espaço, antes, percebem que é importante situar a posição da mulher naquele tempo, tornando os atos e ditos de Jesus muito mais radicais e profundos nesta luta. Morin com seu silêncio, e Jeremias com sua negação, discordam da provocação não-ortodoxa de Leminski que afirma que Jesus namorava algumas mulheres. Entretanto, tal provocação encontra-se muito mais como um detalhe acrescentado do que como o cerne da discussão. Mesmo assim, a leitura heterodoxa que o poeta curitibano faz sobre o relacionamento mais íntimo das mulheres com Jesus é válida: além de ser provocativa, insere na obra a questão da união hipostática, visto que, com a natureza de Deus, seria quase uma aberração este tipo de relacionamento. Tanto Leminski, quanto Jeremias e Morin percebem em Jesus um compromisso libertador e acolhedor para com as mulheres, compromisso que, para os dois últimos, se refletirá nas comunidades primitivas até o alcance do Império chegando a influenciar os escritos de Paulo. Para Leminski, Paulo é contrário ao ideal acolhedor de Jesus quanto às mulheres, mas o poeta não deixa de perceber o quanto este movimento impacta o cristianismo primitivo. Portanto, pode-se dizer que a compreensão de Leminski aproxima-se muito da teologia dos dois autores escolhidos: todos percebem que Jesus via em sua missão a responsabilidade de restaurar a dignidade da mulher, de, até mesmo contra a Lei e a tradição, reafirmar o valor das que eram marginalizadas social, economica e religiosamente. Incluir as mulheres, os pobres, as crianças, os escravos, os doentes e todos e todas que sofriam o peso das estruturas romano-judaicas era a base fundamental da justiça de Deus, justiça essa que era essencial para a maior das utopias e a maior mensagem de Jesus: o Reino de Deus.

O Reino de Deus

Embora Paulo Leminski não ocupe um capítulo específico falando do tema do Reino de Deus, o autor reconhece a sua importância, que perpassa todos os outros já trabalhados aqui. Apesar da centralidade do tema, Leminski diz poucas palavras diretamente sobre ele. Praticamente todas as vezes que o autor chega a ele já foram abordadas aqui, portanto, basta recordar. Nas palavras do próprio autor, “o reino de Deus [é], tema central do discurso de Jesus, a escritura crística”71. Para ele, a ideia deste Reino de Deus não era própria de Jesus, ele estava apenas seguindo e sendo fiel à tradição hebraica dos profetas. Leminski acredita que o anúncio de um novo tempo, da irrupção de uma nova era - vindoura ou agora - é trabalho próprio de um profeta, de um nabi, e é como nabi que ele considera Jesus. Assim, ele afirma que

o essencial da mensagem de Jesus parece ser o anúncio do iminente advento de um certo ‘Reino de Deus’. Na maior parte dos casos, depois desta vida. Mas, também, às vezes, nesta vida. Um dia esta vida será depois desta vida. Esta pro-jeção, Jesus herdou dos profetas hebreus, dos quais ele foi o maior, inventando o futuro já que o presente histórico é insuportável.72

Quando está tratando da questão darelação que Jesus tem com a economia, a ideia de Reino de Deus aparece como contraposição que Jesus faz ao império: “Jesus contrapunha sua utopia místico-política do ‘Reino de Deus’, a mlechac Adonai, à estúpida realidade do Império Romano, criando-lhe um concorrente”73. Assim, o autor diz que o Reino não é somente um anúncio de futuro mas uma proposta alternativa à lógica de dominação já no presente para os palestinos. Para o poeta, acrescenta-se à possibilidade de futuro, uma proposta de presente. De maneira mais contundente, ao falar de Jesus como revolucionário, no capítulo “jesus jacobino”, Leminski aprofunda sua compreensão do Reino de Deus:

A essencial subversividade (‘negatividade’) da doutrina de Jesus revela-se, porém, na própria realidade que ele anunciava, uníssono com os profetas de Israel: o iminente advento de um Reino. O Reino de Deus. Um momento de atenção na palavra ‘reino’, vocábulo político, com implicações de poder, autoridade e mando. [...] O Reino de Deus era a restauração da autonomia nacional do povo hebreu. Sobre isso, a autoridade romana não se equivocou, ao pregar o profeta na cruz, exemplar suplício com que os latinos advertiam os rebeldes sobre os preços em dor da sua insurreição. Esse o suporte material, socioeconômico-político, da pregação, por Jesus de um (novo) Reino, um (outro) poder. Nessa tradução/translação do material para o ideológico, Jesus forneceu um padrão utópico para todos os séculos por vir. [...] A força política da ideia de Jesus, porém, está no estabelecimento de um ultralimite. Amar os inimigos? Vender tudo e dar aos pobres? Ser ‘prudente como as serpentes e simples como as pombas’? O programa de vida proposto por Jesus é, rigorosamente, impossível. Nenhuma das Igrejas que vieram depois invocando seu nome e cultuando sua doutrina o realizou.74

Pode-se notar que, para Leminski, o Reino de Deus é um programa de vida extremamente radical, impossível, revolucionário e utópico. O capítulo termina com a indagação do autor sobre nunca ter aparecido a doutrina de Jesus nos livros sobre socialismo, para ele uma das mais radicais. Essa doutrina é o Reino de Deus.

Por ser quase unanimemente aceito como tema principal da mensagem de Jesus, a bibliografia teológica que trata do Reino de Deus é extensíssima. Praticamente todos os autores utilizados até aqui tratam do tema, cada um numa perspectiva. Por isso, a pesquisa não se preocupará em aprofundá-lo em muitos autores, antes se aterá a brevemente conhecer a perspectiva de alguns. Sean Freyne afirma que “há um consenso virtualmente unânime de que a noção de ‘Reino de Deus’ era central para o querigma de Jesus, uma noção cujas implicações políticas devem ser reconhecidas à luz de seu uso na literatura da época, seja ela judaica ou pagã”75. Portanto, para este autor, o Reino de Deus era um projeto, uma proposta concreta, para a cidade. Embora Freyne, mais tarde, ressalte as perspectivas que enxergam o Reino de Deus como proposta apocalíptica, o autor considera que o presente coaduna mais com a mensagem deste projeto.

José Comblin, em divergência com Leminski, afirma que o Reino de Deus é uma categoria nova de Jesus, fugindo da tradição do Antigo Testamento. Para ele, “ o Reino de Deus reunia todos os aspectos da sua esperança [de Jesus]: sintetiza tanto a meta final como as provações e resistências. O Reino de Deus significava que Deus ia reinar, que ia triunfar [...], que ia instalar o seu reinado.”76. Assim, Comblin diz, em acordo com Leminski, que o Reino de Deus é escatológico, isto é, trata sobre o fim dos tempos, a esperança, mas, ao mesmo tempo, trata sobre o agora: as provações e resistências. Não há, neste teólogo, ênfase ou sobreposição entre um dos termos da tensão agora-depois: ambos são igualmente presentes na noção do Reino. Mais uma vez em foco, Joachim Jeremias começa seus escritos sobre o reinado de Deus (para ele a melhor tradução), falando do “fato de que o tema central da proclamação pública de Jesus foi o reinado de Deus”77. Concordando com Comblin e discordando de Leminski, Jeremias diz que a categoria do reinado de Deus não é, praticamente, corrente no judaísmo pré-cristão, sendo assim, muito provavelmente, criação própria de Jesus. Sobre a tensão de tempo na ideia do reinado, e sobre sua concepção, Jeremias afirma:

o reinado de Deus não é um conceito espacial nem estático, mas um conceito dinâmico. Significa a soberania real de Deus em ação, primeiramente como oposta à soberania real humana, mas também a seguir como oposta a toda soberania no céu e na terra. Nas concepções dos povos do oriente assim como para Israel desde seus primórdios, a justiça real não consistia primordialmente numa aplicação imparcial do direito, mas na proteção que o rei estende aos desamparados, fracos e pobres, às viúvas e aos órfãos.78

Para Leonardo Boff, teólogo brasileiro da libertação, o

Reino de Deus significa a realização de uma utopia do coração humano e total libertação da realidade humana e cósmica. É a situação nova do velho mundo, totalmente repleto por Deus e reconciliado consigo mesmo. Numa palavra poder-se-ia dizer que Reino de Deus significa uma revolução total, global e estrutural da velha ordem, levada a efeito por Deus e somente por ele.79

Segundo o autor, o mundo, tal como está, não pode ser palco do Reino de Deus. Antes precisa ser reestruturado, trocado por uma nova ordem, uma nova ótica, com novos princípios. Esta nova ordem encontra-se na ideia de revolução global. Boff mantém a tensão “agora-depois”, concordando com Leminski. Entretanto, eles divergem quando, enfatizando um dos lados, o teólogo brasileiro enfatiza o agora, já Leminski o depois. Cabe aqui ressaltar que, além de enfatizar o agora, Boff enfatiza o aqui, colocando o “novo céu” (esperança escatológica do Reino) como uma “nova terra”.

Tentando conectar todos esses autores, não é difícil perceber a convergência, pelo menos parcial, de muitas ideias. A origem do termo Reino/reinado de Deus é defendida por Leminski como tradição, já os outros teólogos defendem a originalidade da expressão. É unânime a percepção de que a categoria do Reino de Deus é a principal da mensagem de Jesus, local onde todos os outros temas como a economia, a relação com os mais frágeis, a profética contra o império e etc. desaguam e têm sua origem (numa espécie de ciclo). Os autores encontram-se divididos quando é tratada a dialética do agora-depois, ou, como se diz classicamente na teologia, já-ainda não. Alguns tentam equilibrar as ênfases, dizendo que Jesus falava igualmente das duas “faces” da categoria, enquanto outros escolhem os lados - uns afirmando a proeminência metafísica pós morte e outros a concretude na vida. Entretanto, nenhum dos autores estudados percebe somente um desses dois lados na mensagem do Reino de Deus. Apesar das divergências, é também convergente a ideia de que o Reino de Deus apresenta esta dialética - e não é possível fugir dela. Mais uma vez, Leminski enquadra-se em ideias semelhantes às dos autores estudados e, mesmo que sua ênfase biográfica seja literária, sua concepção de Reino de Deus dialoga com grandes teólogos contemporâneos. Mesmo sua divergência em algumas compreensões sobre o tema do Reino deve ser respeitadas, não só pela possibilidade e legitimidade da literatura como linguagem teológica, mas, sobretudo pela coerência

A questão cristológica

Percebe-se, então, que, para além das aproximações e divergências, há por trás do diálogo estabelecido uma questão, sobretudo, cristológica. Esta questão apresenta-se como mais do que simplesmente as comparações com “ideias correntes no judaísmo e, em particular, na escatologia judaica”80: é uma discussão sobre a própria essência de Jesus. Desta forma, por mais que analisar os títulos cristológicos seja fundamental para o diálogo, mais importante ainda é a profundidade da discussão entre o Jesus Histórico e o Cristo da fé.

Em outras palavras, não é possível negar que estamos diante de uma problematização que se insere no campo das discussões de uma consideração hipostática das naturezas humana e divina de Jesus, assumidas num eixo espaço-temporal. Afinal, parece que o que Leminski ousa discutir encontra lugar no acalorado debate atual, posto que ele ajuda a problematizar literariamente esse devir humano do Filho de Deus.

A teologia cristã, tendo o Novo Testamento como teologia fontal, elabora que Jesus de Nazaré, em quem as primeiras comunidades reconheceram o Cristo de Deus, não é só alguém que revela Deus, mas é o próprio Deus revelado. No entanto, o caminho pelo qual passa essa confissão não é simples nem direto.Isto, porque uma fé explícita só desenvolveu após a experiência pascal (isso incluindo o pentecostes). Ou seja, a páscoa é, em se tratando de Cristologia, o evento determinante e impulsionador da reflexão sobre Jesus como sendo o Cristo de Deus. Ao contrário do senso comum, sabe-se que a expressão “Jesus Cristo” não é um nome composto, mas contém a profissão e proclamação de uma fé.

Aqui se faz necessário enfrentar uma questão importante: a articulação entre o Jesus histórico e o cristo da fé. É possível dizer que comumente o Jesus histórico foi compreendido como Jesus que pode ser reconstituído pela investigação histórica, aquele homem que viveu e morreu na palestina do século I, ocupada na época pelos romanos. Já o Cristo da fé seria aquele anunciado pela igreja, o Cristo dos símbolos de fé e das declarações dogmáticas.81 Assim, a pergunta que pode e deve ser feita é existe uma descontinuidade entre um e outro?

De fato, não há como negar que houve, de forma geral, uma passagem de um modelo histórico-narrativo para um metafísico conceitual. Isso se torna visível, sobretudo nos debates cristológicos, sobretudo a partir do século II d.c.. Vai-se da cristologia funcional (quem é Jesus Cristo para nós?) à cristologia conceitual (quem é Jesus Cristo em si mesmo?)82. O que pode ser visualizado com clareza, por exemplo no “credo niceno” e em toda problemática que envolveu a inclusão do termo homousios que aponta para a consubstancialidade do Filho e do Pai. Ademais, a ênfase unilateral do chamado Cristo da fé levou a deixar em segundo plano o caminho de serviço e contestação que levou Jesus a ser executado como preso político.

Desta forma, com o objetivo de não se perder o caráter histórico necessariamente contido na afirmação cristológica do mistério da encarnação, tão cara para a teologia cristã, tem-se privilegiado uma abordagem ascendente, que parte da vida histórica de Jesus. A abordagem descendente (de cima para baixo), que privilegia a afirmação da natureza divina de Jesus, pode omitir e esvaziar o sentido da sua vida e compromissos e pode também sugerir uma figura mitológica distante. Este necessário lastramento da abordagem de baixo (ascendente), se dá no destaque aos evangelhos e outras fontes não canônicas que priorizam a ação de Jesus. Deste modo, a teologia cristã afirma a articulação entre o Jesus histórico e o Cristo da fé. Ou seja, ressalta que o Ressuscitado é o Crucificado. O Cristo da fé não pode ser visto como oposto ao Jesus histórico, em perspectiva teológica, mas deve integrá-lo e assumi-lo em sua totalidade.

É óbvio que,neste trabalho, estamos diante de abordagens diferentes, a de Leminski, literária e a de cunho teológico, que podem convergir e em alguns pontos e se distanciar em outros. Um bom exemplo entre convergências e divergências de saberes distintos foi apontada por Meier. Ele sublinha que, no caso da pesquisa sobre Jesus, especialistas do campo da história estariam de acordo com a afirmação de que Jesus “padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado”, palavras que figuram na confissão de fé da Igreja, mas que testemunham também um fato histórico afirmado pelos historiadores romanos Flávio Josefo e Tácito, além de numerosas fontes cristãs independentes entre si. O que eles não aceitariam como historiadores é a outra parte, “por nós, homens, e para a nossa salvação, foi crucificado”.

Meier ainda toma uma direção na sua reflexão valiosa para pensar as diferenças entre as abordagens. Segundo ele, o Jesus histórico não pretende ser “o Jesus real (a realidade total de tudo o que ele disse e fez durante sua vida), nem o Jesus teológico, objeto da reflexão sistemática baseada na fé cristã”83. Na esteira dessa afirmação, podemos afirmar que da mesma forma, Leminski não pretende elaborar um descrever o “Jesus real”.

Neste sentido, a teologia cristã sem abrir mão da afirmação de que Jesus é o Cristo de Deus, ressuscitado dentre os mortos pelo Pai, pode aprender com o poeta e o olhar que propõe sobre Jesus. Tal olhar ajuda a valorizar a existência história e fornece subsídios para uma prática libertadora. Afinal, a exaltação da divindade de Jesus em detrimento da sua humanidade tem consequências extremamente empobrecedoras.

Em outras palavras, no diálogo com a poesia leminskiana a teologia se enriquece e pode afirmar que Jesus foi Deus revelado sem perder de vista a sua densidade histórica e, assim, propor um inserção real na história, em suas circunstâncias espaço-temporais a partir da fé.

Conclusão

Não é difícil perceber o quanto a obra leminskiana sai do senso comum sobre religião, o qual é recheado de tradições e fundamentalismos, indo além da leitura literal dos evangelhos e abrindo-se para uma perspectiva mais histórica, e portanto, mais real do que foi e o que representou a figura de Jesus na palestina no século I. A escrita lítero-biográfica de Leminski não fica atrás num diálogo sério com diversos expoentes da teologia contemporânea. E mais: o Jesus superpoeta leminskiano tem aspectos próximos do Jesus crítico dos teólogos europeus, do Jesus revolucionário de Horsley, do Jesus da Libertação e do Jesus histórico. Impressionantemente, Paulo Leminski escreve uma biografia inteira sobre um Jesus muito humano sem perder a poesia. Critica a tradição que traduziu o Messias para Cristo sem perder a beleza literária. O poeta curitibano tem o dom de perceber, com estranha sensibilidade, a leitura lírica que Jesus faz de suas tradições, seja da dureza crítica profética ou da dureza legal do código mosaico. Leminski não perde o belo ao falar de revolução. Endurece, mas não perde a ternura.

Depois de tais aproximações teológicas, analisando as convergências e as divergências, completas ou parciais, da obra Jesus a. C., restam poucas perguntas a responder. Mais do que sistematizar o que Leminski via em Jesus, o trabalho aqui realizado permite observar a construção de uma Teologia narrativa, literária e bela de Leminski. Por mais que esta construção não seja seu objetivo, o poeta curitibano lança aos leitores e leitoras a possibilidade de pensar a cristologia fora da rigidez teológica, de forma mais simples e mais livre - o que, por vezes, parece mais perto do espírito de Jesus do que a própria formalidade da teologia. A contribuição desta biografia literária para a cristologia é o aspecto mais importante a ser ressaltado neste artigo: a literatura precisa ser respeitada como linguagem possível, viável e legítima para se falar de Jesus. Ressalta-se, desta forma, que a teologia não é (nem pode ser) a linguagem exclusiva sobre o Cristo.

Também é interessante notar que Leminski via em Jesus uma inspiração. Um superpoeta que, por sua extrema humanidade, tinha poderes de, enigmaticamente, falar de outra realidade possível. Um nabi que, por sua simplicidade, pregava contra o imperialismo romano, anunciando uma ordem contrária, inversa e subversiva. Um judeu palestino que, por sua pobreza, encantava mulheres, crianças, mendigos, pobres, deficientes e todos os outros à beira do caminho. Leminski via em Jesus um revolucionário com causa: a dignidade humana. Leminski via, acima de tudo, um gênio mal compreendido que, dois mil anos depois, é reconhecido como um tipo de pacifista hippie, que tem aversão ao corpo e, a exemplo de si mesmo, crucifica diariamente quem não o segue, através de sua Igreja. A mensagem teopoética de Leminski é suficientemente embasada para responder a perguntas profundas de cristãos; mas também é suficientemente bela para inspirar os revolucionários que, cansados da dureza da vida, buscam na literatura um novo espaço utópico.

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RUBIO, Alfonso Garcia. O encontro com Jesus Cristo vivo. São Paulo: Paulinas, 1994.

Notas

[1] LEMINSKI, Paulo. Cruz e Souza. São Paulo: Brasiliense, 1983.

[2] Idem. Bashô. São Paulo: Brasiliense, 1983.

[3] Idem. Jesus a.C.. São Paulo: Brasiliense, 1984.

[4] Idem. Trótski: a paixão segundo a revolução. São Paulo: Brasiliense, 1986.

[5] Idem. Vida: Cruz e Souza, Bashô, Jesus e Trótski - 4 Biografias. São Paulo: Companhia das Letras, 2013

[6] Um forte argumento usado pelo autor para defender a ideia de um Jesus antes de Cristo é que “o nome ‘Cristo’ é grego: com certeza, Jesus, falante do aramaico, jamais ouviu essa palavra, que é, apenas, a tradução do vocábulo hebraico meshiah, ‘o ungido’, ‘o consagrado com óleo’, como Davi foi ungido rei pelo profeta Samuel.” LEMINSKI. Vida: Cruz e Souza, Bashô, Jesus e Trótski - 4 Biografias, 2013. p. 192.

[7] Ibidem. p. 164.

[8] Ibidem. p. 165.

[9] Ver 2.5. O Reino de Deus

[10] LEMINSKI, Paulo. Vida: Cruz e Souza, Bashô, Jesus e Trótski - 4 Biografias, 2013. p. 166.

[11] Ibidem. p. 167.

[12] Ibidem. p. 168.

[13] Ibidem. p. 170.

[14] Cf. Marcos 8, 27-30.

[15] COMBLIN, José. Jesus de Nazaré. São Paulo: Paulus, 2010. p. 99.

[16] Ibidem. p. 100.

[17] Ibidem. p. 101.

[18] Ibidem. p. 102.

[19] Ibidem. p. 103.

[20] JEREMIAS, Joachim. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008. p. 135.

[21] Ibidem. p. 136.

[22] Ibidem..p. 137.

[23] LEMINSKI, Paulo. Vida: Cruz e Souza, Bashô, Jesus e Trótski - 4 Biografias, 2013. p. 193.

[24] Ibidem. p. 195

[25] Ibidem. p. 195

[26] Ibidem. p. 227

[27] Ibidem. p. 228

[28] Ibidem. p. 228

[29] Ibidem. p. 229.

[30] Ibidem..p. 232

[31] Ibidem. p. 233

[32] Ibidem. p. 234

[33] JEREMIAS, Joachim. Teologia do Novo Testamento, 2008. p. 69.

[34] Ibidem. p. 69

[35] Ibidem.p. 70

[36] Ibidem. p. 70.

[37] Idem. As parábolas de Jesus. São Paulo: Paulus, 1986.

[38] Ibidem. p. 26.

[39] Ibidem.p. 7.

[40] Ibidem. p. 8.

[41] Cf. Ibidem. p. 130.

[42] Ibidem. p. 133.

[43] LEMINSKI, Paulo. Vida: Cruz e Souza, Bashô, Jesus e Trótski - 4 Biografias, 2013. p. 203.

[44] Ibidem. p. 203.

[45] Ibidem. p. 204.

[46] Cf. Mateus 6, 24.

[47] LEMINSKI, Paulo. Vida: Cruz e Souza, Bashô, Jesus e Trótski - 4 Biografias, 2013. p. 205.

[48] Ibidem. p. 206.

[49] HOSLEY, Richard. A. Jesus e o Império: O Reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004

[50] Ibidem. p. 104

[51] Ibidem. p. 105

[52] FREYNE, Sean. Jesus, um Judeu da Galileia: nova leitura da história de Jesus. São Paulo: Paulus, 2008

[53] Ibidem. p. 144.

[54] Ibidem.p. 144

[55] LEMINSKI, Paulo. Vida: Cruz e Souza, Bashô, Jesus e Trótski - 4 Biografias, 2013. p. 207.

[56] 56. Ibidem.p. 208.

[57] Ibidem. pp. 208-209.

[58] Ibidem. p. 211

[59] Ibidem. p. 212

[60] Ibidem. p. 213.

[61] Ibidem. p. 215.

[62] JEREMIAS, Joachim. Teologia do Novo Testamento, 2008. p. 330.

[63] Ibidem. pp. 330-331

[64] Ibidem. pp. 331

[65] MORIN, Émile. Jesus e as estruturas de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1988

[66] Ibidem. p. 56.

[67] Idem.

[68] Ibidem. p. 66.

[69] Ibidem, pp. 66-67.

[70] Ibidem. p. 67.

[71] LEMINSKI, Paulo. Vida: Cruz e Souza, Bashô, Jesus e Trótski - 4 Biografias, 2013. p. 196.

[72] Ibidem. p. 166.

[73] Ibidem.p. 206.

[74] Ibidem. pp. 219-221.

[75] FREYNE, Sean. Jesus, um Judeu da Galileia: nova leitura da história de Jesus, 2008 p. 131.

[76] COMBLIN, José. Jesus de Nazaré, 2010. p. 92.

[77] JEREMIAS, Joachim. Teologia do Novo Testamento, 2008. p. 160.

[78] Ibidem. p. 162.

[79] BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador: ensaio de cristologia crítica para o nosso tempo. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 52.

[80] CULLMANN, Oscar. Cristologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008. p, 21.

[81] RUBIO, Alfonso Garcia. O encontro com Jesus Cristo vivo.São Paulo: Paulinas, 1994. p. 9.

[82] DUPUIS, Jacques. Introdução à cristologia. 4 ed. São Paulo: Loyola, 2012. p. 95.

[83] Cf. MEIER, John P. A Marginal Jew. vol. 4.New Haven and London: Yale University Press, 2009. p. 12.