Editorial
Linguagens sobre Jesus: Desafio Antigo e Novo
Alex Villas Boas e Antonio Manzatto
Editores da Teoliterária
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Antes de encontrar a relação entre os termos propostos, o tema desta edição remete a duas grandes questões que tocam a história antiga e recente do pensamento Ocidental: Linguagem e a pessoa de Jesus de Nazaré.
Na questão da linguagem houve uma grande revisão do pensamento Ocidental à partir da análise que tinha por princípio, partir da dimensão antropológica do pensamento, sua radical condição como herança da reviravolta kantiana e sua crítica a tradição metafísica. Deste ponto de partida, e o desdobramento da fenomenologia como referencial científico para as ciências humanas, se desdobra a revisão do projeto de ontológico heideggeriana, dada sua inflexão no cenário do entre guerras do século XX. Entretanto, apesar dos inúmeros desdobramentos do pensamento contemporâneo, a questão da linguagem levantada por Heidegger obrigava a pensa-la não como um instrumento do pensamento, mas como o próprio ato de pensar. Cada gênero de linguagem abriga em si modo de pesar, e consequentemente um modo de existir da condição humana.
A linguagem ganhou assim uma ênfase em sua capacidade de desvelar o sentido do humano, e consequentemente, pensar a questão do sentido para o fenômeno da Vida, que abriga em si um Mistério, não como algo que não tem explicação, mas como um desafio que sempre se recoloca e que nenhuma explicação seria, portanto, suficiente. Nesse sentido se apresenta a tarefa constante da hermenêutica de apreender e analisar o sentido que se é possível perceber ad personam e ad situationem. A consideração da complexidade da vida, na contramão de uma bipolarização política de tempos de Guerra Fria, a consideração de camadas linguísticas que residem em estruturas de controle e manipulação dos meios de comunicação, bem como a revalorização da linguagem poética, em sentido lato (poema, prosa, romance, narrativas...), e sua capacidade de desvelar o humano a si mesmo.
Adjunto a reviravolta linguística do pensamento ocidental vinha revisão teológica da pessoa de Jesus, e a tentativa de um ad fontes à sua historicidade, dado os desmandos institucionais e culturais que se fez da interpretação cristológica. É como desdobramento do projeto heideggeriano que Rudolf Bultmann (1884-1976) dá início a busca do Jesus histórico pela desmitologização, procurando com isso aterrissar o pensamento cristológico de seu cochilo platônico. O debate do Jesus da História e o Cristo da fé percorreu a cristologia do século XX, e não parece ainda ter sido totalmente esgotado. A discussão em grande medida, passa por uma diferenciação do acento da linguagem, que dada a complexidade desta última dimensão, obriga a se falar em cristologias, ou ainda, em linguagens sobre Jesus, seja na produção da linguagem, seja na recepção, enquanto inspiradora e promotora de novos processos de subjetivação e práxis, dentro e fora dos âmbitos institucionais.
Uma breve busca da no Google sobre “Jesus Cristo” apresenta mais de 31 milhões de ocorrências no sitio de busca em um mapeamento de 0,73 segundos. Tal informação de per si, já impõe uma tarefa hermenêutica, porém não mais a respeito de qual a verdadeira interpretação, impossibilitada pela complexidade dos fatores de recepção e produção de efeito de sentido, mas abrigando a questão de quais linguagens são utilizadas a respeito da pessoa de Jesus, e consequentemente, de que modo a questão teológica cristã por excelência é pensada. Dito de outra forma, diante das inúmeras linguagens, cristológicas ou não, sobre a pessoa de Jesus, quais critérios hermenêuticos ajudam a pensar a veracidade das afirmações, narrativas, poesias, discursos, canções, filmografias que ajudem o indivíduo contemporâneo a ser receptor ativo disponível à crítica que oferece princípio de não contradição, no qual esse Absoluto frágil da pessoa de Jesus de Nazaré, chamado o Cristo seja causa de mais novidade e maior profundidade no processo de significação da existência, abrindo sempre mais para a sensibilidade ética pessoal e social.
Assim se apresentam na seção de artigos temáticos o texto de Antonio Manzatto, procurando resgatar a Identidade Narrativa de Jesus De Nazaré recuperando as categorias ricoeurianas para apresentar a configuração de si que é definida pelas narrativas que se fazem sobre o personagem. Também a proposta de Anderson de Oliveira Lima, de Um Protocolo de Leitura Bíblica: O Códice 2437 – Fólio 151 Recto apresenta um estudo parcial do códice 2437, um manuscrito grego escrito entre os séculos XII e XIII que traz os quatro evangelhos do Novo Testamento canônico.
O estudo se concentrará no fólio 151 recto, que traz o começo do capítulo 18 do Evangelho de Lucas e no seu protocolo de leitura, que será reconstruído hipoteticamente por meio de uma detalhada e contemporânea análise literária.
No artigo de Márcio Cappelli e Danilo Mendes de Vasconcellos, O Jesus de Leminski: Aproximações Teológicas, os autores visam apresentar uma leitura da biografia “Jesus a.C.”, escrita por Paulo Leminski, através dos seus cinco principais temas, a saber, Jesus como profeta; As parábolas de Jesus; Jesus e a economia; Jesus e o feminino; e O Reino de Deus. A que pergunta que se levanta é: o que Leminski via em Jesus?
Há ainda, um exercício de recepção estética da figura de Cristo na poesia contemporânea latinoamericana que reflete a sensibilidade da teologia latino americana no artigo de Emerson Sbardelotti, intitulado A Cruz De Cristo nas Cruzes Todas: Profecia e Poesia em D. Pedro Casaldáliga.
Também Sebastião Lindoberg em seu artigo Entre Escritos Canônicos, Apócrifos e Contemporâneos: múltiplas imagens de um mesmo Jesus? apresenta a imagem não unívoca de Jesus, a partir da literatura canônica e apócrifa, e como tal pluralidade é eleita pelo escritor lusitano José Saramago, que resgata a figura do homem Jesus, desligando-o de uma filiação extraterrena. Saramago opera uma ação questionadora da verdade estabelecida e imputa aos homens a responsabilidade ética nos rumos civilizacionais, fazendo de Jesus seu porta-voz.
Na seção de Artigos Livres, continua essa reflexão em torno de uma sensibilidade latinoamericana aberta a alteridades e presente no artigo Marcas da Resiliência: A Teologia Feminista da Libertação em Diálogo com a Literatura de Cora Coralina de Claudio Ribeiro e Cassia Luckner, bem como no artigo Vitalidade da Ótica Feminina: Adélia Prado Poeticamente habita na Mística de Josias Da Costa Júnior e Kellen Irene Rabelo Borges.
Da sensibilidade do continente americano se migra a sensibilidade do velho continente, crítica a uma concepção monolítica da fé, e também cristológica, quando não ingênua a respeito da ambiguidade humana expressas tanto em O Romance Caim e o debate teológico contemporâneo de Marcio Luiz Fernandes e Darleyson De Carvalho, quanto em Abraão e o Absurdo – Dos Olhares da fé e da razão quedada de Jimmy Sudario e Rafael de Castro Lins. Por outro lado, ainda em termos de sensibilidade europeia, o interessante artigo de Davi Gonçalves analisa a percepção de autores como William James e Lous Agassiz da alteridade do continente americano, em Literatura de Viagem, Religião e a invenção do outro: representando identidade na Floresta Amazônica.
Por fim, dois artigos que partem do fenômeno da linguagem humorística e suas repercussões no imaginário religioso brasileiro, e o significado dessas novas e autênticas hermenêuticas teológicas como em A Arte do Humor: “Pastor Adélio, O Pastor Mais Sincero do Mundo” de Salma Ferraz e Patricia Leonor Martins, e ainda A Soleira da Porta dos Fundos: A Brecha como ponto de partida para a criação humorística de André Luiz da Silveira.
Na seção Resenhas, Angelo Vieira da Silva analisa como Jean-Yves Leloup entende que a linguagem apocalíptica tem incidência na linguagem terapêutica em O Apocalipse de João, outra forma de pensar a questão da linguagem sobre Jesus.
Parafraseando Hölderlin, se poeticamente o humano habita o mundo, em Jesus se desvela o paradoxo da Divindade que escolhe também humanamente habitá-lo, e desde então a poética do paradoxo abriga em si Mistério humano e divino, alegria e tristeza, esperança e desespero, identidade e alteridade, desafio atual a tempos que se pretendem tão certos de suas esquizofrenias sociais.