A poesia de Patativa do Assaré e a opção pelos pobres!
The poetry of Patativa do Assaré and the Option for the Poor!

Antonio Manzatto* e Emerson Sbardelotti Tavares**
* Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Teologia da PUC SP. Doutor em Teologia pela Université catholique de Louvain. Membro da ALALITE. Email: a.manzatto@pucsp.br.
** Mestre em Teologia pela PUC SP. Membro da ALALITE. Email: prof.poeta. emerson@gmail.com
Voltar ao Sumário

 

Resumo
A poesia é a ponte que nos aproxima do sagrado, quando todas as outras pontes estão interditadas. A poesia nos ensina a voar quando nossos pés não conseguem mais experimentar o chão. Antônio Gonçalves da Silva, conhecido internacionalmente como Patativa do Assaré, foi um dos mais autênticos e importantes representantes da cultura popular nordestina. Sob a ótica da Teologia, a partir das intuições fundantes da Teologia da Libertação, pretende-se analisar a poesia do poeta Patativa do Assaré, no recorte em que sua obra sugere e aponta a opção pelos pobres. O artigo apresenta a opção pelos pobres enquanto refundação de uma utopia. A opção pelos pobres é atual, necessária e útil e deve ser vivida, assumindo todas as consequências até o martírio, pois Patativa do Assaré, mesmo não sendo um teólogo, procurou ser sempre um poeta coerente com suas escolhas; dentre elas nunca abriu mão da verdade, da justiça, da liberdade e de viver no meio do povo. Pode-se afirmar que no fundo, mais importante do que a Teologia e a Literatura, é a libertação do povo, a realização da justiça que leve o povo a viver com dignidade e em fraternidade.

Palavras chave:Patativa do Assaré. Opção pelos Pobres. Poesia. Teologia da Libertação. Literatura.

 

Abstract
Poetry is the bridge that brings us closer to the sacred, when all other bridges are interdicted. Poetry teaches us to fly when our feet can no longer experience the ground. Antônio Gonçalves da Silva, internationally known as Patativa do Assaré, was one of the most authentic and important representatives of popular culture in the Northeast. From the viewpoint of Theology, from the founding intuitions of Liberation Theology, we intend to analyze the poetry of the poet Patativa do Assaré, in the clipping in which his work suggests and points out the option for the poor. The article presents the option for the poor as a refoundation of a utopia. The option for the poor is current, necessary and useful and must be lived, assuming all the consequences until martyrdom, for Patativa do Assaré, even though he is not a theologian, has always sought to be a poet consistent with his choices; Among them he never gave up truth, justice, freedom and living among the people. It can be affirmed that at bottom, more important than Theology and Literature, it is the liberation of the people, the realization of justice that leads the people to live with dignity and in fraternity.

Keywords: Patativa do Assaré. Option for the Poor. Poetry. Liberation Theology. Literature.

Introdução

Antônio Gonçalves da Silva, conhecido internacionalmente como Patativa do Assaré, foi um dos mais autênticos e importantes representantes da cultura popular nordestina. Nasceu em uma família de agricultores pobres, na pequena e pacata Assaré, no Ceará. Sua vida foi dedicada à produção de cultura popular, onde o povo marginalizado e oprimido do sertão nordestino sempre seria o personagem principal, e ele uma das vozes que sairiam em seu socorro.

Sob a ótica da Teologia, a partir das intuições fundantes da Teologia da Libertação, pretende-se analisar a poesia do poeta Patativa do Assaré, no recorte em que sua obra sugere e aponta a opção pelos pobres, bem antes desta ser proclamada e assumida na Conferência de Medellín (1968, Colômbia) e depois reassumida sem a mesma liberdade profética nas Conferências de Puebla (1979, México), Santo Domingo (1992, República Dominicana) e Aparecida (2007, Brasil), fazendo portanto, uma ligação, uma ponte entre Teologia e Literatura.

A opção pelos pobres, uma das fontes da Teologia da Libertação ainda não figurava no pensamento e no linguajar do povo de Deus na América Latina e no Caribe na época em que a primeira obra de Patativa do Assaré foi escrita. Inspiração Nordestina, de 1956, anterior ao Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), a reedição é de 1966, anterior à Medellín; Cante lá que eu canto cá, de 1978, é anterior à Puebla; Digo e não peço segredo, de 2001, é anterior à Aparecida. A obra de Patativa do Assaré, perpassa todo o texto, considerando os elementos que contribuem e fazem a ligação entre a práxis teologal, entendida aqui como opção pelos pobres, e sua poesia mostrando recortes relevantes de seus poemas de cunho social, religioso e político, sublinhando sua imensa contribuição à cultura brasileira.

Enquanto artesão da palavra soube voar alto e cantar para que o Brasil e o mundo conhecessem a sua verdade poética; adentrou pelo universo da cultura popular e da erudição sem perder de vista a beleza do sertão castigado pela seca, sem abrir mão de seu chão na Serra de Santana: ninho de suas criações.

Patativa do Assaré, por causa da experiência do encontro com Jesus de Nazaré, por inspiração divina, é considerado um agente do sagrado, pois utiliza a poesia enquanto instrumento de libertação integral, poesia como dom de Deus, como profecia.

O artigo apresenta a opção pelos pobres enquanto refundação de uma utopia; a opção pelos pobres na Teologia Latino-Americana e Caribenha: um breve panorama da atual relação entre Teologia e Literatura. Afinal existem múltiplas leituras possíveis da literatura. Por causa destas múltiplas leituras é que o poeta Patativa do Assaré pode ser estudado enquanto representante da opção pelos pobres, um tema fundante e hodierno na teologia latinoamericana e caribenha (na Teologia da Libertação e na Teologia do Povo), mesmo não sendo o poeta um teólogo. Patativa do Assaré procurou ser sempre coerente com suas escolhas, dentre elas, nunca abrir mão da verdade, da justiça e da liberdade.

Patativa do Assaré: o voo do artesão da palavra.

A poesia é a ponte que nos aproxima do sagrado, quando todas as outras pontes estão interditadas. A poesia não possui fronteiras. A poesia nos ensina a voar quando nossos pés não conseguem mais experimentar o chão. A poesia nos indica o chão de nossa realidade, onde tudo é mais difícil e, mesmo assim, nos mostra o quanto é belo por ele passar. Poesia é aquilo tudo que comove e sensibiliza, que desperta inúmeros sentimentos, tudo aquilo que aos sentidos se torna sublime e belo. É a manifestação da estética e da beleza retratada pelo poeta em forma de palavras, que encanta e inspira.

Antônio Gonçalves da Silva é aclamado por vários estudiosos dentro e fora do Brasil, pela mídia em geral, como um dos maiores poetas populares nordestinos do século XX, ocupando lugar de destaque na literatura brasileira.

Patativa do Assaré diz que nasceu poeta feito; sua poesia foi dada por Deus e pela Natureza1. Porém, foi no dia a dia, trabalhando com afinco e burilando sua habilidade para a rima, que se tornou no poeta que foi, que é. Por trás veio a curiosidade de ler tudo o que aparecesse na sua frente, de conhecer a sua história, a sua gente, sempre interagindo com as linguagens ditas erudita e popular (matuta). Com isso ele se maravilhava com o belo recitado, às vezes cantado, que lhe entrava pelos ouvidos e chegava ao coração. Depois, sendo dom divino nele, falava, declamava, proclamava, vocacionado a ser um artesão da Palavra, usando sua voz com a força de uma brisa ou de um trovão, e com o alcance da visão de um pássaro. Estando no meio do povo, experimentando tudo o que o povo estava vivendo, aprende o seu linguajar, seus trejeitos, sua forte beleza natural, sem nunca perder a humildade. No poeta popular, e o foi Patativa do Assaré, por toda a sua vida, a poesia é vivida com zelo sacerdotal. Nele podemos entender a poesia enquanto práxis gratuita do entusiasmo e da inspiração que ele contempla na Natureza, criação de Deus.

Antonio Iraildo Alves de Brito parafraseando Gustavo Gutiérrez2 diz que “a melhor forma de falar de Deus é através da poesia”. É o Verbo de Deus tocando a humanidade, se fazendo poesia, inspirando em nós a poesia. Deus é Palavra encarnada que se faz poesia. Uma linguagem profunda que vê o mundo e vê a relação com outro a partir de uma dimensão e de uma profundidade que o conceito não oferece. Mesmo que não escrevamos poesia, como bem fazia Patativa do Assaré, a própria teologia deve ser sempre uma carta de amor a Deus, à Igreja e ao povo a quem servimos. Praticar a justiça, trabalhar pela libertação dos seres humanos é falar de Deus.

Patativa do Assaré, enquanto artesão da palavra, participará da vida do povo e será uma das vozes que humildemente o defenderá.

Da mesma forma que os profetas bíblicos, o mesmo Espírito de Deus o presenteou de inspiração podendo, portanto, anunciar suas belezas, denunciar as mazelas que castigavam, maltratavam, e excluíam sua gente, ameaçar o poder estabelecido com a volúpia de sua voz, com a firmeza de seus gestos. Dizia tudo aquilo que estava sentindo no peito, que estava vendo ao seu redor em linguagem poética. Palavra que faz com que a poesia seduza e arrebate quem a escutou, quem a escuta, quem a lê hoje em dia.

A poesia de Patativa do Assaré é um convite para adentrarmos na dimensão do mistério profundo, que é Deus feito poesia, e do compromisso social e político a partir dos mais necessitados do Reino de Deus. Ele mesmo sem querer, ou talvez sem saber, fez a evangélica e radical opção pelos pobres, a mesma que Jesus de Nazaré praticou em seu tempo, durante toda a sua vida. E esta opção pelos pobres, fará de sua poesia, uma experiência autêntica e libertadora. É voz que só diz a verdade, é voz profética que clama por justiça.

A verdade sempre foi o tema mais recorrente do poeta, pois para defender o sertão e sua gente, belos embora sofridos, dela não abriria mão. Ele se apropriou de uma memória coletiva e construiu uma identidade brotada do sertão nordestino. O poeta gerou e legou os elementos de uma cultura germinada e vivida por dentro, fazendo destacar um grito de alerta que convida os excluídos a lutarem por mudanças sociais e políticas. Ele representou o lirismo e a perspicácia do ser humano que vive as peculiares circunstâncias do sertão nordestino e soube interpretar como poucos os mais variados sentimentos de sua gente. Ele sabia a vida de cor e salteado. Esbanjava tirocínio e sapiência. Saltitante como o pássaro homônimo da vida ao canto, do canto à vida, exuberante de autenticidade e vigor, transbordante de alegria, sensibilidade, amor e poesia. Ele habitou de fato a sua terra e por ela foi habitado. Ele é um poeta universal, pois sua linguagem é a do sentimento, tendo como periferia e horizonte: o mundo3.

Sua poesia brotou do chão e também da vida vivida, da pele, do sonho, do suor que ele derramava, da sua traquinagem de menino procurando conhecer a essência dos jovens, dos adultos, das mulheres, dos velhos. Sua obra é universal que parte do particular, do menino também recluso, pensando, ruminando, observando a justiça e a retidão da Natureza queria buscá-la também na sociedade que ele viveu. Muitos anos depois de sua morte (08 de julho de 2002, aos 93 anos de idade), sua poesia continua sendo verdadeira, atual e desafiadora, como o próprio Patativa sempre disse: “É melhor escrever errado a coisa certa do que escrever certo a coisa errada!”.

Patativa do Assaré, desde Inspiração Nordestina4 até Digo e não Peço Segredo5 retratou a vida do cearense e do nordestino a partir de sua vida de agricultor pobre, preocupado com a situação dos seus conterrâneos, dos excluídos, dos marginalizados pelo sistema, utilizando de uma linguagem acessível a todas as pessoas que tiveram a oportunidade de o escutarem, e de lerem sua obra.

Enquanto artesão da palavra soube voar alto e cantar para que o Brasil e o mundo conhecessem a sua verdade poética; adentrou pelo universo da cultura popular e da erudição sem perder de vista a beleza do sertão castigado pela seca, sem abrir mão de seu chão na Serra de Santana: ninho de suas criações.

Por isso, se pode admitir que Patativa do Assaré, por inspiração divina, é um agente do sagrado, um poeta do povo, um profeta do chão.

Inspiração divina: Jesus de Nazaré.

A tarefa primeira do teólogo é refletir sobre a fé. E refletindo lança luz em imagens que deseja contemplar como um todo, querendo compreender. Portanto, teologia é a fé que se explica, a fé que busca razões, a fé que faz sentido, é a fé que mata a própria curiosidade. Teologia é a busca de nós mesmos, pois falar de Deus é falar de sua criatura, do mesmo modo que falando de sua criatura se descobre e se experimenta Deus. Ao contrário da teologia que é uma ciência, a literatura é uma arte. A literatura tem sua capacidade peculiar de transmitir um conteúdo religioso próprio, e por isso a poesia de forma geral, a poesia de Patativa do Assaré, tem sido alvo de diversas investigações no campo das ciências da religião e da teologia. Tais investigações procuram absorver da poesia, sua maneira peculiar de viver a própria vida. Nas palavras de Alex Villas Boas6, aqui se abre a possibilidade de um pensamento poético teológico, pensamento este que cria uma fidelidade àquilo que lhe provocou um sentido profundo de existir, e criatividade para aprofundar todo esse sentido na própria vida e em todas as suas dimensões, que irão constituir uma experiência de Deus como experiência que dilata o coração humano. A poesia segundo Alex Villas Boas é uma expressão externa de um processo muito mais profundo e interno da reinvenção de si mesmo. O pensamento poético é naturalmente criativo, pois tem como objetivo reinventar a vida humana através da inspiração divina, todavia, não é toda poesia que se é inspirada. A inspiração para Patativa do Assaré, nos vários poemas que criará durante sua vida, principalmente aqueles que falam do contato com a terra, da vida do povo, da luta por justiça, por verdade, por libertação, por paz, vieram das pregações de Jesus de Nazaré. Esta inspiração divina brotou de um encontro pessoal do poeta agricultor do Assaré7 com o artesão agricultor de Nazaré:


Eu venho dêrne menino,
Dêrne munto pequenino,
Cumprindo o belo destino
Que me deu Nosso Senhô.
Eu nasci pra sê vaqueiro,
Sou o mais feliz brasileiro,
Eu não invejo dinheiro
Nem diproma de dotô.

O eu poético de Jesus de Nazaré é compassivo! Seu coração está cheio de misericórdia, fraternura e compaixão, como afirma José Antonio Pagola8:

Jesus não explicou diretamente sua experiência do reino de Deus. Ao que parece não era fácil comunicar por meio de conceitos o que ele vivia em seu íntimo. Não utilizou a linguagem dos escribas para dialogar com os camponeses da Galileia. Também não sabia falar com o estilo solene dos sacerdotes de Jerusalém. Recorreu à linguagem dos poetas. Com criatividade inesgotável, inventava imagens, concebia belas metáforas, sugeria comparações e, sobretudo, narrava com maestria parábolas que cativavam as pessoas. Adentrar-nos no fascinante mundo destes relatos é o melhor caminho para “entrar” em sua experiência do reino de Deus. [...] A linguagem de Jesus é inconfundível. Não há em suas palavras nada de artificial ou forçado; tudo é claro e simples. Ele não precisa recorrer a ideias abstratas ou frases complicadas; comunica o que vive. Sua palavra se transfigura ao falar de Deus àquelas pessoas do campo. [...] Ensina-lhes a aprofundar-se em sua própria experiência. No fundo da vida podem encontrar Deus.

O centro da mensagem de Jesus de Nazaré não é a sua pessoa mas o Reino de Deus. É a soberania real de Deus exercendo-se de fato em atos e em verdade. É a fundação de uma sociedade digna do ser humano, em que, finalmente, se implanta a fraternidade, a igualdade e a solidariedade entre todos. E uma sociedade, além disso, em que o privilegiado e favorecido é precisamente o fraco e o marginalizado, que por si só não pode defender-se. O Reino de Deus anunciado por Jesus de Nazaré não é um mero projeto de justiça social, não se esgota nos limites do tempo e do espaço, sobretudo exige conversão, mudança de mentalidade e de atitudes, adesão incondicional à mensagem de Jesus, coração de pobre aberto e disponível para acolher sua pessoa e sua mensagem.

Ao chegar em um povoado Jesus vai ao encontro das pessoas, aproxima-se das casas desejando a paz às crianças e às suas mães; aos camponeses que cuidam da terra, aos pastores que cuidam dos rebanhos. Jesus vê nestas pessoas das aldeias o melhor ponto de partida para iniciar a renovação de todo o povo. A vida itinerante de Jesus no meio deles é símbolo vivo de sua liberdade e de sua fé no reino de Deus. É, sem dúvida, o núcleo central de sua pregação, sua convicção mais profunda, a paixão que anima toda a sua atividade. Tudo aquilo que ele diz e faz está a serviço do reino de Deus. Tudo adquire sua unidade, seu verdadeiro significado e sua força apaixonante a partir dessa realidade. O reino de Deus é a chave para captar o sentido que Jesus dá a sua vida e o que ele espera que seja a recompensa para a vida de todos os seres humanos.

O Dicionário do Concílio Vaticano II9 reafirma que, Jesus Cristo é a figura central do cristianismo, referência essencial da proclamação da fé eclesial, aparecendo em todos os documentos do Concílio Vaticano II. Como figura fundamental da fé da Igreja, prevalece sempre a perspectiva de reconhecê-lo como Filho de Deus encarnado, a própria presença física de Deus na História humana. O Concílio Vaticano II reconhece Jesus Cristo como verdadeiro Deus, que em nada diminuiu sua divindade ao se encarnar, como verdadeiro ser humano, que não precisou perder nada de humanidade para ser a encarnação do Filho de Deus. Portanto, Jesus Cristo é o libertador da humanidade, destacando-se em sua mensagem a atenção aos pobres, pois a eles é legada a herança do Reino de Deus; motivando os cristãos atuais a se engajarem em ações que quebrem todos os tipos de dominações e conduza a história na direção deste Reino.

Adolphe Gesché10 afirma que o lugar de Cristo na fé cristã é evidentemente central, porém o primeiro dever não é pensar Cristo, mas pensar o que Cristo pensou, disse, e fez; não anunciar Jesus, mas anunciar quem ele anuncia. O resto virá depois. Jesus morreu e ressuscitou por causa de uma ideia de Deus e do ser humano. Toda a Sagrada Escritura não é nem discurso sobre Deus nem discurso sobre o ser humano, mas é o discurso sobre a relação entre ambos: criação, aliança, encarnação. Dizer que Jesus é Filho de Deus não é simples e unicamente falar de Cristo, é dizer também que todo ser humano é chamado a ser filho de Deus. Foi a partir dessa relação que Jesus de Nazaré compreendeu e proclamou a grandeza dos pobres e dos rejeitados. O Evangelho é a invenção do pobre, a invenção do pobre como ser humano. O Evangelho é a afirmação do pobre e do rejeitado, exigindo a prioridade da atenção e do respeito. O pobre é convocado ao destino do ser humano que conseguiu precedê- lo no Reino; agora com Jesus de Nazaré, ele é ser humano também. É isso que importa antes de qualquer outra coisa.

Maria Clara L. Bingemer11 diz que para compreender a fundo a mensagem de Jesus não basta conhecer o que ele disse e o que ele fez. Além disso, mais do que isso, e mesmo antes disso, é necessário igualmente saber quem foi Jesus de Nazaré, o filho de Maria, o filho do carpinteiro. Trata-se de compreender suas palavras, suas obras, sua pessoa e personalidade. Pela interpretação e pelo filtro da experiência comunitária do século I será confessado e proclamado como Filho de Deus. Há três vias de acesso a Jesus: sua fidelidade ao Deus que ele chama de Pai; sua liberdade, consequência de sua experiência de um Deus único e absoluto, que entendia dever fidelidade radical; e o Reino, o projeto do Pai, um projeto de inclusão de tudo e de todos que estão à margem.

Na América Latina e Caribe com o advento da Teologia da Libertação, a partir do início da década de 1970, o Jesus Histórico recebeu grande atenção no meio das Comunidades Eclesiais de Base, nos grupos de Círculos Bíblicos e nas pastorais sociais, tendo uma dimensão espiritual e religiosa na defesa da vida, tendo um significado histórico para os pobres e os excluídos. O Reino de Deus pregado pelo Jesus Histórico é a esperança e a utopia de vida dos pobres e excluídos. Refazer os passos dados por Jesus é atualizar sua história no cotidiano latino-americano e caribenho.

Jesus de Nazaré nasceu, cresceu, viveu (sendo parte de um povo escravo ao Império Romano) e foi assassinado como um criminoso político. Aprendeu a rezar desde criança, mas não teve outra formação além daquela recebida em casa, foi ali que aprendeu a chamar a Deus de Pai. Não se sabe se ele aprendeu a ler e a escrever. A habilidade que mostra para discutir sobre os textos das Escrituras mostra que ele tinha um talento natural o que compensaria o baixo nível de sua formação cultural. Não frequentou alguma escola de escribas, nem foi discípulo de algum doutor da lei, a exemplo de Saulo e Gamaliel. Soube ouvir com paciência e atenção e guardar as palavras sagradas, salmos e orações que mais gostava. Quando falava, anunciava aquilo de que estava cheio o seu coração. Aprendeu em Nazaré um ofício para ganhar a vida, o de artesão, como havia sido o seu pai.

Segundo José Antonio Pagola12 o termo grego tektôn não deve ser traduzido por carpinteiro, mas por construtor. A palavra designa um arte são que trabalha com diversos materiais, como a pedra, a madeira e o ferro, não correspondendo ao ofício do carpinteiro atual. Durante o tempo de recolher as colheitas, ele ajudou os seus vizinhos camponeses. A Galileia era uma sociedade agrária. Os contemporâneos de Jesus viviam do campo, como todos os povos do século I subjugados ao Império Romano. Os camponeses das aldeias consomem suas forças arando. Jesus vive no meio destes camponeses galileus. Muitas de suas parábolas parecem ter como cenário as terras do Vale de Bet Netofa, ao norte de Nazaré e Séforis, não muito longe do lago da Galileia.

José Comblin13 resume bem o perfil do homem Jesus, e nos leva ao encontro dele: Jesus vinha de Nazaré da Galileia, filho de uma família modesta. Durante 30 anos, se manteve discreto no meio de seus concidadãos. Surpreendeu a todos quando um dia se separou deles para se tornar um profeta itinerante. Foi incompreendido, ao ponto de o expulsarem da sinagoga de Nazaré. A partir do momento que iniciou a sua missão, a família deixou de existir para ele. Ele será o homem que existirá para todas as pessoas. Recebeu a formação dos artesãos da Galileia, província mais afastada da capital e a mais atrasada culturalmente. Do ponto de vista do judaísmo, era a região mais relaxada, onde a lei se aplicava com menos rigor. Aprendeu a ler e a escrever, um pouco como os meninos da sua condição, para poder ler a Sagrada Escritura. Toda a sua cultura era de tipo oral. Nunca escreveu a sua mensagem, porém, não era algum ignorante. A cultura recebida na sinagoga revelou-se suficiente para proclamar mais tarde a sua mensagem. Ele é consciente em pertencer a um povo superior, ainda que humilhado por estrangeiros. Sabia da extraordinária liberdade que a mensagem bíblica confere ao ser humano diante de todos os poderes da terra. Era um homem fora do comum. Nunca se autopromoveu, nem sugeriu ou aceitou qualquer forma, qualquer gesto, qualquer palavra de culto dirigido a ele. Seus amigos e amigas, discípulos e discípulas o tratavam com respeito, com carinho, com amor, às vezes com temor, nunca com adoração ou com sentimentos religiosos. Foi tratado como profeta, como messias, nunca como Deus. A teologia posterior é que criou o culto de Jesus. Era um homem solitário, porém não era insensível. Em seu relacionamento com as pessoas, no encontro que elas têm com ele, continuou sendo o simples artesão camponês que sempre foi: construiu pontes, derrubou muros! Não fez planos grandiosos, tratou cada um, cada uma, como se trata um amigo, uma amiga. Não permaneceu escondido, em pouco tempo, transformou-se em personagem bem conhecida e discutida por todos, tornando-se o centro dos debates e das controvérsias, pessoa benquista por alguns, persona non grata para outros. Falava publicamente, sem medo das autoridades, pois, apesar de estar sob o Império Romano, era livre e fez isso resplandecer perante os adversários. Essa radicalidade em defender a vida do pobre não é apenas um traço de seu caráter, mas um sinal definitivo de sua personalidade.

Jon Sobrino14 a respeito deste sinal definitivo de personalidade nos apresenta a imagem de Cristo construída e experimentada no Documento de Medellín e no Documento de Puebla; imagem esta que já faz parte de nossa tradição eclesial. Medellín da mesma forma que o Vaticano II não elaborou algum documento sobre Cristo, nem esboço sobre cristologia. Medellín aborda a figura de Cristo do ponto de vista salvífico, expressando-o em termos de libertação. Confessa a divindade e a humanidade de Cristo introduzindo nelas o princípio da parcialidade: os pobres e a pobreza. Menciona a presença de Cristo na história hodierna e cita seus sinais remetendo-se a Gaudium et spes. Afirma ainda que Cristo está presente na liturgia e nas comunidades de fé que dão testemunho hoje. A presença de Cristo ocorre verdadeiramente nas situações históricas de injustiças contra os pobres do continente. Puebla, ao contrário de Medellín, procura defender a ortodoxia diante de perigos imaginados ou reais, afastando-se, infelizmente, da audácia das reflexões de Medellín. Porém a imagem de Medellín se impõe, por ser mais evangélica e mais latino-americana. Apesar de um aparente monolitismo e finalidade doutrinal, há em Puebla diversas óticas e conteúdos. Os mais valiosos aparecem no capítulo dedicado à Opção preferencial pelos pobres. Puebla reconhece a busca pela face sempre nova de Cristo que cumula legítimos anseios de libertação integral. Recolhe traços de Jesus de Nazaré – do Jesus Histórico, que formam o conteúdo da nova e desejada imagem de Cristo.

O Documento de Aparecida15 aponta lugares de encontro com Jesus Cristo, contudo tal encontro acontece graças à ação invisível do Espírito Santo, realizando-se na fé recebida e vivida na Igreja: na Sagrada Escritura, Palavra de Deus como dom do Pai para o encontro com Jesus Cristo vivo; através da Lectio divina, que bem praticada, conduz ao encontro, ao conhecimento do mistério, à comunhão e ao testemunho de Jesus; na Sagrada Liturgia, vivendo-a e celebrando o mistério pascal; na oração pessoal e comunitária, local onde o indivíduo pode cultivar uma relação de profunda amizade com Jesus e procurar assumir a vontade do Pai; na Comunidade, preferencialmente na Comunidade Eclesial de Base; nos Pobres – dimensão constitutiva da fé em Jesus Cristo, os pobres são o rosto do Cristo; na Piedade Popular, pois ela contém e expressa um intenso sentido de transcendência, uma capacidade espontânea de se apoiar em Deus e uma verdadeira experiência de amor teologal.

Paulo Suess16 diz que implicitamente se encontra no Documento de Aparecida uma verdadeira teologia do encontro com Jesus. E esse encontro pessoal e comunitário tem nome: o pobre, a Palavra de Deus e a Santíssima Trindade. Lembra que identificar-se com Jesus Cristo é também compartilhar do seu destino e que a missão principal é anunciar e viver esse projeto da nova criação. A missão nasce desse encontro.

O Papa Francisco17 afirma que é o encontro pessoal com o amor de Jesus que nos salva:

A primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência de sermos salvos por Ele, que nos impele a amá-lo cada vez mais. Um amor que não sentisse a necessidade de falar da pessoa amada, de apresenta-la, de torná-la conhecida, que amor seria? [...] Toda a vida de Jesus, sua forma de tratar os pobres, seus gestos, sua coerência, sua generosidade simples e cotidiana e, finalmente, sua total dedicação, tudo é precioso e fala à nossa vida pessoal. Todas as vezes que alguém volta a descobri-lo, convence-se de que é isso mesmo de que os outros precisam, embora não o saibam: “Aquele que venerais sem O conhecer, é Esse que eu vos anuncio” (At 17,23). Às vezes, perdemos o entusiasmo pela missão, porque esquecemos que o Evangelho dá resposta às necessidades mais profundas das pessoas, porque todos nós fomos criados para aquilo que o Evangelho nos propõe: a amizade com Jesus e o amor fraterno. [...] Unidos a Jesus, procuramos o que Ele procura, amamos o que Ele ama. Em última instância, o que procuramos é a glória do Pai, vivemos e agimos “para que seja prestado louvor à glória da sua graça” (Ef 1,6). Se queremos entregar-nos a sério e com perseverança, essa motivação deve superar toda e qualquer outra. O movente definitivo, o mais profundo, o maior, a razão e o sentido último de tudo o resto é este: a glória do Pai que Jesus procurou durante toda a sua existência. Ele é o Filho eternamente feliz, com todo o seu ser “no seio do Pai” (Jo 1,18).

Patativa do Assaré: agente do sagrado.

Patativa do Assaré era um religioso a seu modo. Não gostava de falar de suas devoções, dizia ser um território íntimo e que só interessava a ele. Sua religiosidade profunda se transmite em seus poemas. Sempre lutou pela ideia de fraternidade, igualdade, liberdade, justiça e misericórdia, princípios caros ao cristianismo primitivo e que o Papa Francisco não se cansa de pedir nos dias atuais. Em entrevista a Gilmar de Carvalho18, Patativa do Assaré irá dizer:


Gilmar - Patativa, o que é liberdade para você?
Patativa - Hum...olha, liberdade para mim é o mesmo direito humano, é aquele camarada que...Liberdade que eu quero dizer num é possuir isso e aquilo não. É ser dono do seu direito. Bem, se ele é um trapeiro, ele merece o respeito dele, na sua missão de trapeiro e tudo, viu? É...é isso é que eu chamo liberdade, viu? É liberdade! É ninguém contrariar o direito do outro, o direito do próximo, viu?

Patativa do Assaré rejeitava um pouco a exteriorização piedosa desse sentimento do sagrado. A marca profética de sua poesia é um serviço aos mais empobrecidos, estes a quem sempre devotou palavras de imensa esperança. Era um político nato, que estava atento e evitava a todo custo o canto da sereia da cooptação. A esse respeito nos diz Gilmar de Carvalho19:

Política para ele sempre foi algo em busca dos interesses coletivos. Nunca foi bem quisto pelas famílias tradicionais que se revezavam no domínio da cena local. A seu modo, esteve presente, contribuindo com seu verso para uma conscientização do agricultor. Ele também deve ter aguçado a consciência política na medida em que maturava, em que fazia uma poesia voltada para o social e em que intensificava as conversas com lideranças politizadas de centros maiores.

Segundo Luiz Tadeu Feitosa20, o poeta fazia um jogo de esconde-esconde de fatos de sua vida e de sua trajetória poética e artística constituindo um quase enigma. Nota-se, porém, um ato litúrgico em suas ações, onde ele encontra conforto nos limites dos ritos: repetições e o improviso agendado e cuidadoso, coerente com o rito maior, que é ele se mostrar, mostrando sua obra a partir dos paradigmas da moral cristã, onde se sobrepõem os valores da verdade e da justiça21:

De noite, tu vives na tua palhoça,
De dia na roça, de enxada na mão,
Julgando que Deus é um pai vingativo,
Não vês o motivo da tua opressão.


Tu pensas, amigo que a vida que levas,
De dores e trevas, debaixo da cruz
E as crises cortantes quais finas espadas,
São penas mandadas por Nosso Jesus.


Tu és, nesta vida, um fiel penitente,
Um pobre inocente no banco do réu.
Caboclo, não guardes contigo esta crença
A tua sentença não parte do céu.


O Mestre Divino, que é Sábio Profundo,
Não fez, neste mundo, o teu fado infeliz
As tuas desgraças, com tuas desordens,
Não nascem das ordens do Eterno Juiz

Cristiane Moreira Cobra22, afirma que analisar a obra de Patativa do Assaré exige relacionar três elementos: cultura popular, religiosidade e significado, considerando a poesia como manifestação representativa da cultura de um grupo, de um povo, de sua crença e recheada de significados.

Patativa do Assaré23 irá trabalhar muitos de seus poemas com base na religiosidade popular, com todas as divergências carregadas de sentidos e significados singulares ao povo do sertão nordestino, muitas delas oriundas de imagens propostas pela Igreja Católica Apostólica Romana como devoção constituída e legal:

Deus é a força infinita
é o espírito sagrado
que tá vivendo e parpita
em tudo que foi criado.
Não há quem possa conta
é assunto que não dá
pra se dizê no papé
não existe professô
nem sábio, nem iscritô
pra sabe Deus cuma é.

Apenas se tem certeza
que ele é a santa verdade
é a subrime grandeza
em bondade e divindade.

Antonio Iraildo Alves de Brito2424 relata que palavras como: divina providência, divino mestre, onipotente, nosso Senhor, autor profundo e outras do gênero são notáveis, e dentro de toda a obra do poeta, apresenta a visão de mundo que enfatiza o lugar de Deus e seu poder em relação às pessoas, à história e à natureza25:

Eu nasci ouvindo cantos
Das aves de minha terra
E vendo os lindos encantos
Que a mata bonita encerra,
Foi ali que eu fui crescendo,
Fui lendo e fui aprendendo
No livro da Natureza
Onde Deus é mais visível,
O coração mais sensível
E a vida tem mais pureza.

Sem poder fazer escolhas
De livro artificial,
Estudei nas lindas folhas
Do meu livro natural
E assim longe da cidade
Lendo nesta faculdade
Que tem todos os sinais,
Com estes estudos meus
Aprendi amar a Deus
Na vida dos animais.

Quando canto o sabiá
Sem nunca ter tido estudo,
Eu vejo que Deus está
Por dentro daquilo tudo,
Aquele pássaro amado
No seu gorjeio sagrado
Nunca uma nota falhou,
Na sua canção amena
Só diz o que Deus ordena,
Só canta o que Deus mandou.

[...] Eu te conduzi do mato
Com desvelo e com carinho
Porque neste mundo ingrato
Ninguém quer viver sozinho,
Se a mesma sorte tivemos
Juntinhos nós viveremos
Por ordem do Criador,
Neste sombrio recanto
Tu, consolando meu pranto
E eu cantando a tua dor.

O ato de compor era para Patativa do Assaré um dom de Deus! Para Patativa Deus é algo impronunciável, indizível, o que o colocaria dentro do respeito e temor característico do povo judeu de que mesmo nos dias atuais não pronunciam o tetragrama sagrado YHWH. Deus para o poeta escapa de qualquer tentativa de conceituação racional.

Patativa do Assaré, nos poemas em que denuncia as mazelas sofridas por sua gente, se torna o porta-voz do povo daquele lugar, alcançando assim todos os setores da sociedade. Mergulhando na problemática social exerce sua visão peculiar e histórica, conseguindo fazer uma análise de conjuntura, inspirando-se no passado, com os pés na realidade atual e com os olhos voltados para o futuro, entende que a história é a mestra da vida, e ele se faz sujeito da história, ali onde vive o seu povo, assim faziam os profetas. Frente aos desmandos, às manipulações dos poderosos, de uma religião sem vida, portanto sem justiça social, Patativa não se cala e sua denúncia atingirá os mais diversos campos da vida do povo, tais como a economia, a exploração, a terra e o latifúndio, a corrupção política, os julgamentos, a violência e o sangue derramado. A ideia que fez de justiça social, ainda hoje, está muito longe de um simples populismo ou pieguice. Patativa do Assaré sabia muito bem a medida exata do atendimento as necessidades de todos.

Profecia não é adivinhação, previsão do futuro, mas tem os pés bem fincados na vida, faz ver o mundo com os olhos dos oprimidos, dos lascados, dos humilhados, dos que sofrem; ajuda a pensar alternativas.

Patativa do Assaré usava sua poesia para também sintonizar seus leitores e interlocutores nas questões políticas do país, nos males que afligiam (afligem) o seu povo. Seus poemas são carregados de delicadeza, de rudeza, de sofisticação, porém, são também como foice afiada, abrindo fendas na política de sua região e a nível nacional. Enquanto agente do sagrado, um profeta, defendeu os agricultores e a reforma agrária. Sua poesia contribuiu também para as mudanças no Brasil dos últimos 50 anos.

Patativa do Assaré, por causa da experiência do encontro com Jesus de Nazaré, por inspiração divina, é considerado um agente do sagrado, pois utiliza a poesia enquanto instrumento de libertação integral, poesia como dom de Deus, como profecia. Por causa do seu compromisso com os que nada possuem, com os excluídos, com os marginalizados, com os famintos, com a reforma agrária, pode ser colocado e lembrado como um representante da Opção pelos Pobres, mesmo que seu vínculo com a Teologia da Libertação não seja de forma direta, sua poesia é utilizada para que a libertação aconteça.

Patativa do Assaré: intuições e ações.

“Você sabe que eu sou um poeta social, um poeta que fala pelo povo...”26.

Desde que lançou o seu primeiro livro, Inspiração Nordestina, em 1956, Patativa do Assaré tomou a livre iniciativa de ser um poeta social,de estar sempre ao lado do povo, denunciando as mazelas e arbitrariedades cometidas ao povo cearense e nordestino. Com sua poesia sendo divulgada por todo o Brasil, se colocou também do lado de todos os brasileiros. A opção pelos pobres, assumida pelo poeta, ficou evidente em todos os seus livros e nas entrevistas que deu ao longo de sua vida. Bem antes da macabra ditadura militar se instalar e durante o período desta, Patativa do Assaré se manteve fiel a seus princípios, denunciando com bravura ou estética evangélica os males provocados pelo regime militar. Em períodos de intensa repressão, e todos os tipos de violência contra as pessoas de um determinado lugar, poucas vozes possuíram a coragem necessária para se levantarem e ameaçarem a ideologia opressora. Patativa do Assaré foi uma dessas vozes. Daí nasce a pergunta: Patativa do Assaré, portanto, é um representante da opção pelos pobres?

Gilmar de Carvalho27 a esse respeito comenta:

O golpe de Estado encontrou um Patativa afiado em sua consciência social e crítico da ruptura institucional promovida pela aliança dos militares com as forças conservadoras. Oposicionista por coerência, ele não poupou o cearense Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente do período autoritário: “Com atenção eu apelo / Para o supremo juiz / Por causa de um só Castelo / Nunca mais castelos fiz” e concluía: “Me prometeu um tesouro / Todo lindo, todo franco / E em vez de um castelo de ouro / Me deu um castelo branco”.

[...] Patativa participou ainda da luta pela anistia aos presos e exilados políticos, com a “Lição do Pinto”, ao mesmo tempo metafórica e didática: “O pinto dentro do ovo / Aspirando um mundo novo / Não deixa de beliscar / Bate o bico tico tico / Bate o bico, Bate o bico / Pra poder se libertar”. Subiu aos palanques com as principais lideranças oposicionistas brasileiras e emocionou multidões, ao mesmo tempo de ter seu clássico Cante lá que eu canto cá publicado pela Vozes, em 1978.

[...] Com uma sabedoria de vida e uma visão crítica do mundo, que o transformaram em um símbolo apropriado pelas esquerdas, que viam nele o poeta da resistência e, pela direita, que exaltava sua autenticidade, na valoração do tradicional, do genuíno e da raiz, Patativa pairava acima dessas querelas, não por arrogância, mas pela importância de seu cantar ser maior que os rótulos a ele atribuídos.

Modesto, ele continuou o mesmo poeta roceiro, o que não o impediu de estar sintonizado com as transformações sociais e de reclamar por uma reforma agrária, por um ideal de justiça e denunciar as mazelas, sem que sua poesia se transformasse em um manifesto ou perdesse sua qualidade estética.

[...] Foi esse Patativa que também se envolveu na luta pelas Diretas-Já, fazendo a avaliação dos 20 anos de arbítrio: “Neste espaço dos vinte anos / Que a gente entrou pelo cano / A confusão é compreta / Mode a coisa miorá / Nós vamos bradá e gritá / Pelas inleição direta”.

[...] Vale ressaltar ainda uma série de poemas com reflexões políticas num sentido mais amplo. Assim, falou das mídias (xingou a televisão no poema “Presente disagradave”), dos meninos em situação de rua, do progresso como elemento de dissolução de formas de sociabilidade (da lida nas casas de farinha, dos engenhos de ferro, da desativação da linha férrea) e do MST como o grande movimento social organizado do país.

Maria Ferreira dos Santos28 dirá que:

A poesia de Patativa mostra todo o sustentáculo da geografia física e humana do seu povo, revelando um realismo cruel e danificado, num estado da mais profunda miséria e pobreza de total degradação social dos nordestinos, tão esquecidos e marginalizados pelas classes sociais dominantes. Contudo Patativa apresenta o camponês como um bravo e forte capaz de enfrentar este mundo de sofrimento e de horror de cabeça erguida como a voz de Patativa que não cala diante de tanta amargura e tanto sofrer dos nordestinos, tão atingidos pelas secas e, tão explorados pelos latifundiários.

No poema O Agregado29, denuncia o modo de vida do povo em toda a sua escala social:

Quem véve no luxo, somente gozando,
Dinheiro gastando sem mágoa e sem dô,
Não sabe, nem pensa e tombém não conhece
O quanto padece quem mora a favô.

Meu Deus! Como é duro se uvi o lamento,
O grande trumento do triste agregado!
Osente das coisa mais boa da vida,
De rôpa rompida, sem cobre, coitado!

[...] Não crê nas promessa do rico pulento,
No seu sofrimento só pensa em Jesus,
Rogando e pedindo pra tê piedade,
Levando a metade do peso da cruz.

A preocupação com sua gente revela que Patativa do Assaré tinha um profundo compromisso social, capaz de apontar um caminho utópico ao mesmo tempo real, onde não há fugas, há o confronto, sem perder a sensibilidade, impregnada de imagens e músicas, suas, dos outros, do povo, do sertão30:

A Divina Providença
com o seu imenso pudê
deu ao home inteligença
foi pra ele se regê.
Não precisa o Soberano
chegá a dizê: Fulano
seu caminho é por ali
Deus lhe deu o dom divino
o dom do raciocino
pra ele se conduzi.

[...] Eu sempre pensei assim.
Deus cum a sua consciença
não premite o que é ruim
é justo por incelença.
Se inxiste luta e mais luta
é fruto da má conduta
a divina Majestade
nunca quis briga na terra
o assassinato e a guerra
é obra da humanidade.

Não há dúvida que a trajetória de vida do poeta do Assaré está lado a lado com longa história da libertação do Povo de Deus da América Latina e Caribe. Mesmo desconhecendo o fato de que, a partir do Concílio Ecumênico Vaticano II, a caminhada da Igreja Católica Apostólica Romana se deu em direção à defesa da vida e da dignidade dos seres humanos, contra a pobreza, era inevitável: seus caminhos se cruzariam na opção pelos pobres!

Opção pelos pobres ontem e hoje.

Teologicamente a opção pelos pobres aparece nos textos bíblicos3131 do Primeiro Testamento e do Segundo Testamento; espalhada por várias perícopes. As perícopes que nos chamam a atenção aqui são as de Ex 3, 7-9 e Lc 4, 16-21 32.

Fica claro nas perícopes que o Deus do Israel bíblico e de Jesus de Nazaré é o Deus dos pobres, não é o deus do poder dominante! Não é possível conhecer a Deus negligenciando a dor alheia. Portanto, para se chegar a Deus é de suma importância ir ao encontro dos expurgados do sistema; esta é a condição de possibilidade para conhecer Deus. Onde está o pobre também está Deus. Deus está sempre presente na história do seu povo para salvá-lo. Ele é o Deus dos pobres que não tolera a opressão, que não tolera a injustiça.

Deus é revelado para um grupo social específico: os pobres. A estrutura social do Israel antigo era a de uma sociedade teocrática e que tinha seu foco em Jerusalém, a Terra Santa onde estava o templo, e dependente economicamente de uma agricultura primitiva. Com poucos períodos de liberdade política foi escravizado pelo Egito, pela Assíria, pela Babilônia, pela Pérsia, pela Grécia e por Roma e só voltou a ser um Estado independente em 1948, passando todo o resto do século XX envolvido em guerras, construindo um arsenal nuclear, deixando inertes e omissas as grandes potências no século XXI.

A opção pelos pobres é uma expressão contemporânea, mas ela está no fundamento da Bíblia. A Bíblia parte da revelação de um Deus que opta por pessoas oprimidas: por seus iguais, por seus reis, pelos reis inimigos e mais poderosos. O Deus da Bíblia se revela pela primeira vez, como o Deus destes pobres específicos no livro do Êxodo: os camponeses e os trabalhadores das construções do Faraó do Egito. A opção do Deus da Bíblia é estrita: toma partido deles contra o opressor.

Para entender e compreender a mensagem de Jesus de Nazaré basta apenas colocá-la no contexto em que viviam os pobres de sua época. Quem são estes pobres? São os economicamente fracos e sem posses de bens materiais. São os diaristas, aqueles trabalhadores não qualificados, bem numerosos cujas condições de vida eram na Palestina, mais precárias do que as dos escravos. São os pecadores. O conceito aqui deve ser entendido enquanto categoria social mais do que categoria ético-religiosa. São considerados pecadores todos aqueles que trabalhavam com transportes de mercadorias, lojistas, pastores, publicanos, ladrões e prostitutas. São os ignorantes, pois estes, devido a sua falta de cultura, não observavam as complicadas e numerosas leis judaicas. Por fim, acrescenta-se a esta lista os simples (nepioi), os pequenos (mikroi), os últimos (eschatoi), os pequeninos (elachystoi), as mulheres e os estrangeiros.

Jesus de Nazaré via e sabia de todos estes seres humanos, irmãs e irmãos seus, e entendia que eles consideravam a condição em que viviam como algo fatal. Esta condição estava ligada diretamente a uma predisposição às enfermidades físicas e psíquicas, por causa da frustração, por causa da ansiedade e principalmente por causa do complexo de culpa em que estavam obrigados a viver. É compreensível a expectativa e o entusiasmo com que aguardavam a chegada do messias. Ele os tiraria daquela situação.

Patativa do Assaré33 a esse respeito declamaria assim:

Queremos a paz que tanto ensinava
Que tanto pregava
Jesus nosso Rei,
Direitos humanos, o grau de igualdade
E a voz da verdade
Em nome da lei.

Antonio Manzatto34 relembra que Deus está conosco! Eis a afirmação fundamental de nossa fé cristã. Para nós não há mais distância entre o sagrado e o profano, ou entre Deus e a história humana. Deus vem a nós em Jesus. A encarnação do Filho de Deus nos liga definitivamente a ele. Sua humanização nos introduz num dinamismo de divinização e, então a história está grávida do Verbo de Deus. O povo santo de Deus é composto de pobres. A partir deles Deus se manifesta:

Partir do povo porque, primeiramente, queremos fazer teologia que tenha um pé bem fincado no chão da vida e da história: que venha do povo e volte para o povo, passando naturalmente pela fonte viva da Palavra de Deus. Partir do povo também por razões teológicas. É o próprio Deus que chama e faz o povo ser povo, com memória, vida e sonho comuns. O povo é sujeito da revelação de Deus, o parceiro de seu amor. É por meio dele e com ele que Deus fala e age. Nesse sentido, o povo é uma porta de entrada para a teologia.

Um ar fresco entrou na Igreja no século XX graças às janelas abertas por São João XXIII no Concílio Ecumênico Vaticano II, permitindo assim, que a mesma mudasse sua percepção sobre o mundo, sobre as novidades do contexto contemporâneo. São João XXIII diria um mês antes da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 11 de setembro de 1962: “Em face dos países subdesenvolvidos, a Igreja apresenta-se – tal qual é e quer ser – como a Igreja de todos e particularmente a Igreja dos pobres”35. Esta frase influenciaria a Igreja profundamente nos anos que se seguiriam ao Concílio Ecumênico Vaticano II. Era o desejo de muitos que a Igreja redescobrisse aquele que deveria ser um dos traços mais visíveis de sua face: ser a Igreja dos pobres.

O Vaticano II foi o empreendimento de toda a Igreja voltada para a compreensão do evangelho em seu próprio momento histórico. Foi tradução do evangelho em ato, pois o Espírito Santo operou o consenso dos cristãos assumindo também as suas fraquezas, o seu amadurecimento frente aos problemas sociais e econômicos, colocando a Igreja novamente na fidelidade ao evangelho de Jesus de Nazaré. O Vaticano II não foi apenas um concílio de bispos, mas o que determinou o concílio foi a contribuição material e a substância dos debates nas aulas conciliares, e também do papel desempenhado pelos teólogos. No Vaticano II ficou visível até aos olhos menos aguçados, o reconhecimento do grande amadurecimento teológico e eclesial pós-modernista, evidenciado pelo fato de que figuras decisivas do mundo teológico, condenadas ou suspeitas antes do concílio, estiveram entre os atores mais incisivos na redação dos documentos conciliares. O Vaticano II foi Igreja em ato, porque teólogos e bispos puseram-se realmente à escuta do evangelho. Operou-se assim uma verdadeira conversão que se transformou numa capacidade de compreensão nova do próprio evangelho.

A assembleia conciliar não quis dirimir questões teóricas fortemente discutidas, centrando-se no aspecto pastoral e procurando a conciliação ecumênica. O Vaticano II foi o único concílio universal que não pretendeu definir algo dogmaticamente.

Infelizmente, aconteceu a interpretação oficial e continuísta que está aí até hoje, que começou com as inexplicáveis interferências do Papa Paulo VI impondo a famosa nota praevia e reservando para si temas como a regulação da natalidade ou o celibato obrigatório. Esse fato acarretou nos anos que se seguiram ao Vaticano II o deslocamento da Igreja como “Povo de Deus” para a da Igreja como communio. O esvaziamento da colegialidade episcopal e da autoridade das conferências episcopais reiterando o acento colocado no primado pontifício e no poder da Cúria Romana, que impõe sua autoridade em detrimento das Igrejas particulares e da sua legítima autonomia, se tornou mais intensa, com uma força inesperada, nos dois últimos papados anteriores a Francisco; a elevação do Código de Direito Canônico e do Catecismo da Igreja Católica enquanto norma e critério indiscutível até mesmo na teologia, constituindo instrumentos de imposição; o estremecimento das relações ecumênicas principalmente a partir da interpretação dada na Dominus Iesus ao “subsistit in” conflitando com o espírito do concílio na Lumen Gentium; a reintrodução da missa em latim segundo o missal de São Pio V; a perda do significado profundo da teologia e da eclesiologia da Sacrosanctum Concilium; um silencioso abandono do Vaticano II e de seu espírito na pastoral, no ensino da teologia, na liturgia e no empenho ecumênico e macroecumênico.

Embora acolhido, o tema Igreja dos Pobres repercutiu muito timidamente, pois o Vaticano II foi um Concílio das Igrejas do primeiro mundo, porém o Grupo da Igreja dos Pobres, que atuava de maneira bastante discreta, sustentou firme a provocação profética de São João XXIII que se fez presente em todas as sessões conciliares.

A Igreja dos Pobres não é uma nova Igreja, mas sim um novo modelo de Igreja, que portanto, é chamada também de Igreja Popular, Igreja que nasce do Povo, Igreja no Povo ou Igreja de Base. É o modelo de Igreja que busca uma relação de totalidade social através do envolvimento com grupos de oprimidos e de explorados, ao mesmo tempo em que, procura organizar internamente a Igreja segundo relações de serviço e fraternidade36:

Não consiste na riqueza
Na posição ou grandeza
A maior felicidade,
É de Deus que ela nos vem,
É muito feliz quem tem
O dom da fraternidade.

A Igreja dos Pobres portanto, é fruto de longa reflexão durante o Vaticano II, capitaneada por bispos de várias partes do mundo, em sua maioria bispos do terceiro mundo, que estavam numa certa marginalidade institucional, pois não tinham cargos em Roma. Nasceu já na primeira sessão do Vaticano II e alcançaria no passar dos anos um total de 86 padres conciliares, apesar de nunca ter o status oficial no Concílio. O sonho não realizado era o de constituir um secretariado oficial ligado à pobreza. Porém, sua atuação nas margens da redação dos esquemas e textos conciliares foi muito significativa, pois se empenhou em colocar no coração de todo o processo conciliar as questões do apostolado dos pobres e da pobreza da Igreja. O tema da pobreza atraia e congregava sensibilidades diversas, que mesmo entre tensões, se completavam, mantendo a coesão do grupo.

A Igreja dos Pobres está aí, mais viva do que nunca, não mais tão falada como antigamente, pois foi duramente perseguida e difamada, mas continua presente em várias lideranças que não se cansam de lutar por outro mundo novo e possível; por uma comunidade eclesial de base, onde todos se conheçam e celebrem a vida, a morte e a ressurreição de Jesus de Nazaré, e queiram seguir os passos do Mestre, dentro de sua pedagogia e prática libertadora, assumindo todos os riscos que a caminhada irá oferecer. Todos sabem muito bem que não há como fugir da cruz para obter a salvação. Não há luz, sem cruz! A Igreja quando é perseguida, é mais profética, mais cheia de vida! Quando ela está acomodada, inerte, não cria problema nenhum para quem oprime e extermina!

João Batista Libanio37 dirá que foi um sonho de São João XXIII que a Igreja saísse do Vaticano II bem próxima dos pobres, de modo que estes se sentissem em casa no seu seio. Deveria retomar a questão dos pobres a partir de duas maneiras: resistir e avançar. Resistir ao desgaste que a Opção pelos Pobres tem sofrido no interior da Igreja e na sociedade. Na Igreja procuram a qualquer custo, a qualquer preço anular o seu peso libertador. Na sociedade, a compreensão errada difundida, é que a Opção pelos Pobres se iguala a lutas de classe e que tem uma matriz marxista. Este tema tem sido recorrente em vários grupos de discussão na Internet e a rejeição ainda persiste. Na sociedade o tema soa como ideal socialista, portanto, pertencente ao passado, contrário ao discurso neoliberal que tomou conta de muitas paróquias e dioceses que desconhecem os pobres. Há um clima reacionário, neoliberal, fundamentalista, fanático e carismático, apesar do novo aggiornamento que o Papa Francisco aponta com seus gestos e práticas. Avançar é conscientizar, organizar e pressionar para modificar a realidade interna na Igreja e na sociedade. A Igreja dos Pobres foi silenciada na Igreja pelo fato de se inspirar no Vaticano II.

José Comblin38 afirma que a Igreja dos Pobres não pode ser simplesmente uma parte da Igreja, mas ela interfere na totalidade da Igreja e de quem dela participa. Tudo na Igreja deve partir da centralidade dos pobres, que tem o seu lugar central, o seu fundamento, na teologia do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O Pai tornou-se pobre ao conceder plena liberdade e autonomia à humanidade que criou sendo sua imagem e semelhança. O Filho se identifica com os pobres, pois foi um deles, optando por eles, despojou-se de todos os privilégios e entregou a própria vida para que o Projeto de Deus acontecesse. O Espírito Santo se dirige aos pobres, soprando incentivo para que saiam em missão.

O povo de Deus é povo de pobres, e o privilégio é que formam o povo de Deus: eles são chamados, convocados, convidados e o integram.

O Papa Francisco39 nos diz que deriva da nossa fé em Cristo, que Se fez pobre e sempre se aproximou dos pobres e marginalizados, a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais abandonados da sociedade. O imperativo de ouvir o clamor dos pobres se faz carne em nós, quando intimamente nos comovemos e nos solidarizamos com o sofrimento do outro. No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres. Todo o nosso caminhar está sinalizado pelos pobres:

Para a Igreja, a opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que cultural, sociológica, política ou filosófica. Deus manifesta a sua misericórdia antes de mais a eles. Esta preferência divina tem consequências na vida de fé de todos os cristãos chamados a possuir os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus. A Igreja fez uma opção pelos pobres, entendida como uma forma especial de primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a Tradição da Igreja. Como ensinava Bento XVI, esta opção está implícita na fé cristológica naquele Deus que Se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza. Por isso, desejo uma Igreja pobre para os pobres.

Pobres são os necessitados, aqueles que não possuem nem o necessário para viver. Aqueles que carecem de respeito por sua dignidade como pessoa humana; aqueles que estão privados da liberdade; aqueles que não possuem participação alguma no desenrolar da sociedade nos campos da economia, da política, da religião, da cultura.

A opção pelos pobres nunca foi uma moda passageira, nem é hoje em dia. Ela é a base da Teologia da Libertação, é o que a resume, pois é a opção radical feita por Jesus de Nazaré. Jesus escolheu os pobres enquanto seguidores, colaboradores mais próximos, discípulos, amigos. Quanto mais se aprofunda na teologia do pobre, mais se aprofunda na Palavra de Deus, mais aparecem novos fundamentos e realidades que falam da veracidade da opção pelos pobres em seu triplo sentido: pastoral, teológico e bíblico. A opção pelos pobres é a essência de um cristianismo católico que pretende ser fiel ao Evangelho. Consiste na decisão voluntária de unir-se ao mundo dos pobres, assumindo com postura e estética evangélica, com realismo histórico, a causa da libertação integral. Ela deve ser realizada por todos aqueles que creem, independente da sua situação socioeconômica.

Dentro da herança do Concílio Vaticano II, os bispos da América Latina e Caribe entenderam que a Igreja e sua ação evangelizadora tem que testemunhar a práxis de Jesus, “que sendo rico se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza”; entenderam que a pobreza da Igreja deve sinalizar o valor que os pobres possuem aos olhos de Deus, da mesma forma a solidariedade e o compromisso com os que sofrem40:

Não podemos negar a proteção
Ao coitado infeliz, pobre mendigo,
Quando às vezes recorre ao nosso abrigo
Procurando comer do nosso pão.

Precisamos ao mesmo dar a mão
Relembrando este dito muito antigo
Todo aquele que sabe ser amigo
Sempre encontra um papel de gratidão.

No tempo atual, com o papado de Francisco há um retorno às fontes da teologia da libertação, retomando sua raiz fundadora, que é a experiência de Deus na opção pelos pobres, mas também uma exigência de criatividade para responder aos novos desafios.

A opção pelos pobres na teologia latino-americana e caribenha é o resultado de uma fé compromissada com os direitos humanos, a construção de uma nova sociedade, e com o Reino de Deus, por isso ganhou uma relevância inédita e temerária para aqueles que possuem o poder econômico e político. Na teologia latino-americana fé e vida, são termos fortemente entrelaçados e que se interpelam mutuamente, representando a nova aurora da práxis cristã e libertadora.

A teologia é a ponte entre o ser humano e o Transcendente! Toda teologia é a expressão de uma práxis e de uma espiritualidade, isto é, de uma forma de ser cristão e de seguir Jesus de Nazaré. A teologia, como já foi mencionado, é um discurso segundo com duplo sentido: 1. A teologia deve contar com os instrumentos teóricos das ciências sociais, que a ajudam a ler o complexo pergaminho da história; 2. A teologia é chamada a refletir a partir da nova prática dos cristãos frente aos desafios da realidade. A teologia busca, portanto, na Palavra de Deus, na Doutrina Social da Igreja e na tradição teológica os elementos para entender e, ao mesmo tempo, iluminar essa prática; resultando numa reiterada potencialização da ação transformadora. E esta, por seu turno, também interpela e amplia o raio de conhecimento teórico da própria teologia.

A teologia parte da fé e retorna à fé. A teologia só pode ser compreendida a partir da fé de que Deus se mostra por inteiro, comunicando através da Revelação o seu projeto de Salvação para a humanidade. Revelação significa portanto, que Deus proclama quem ele é e firma um pacto com seu povo.

A teologia é uma bússola para o cristão atuar no mundo a partir do amor e da esperança, um conhecimento que se abre a radicalidade do Reino de Deus e à defesa cotidiana da vida.

Só entendem a Teologia da Libertação dois tipos de pessoas: os pobres e os que lutam pela justiça, isto é, aqueles que têm fome de pão e aqueles que têm fome de justiça. A teologia da libertação é um fato social e eclesial que acompanha as mudanças de paradigmas da sociedade e da Igreja, quer esteja na mídia ou nos altares, sua reflexão se faz necessária e cada dia mais profética.

Sua eficácia está em gestar um novo tipo de cristão: o pé no chão. Aquele que é engajado na luta pela defesa da vida ao lado dos oprimidos e disposto à mudança de valores na sociedade, à ideia da revolução solidária não-violenta, e ao sonho de um ser humano novo, mulher e homem, mantendo sua fé e sua esperança. Para os pobres, para os marginalizados, para os excluídos, a Igreja deve assumir e reassumir sua missão profética em prol da libertação de todas as formas de violência contra o ser humano na Nossa América. Proclamar a libertação é realizar o sonho central de Jesus: “O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida, uma grande vitalidade”. (Jo 10, 10). Este é o horizonte proposto pela teologia da libertação para toda a Igreja. A questão de fundo da teologia da libertação não é a teologia, mas a libertação.

Graças ao Concílio Ecumênico Vaticano II, o objetivo maior foi a abertura da Igreja ao diálogo com a cultura contemporânea, o diálogo entre teologia e literatura pode acontecer.

Há de fato uma ponte que nos permite entender esta ligação entre teologia e literatura. Uma não poderá ser reduzida ao mesmo tamanho da outra para possibilitar o diálogo. Ambas possuem um poder de provocação e de revelação do ser humano. No mais profundo da vida podem encontrar Deus!

O diálogo entre teologia e literatura adquiriu um novo status a partir da Gaudium et Spes, a constituição conciliar que tem como objetivo central a abertura da Igreja ao diálogo com a cultura contemporânea.

Trata-se porém de uma perspectiva nova, tem apenas 22 anos41, sendo assim, o diálogo entre a teologia e a literatura ainda hoje é olhado com desconfiança por diversos setores do mundo acadêmico; para muitas pessoas é como se essa relação fosse uma traição ao primeiro amor.

O objetivo é o de criar pontes e observar o encontro de águas que não se misturam, mas que irão desembocar no mesmo mar: o ser humano, com carinho, os pobres.

Maria Clara Bingemer42 diz que há uma afinidade constitutiva e uma irmandade ancestral entre teologia e literatura. Graças à espiritualidade, ambas decorrem da inspiração. Atraindo-se como dois polos relacionais, ambas as disciplinas fazem o ser humano mais humano e a vida mais bela e digna de ser vivida.

Foi assim que Patativa do Assaré43 fez esta ponte entre literatura e teologia:

Eu sei por experiência,
pois desde a minha inocência,
nesta estrada, a Providência
dirigiu os passos meus.
A vida vivo gozando
Sempre amando e admirando
As maravilhas de Deus.

[...] Nasci dentro da pobrez
e sinto prazer com isto,
por ver que fui com certeza
colega de Jesus Cristo.

A poesia de Patativa do Assaré por muito tempo até o lançamento de seu primeiro livro em 1956, Inspiração Nordestina; foi apenas voz acompanhada ao som de uma viola, feita canção, mas sempre sobressaiu a poesia como expressão de uma tradição oral muito forte no povo nordestino.

60 anos depois do lançamento de Inspiração Nordestina, a poesia de Patativa do Assaré, enquanto espiritualidade roceira sugere que a Teologia e a Literatura se encontram e comungam da utopia de encontrar na mulher e no homem hodierno um sentido mais humano para a própria existência4444:

Por ordem divina, cheguei certo dia,
Incauto e sem guia,
No mundo a sorrir.
Seguindo o meu sonho de ingênua criança,
Eu tive a esperança de um belo porvir.

A brisa amorosa beijou-me na fronte
Um lindo horizonte
Ao longe avistei.
Se tudo falava de amor e poesia,
Um tom de harmonia Em tudo eu notei.

O Brasil, a América Latina e Caribe produziram grandes teólogos, perseguidos ou não por causa da evangélica opção pelos pobres e da Teologia da Libertação; sem dúvida produziram grandes autores de literatura, que militando ou não em um partido político, não deixaram de lado suas atividades e preocupações políticas, principalmente aquelas referentes à vida dos pobres e de todos os discriminados que se encontram todos os dias pelas ruas de nossas capitais. Por causa da literatura, que estes autores fizeram, é que se encontrou o lugar legítimo de uma expressão fiel do pensamento latino-americano, caribenho e brasileiro, globalizado e da vida. É neste ponto da transparência da realidade hodierna que se encontram a teologia e a literatura.

A opção pelos pobres a partir de uma perspectiva de interpretação literária precisa ser ainda mais debatida; pois é a opção radical feita por Jesus de Nazaré. Sem a sensibilidade que nasce da arte que é a literatura, não há como sentir o Deus dos pobres. Por nos esquecermos disso, é que a teologia tem falado muito da Igreja, da religião do outro, do mercado, mas muito pouco mesmo de Deus e do seu amor por sua criação. A literatura vem para recuperar isso, pois só o ser humano consegue interpretar o ser humano. Somos textos, estamos aí para sermos interpretados.

O desafio constante é o de não cessar o diálogo entre teologia e literatura, através de aprofundamentos em ambos os campos, criando assim, grupos interdisciplinares que possam pensar juntos o melhor caminho a ser percorrido.

O Deus da vida é o Deus dos pobres? Sim. Mas também é o Deus das narrativas!

Reinterpretar Deus, só assim iremos compreender de uma vez por todas a teologia como lugar literário e a literatura como lugar da revelação.

Permanece portanto aberta a pesquisa, os debates e as discussões sobre os métodos e metodologias que possibilitam a aproximação, o diálogo e a interação entre a literatura e a teologia. É necessária a possibilidade de leituras múltiplas nas duas áreas, desafiando assim, nossa humanidade, cobrando um posicionamento do cristianismo e de suas reflexões teológicas, como também, de outras religiões onde está acontecendo este diálogo.

Conclusão

Nestes dias em que vivemos um retorno de práticas impregnadas do fundamentalismo e do fanatismo religioso, de ideias medievais, de intolerância e desrespeito com o diferente, falar sobre a opção pelos pobres é querer enfrentar a fúria de setores conservadores, por vezes, reacionários e violentos; é querer fazer muitos inimigos e ser taxado de comunista, de herege, de anticatólico. Mesmo com todos os pedidos, sinais e gestos feitos pelo Papa Francisco, desde sua posse em 2013, há muito conservadorismo, impedindo que um novo ar primaveril se espalhe por toda a Igreja e a faça levar seu barco para águas mais profundas, fazendo-a voltar às fontes, tornando-a pobre, dos pobres.

A poesia é a ponte que nos aproxima do sagrado, quando todas as outras pontes estão interditadas. A poesia não possui fronteiras. A poesia nos ensina a voar quando nossos pés não conseguem mais experimentar o chão. A poesia tem o poder de neutralizar a polarização, em dizer sem ofender e desmerecer verdades necessárias, tem o poder de conciliar, que toca no sagrado e não em convenções.

Entrar em contato com a obra de um poeta que sabe expressar justamente o que o povo sente e precisa com extrema urgência é maravilhoso.

Em Patativa do Assaré, na opção pelos pobres que fez através da sua poesia, é o Verbo de Deus tocando a humanidade, se fazendo em nós, poesia. A opção pelos pobres, assumida pelo poeta, ficou evidente em todos os seus livros e nas entrevistas que deu ao longo de sua vida.

Deus Palavra Encarnada se faz poesia, germinando em nós o amor para que o diálogo entre Teologia e Literatura seja sempre uma carta de amor a Deus, à Igreja e ao Povo que procuramos servir.

A opção pelos pobres a partir de uma perspectiva de interpretação literária precisa ser ainda mais debatida; pois é a opção radical feita por Jesus de Nazaré. Sem a sensibilidade que nasce da arte que é a literatura, não há como sentir o Deus dos pobres. Por nos esquecermos disso, é que a teologia tem falado muito da Igreja, da religião do outro, do mercado, mas muito pouco mesmo de Deus e do seu amor por sua criação. A literatura vem para recuperar isso, pois só o ser humano consegue interpretar o ser humano. Somos textos, estamos aí para sermos interpretados.

Conclui-se que a Opção pelos Pobres é atual, necessária e útil e deve ser vivida, assumindo todas as consequências até o martírio, pois Patativa do Assaré, mesmo não sendo um teólogo, procurou ser sempre um poeta coerente com suas escolhas; dentre elas nunca abriu mão da verdade, da justiça, da liberdade e de viver no meio do povo. Pode-se afirmar que no fundo, mais importante do que a Teologia e a Literatura, é a libertação do povo, a realização da justiça que leve o povo a viver com dignidade e em fraternidade.

Referências Bibliográficas

ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu Canto cá – filosofia de um trovador nordestino. 16.ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

ASSARÉ, Patativa do. Digo e não peço segredo. São Paulo: Escrituras, 2001.

ASSARÉ, Patativa do. Inspiração Nordestina. São Paulo: Hedra, 2003.

ASSARÉ, Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005.

BÍBLIA: Nova Bíblia Pastoral. São Paulo: Paulus, 2015.

BINGEMER, Maria Clara L. Jesus Cristo: Servo de Deus e Messias Glorioso. São Paulo: Paulinas, 2013.

BINGEMER, Maria Clara. Teologia e literatura (afinidades e segredos compartilhados). Vida Pastoral: maio-junho. São Paulo: Paulus, 2014, p. 3-8.

BRITO, Antonio Iraildo Alves de. Patativa do Assaré porta-voz de um povo – as marcas do sagrado em sua obra. São Paulo: Paulus, 2010.

BRITO, Antonio Iraildo Alves de. Patativa do Assaré: uma voz poética e profética do Brasil profundo. Vida Pastoral, São Paulo, n. 296, p. 23-32, mai./jun. P2014.

CARVALHO, Gilmar de. Cem Patativa. Fortaleza: Omni Editora, 2010.

CARVALHO, Gilmar de. Patativa Poeta Pássaro do Assaré. 2.ed. Fortaleza: Omni Editora Associados, 2002. CELAM. Documento de Aparecida – Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado LatinoAmericano e do Caribe. São Paulo: Paulus / Paulinas, 2013.

COBRA, Cristiane Moreira. Patativa do Assaré – Uma hermenêutica criativa: a reinvenção da religiosidade na nação semiárida. São Paulo: Dissertação. 2006.

COMBLIN, José. Jesus de Nazaré. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2011.

COMBLIN, José. O Povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002.

FEITOSA, Luiz Tadeu. Patativa do Assaré – A trajetória de um canto. São Paulo: Escrituras, 2003.

FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium – A Alegria do Evangelho – sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulus/ Edições Loyola.

GESCHÉ, Adolphe. O Cristo. São Paulo: Paulinas, 2004.

JOÃO XXIII. Nuntius Radiophonicus. Roma: 11 set. 1962. Disponível em < http://www.vatican.va>. Acesso em 20 nov. 2015.

LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II – Em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

MANZATTO, Antonio. Jesus Cristo. In: DICIONÁRIO DO CONCÍLIO VATICANO II. São Paulo: Paulinas / Paulus, 2015.

MANZATTO, Antonio. PASSOS, J. Décio. MONNERAT, José Flávio. A Força dosPequenos – Teologia do Espírito Santo. São Paulo: Paulus, 2013, p. 9-10.

PAGOLA, José Antonio. Jesus Aproximação Histórica. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

SANTANA, Tiago. CARVALHO, Gilmar de. Patativa do Assaré – o sertão dentro de mim. São Paulo: Edições SESC-SP, 2010.

SANTOS, Maria Ferreira dos. Aspectos Sociológicos na Poesia de Patativa do Assaré e o Drama da Triste Partida. Crato: A Província Edições, 1993.

SOBRINO, Jon. Jesus, o Libertador – a História de Jesus de Nazaré. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

SUESS, Paulo. Dicionário de Aparecida – 42 palavras-chave para uma leitura pastoral do Documento de Aparecida. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2010.

VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Poesia – a busca de sentido em meio às paixões em Carlos Drummond de Andrade como possibilidade de um pensamento poético teológico. Sorocaba: Crearte Editora, 2011.

Notas

[1]ASSARÉ, Patativa do. Digo e não peço segredo. São Paulo: Escrituras, 2003, p.17: “Neste globo terrestre / apresento os versos meus / porém eu só tive um mestre / e esse mestre é Deus”.

[2]BRITO, Antonio Iraildo Alves de. Patativa do Assaré: uma voz poética e profética do Brasil profundo. Vida Pastoral, São Paulo, n. 296, p. 23-32, mai./jun. 2014.

[3]Em 1977 sua poesia chega na França, quando o professor Raymond Cantel começa a estudar a obra de Patativa do Assaré, na cadeira de Literatura Popular Universal da Sorbonne, em Paris. O Governo Federal em 1995 lhe conferiu a Medalha José de Alencar por serviços prestados à literatura brasileira. Recebeu em vida vários títulos de Doutor Honoris Causa.

[4]É a obra primeira do poeta. Escrita em 1956, reeditada em 1966, ficou anos fora do catálogo até ter nova edição em 2003, um ano após a morte do poeta. Todos os textos do livro foram ditados pelo poeta enquanto um ajudante datilografava os poemas. Todos eles foram supervisionados por Patativa do Assaré para que fossem publicados da forma como haviam sido pensados. Com título e prefácio de José Arraes de Alencar e o selo de Borsoi Editores, o livro foi publicado. Patativa do Assaré reembolsaria os custos da impressão com a venda dos livros. É assim que surge a primeira compilação. Superado o receio de não conseguir reembolsar o seu incentivador, ele começa a vender pelas feiras dos municípios, até que conseguiu pagar tudo o que devia. Com o sucesso, lhe foi permitida uma segunda edição em 1966, enriquecida de novos textos: Cantos de Patativa. Irá passar quatro meses no Rio de Janeiro para fazer a divulgação; entretanto, a venda de seus livros ocorrerá com maior frequência no Ceará. A poesia de Patativa do Assaré encontrava um mundo novo. E este mundo novo conheceria não só a voz, mas também a força das palavras do poeta do sertão; era uma questão de pouco tempo.

[5]É a última obra do poeta em vida e foi organizada e prefaciada por Luiz Tadeu Feitosa, no ano de 2001 e teve uma segunda reimpressão em fevereiro de 2003. Patativa do Assaré com este livro mostra que há muito ele deixou de ser do Assaré para ser do mundo. Sua obra é como uma grife, espécie de fala que existe como suporte para traduzir o universal, reafirmando que Patativa representa o lirismo e a perspicácia de quem vive as peculiares circunstâncias nordestinas interpretando, como poucos, os sentimentos de sua gente. O livro é uma síntese de uma vida, que se fez obra, e que é contada de modo solto e leve, majoritariamente em prosa, coisa difícil de se obter do poeta, que sempre foi todo poesia. É da condição de mito que Patativa do Assaré fala do homem e do poeta. O livro foi composto da convivência de Tadeu Feitosa com o poeta durante quatro anos seguidos e destes, quatro meses ininterruptos para obter preciosas informações a partir das entrevistas realizadas.

[6]VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Poesia – a busca de sentido em meio às paixões em Carlos Drummond de Andrade como possibilidade de um pensamento poético teológico. Sorocaba: Crearte Editora, 2011, p. 16-17.

[7]ASSARÉ, Patativa do. Inspiração Nordestina. São Paulo: Hedra, 2003, p. 136.

[8]PAGOLA, José Antonio. Jesus Aproximação Histórica. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 145.

[9]MANZATTO, Antonio. Jesus Cristo. In: DICIONÁRIO DO CONCÍLIO VATICANO II. São Paulo: Paulinas / Paulus, 2015, p. 490-496.

[10]GESCHÉ, Adolphe. O Cristo. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 17.

[11]BINGEMER, Maria Clara L. Jesus Cristo: Servo de Deus e Messias Glorioso. São Paulo: Paulinas, 2013, p. 27-29

[12]PAGOLA, José Antonio. Jesus Aproximação Histórica. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 79.

[13]COMBLIN, José. Jesus de Nazaré. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2011, p. 11.

[14]SOBRINO, Jon. Jesus, o Libertador – a História de Jesus de Nazaré. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 34- 41.

[15]CELAM. Documento de Aparecida – Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado LatinoAmericano e do Caribe. São Paulo: Paulus / Paulinas, 2013, p. 115124.

[16]SUESS, Paulo. Dicionário de Aparecida – 42 palavras-chave para uma leitura pastoral do Documento de Aparecida. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2010, p. 86.

[17]FRANCISCO. Evangelii Gaudium – a alegria do Evangelho – sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulinas, 2013, p. 207-210.

[18]CARVALHO, Gilmar de. Patativa Poeta Pássaro do Assaré. 2.ed. Fortaleza: Omni Editora Associados, 2002, p. 81-82.

[19]SANTANA, Tiago. CARVALHO, Gilmar de. Patativa do Assaré – o sertão dentro de mim. São Paulo: Edições SESC-SP, 2010, p. 87-88.

[20]8 FEITOSA, Luiz Tadeu. Patativa do Assaré – A trajetória de um canto. São Paulo: Escrituras, 2003, p. 22- 23.

[21]ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá – filosofia de um trovador nordestino. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 99-100.

[22]COBRA, Cristiane Moreira. Patativa do Assaré – Uma hermenêutica criativa: a reinvenção da religiosidade na nação semiárida. São Paulo: Dissertação. 2006, p. 20.

[23]ASSARÉ, Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005, p.83.

[24]BRITO, Antonio Iraildo Alves de. Patativa do Assaré porta-voz de um povo – as marcas do sagrado em sua obra. São Paulo: Paulus, 2010, p. 132.

[25]ASSARÉ, Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005, p. 20-24.

[26]CARVALHO, Gilmar de. Cem Patativa. Fortaleza: Omni Editora, 2010, p. 31

[27]CARVALHO, Gilmar de. Cem Patativa. Fortaleza: Omni Editora, 2010, p. 31-34.

[28]SANTOS, Maria Ferreira dos. Aspectos Sociológicos na Poesia de Patativa do Assaré e o Drama da Triste Partida. Crato: A Província Edições, 1993, p.47.

[29]ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu Canto cá – filosofia de um trovador nordestino. 16.ed. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 339-340.

[30]ASSARÉ, Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005, p. 85. 87.

[31]BÍBLIA: Nova Bíblia Pastoral. São Paulo: Paulus, 2015.

[32]Ex 3, 7-9: “Javé disse: ‘Estou vendo muito bem a aflição do meu povo que está no Egito. Ouvi seu clamor diante de seus opressores, pois tomei conhecimento de seus sofrimentos. Desci para libertá-lo do poder dos egípcios e fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde correm leite e mel, o lugar dos cananeus, heteus, amorreus, ferezeus, heveus e jebuseus. O clamor dos filhos de Israel chegou até mim. Estou vendo a opressão com que os egípcios oprimem’”. Lc 4, 16-21: “Jesus foi para Nazaré, onde tinha se criado. No sábado entrou na sinagoga, como era seu costume, e se levantou para fazer a leitura. Foi-lhe dado o livro do profeta Isaías. Abrindo o rolo, ele encontrou o lugar onde está escrito: ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a Boa Notícia aos pobres. Enviou-me para anunciar a libertação aos presos e a recuperação da vista aos cegos, para dar liberdade aos oprimidos, e para anunciar o ano da graça do Senhor’. Depois fechou o livro, o entregou ao ajudante e sentou-se. E todos os olhos na sinagoga estavam fixos nele. Jesus então começou a dizer-lhes: ‘Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura que vocês acabaram de ouvir’”.

[33]ASSARÉ, Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005, p. 153.

[34]MANZATTO, Antonio. PASSOS, J. Décio. MONNERAT, José Flávio. A Força dos Pequenos – Teologia do Espírito Santo. São Paulo: Paulus, 2013, p. 9-10.

[35]JOÃO XXIII. Nuntius Radiophonicus. Roma: 11 set. 1962. Disponível em < http://www. vatican.va>. Acesso em 20 nov. 2015, p.1. “Altro punto luminoso. In faccia ai paesi sottosviluppati la chiesa si presenta qual è, e vuol essere, come la chies adi tutti, e particolarmente la chiesa dei poveri”.

[36]ASSARÉ, Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005, p. 171.

[37]LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II – Em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Edições Loyola, 2005, p. 201.

[38]COMBLIN, José. O Povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002, p. 100.

[39]FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium – A Alegria do Evangelho – sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulus/Edições Loyola, 2013, p. 119-120.

[40]ASSARÉ, Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005, p. 181.

[41]A obra de Antonio Manzato: Teologia e Literatura – Reflexão Teológica a partir da Antropologia contida nos Romances de Jorge Amado. São Paulo: Loyola, 1994; presenteia o cenário latino-americano e caribenho com uma nova proposta no universo brasileiro da Teologia, propondo uma leitura teológica da Literatura, em sintonia com o pensamento hodierno da teologia católica, estabelecendo portanto um diálogo através da Antropologia a partir da obra de Jorge Amado. A obra é resultado da tese doutoral apresentada na Faculdade de Teologia Católica da Universidade Católica de Louvaina, na Bélgica, em 1993. Em 2019 a obra fará 25 anos de publicada.

[42]BINGEMER, Maria Clara. Teologia e literatura (afinidades e segredos compartilhados). Vida Pastoral: maio-junho. São Paulo: Paulus, 2014, p. 3-8.

[43]ASSARÉ, Patativa do. Digo e não peço segredo. São Paulo: Escrituras, 2001, p. 35.

[44]ASSARÉ, Patativa do. Inspiração Nordestina. São Paulo: Hedra, 2003, p. 324.