Ciberateísmo: religião e ateísmo em tempos de rede
Cyberatheism: religion and atheism in network times
Patricia Leonor Martins*
* Professora de Língua e Lituratura Portuguesa, graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005/2), mestra em Literatura pela mesma universidade (2017). Doutoranda no curso de pós-graduação em Letras - Literatura da UFSC. Contato: patyleonor@ gmail.com.
Voltar ao Sumário
“Humorismo é a arte de fazer
cócegas no raciocínio
dos outros”
Leon Eliachar
Resumo
O artigo discute a partir da personagem do Pastor Adélio o ateísmo nos tempos de Rede. Assim, inicialmente apresenta-se a personagem do Pastor Adélio e considerações sobre o ambiente virtual em que ela está inserida. Faz-se uma breve contextualização do “mundo virtual”, bem como dos espaços virtuais destinados a falar de religião - a ciberteologia -, e dos espaços virtuais que contrapõem o discurso religioso – o ciberateísmo. Além dessa contextualização, o artigo também traz em seu desenvolvimento breves considerações acerca do ateísmo e o neoateísmo. Tendo como base para as discussões suscitadas autores como Georges Minois com sua obra História do Ateísmo, o Padre Antonio Spadaro com a obra Ciberteologia: Pensar o Cristianismo em Tempo de Rede, Pierre Levy com Cibercultura, entre outros.
Palavras chave:Ciberateísmo, Ateísmo, Religião, Pastor Adélio
Abstract
The article discusses atheism in times of Network drawing from Pastor Adélio’s character. Thus, initially the text presents Pastor Adélio’s character as well as considerations about the virtual environment in which it is inserted. Afterwards, the current work establishes a brief contextualization of the “virtual world”, of virtual spaces destined to speak of religion - cyberteology -, and of virtual spaces that oppose the religious discourse - the cyberatheism. Besides this contextualization, the article also develops brief considerations about atheism and neoatheism. The basis for the discussions are raised from authors such as Georges Minois with his work History of Atheism, Priest Antonio Spadaro with the work Cyberteologia: Thinking the Christianity in Network Time, and Pierre Levy with Cyberculture, among others.
Keywords:Cyberatheism, Atheism, Religion, Pastor Adélio
Introdução
Atualmente, o uso das mídias eletrônicas pelas igrejas tem demonstrado uma transmutação na experiência religiosa, apontando assim para um novo paradigma religioso. As novas mídias, em especial a internet, mostram-se como um meio interessante de discussão. É nesse ciberespaço que as mais variadas formas de manifestações religiosas vêm aparecendo.
Nesse sentido, é possível perceber de forma paradigmática que o olhar religioso dos tempos tradicionais para os novos tempos digitais vislumbra as transformações de identidade religiosa no Brasil. Pelo dinamismo que incutiu na vivência cultural ao longo da história, os textos sagrados, a construção de um novo paradigma para esses textos garante uma dose de representatividade bem notória. Como afirma Ferraz1:
[...] nos últimos 30 anos, dezenas de programas de humor ao redor do mundo, na televisão e na internet, tem no Cristianismo uma fonte inesgotável de paródia e riso. Cito alguns: Monty Python, George Carlin, South Park, Os Simpsons, Porta dos Fundos, Pastor Adélio, Um sábado qualquer.
Corroborando com o que diz Ferraz, pode-se dizer que estamos vivenciando o surgimento de uma Teologia do Riso, em que todos, sem exceções, poderão fazer parte, “na qual ninguém herde pecado original e nenhum outro pecado que não lhe pertença [...] E que cada um seja responsável pelos seus atos[...]”2
Para elucidar tais apontamentos, é necessário compreender e conhecer a personagem do Pastor Adélio: o pastor mais sincero do mundo. Além de conhecer esta personagem cujo discurso apresentado tem como referência direta o texto bíblico e que os vídeos postados na internet estão ligados a um humor satírico ateu. Apresenta-se uma breve contextualização do “mundo virtual”, bem como dos espaços virtuais destinados a falar de religião - a ciberteologia -, e dos espaços virtuais que contrapõem o discurso religioso – o ciberateísmo. Além dessa contextualização, apresentam-se breves considerações acerca do ateísmo e o neoateísmo. Tendo como autores base para a discussão suscitada: Georges Minois com sua obra História do Ateísmo, o Padre Antonio Spadaro com a obra Ciberteologia: Pensar o Cristianismo em Tempo de Rede, Pierre Levy com Cibercultura entre outros.
1. PASTOR ADÉLIO: UM CIBERATEÍSTA
Pastor Adélio é um ciberateísta, pessoa que utiliza as redes mundial de computadores para manifestar a sua descrença e ou contestar a crença do outro. O termo ciberateísmo fora cunhado pela professora doutora Salma Ferraz durante discussão em palestra na Semana de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina no ano de 2016, o qual teve seu significado desenvolvido por mim e pela referida professora - orientanda e orientadora - durante discussões sobre minha pesquisa de mestrado.
Nesse sentido, considera-se a personagem do Pastor Adélio que fora criada pelo humorista paranaense, da cidade de Londrina, Marcio Américo Alves3 um ciberateísta. Marcio diz que suas leituras sobre religião, em especial sobre as seitas pentecostais e neopentecostais, fizeram com que resolvesse discutir o assunto de maneira mais ostensiva, usando as ferramentas digitais e que naturalmente acabou chegando à personagem do pastor. Segundo o humorista, “sempre soube que assuntos como religião e política podem ser discutidos através do humor, é um tipo de discussão que facilita o entendimento e atrai um outro olhar das pessoas.”4
Marcio Américo afirma que:
Como humorista pensei em falar deste assunto, a religião, de forma que não ficasse muito maçante, depois de ver os vídeos de alguns comediantes norte-americanos que defenestram Deus e a Igreja, pensei em fazer algo nesta linha, mas acabei desistindo, achei que ficaria parecendo proselitismo, então imaginei um pastor que pudesse falar destes assuntos, um pastor ateu, e aí me veio o Pastor Adélio, o pastor que só fala a verdade.5
Quando perguntado sobre o que ele pensa sobre a Bíblia, o humorista responde da seguinte maneira:
[...] a bíblia é como um livro dos irmãos Grimm... deveria ser assim, mas graças a Constantino, o Imperador, ela acabou virando um negócio muito perigoso, um livro fácil de manusear, fácil de usar, é possível provar qualquer merda dentro da bíblia, veja, todas as religiões cristãs saíram deste livro. Mantenha distância.6
Marcio Américo é um vlogueiro7 ateu, ele mesmo se define ateu em sua página na internet:
Sou ateu a maior parte do tempo, quando tenho alguma recaída basta ler algumas páginas de Deus uma ilusão de Richard Dawkins ou fazer algumas perguntas pertinentes envolvendo sofrimento, tragédias naturais [...] que volto logo ao normal. Ser ateu tem vantagens e desvantagens. Uma das vantagens é que posso viajar sozinho, deus nunca me acompanha, e tem desvantagem, tenho que pagar minhas contas, não posso simplesmente dizer: “deus lhe pague”.8
No entanto, Marcio afirma que:
[...]em relação a Deus, sou tranquilo, nem entro numas com os crentes e teístas de plantão, [...]. eu nunca disse a um teísta: você pode até dizer que crê em Deus, mas ele não existe! Em contrapartida os crentes vivem me dizendo: você pode até não crer em Deus, mas ele crê em você!9
Ainda segundo o criador do Pastor Adélio, seu questionamento é para com a religião:
Os exegetas podem até entrar numas comigo, porém a história mostra que, quanto menos invasiva é a religião na vida das pessoas, melhor elas vivem, experimentam com mais intensidade e rapidez os avanços científicos, vivem a arte e a cultura plenamente.10
Atualmente, o Pastor Adélio está presente YouTube11, com o seu videoblog (Vlog) “Pastor Adélio”:
Figura 1 - Página do Canal do YouTube do Pastor Adelio:
Nesse espaço virtual é que se materializa o Pastor Adélio: o pastor mais sincero do mundo! Um pastor ateu, que interpreta um pastor neopentecostal – evangélico – e analisa trechos da Bíblia com humor satírico, numa linha crítica, com um discurso pesado e fazendo uso de muitos palavrões. No YouTube o Pastor Adélio tem mais de 70 mil seguidores1212, os quais participam de discussões sobre os vídeos ou solicitam mais postagens.
Analisando a página do YouTube do Pastor Adélio encontramos vários vídeos com temática bíblica, sendo que o vídeo mais visualizado é o intitulado Estupro – fala da violência sexual sofrida por Diná, perícope bíblica encontrada em Gênesis (Gn 34,1-31) –, que conta hoje com quase meio milhão de visualizações. O segundo vídeo mais visualizado dentro dessa temática é o intitulado Como Falar em Línguas, com 359.239 visualizações. Esse vídeo trata das passagens bíblicas do livro de Atos, em (At 2, 1-11), onde podemos ver que o fenômeno produzido pelo Espírito Santo foi o falar nas línguas dos outros homens que haviam peregrinado até Jerusalém no Dia de Pentecostes para a adoração. O terceiro mais visualizado é o vídeo cujo título é Ló e suas Filhas Taradas, que está com 326.539 visualizações, nesse vídeo o Pastor Adélio fala da passagem bíblica de Gênesis (Gn 19,30-38). Há também o vídeo intitulado Detonando Os Ursinhos Carinhosos, perícope bíblica encontrada em II Reis, (2º Rs 2, 23-25), com 94.622 visualizações.13
Há ainda uma série de vídeos publicados pela personagem do Pastor Adélio, tanto no YouTube quanto linkados ao Facebook14, que falam sobre religião, no entanto, os vídeos ora mencionados são os de maior relevância para a pesquisa por se tratar de vídeos com temática bíblica, vislumbrando lacunas no texto sagrado as quais o Pastor Adélio encontrou e a forma como as utiliza para produzir um tipo de humor, um humor irônico-satírico, cuja intenção é fazer uma crítica à sociedade.
Figura 2- Facebook Oficial do Pastor Adélio
Além dessas redes sociais, o ciberateísta Marcio Américo também tem conta no Instagram15, local em que faz postagens sobre seus shows e fotos do Pastor Adélio, estando há menos de um ano no Instagram, não o movimenta muito e conta com 553 seguidores.
Há também uma conta no Twitter16, pouco usada, que conta com apenas 304 seguidores. Nela há uma frase que representa bem a personagem do Pastor Adélio, uma “figura” que não acredita em Deus ou deuses e muito menos na Bíblia. “Leio a bíblia como um advogado lê o Código Penal, procurando brechas pra me dar bem”. Essa frase representa bem a paródia que o Pastor Adélio faz em relação aos pastores evangélicos, os quais utilizam a Bíblia para convencer o seu público. A personagem de Marcio Américo faz exatamente isso, mas ao inverso, pois deixa claro que está “ludibriando” quem o está ouvindo.
Além da Internet, o Pastor Adélio também utiliza a ferramenta do WhatsApp17, na qual criou um grupo intitulado “Adelistas” para se comunicar mais diretamente com o seu público. O grupo durou cerca de 8 meses, porém em novembro de 2016 o Pastor Adélio achou melhor cancelar o grupo, que contava com 250 participantes (limite máximo permitido para um grupo), pois não estava dando conta de administrar o volume de postagens que ocorriam. Nesse espaço, a discussão sobre religião era mais aflorada, o ateísmo era a marca do grupo.
A personagem do Pastor Adélio levanta questionamentos por meio de um discurso embasado pelas perícopes bíblicas, com as quais ele vai induzindo seus ouvintes/ espectadores ao questionamento sobre o significado dos escritos da Bíblia. Em suas pregações há uma marca constante que é a negação da existência de Deus, e isso vai ao encontro do neoateísmo e consequentemente do ciberateísmo, posto que a discussão se dá dentro desse ambiente virtual. Pode-se dizer que o ciberateísmo traz consigo uma intrigante provocação que nos leva a repensar o discurso da tradição religiosa, em que a comunicação da fé precisa ser renovada, pois há uma fragilidade no velho discurso religioso. Sendo assim, compreende-se que o fenômeno do ciberateísmo é uma realidade complexa, repleta de questionamentos, que por falta de uma literatura especializada, que dê conta do assunto, acaba por deixá-lo adormecido
2. INTERNET
A Internet é parte ativa da vida contemporânea. Ela tem o poder de formar novas culturas, de exercer influência no modo de pensar de uma sociedade e ou de grupos. A Rede Mundial de Computadores é a atual responsável por disseminar informações de forma rápida pelo mundo, podendo assim atuar no comportamento de milhões de internautas. Esta ideia corrobora com o que diz Antonio Spadaro (2013, p. 7): “a internet não é um simples ‘instrumento’ de comunicação que se pode usar ou não, mas um ambiente ‘cultural’ que determina um estilo de pensamento e cria novos territórios e novas formas de educação [...]”
Pode-se dizer que as interações realizadas por indivíduos da nossa sociedade estão cada dia mais ligadas com a Internet, acarretando inclusive feitos sociais importantes e transformadores. A exemplo, podemos citar um dos movimentos sociais organizados e levantados por meio da Redes Sociais Facebook e Twitter no ano de 2010, a chamada “Primavera Árabe”, que foi uma onda de protestos organizados por internautas, no Oriente Médio e no norte do continente africano. Podese citar ainda as manifestações políticas organizadas pelos internautas no ano de 2013 no Brasil, assim como as manifestações disseminadas desde então, no país, tanto pela direita – que buscava o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff -, como pela esquerda – que buscava a manutenção da Presidenta, eleita pela maioria dos votos populares. As chamadas à população pelos movimentos sociais para irem às ruas se deu nas páginas das redes sociais. O que se percebe é que todos os movimentos sociais organizados pelos internautas tinham uma motivação em comum, um sentimento de insatisfação para com os políticos de seus respectivos países.
Nesse aspecto, constata-se que a Internet não é apenas uma forma de acesso à informação. Ela tem um poder de unir ou separar uma sociedade e por isso precisa ser vista como poderosa o bastante para promover mudanças significativas em qualquer parte do mundo. Pina Riccieri (2012 p. 8) afirma que a Rede Mundial de Computadores é um “novo espaço antropológico com impacto direto e envolvente na vida das pessoas, portadora de ameaças e de potencialidades”. Corroborase com a ideia da pesquisadora, pois a vida moderna hoje gira em torno do mundo tecnológico, e a Internet é o carro chefe.
Várias são as instituições religiosas que já se deram conta dessa potencialidade e do poder da Rede Digital, vários grupos pertencentes a Igreja Católica possuem páginas na Internet, como a Bíblia Online; o próprio Papa Francisco possui uma página na rede social Facebook18. Porém, não só a Igreja Católica está vendo na Internet uma possibilidade para ampliar os seus fieis, assim como de “comercializar a fé”, as religiões neopentecostais também vêm aderindo à Rede, são páginas e mais páginas nas Redes Sociais, no ciberespaço, local em que todos podem ter páginas com vídeos, blogs com depoimentos, e transmissões online de missas e cultos.
3. CIBERESPAÇO
William Gibson em 1984, no romance Neuromancer, apresenta pela primeira vez o termo “ciberespaço” (ou cyberspace). Na obra, o autor retrata um futuro dominado por microprocessadores em que a informação é um produto de primeira necessidade. O pesquisador Pierre Lévy (1999, p. 17), define o ciberespaço como “o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores”. Lévy (1999, p.32) afirma que “as grandes tecnologias digitais surgiram, então, como a infraestrutura do ciberespaço, novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transação, mas também novo mercado de informação e do conhecimento.”
Dessa forma, a Internet pode ser vista como a infraestrutura de comunicação que sustenta o ciberespaço, fornecendo a sustentabilidade de se montar diversos ambientes, como a Web, os fóruns, blogs, os chats e o correio eletrônico, esses ainda são os exemplos mais comuns e disseminados. Em síntese, o ciberespaço é o ambiente e a Internet uma das infraestruturas. Para Lévy (1999), o ciberespaço é definido como o espaço de comunicação formado pela interconexão mundial dos computadores e das suas memórias, constituindo-se num espaço virtual de trocas simbólicas entre pessoas podendo ser entendido como o espaço de troca de informação na cultura contemporânea.
Um dos fenômenos mais intrigantes deste fim de século é sem dúvidas a relação da cultura com a tecnologia, vários setores da vida contemporânea estão sendo modificados, substituídos, complementados e ou articulados pelas tecnologias digitais. O ambiente virtual torna-se local de interação social. Nos ciberespaços há a constituição de relacionamentos os quais ganham a cada dia dimensões não só sociais como também de produção e de pesquisa nas mais diversas áreas, transformando-se em uma ampla rede de comunicação e difusão de conhecimento. O ciberespaço não possui fronteiras.
4. CIBERTEOLOGIA
Hoje, o maior desafio para a Igreja
não é aprender a usar a web para
evangelizar, mas sim viver e
pensar bem – até mesmo a fé –
no tempo da rede19
Antonio Spadaro20
O vocábulo “ciberteologia” já fora utilizado para designar qualquer conteúdo teológico publicado na rede. Entretanto, é certo que a ciberteologia vai muito além da simples comunicação em rede, ela tem muito mais a contribuir com a sociedade quando não se a utiliza como forma de manipulação de massa.
A Internet tem hoje um grande impacto na vida moderna, ela tem o poder de modificar os pensamentos dos internautas, de modificar a forma como se pensa a fé. Para o Padre Spadaro, escritor do livro Ciberteologia: pensar o cristianismo nos tempos da rede, talvez seja a hora de se considerar a possibilidade de uma “ciberteologia” entendida como uma inteligência da fé (intellectus fidei) no tempo da rede. A ciberteologia não é apenas um estudo social sobre Internet e religião, mas:
[...] permanece teologia no sentido em que corresponde à fórmula fides quaerens intellectum. A ciberteologia não é, pois, uma reflexão sociológica sobre a religiosidade na internet, mas resultado da fé que libera de si mesma um impulso cognitivo num tempo em que a lógica da rede assinala o modo de pensar, conhecer, comunicar, viver. (SPADARO 2012 p.41)
Na visão do autor, a ciberteologia é pensar a fé no tempo de rede, ela não é teologia da comunicação, mas sim um conhecimento que nasce da experiência da fé, a fé que busca compreender. Conforme o autor21, o estudo ciberteológico é a experiência da fé e da Rede. Quando não se faz experiência da rede não se pode compreendê-la e nem realizar uma reflexão teológica expressiva.
No entanto, a Igreja ao se fazer presente no mundo virtual demonstra que há uma coexistência entre as diferentes mídias, uma vez que as “antigas” ainda continuam em cena. Na verdade, o que acontece é a existência da cultura da convergência22, “onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis” (JENKINS, 2008, p. 29). Sendo assim, pode-se perceber que o discurso da Igreja Católica, nos meios midiáticos da atualidade e ainda nos tradicionais, está em convergência, e essa convergência consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais. Fala-se claramente do mundo digital como um ambiente, não como um instrumento de um ambiente comum, mas onde as pessoas vivem, se expressam, pensam, se interrelacionam. A Igreja acaba por se inserir nesse ambiente, não simplesmente para usar a rede, mas sim viver neste ambiente, virtual, mas também real. E isso nos faz acreditar em uma mutação, a Igreja está se transformando, se moldando, para que a rede seja um espaço verdadeiro de vida. Isso significa que é preciso vivenciar a rede, sentir e compreender como as questões religiosas hoje também se exprimem na rede.
Visto que há uma significativa mudança no modo de se fazer religião nos dias atuais, percebe-se que os eventos religiosos, como cultos, novenas, homilias que no passado poderiam ser “assistidos” somente nas igrejas, nos templos, em conjunto com a comunidade, no meio tecnológico poderiam ser assistidos pela televisão, ouvidos no rádio ou lidos no jornal, hoje as tecnologias digitais estão aí ocupando esses espaços de fé. Na contemporaneidade, com os avanços tecnológicos, as religiões perderam as fronteiras, pois hoje os eventos religiosos podem ser vistos com interatividade na internet, como por exemplo em blogs pentecostais e neopentecostais onde o fiel pode comentar, sugerir, reclamar ou elogiar os assuntos ali tratados, as programações religiosas chegam às pessoas, que antes tinham poucas chances de conhecê-las, por meio de canais de internet, como as redes sociais, blogs, youtube, sites, entre outros.
Na visão de Spadaro23, o bem e o mal, no fundo, encontram-se na rede como se encontram na vida física. Por isso, para a Igreja estar na Rede significa, em primeiro lugar, escutar, ouvir o que dizem as pessoas, como vivem neste ambiente, quais são as tensões profundas da humanidade que emergem, sem se deixar amedrontar pelo mal, procurando também perceber o bem, procurando ter uma visão evangélica do modo como o homem se exprime hoje, inclusive no ambiente digital.
Por outro lado, o que se verifica é uma banalização da fé e a mercantilização da graça. Segundo Azevedo24:
A graça já não é concedida por Deus, ela é conquistada por um baixo preço através da manipulação de jejuns, “correntes de orações,” “cultos de descarrego”, “cultos da conquista” das “novenas”, etc. Tem sempre uma “noite” para cada necessidade. O que você quiser é só frequentar o culto certo, e Deus não tem escolha, tem que atender. A igreja já não é o lugar “aonde você vai para servir” ela se tornou a prateleira onde se vende bênçãos, milagres, curas, CDs, DVDs, livros de todo tipo, objetos ungidos e sagrados e todo tipo de bugigangas que alimentam a volúpia de alguns que enriquecem enquanto prometem prosperidade para os outros.
Desse modo, percebe-se que o sagrado passou a ser uma mercadoria comercializada como qualquer outro produto nos meios digitais. Há uma utilização capitalista do fenômeno religioso virtual por muitas sociedades, as sociedades atuais e ditas ocidentais regem-se num sistema aonde o dinheiro e o capital são uma manifestação de poder. Por isso, Divindade, Profetas e Símbolos tornam-se, literalmente, moedas de troca. No entanto, sabe-se que a comercialização da fé não é algo somente do nosso tempo, pois encontra-se na Bíblia uma passagem que já indica o uso da fé como comércio, em Mateus 21, 12-13, no episódio Os vendedores expulsos do Templo25:
12. Então Jesus entrou no Templo e expulsou todos os vendedores e compradores que lá estavam. Virou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. 13. E disse-lhes: “Está escrito: Minha casa será chamada casa de oração. Vós, porém, fazeis dela um covil de ladrões!”
Desse modo, pode-se dizer que a comercialização da fé, ou a exploração dela já vem dos tempos dos escritos bíblicos, o que mudou é a forma como ela está sendo feita. Há a modernização da comercialização da fé nos tempos de Rede. Dentro de um paradigma de evolução digital da religião, pautado no princípio de oferta, proveniente da abertura do mercado religioso, tornou o mercado mais competitivo, deixando as organizações religiosas mais ativas na mobilização de seus fiéis, com o intuito de mantê-los, e na conquista de novos adeptos, que do ponto de vista mercadológico tende a incrementar as taxas de participação religiosa da população.
No entanto, para Spadaro, o ambiente digital ajuda em nossas comunicações, ainda que vivamos de um modo diferente, conseguimos comunicar-nos, sem as barreiras do espaço e do tempo, graças à Internet. Para o autor ainda é preciso compreender que o ambiente digital não substitui o ambiente físico, que não há substituição, mas sim uma convergência. Ainda segundo o autor:
[...] a tecnologia exprime o desejo do homem por uma plenitude que sempre o supera tanto em nível de presença e relações quanto em nível de conhecimento: o ciberespaço ressalta nossa finitude e exige operar num campo em que a espiritualidade e a tecnologia se cruzam.26
A afirmação acima nos faz pensar que Spadaro, teólogo e padre jesuíta, pode ter uma visão “romântica” do mundo virtual em relação à Igreja, posto que nesse ambiente a espiritualidade está na maioria das vezes em busca de congregar mais fiéis e em ampliar a sua divulgação, assim como a comercialização de indulgências.
Pensar a Igreja com o olhar de Spadaro é acreditar que a Igreja, com cerca de dois mil anos de experiência ligada à comunicação de mensagens e às relações pessoais e comunitárias, e a Internet, estavam destinadas a relacionar-se, porque aquilo que funda a Rede são as relações. Pensemos nas amizades, nas relações entre pessoas, e a comunicação de uma mensagem. E aquilo que funda a Igreja são as relações de comunhão e a comunicação da mensagem evangélica. Portanto,
A Igreja está naturalmente presente onde o homem desenvolve a sua capacidade de conhecimento e de relações; desde sempre ela possui no anúncio de uma mensagem e nas relações de comunhão os dois pilares fundamentais de sua existência. Eis porque a Rede e a Igreja são duas realidades “desde sempre destinadas a se encontrar (SPADARO, 2012, p. 24)
Ainda segundo o Padre “para a Igreja não basta a conexão. Diria que a Igreja não pode reduzir as relações eclesiásticas a meras conexões, a Igreja tem consciência de que a experiência de comunhão que vive é um dom do Espírito.”27 No entanto, o fato é que as organizações religiosas estão procurando explorar as novas ferramentas digitais que as incluem no mundo virtual, como, por exemplo, a própria Igreja Católica, que já utiliza os mais diversos meios digitais para atrair e/ou manter os fiéis em comunhão com os pensamentos religiosos. Sendo assim, podemos falar em vários “cibers” da Igreja Católica. Ciberteologia (que é também o nome de uma revista). Ciberigreja. Cibercatequese e Ciberpastoral. O Padre Spadaro nesse ambiente cibernético foi o criador do blog Cyberteologia.it, uma página do Facebook intitulada Cybertheology, uma conta no Twitter (@antoniospadaro), o diário The CyberTheologiy Daily.28
Nesse interim, caminhamos para uma mudança paradigmática no modo de evangelização da Igreja Católica, pois vivemos na atualidade um processo de midiatização da sociedade, em que, por meio das tecnologias digitais e da internet, uma nova relação fiel-igreja se torna expressiva e cada vez mais visível. Já para Spadaro:
[...] a rede não é um novo “meio” de evangelização, mas antes de tudo um contexto no qual a fé é chamada a se exprimir não por uma mera vontade de presença, mas por uma conaturalidade do cristianismo com a vida dos homens”. (SPADARO (2012, p. 25)
Ainda segundo o padre, o desafio da Igreja não deve ser de que modo “usar” bem a Rede, como se acredita, mas é como “viver” bem na época da Rede. “Este é o verdadeiro desafio: aprender a ser wired, conectado, de maneira fluida, natural, ética e, até mesmo, espiritual; experimentar a Rede como um dos ambientes da vida”.29 De toda forma, dentro do tema Igreja Católica e Internet, percebe-se como a instituição religiosa, não perdendo a sua essência, está tentando se adaptar a esta realidade de redes sociais digitais e de web.
Portanto, para Spadaro30, a ciberteologia não é uma teologia da comunicação, nem uma teologia contextual. Ela é fundamental para um diálogo da fé com o ser humano e o mundo de hoje, portanto, ela é dialógica.
5. ATEÍSMO E NEOATEÍSMO: BREVES CONSIDERAÇÕES
Diz o insensato em seu
coração: não há Deus
Salmo 14, 1
O que se pretende aqui é apresentar uma breve consideração sobre o ateísmo e o neoateismo, para se fazer compreender o surgimento do ciberateísta.
O termo ateu vem do grego, atheos, significa “sem deus”, é a rejeição ou a negação na crença em divindades ou seres superiores. A crença no divino, no sobrenatural, no sagrado e no transcendental é algo que para muitas pessoas parece ser estranho, antinatural e muitas vezes incompreensível, essas são as percepções sentidas por aquele que não crê, o ateu.
A história do ateísmo é bastante vasta e vem de longa data. O Ateísmo na Antiguidade não era definido como a total negação de um Deus, mas como uma forma de impiedade, não porque o acusado era um descrente em Deus, apenas não acreditava nos deuses do acusador. Porém, as pesquisas sobre essa forma de ateísmo são raras. Corrobora com essa ideia o historiador Sergio da Mata, quando afirma que a definição de ateu na Antiguidade não era muito clara, soando como uma acusação vaga de impiedade que persistiu durante a Idade Média e parte da Idade Moderna. (MATA, 2010, p. 96)
Ser ateu sempre teve uma conotação negativa, podendo ser evidenciada pelos termos que designam a descrença, os quais têm em sua formação “um prefixo privativo ou negativo: a-teísmo, des-crença, a-gnosticismo, in-diferença” (MINOIS, 2014 p. 12). Essa conotação pejorativa, segundo Minois, se deve a “herança de muitos séculos de perseguição de desprezo e ódio por todos aqueles que negam a existência de Deus e se viam, assim irremediavelmente amaldiçoado.” (Ibid. p. 2).
O ateísmo atual pode ser definido como uma negação da existência de Deus ou deuses, que surge com o Iluminismo dos séculos XVII e XVIII. É a partir dos filósofos iluministas que a não crença em Deus se estabelece. Para Minois (2014, p.3): [...] o homem ateu nega a existência de um ser sobrenatural que intervenha em sua vida, mas seu comportamento não se apoia em tal negação; ele a assume, seja como um dado fundamental (ateísmo teórico), seja inconscientemente (ateísmo prático).
Assim, o ateísmo prático foi negligenciado. Para Minois, cada civilização traz em si referências à descrença e à crença no materialismo. “O ateísmo, independente das religiões, pode ser concebido como a grandiosa tentativa do homem de criar um sentido para si mesmo, de justificar para si mesmo a sua presença no universo material, de nele construir um lugar inexpugnável”. (MINOIS, 2014, P.4).
Foi a partir do século XIX, com a Revolução Industrial, que o ateísmo ganhou mais força, pelas teorias da evolução de Darwin, pelo socialismo de Marx e o materialismo de Feuerbach, em que as informações e pensamentos científicos aparecem colocando em dúvida a real existência divina. Para Sartre, no ateísmo não há regras a priori ou valores absolutos que podem ser invocados para governar a conduta humana e que os humanos estão ‘condenados’ a inventar estes por si mesmos, tornando o “homem absolutamente responsável por tudo que ele faz” (SARTRE, 2001, p.32). Conquanto, o ateu seria a pessoa que afirma não ter religião e/ou não ter crenças teístas; são os que rejeitam uma divindade e uma religião.
Atualmente, religiões estão se moldando à economia de mercado para atender as necessidades de uma sociedade contemporânea, pois é preciso seguir os avanços em nível tecnológico bem como de comunicação. Corrobora-se dessa forma com a afirmação de Galindo:
A religião como produtora de sentido encontra-se agora diante de ”novos concorrentes” que falam sobre o tempo presente. Isso é um novo habitar da contemporaneidade, onde a busca por experiências máximas foi deslocada da religião, para instituições não religiosas ou ainda por uma religião privatizada, pensada aos moldes do mercado e do consumo, atendendo ao fiel consumidor e na busca por torná-lo em um consumidor fiel. (GALINDO, 2013,p.11)
É claro que estamos diante de novos cenários, onde há novos fiéis, novas formas de cultuar, e novos “perfis” de Deus. Faz sentido ressaltar que o ateísmo que é apresentado nas Rede Mundial de Computadores já é um efeito das mutações do ateísmo no tempo, e apresenta-se como uma forma popularizada de autores contemporâneos. E essa popularização nada mais é que o retrato da leitura de autores neoateístas, os quais adequaram os discursos a fim de torná-los mais simples e consequentemente mais acessíveis aos leitores.
O ateísmo no ambiente virtual trabalha com conceitos do senso comum. O termo neoateísta é basicamente um neologismo, entretanto, se justifica mais por causa das polêmicas e militância provocadas, em que o neoateísmo teve uma divulgação maior com o advento das mídias eletrônicas, principalmente na Internet. Para a pesquisadora Clarissa De Franco, o neoateísmo tem como características cinco fatores:
1)características de movimento social; 2) estado secular que dá proteção e força aos ateus, relegando os religiosos para lugar da obsolescência; 3) passagem do paradigma filosófico para o cientifico na defesa do ateísmo, com penetração pelo senso comum; 4) cenário de terrorismo religioso, que assustou o mundo com mais intensidade desde 11/09/2001, e 5) Internet, que possibilita a formação de redes e o espraiamento das ideias ateístas, focando no público jovem (FRANCO, 2014, 13)
Tais fatores nos fazem pensar a Rede Mundial de Computadores como um espaço social. Nesse aspecto corrobora-se com a ideia de Galindo, quando afirma que: “esta é a sociedade do agora, do presente, da cotidianidade, do instantâneo, da velocidade dos fatos e dos acontecimentos, sem passado e sem futuro, apenas do aqui e agora” (2013, p.3). É a sociedade do mundo conectado
6. CIBERATEÍSMO
Pode-se correr o risco em afirmar que a civilização do século XXI é ateia, sim, já que o conteúdo do discurso, mesmo quando ainda se fala de Deus, não é mais religioso, mas político, econômico, sociológico. Não se trata, porém, do ateísmo racional, sonhado por muitos, que traria ordem e progresso à humanidade. Por certo, a fragmentação da razão não favoreceu nem as religiões, nem o ateísmo teórico, enquanto visão do mundo, no qual o próprio ser humano autojustifica a sua existência e a do conjunto do universo. Porém, o que se verifica é um ateísmo descrente da razão, um ateísmo que não pronuncia seu nome, conquistador sem o querer, sem premeditação, e sem mesmo ter consciência da sua força.
Muito embora a obra do pesquisador George Minois não contemple o movimento neoateísta, pois sua obra “História do Ateísmo” é anterior aos ataques de 11 de setembro de 2001, considerado um marco para o início do neoateismo, Minois retrata os dois últimos decênios do século XX que são marcados pelo declínio do combate contra a religião. Para o pesquisador, as duas últimas décadas do século XX foram marcadas pelo sentimento de impotência e de inutilidade que deixaram os espíritos apáticos. Não obstante, tem-se uma exacerbação no sentimento antirreligioso, no início do século XXI. (2014, p. 594).
É justamente nesse período que, no do Brasil, o ateísmo/neoateísmo começa a se organizar, embora que tardiamente. Não porque não tivéssemos ateus antes, mas a organização do ateísmo em associações surge somente com o advento da internet, uma vez que esta propiciou a um pequeno grupo, e espalhado territorialmente, o poder para se contatar e se organizar. A ATEA31 é um exemplo disso.
Figura 3 - Uma das capas da página oficial do Facebook ATEA
Figura 4 - Página de Facebook Oficial da ATEA
É possível perceber confrontos antirreligiosos nas redes sociais. Com o surgimento de pessoas e ou grupos com contestações em torno do texto bíblico e das práticas neopentecostais - os pastores e suas pregações -, que utilizam vídeos no Youtube para divulgar suas opiniões, tornando-os famosos dentro da rede, muitas vezes, por suas irreverências e ou humor satírico, como é o caso do Pastor Adélio, objeto de pesquisa dessa dissertação.
Figura 5 - Página de Facebook do Humor Ateu sem Censura
Podemos observar na imagem a representação da Santa Ceia, que originalmente fora pintada por Leonardo Da Vinci, sendo uma encomenda da Igreja de Santa Maria Delle Grazie, a tela retrata o momento em que Jesus Cristo aponta seu traidor segundo a passagem bíblica João 13: 21. No entanto, na página do Humor Sem Censura a imagem está, humoristicamente, com novos personagens, com rostos de pessoas conhecidas da atualidade, representantes religiosos que se destacam por suas pregações como é o caso dos pastores evangélicos aqui representados, os padres católicos mais bem quistos na atualidade e o Papa Francisco que vem tendo grande popularidade mundial, os quais representam a igreja católica, há também jornalistas e políticos representados; no centro, no lugar da personagem principal que é Jesus Cristo, a imagem traz um humorista vestido de Diabo com uma expressão de humor satírico. No entanto, a tela está representada com apenas 11 “apóstolos”, discípulos do diabo, já a imagem original tem os 12 apóstolos. A imagem original segue abaixo:
Figura 6 - Pintura Santa Ceia de Leonardo Da Vinci
Observando as duas imagens percebe-se que a intenção do moderador da página Humor Sem Censura q chamar a atenção de seus leitores para o que vem ocorrendo com os seguidores das religiões – cristãs e neopetencostais - o endeusamento de seus representantes. Apresenta outros personagens como a mídia que hoje tem o poder de guiar os pensamentos da população e o político pertencente a “bancada evangélica” na câmara dos deputados, estes com o poder de decidir a vida do povo. Sendo assim, o moderador da página se mostra incrédulo com as religiões, a mídia e a política nacional, e utiliza o humor para expor suas ideias. A página tem diversas postagens nessa linha de pensamento.
Outra página no Facebook interessante é a Inca Venusiano, onde em sua timeline apresenta imagens de humor criticando as religiões e com um alvo principal os evangélicos.
Figura 7 - Facebook Inca Venusiano
Na imagem, observa-se que o título da Bíblia está escrito de forma equivocada “BíBRA CRENTi”, que está sendo segurada por homem que por suas vestes pode-se inferir que seria um pastor ou um fiel neopentecostal e ou pentencostal. A criança faz uma pergunta “PAiÊÊ, QUAiS MiNORiAS NOSSA RELiGiÃO DiSCRiMiNA? Mas não há resposta, apenas o olhar do pai. Esse tipo de imagem é comumente encontrado nessa página, bastante polêmica, pois ela tem como característica principal demonstrar por meio de caricaturas o evangélico como um ser inculto e intolerante para com as minorias religiosas, mas que tem grande preocupação com a “salvação”.
Também encontramos páginas que falam sobre religião, com uma crítica mais sutil, um humor mais brando, como é o caso de Um Sábado Qualquer do cartunista Carlos Ruas que em sua página de Facebook e em seu site na Internet o desenhista criou uma série de tirinhas temáticas com personagens bíblicos como por exemplo: Deus, Jesus, Caim, Luciraldo (o diabo), entre outros. Quase sempre, suas tirinhas apresentam personagens das religiões, seu principal personagem é o Deus judaico-cristão. Nessas tirinhas pode-se perceber o uso de passagens bíblicas para levantar questionamentos recorrentes a partir dos dogmas cristãos, bem como pontos de vista desenvolvidos com muito humor, mas críticos.
Figura 8 - Facebook Um Sábado Qualquer
Saindo das páginas da rede social, indo para o Youtube, há o canal de vídeo mais visitado, no Brasil, que é o do coletivo “Porta dos Fundos” com mais de 12 milhões de inscritos. O grupo posta em média dois vídeos por semana no seu canal no Youtube, os quais ganham facilmente grande repercussão tanto entre brasileiros quanto estrangeiros. Boa parte dos vídeos postados pelo coletivo são vídeos de temática cristã.
Nesses vídeos a crítica ao cristianismo é uma das marcas, utilizando algumas passagens bíblicas as quais são parodiadas com humor, mas com referências consistentes e muitas vezes polêmicas, como forma de expor questionamentos pertinentes com o momento social, político e religioso vivido pelo Brasil. Sobre o Coletivo Porta dos Fundos há uma dissertação de mestrado que faz um estudo sobre o grupo, desenvolvida pelo pesquisador André Silveira, intitulada Riso e subversão: O cristianismo pela Porta dos Fundos, a qual pode servir para maiores esclarecimentos e ou aprofundamentos.32
Figura 9 - Canal do YouTube do Coletivo Porta dos Fundos
Nessa linha de humor, mais pesado, entra o Pastor Adélio. Um ciberateista que vai utilizar das facilidades que a Internet proporciona para dar visibilidade aos seus vídeos e difundir o seu discurso. O que vai marcar o ciberateísmo é justamente o uso dessa facilidade, como, por exemplo, nos vídeos do Pastor Adélio, que geralmente são monólogos, discursados para uma câmera, antes chegar a seus espectadores/fiéis, onde o seu discurso pode ser visualizado antecipadamente, para se fazer as adaptações, escolher as melhores falas, e regravá-las, se for o caso, para então postar o vídeo no ciberespaço. Tudo pode ser editado, diferentemente dos cultos feitos ao vivo, em que os pastores dialogam diretamente com seus fiéis.
A Internet oferece diversos recursos ao ateu/neoateu para difundir os pensamentos, mensagens e questionamentos aos mais diversos lugares. O poder de alcance da internet é ainda inigualável, a rede mundial de computadores tornou-se uma “arma” que pode ser usada por qualquer pessoa, e é justamente com essa arma que pastores humoristas vão utilizar para propagar os pensamentos ateístas por meio de um humor, no caso do Pastor Adélio, um humor satírico e irônico. Adélio foi o primeiro personagem brasileiro a utilizar desse espaço virtual para dar visibilidade ao seu discurso ateísta, contestador sobre religião.
Figura 10 - Canal do YouTube do Pastor Adélio
Na imagem acima, pode-se observar a quantidade de inscritos, as visualizações da página e a data da primeira postagem. Também os links que estão vinculados ao canal do Pastor Adélio, como o Facebook, Twitter, Google+ e WordPress. Esses dados demonstram a visibilidade da página, e como há adeptos a novos questionamentos ao texto bíblico. Um detalhe que chamou a atenção, que daria um novo estudo, é em relação os comentários e aos inscritos nas páginas do Pastor que são na sua grande maioria homens, os quais corroboram com o pensamento questionador e inquietante do discurso do Pastor Adélio.
Com os avanços tecnológicos, dentro desse universo virtual, páginas ateias que tratam de religião de forma crítica e humorística não faltam, a intenção aqui foi de apontar algumas das mais páginas virtuais mais visualizadas e curtidas no momento. Há, porém, outras de menor repercussão como: Eu, ateu; Em nome do troll; Bar do Ateu; Os Crente Pira; Cansei de Religião; Sem Deus no Coração; Evangelize-me Se For Capaz; Canal AntiFé do Youtube (página pouco acessada, mas relacionada a vlogs); ARCA - Associação Racionalista de Céticos e Ateus (página do Youtube com pouco acesso, mas de vlogueiros). Em todas essas páginas seus moderados podem ser considerados ciberateístas.
Presencia-se, portanto, uma mudança paradigmática na forma de se comunicar, pois há uma consolidação no uso das novas tecnologias, mais precisamente com o uso da internet, já que nesse espaço virtual o processo de comunicação acaba por se tornar mais rápido, de fácil acesso e disponível para aqueles que queriam emitir opiniões e oferecer conteúdo sem qualquer tipo de restrição. Essa rede de informação democratizou os acessos, diversificou os assuntos e informações em todo o mundo e muitas vezes instantaneamente.
Assim sendo, nesse universo, o ciberateísta tem a liberdade de participar, ler e escrever mensagens, postar imagens e até construir websites para se posicionar sobre a sua visão das religiões e emitir opiniões do porque não seguem nenhuma delas. Os ciberateístas podem ser encontrados nesse universo virtual em grupos organizados, comunidades virtuais, ou na forma individual. Certamente a facilidade de encontrar pessoas com pensamentos semelhantes e a possibilidade do anonimato tornou a Internet um local propício de encontro para aqueles que não creem em um deus.
—
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Português, 4ª reimpressão. São Paulo: Paulus, 2006.
FERRAZ, Salma: O humor salva. Entrevista especial com Salma Ferraz. Revista do Instituto Humanista da UNISINOS. Teologia e Literatura. São Leopoldo: Unisinos, 2017, Edição 499.
FRANCO, Clarissa De. O ateísmo de Richard Dawkins nas fronteiras da ciência evolucionista e do senso comum. 2014. 233f. Tese (Doutorado em Ciência da Religião). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
GALINDO, Daniel. O consumo da religião como entretenimento: quem abriu a caixa de Pandora? Anais do VIII Eclesiocom. Volume 2, Número 1. São Bernardo: UMESP, 2013.
GALINDO, Daniel. O marketing da fé e a fé no marketing. Estudos de Religião, v. 23, n. 36, jan./jun. 2009, p. 14-34.
JENKINS , Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo. Editora 34, 1999.
LEVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996.
MATA, Sérgio. História & Religião. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
MINOIS, Georges. História do Ateísmo: os descrentes no mundo ocidental, das origens aos nossos dias/ tradução Flávia Nascimento Falleiros, 1. Ed. – São Paulo: Editora Unesp, 2014.
RICCIERI, Pina. Formação Ao Alcance De Um Clique - Comunicação digital: desafios e oportunidades. São Paulo. Editora Paulinas, 2012.
SILVEIRA, André Luiz. Riso e subversão: O cristianismo pela Porta dos Fundos. Florianópolis – SC, Dissertação de Mestrado UFSC, 2016.
SPADARO, Antonio. Ciberteologia: pensar o cristianismo nos tempos de rede. Tradução: Cacilda Rainho Ferrante, São Paulo: Paulinas, 2012.
SPADARO, Antonio. Ciberteologia. Conferência. 2013. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=T86F2-_G-4g Acesso em 11/09/2016.
SARTRE, Jean-Paul. Existentialism and Humanism. In: PRIEST, Stephen, JeanPaul Sartre: Basic Writings, London: Routledge, 2001.
—
Notas
[1]Revista IHU – Online – Unisinos. Entrevista com Salma Ferraz. Disponível em: http:// www.ihu.unisinos.br/564507-o-humor-salva-entrevista-especial-com-salma-ferraz, publicado em 17 de fevereiro de 2017. Acesso em 19/02/2017.
[2]Idem.
[3]Pastor Adélio, portanto, é uma personagem criada pelo “humorista, dramaturgo, escritor, roteirista e ator”. O autor possui três livros lançados: Preciso Dar um Jeito na Vida (poesia – 1998), Meninos de Kichute (romance – 2003), adaptado para o cinema pelo diretor Luca Amberg e Corações de Aluguel (romance policial – 2007).
[4]Entrevista concedida por e-mail em 25/06/2014.
[5]http://marcioamerico.wordpress.com/2011/05/11/pastor-adelio/ Acesso em: 01/07/2014.
[6]Entrevista enviada por e-mail: 25/06/2014
[7]Vlogueiros são pessoas que acabam fazendo um vídeo de curta duração para o YouTube, acabam discutindo e dando opinião para diversos assuntos. Vlog é a abreviação de videoblog (vídeo + blog), um tipo de blog em que os conteúdos predominantes são os vídeos. A grande diferença entre um vlog e um blog está mesmo no formato da publicação. Ao invés de publicar textos e imagens, o vlogger ou vlogueiro, faz um vídeo sobre o assunto que deseja. A plataforma, ou seja, o site que os internautas mais utilizam para publicar os seus vídeos é o YouTube. Para isso, o vlogger precisa criar um canal no site, que funcionará como um vlog para seus vídeos.
[8]http://marcioamerico.wordpress.com/2011/05/11/pastor-adelio/ Acesso em: 01/07/2014
[9]Idem.
[10]Idem.
[11]YouTube é um site que permite que os seus usuários carreguem e compartilhem vídeos em formato digital. Foi fundado em fevereiro de 2005. O YouTube utiliza os formatos Adobe Flash e HTML5 para disponibilizar o conteúdo. É o mais popular site do tipo devido à possibilidade de hospedar quaisquer vídeos. Hospeda uma grande variedade de filmes, videoclipes e materiais caseiros. O material encontrado no YouTube pode ser disponibilizado em blogs e sites pessoais através de mecanismos (APIs) desenvolvidos pelo site.
[12]Última visualização feita por mim fora em 20/02/2017.
[13]Última visualização dos vídeos mencionados feita por mim fora em 20/02/2017.
[14]Facebook é uma rede social lançada em 4 de fevereiro de 2004, operado e de propriedade privada da Facebook Inc. Em 4 de outubro de 2012, o Facebook atingiu a marca de 1 bilhão de usuários ativos, sendo por isso a maior rede social em todo o mundo.
[15]Instagram é uma rede social de fotos para usuários de Android e iPhone. Basicamente se trata de um aplicativo gratuito que pode ser baixado e, a partir dele, é possível tirar fotos com o celular, aplicar efeitos nas imagens e compartilhar com seus amigos. O Instagram foi criado por Kevin Systrom e Mike Krieger, lançado em outubro de 2010. O serviço rapidamente ganhou popularidade, com mais de 100 milhões de usuários ativos em abril de 2012. https://pt.wikipedia.org/wiki/Instagram . Acesso em 16/12/2016.
[16]Twitter é uma rede social e servidor para microblogging, que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos, em textos de até 140 caracteres. Além das micro-mensagens, o Twitter atualmente disponibiliza a opção de também compartilhar imagens e vídeos, através de encurtadores de URL’s. Foi criado em 2006 por Jack Dorsey. https://www.significados.com.br/twitter/. Acesso em: 16/12/2016.
[17]O WhatsApp Messenger é um aplicativo de mensagens instantâneas para Smartphones. Com ele, os usuários podem se comunicar com seus contatos que também têm esse software em seus smartphones, sem precisar telefonar ou enviar sms. Este aplicativo móvel existe para BlackBerry, iPhone, Nokia e Android. A empresa foi fundada em 2009 por Brian Acton e Jan Koum. Informações disponíveis em: http://g1.globo. com/tecnologia/noticia/2014/02/criado-em-2009-whatsapp-cresceu-mais-rapido-que-facebook-em-4-anos.html. Acesso em: 09/01/2017.
[18]Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br Acesso em: 05/04/2014 https://www.facebook.com/Papa-Francisco-I-El-Jesuita-Página-Oficial552418514789818/?fref=ts Acesso em: 10/08/2016
[19]http://www.ihu.unisinos.br/noticias/508828-a-ciberteologia-das-redes Acesso em: 03/01/2017.
[20]Antonio Spadaro é padre jesuíta, editor da revista italiana La Civiltà Cattolica e professor de literatura da Universidade Gregoriana, em Roma. Formado em filosofia, teologia e comunicação social, é mestre em teologia pela Universidade Lateranense e doutor na mesma área pela Gregoriana. Entrevista disponível em: http://migre.me/dH7zH. Acesso em: 01.09.11.
[21]Conferências ministrada por Antonio Spadaro, 2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T86F2-_G-4g Acesso em: 03/01/2017
[22]Por convergência, Jenkins (2012, p. 29) conceitua: Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando.
[23]Conferências ministrada por Antonio Spadaro, 2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T86F2-_G-4g. Acesso em: 03/01/2017
[24]Azevedo, Neilton Santos. O FENÔMENO RELIGIOSO NA PÓS-MODERNIDADE (2008) disponível em: http://religare.blogs.sapo.pt/35170.html Acesso: 12/12/2016
[25]Bíblia de Jerusalém, p. 1741.
[26]Conferências ministrada por Antonio Spadaro, 2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T86F2-_G-4g Acesso em: 03/01/2017
[27]Idem.
[28]http://www.cyber-theology.net É um serviço de curador de conteúdo. (SPADARO 2012 p. 13)
[29]Conferências ministrada por Antonio Spadaro, 2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T86F2-_G-4g Acesso em: 03/01/2017
[30]Idem.
[31]A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos é uma entidade sem fins lucrativos sediada virtualmente no site https://www.atea.org.br/, registrada na Receita Federal - Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) sob o número 10.480.171/0001-19 e no 1º Oficial de Registro de São Paulo/SP. A ATEA surgiu da necessidade crescente de ateus se organizarem e conta atualmente com mais de 12500 associados de todo Brasil (dados de Abril de 2014). Foi criada em 31 de agosto de 2008 por Daniel Sottomaior, Alfredo Spínola e Mauricio Palazzuoli. É uma associação de direito privado, constituída por tempo indeterminado, sem fins econômicos, de caráter organizacional, filantrópico, assistencial, promocional, recreativo e educacional, sem cunho político ou partidário, com a finalidade de desenvolver atividades no campo da ordem social q ue busquem promover o ateísmo, o agnosticismo e a laicidade do Estado. A ATEA está representada na Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/SP, no Centro de Promoção da Liberdade Religiosa & Direitos Humanos do governo do Estado do Rio de Janeiro e no Comitê de Liberdade Religiosa do Estado do Rio Grande do Sul. É uma associação de direito privado, constituída por tempo indeterminado, sem fins econômicos, de caráter organizacional, filantrópico, assistencial, promocional, recreativo e educacional, sem cunho político ou partidário, com a finalidade de desenvolver atividades no campo da ordem social que busquem promover o ateísmo, o agnosticismo e a laicidade do Estado. Disponível em: https://www.facebook.com/pg/ATEA.ORG.BR/about/?ref=page_internal . Acesso em 10/12/2016.
[32]Silveira, André Luiz da Silveira. Riso e subversão: O cristianismo pela Porta dos Fundos. Florianópolis, 2016, UFSC. Disponível em https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/167729/339984.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em 06/06/2016