René Girard e Carl Schmitt: a voz do cristianismo na história intelectual da modernidade
René Girard and Carl Schmitt: the voice of christianity in intellectual history of modernity

Alexandre Bacelar Marques*
* Professor de Teoria política e disciplinas correlatas do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí bem como no Programa de Mestrado em Ciência Política da mesma faculdade. Contato: .
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Resumo
O artigo mostra que as teses do antropólogo e crítico literário francês René Girard a respeito do romance moderno sugerem uma nova maneira de entendermos o lugar que a sabedoria cristã ocupa na história intelectual da modernidade. A narrativaconvencional sobre a modernidade conta um caso de substituição, em que o cristianismo foi, aos poucos cedendo lugar para as ideias modernas. Se Girard estiver certo, porém, o ocorreu não foi tanto uma substituição intelectual como um deslocamento retórico. A visão de mundo cristã não desapareceu da paisagem cultural, apenas deslocou-se para o reino da ficção. O problema é que esta crítica à narrativa convencional da “secularização” não está, contudo, explícita na teoria de Girard. Para que se possa fazê-la valer, deve-se buscar apoio nas ideias de outro autor, um que também é cristão e tem uma tese a respeito da moderna esfera pública: Carl Schmitt. O artigo conclui-se com uma sugestão de que as ideias de Girard, bem como as de Schmitt, a propósito da relação entre o cristianismo e a cultura na modernidade pode ser associada a algumas ideias retóricas barrocas.

Palavras chave:René Girard, Romance moderno, cristianismo, secularização, Carl Schmitt.

 

Abstract
The article shows that the thesis of the famous french philosopher and anthropologist René Girard on the modern novel sugest a new way to look at the place of christian winsdom in modernity’s intellectual history. Modernity conventional story tells about a case of replacement: Christianity has been slowly replaced by modern ideias. However, if Girard is right, we do not have an intelectual replacement’s story but one of rhetorical displacement. Christian vision did not faded way from cultural landscape. It just was displaced to the realm of fiction. This critic of the conventional story ist not, however, made clear by Girard himself. We need another christian thinker’s help to made it effective. One that is also a christian and has a thesis on the nature of modern public sphere: Carl Schmitt. The article comes to an end by sugesting that Girard’s ideias, as well as Schmitts, on the relation between christianity and culture in modernity shall be readed on the light of some barroque rhetorical ideas.

Keywords:René Girard, modern novel, christianity, secularization, Carl Schmitt.

Introdução.

A “teoria mimética” é geralmente aproveitada por meio do emprego mais ou menos inteligente de seus conceitos na interpretação de novos objetos, sejam objetos literários, como romances ou filmes, sejam fenômenos sociais mais abrangentes, como a guerra ou a anorexia1.

Não, evidentemente, há nenhum problema com esse procedimento. Conhecemos todos os bons frutos que ele é capaz de produzir ao iluminar textos e fenômenos sociais com a lanterna da teoria mimética. Ele tem esta característica, entretanto: tende a domiciliar o discurso dos estudiosos e admiradores da obra de Girard no interior de sua linguagem conceitual, que resta, assim, transformada em um critério de interpretação da realidade: em uma teoria geral do fenômeno social.

O fato a teoria mimética ser tão abrangente a torna menos atrativa para historiadores. A história não é avessa aos critérios gerais de interpretação, mas precisa mantê-los a uma distância salutar. A boa história intelectual deve ser mais histórica que intelectual, como bem o disse, recentemente, Frank M. Turner2. A honra dos que lidam com as obras literárias e filosóficas enquanto documentos consiste em tentar sempre interpretá-los segundo sua própria voz, se lhes sobrepor uma filosofia total da históriae nem mesmo, na medida do possível, uma linguagem teórica extemporânea. A ortodoxia terminológica, em história, é anátema. Esta consiste, precisamente, enquanto gênero literário, na narrativa da vida e morte das grandes visões.

Os dois postulados históricos da teoria mimética.

Vou sugerir um modo pelo qual a linguagem teórica girardiana pode iluminar o trabalho dos interessados na história intelectual moderna que não consiste na aplicação de seus conceitos aos autores de que tratamos.A démarche crítica de Girard se baseia em dois postulados principais. Se estes postulados forem simplesmente levados a sério, sem que nem mesmo se precise entrar no mérito da teoria mimética enquanto tal, os estudos de história intelectual poderão ser enriquecidos por uma nova perspectiva e a própria teoria girardiana ganharia significado historiográfico.

O primeiro postulado é o de que a literatura, melhor dizendo, o gênero romanesco, carrega uma sabedoria particular ao gênero, sem a qual ele não pode ser compreendido, o que significa que ele não é um simples objeto estético. Em suas próprias palavras:

Há nos autores do desejo mimético uma voz quase-teórica, que sempre foi silenciada: primeiro pela concepção da arte como mero entretenimento, depois pela ideia de “arte pela arte”, e agora por metodologias críticas que mais do que nunca negam qualquer força investigativa a uma obra literária3.

A teoria do desejo “triangular” ou mimético não é apresentada pelo crítico como sua mas como do próprio discurso romanesco. Para Girard, o romance moderno é essencialmente filosófico. Ele porta uma verdade a respeito da natureza humana capaz de competir com a verdade das ciências humanas. Girard é grande o crítico literário francês responsável por promover o caráter filosófico da grande tradição romanesca.

A mudança de ângulo na abordagem do discurso do romance levanta questões históricas de grande magnitude. Entre elas, a que mais interessa neste trabalho: se o discurso romanesco é de fato uma antropologia e não um deleite, por que ele se apresenta como ficcional? Colocada de outro modo: se a teoria mimética é, como quer Girard, do romancista e não do crítico literário, qual a diferença entre o que a verdade que o romancista apresenta e a que o próprio crítico apresenta? O que a passagem de um ao outro representa na história do pensamento moderno?

O tratamento de questões como esta pode nos levar, por exemplo, a uma reconsideração do conceito de esfera pública moderna. Se o discurso que se apresenta como ficcional é um saber, então a autoridade pública dos gêneros discursivos modernos que orientam a vida moral do cidadão, desde o jornalismo até as grandes tradições de discurso universitário que pretendem fornecer uma ética secular, ou o que Wolf Lepenies chama de “doutrina da vida” – basicamente o que hoje chamamos pelo nome genérico de “ciências sociais” – precisam todas ser reavaliadas de modo a levar em conta sua posição com relação a este gênero discursivo que não reclama autoridade própria4. Se a esfera-pública é aberta, livre para todas as visões de mundo, porque, afinal, a visão da natureza humana contida nos grandes romancistas precisou assumir, nela, um lugar tão marginal? Será a antropologia mimética menos credível que outras antropologias e saberes, como a psicanálise e a sociologia marxista, as quais, no entanto, puderam, com grande sucesso, se apresentar como plenamente verdadeiras?

É verdade que nem todos os romancistas se contentavam com o posto secundário. No século XIX, no auge da autoridade pública do gênero romanesco, quando as ciências sociais ainda precisavam se afirmar, alguns autores reclamavam para seu discurso a autoridade da ciência de modo semelhante ao que faziam os fundadores nas modernas ciências sociais e da psicologia.5 Esta pretensão acabou com a entrada do século XX e a grande evolução das ciências humanas. A ideologia ao mesmo tempo hermética, construtivista e subjetivista do modernismo literário pode ser vista como reação do gênero romanesco a esta derrota na luta pela autoridadena esfera pública secular.

Só que o que Girard postula é muito mais que os romancistas realistas do século XIX (em alguns romancistas psicológicos do século XX) jamais sonharam. Ele afirma que o romance representa uma verdade humana superior à das ciências sociais. Isto é diferente de dizer que este ou aquele romance é sociologicamente ou psicologicamente verdadeiro enquanto aquele outro não é. A verdade que os grandes romances nos contam não preexiste à sua revelação pelo romance. Nesta perspectiva, um romance “sociológico” ou “freudiano” é falso pelo simples fato de que a verdade romanesca é antropologicamente superior que à antropologia subentendia tanto na tradição sociológica quanto na tradição psicanalítica. Comparadas à verdade antropológica essencial do romance, as ciências sociais e a psicologia são mitos. Elas é que deveriam aprender com o romance, não o contrário. Não surpreende que alguns críticos de Girardacusem de usar as obras literárias, sem se preocupar com seu valor estético.6 E têm razão. Girard usa o romance porque os trata como uma sabedoria.

O segundo é o postulado de que o saber de que o romance moderno é portador tem, por sua vez, origem no texto do Evangelho. Nenhuma das outras visões a respeito do gênero que o consideram como uma forma de saber estabelece esta conexão.

A identificação de correspondências entre a Bíblia e o romance moderno não é exclusiva de Girard. É um dos grandes temas da crítica literária do século XX. Críticos como Northrop Frye, Eric Auerbach, Frank Kermode7, para ficar apenas nestes nomes, escreveram clássicos da crítica literária a respeito. O que é, salvo engano, exclusivo de Girard é o fato de que a correspondência que ele procura estabelecer não é uma herança de estilo literário, caso da tese de Auerbach, nem de símbolos e arquétipos narrativos – caso das teses de Frye e Kermode8 – mas uma antropologia, uma ciência do homem muito bem definida.

A importância da ligação entre a Escritura e a literatura (tomada como um saber) é a seguinte: a história das ideias políticas e morais é, geralmente, seguindo um cliché que não se pode apostar irá ceder tão cedo, narrada como a história do abandono de uma visão de mundo religiosa e dogmática em proveito de uma moralidade independente dos pressupostos metafísicos da religião.9 Se houver, porém, como postulado por Girard, uma relação entre a sabedoria romanesca e a sabedoria da Revelação, então temos um elemento a mais a depor contra a grande narrativa de secularização do pensamento ocidental. Em vista do postulado girardiano, esta poderá ser reconsiderada de modo a incluir um gênero retórico indiscutivelmente cristão e indiscutivelmente moderno. E se esse gênero existe, de que secularização estamos falando, então? Se a genealogia do romance estabelecida por Girard estiver correta, então nunca houve, na história da inteligência ocidental, um fenômeno de secularização. A narrativa da progressiva perda de autoridade do cristianismo no discurso público só se sustenta se a atenção histórica for artificialmente concentrada nos gêneros que se pretendem portadores da verdade do corpo político: o direito natural, a filosofia política, as ciências sociais. Ela vacilará, porém, se incluirmos o gênero romanesco; e somente um preconceito subjetivista, que enxerga o romance como expressão das vicissitudes do ego do autor desvelado para o deleite vão de seu público e não como um saber tradicional publicamente vigente poderia fazê-lo10.

A existência desta antropologia levanta alguns problemas muito interessantes para a história intelectual modernidade. Exemplo de um entre muitos: o que é um discurso público cristão? Deixando de lado uma distinção mais pormenorizada entre o que seria um discurso público e um simples conjunto de “ideias cristãs” é possível, partindo deste problema, chegar a uma reconsideração histórica do discurso público moderno. O que Girard está no dizendo, afinal, é que o texto do evangelho não deixou de marcar presença – e grande! Afinal, a história cultural dos séculos XIX e começo do XX está marcada pela presença do romance – na história intelectual do ocidente, a qual se define, justamente, pela exclusão do cristianismo. Ele só mudou o aspecto de sua influência. De texto por trás de um saber doutrinário e dotado de autoridade epistemológica e jurídica – o saber teológico, que até o começo da Idade Moderna fundava inclusive a autoridade do discurso jurídico – sua palavra frutificou, na modernidade, em um modesto gênero retórico, o romance moderno, o qual goza de enorme força cultural ao mesmo tempo em que se define como mera ficção (lembre-se que o lugar paradoxal ocupado pela ficção na cultura moderna é absolutamente inaudito. Nenhuma outra tradição intelectual leva tão a sério um gênero de discurso que não se apresenta como verdadeiro)11.

Girard não perde nunca a oportunidade de dizer que os escritores que ele comenta como Shakespeare ou Proust tem absoluta consciência da teoria que seu crítico nos entrega sistematizada. Com a consolidação da autoridade científica da teoria mimética, o fato de ela possuir origens na literatura a torna muito significativa para a história intelectual, disciplina que lida tanto com as ideias políticas e morais ensinadas pelas diferentes tradições discursivas como com a economia da autoridade pública destas diferentes tradições.

Carl Schmitt: a relação entre as ideias políticas modernas e a teologia cristã.

É evidente que, para fazer valer historiograficamente os postulados girardianos de que a) o discurso romanesco – que se apresenta como ficcional – oculta uma verdade mais verdadeira que a dos gêneros discursivos que se apresentam como verdadeiros, e b) esta verdade é a mesma dos Evangelhos, não podemos recorrer à filosofia do próprio Girard. A teoria mimética não trata deste problema que ela, todavia, suscita.

Sugere-se aqui que, as ideias do jurista alemão Carl Schmitt podem auxiliar quanto ao problema do significado, para a história intelectual moderna, dos dois postulados básicos da teoria mimética: a de que ela é uma teoria ao mesmo tempo romanesca e cristã.

Carl Schmitt é, por formação e vocação, um jurista, mas isto não deve ser visto como uma limitação. Sua obra teve um impacto muito grande na historiografia intelectual do século XX. Ela está na origem de umas das principais escolas da disciplina, a chamada história dos conceitos, cuja característica principal é, precisamente, a de considerar as ideias políticos e morais a partir de sua dimensão histórica concreta12

A escola fundada por Schmitt levou a uma reconsideração do significado político – em oposição ao significado meramente epistemológico – das as ideias modernas as quais formam, por definição, uma tradição discursiva “secular”. O quesito em que a tradição moderna difere da tradição de discurso que a precedeu no papel de sabedoria da ordem social – o direito romano – não é quanto a esta ou aquela ideia específica a respeito do corpo político mas quanto ao papel que desempenha junto ao poder e à autoridade pública que dele retira. A filosofia política moderna não é secular porque o véu da religião lhe tenha finalmente caído dos olhos e a verdade vindo à luz – que querem as narrativas de subtração iluministas –mas porque ela própria compõe o mecanismo que sustenta a existência do poder secular soberano. Ele é uma espécie de mito da ordem social secular 13.

As ideias de Schmitt versam, portanto, não propriamente sobre teologia cristã, ou a visão cristã do mundo, mas sobre a autoridade da visão cristã do mundo enquanto discurso público moderno, e por isso que elas fornecem uma heurística tão apropriada para uma compreensão histórica da teoria mimética. Esta compreensão histórica precisa passar pelo problema postulado pela teoria mimética mas não passível de ser por ela respondido: a antropologia evangélica não desapareceu totalmente do universo filosófico na Idade Moderna – como quer a narrativa padrão – mas tampoucoela permaneceu em seu posto de autoridade pública como era no período anterior. O que aconteceu foi que a dita antropologia vigeu na forma de um gênero literário público e de imenso significado político e, entretanto, humilde que não se pretende verdadeiro, mas ficcional. As questões que se podem levantar a partir deste fato são de suma importância tanto para a história da literatura quanto para a história do pensamento político.

Note-se, a princípio, que existem muitas semelhanças entre as ideias de Schmitt e as de Girard, já, inclusive, assinaladas por estudiosos como Wolfgang Palaver14. O jurista alemão que em certo momento apoio o regime de Hitler e o antropólogo francês que fez carreira nos departamentos de literatura das universidades americanas, em que pese a distância entre as respectivas biografias e projetos intelectuais, sustentam cosmovisões muito semelhantes quanto a natureza da ordem social humana. Embora nenhum dos dois sejam teólogos, são autênticos pensadores políticos cristãos. Ambos conferem importância teórica fundamental às situações de crise generalizada das instituições sociais. A postura de pensar a partir da crise e não a partir da ordem é algo que, sem dúvida, os diferencia de seus contemporâneos, sempre mais afeitos a pensar a ordem que a desordem. A antropologia de Girard, devidamente interpretada como uma filosofia política stricto sensu, o coloca em uma longa tradição de pensadores do conflito humano que inclui Agostinho, Hobbes, Joseph de Maistre e, claro, o próprio Schmitt.

Entretanto, a mera comparação entre as respectivas linguagens conceituais de Girard e Schmitt não é suficiente para o objetivo deste trabalho. Aqui se pleiteia um instrumento heurístico que possibilite transformar um instrumento heurístico que nos possibilite transformar os insights da teoria mimética em inspiração para a história da filosofia política moderna. Para o presente problema, sugere-se partir das ideias de Schmitt a respeito da natureza da esfera pública, ou seja, do ambiente em que o discurso filosófico da modernidade prospera. Somente através de uma consideração da natureza da moderna esfera pública se pode compreender o misterioso fato postulado por Girard, o de que a verdade antropológica do Novo Testamento sobreviveu na modernidade em forma de ficção.

A fama de Schmitt se deve principalmente à suas ideias a respeito da relação entre religião e política no pensamento político moderno, da natureza da relação política em geral e do fundamento da ordem jurídica estatal. Menos conhecidas são as ideias schmittianas sobre a constituição da esfera pública moderna e do lugar que nela ocupa o discurso religioso. Se existe uma preocupação que permeia toda a obra schmittiana, é a da autoridade do discurso público.

Segundo Schmitt, a noção de que o parlamento, as universidades, os cafés, teatros, livros e jornais são um espaço neutro em que as diferentes concepções de mundo podem competir em pé de igualdade até que vença a mais verdadeira é um mito liberal autocongratulatório de uma sociedade que gosta de enxergar a si própria como universal. Assim como não se pode pensar apenas em um Universo político no mundo mas um Pluriversum compostos de estados com diferentes graus de força15, também o universo das representações é composto de expressões de diferentes autoridades: públicos não são somente as ideias seculares válidas cientificamente e aprovadas juridicamente mas todos os gêneros de representação, incluindo o teatro, a literatura e os rituais cívicos organizados ou não.16

A esfera pública procura domesticar todas estas formas de expressões em opiniões passíveis de serem medidas e testadas. Ela procura transformar, por exemplo, a aceitação de um dirigente político em votos.17 O mesmo ela faz com as doutrinas que defendem verdades metafísicas: trata a todas como opiniões em competição entre si, as quais pode ser provadas ou refutadas. O sistema político moderno depende do mito da discussão e do debate18. Ocorre que o saber da religião cristã não é uma opinião passível de ser racionalmente justificada perante opiniões adversárias (como nenhuma metafísica capaz de sustentar uma civilização o é). A própria ideia de que forma da ordem política deve ser decidida a partir de uma competição entre opiniões é, ela própria, uma metafísica e não uma opinião, a metafísica sobre a qual a própria civilização moderna está fundada. Uma vez que o único lugar reservado ao cristianismo é o de competir como uma opinião entre outras, isso significa que ele está definitivamente expulso da constituição da sociedade política moderna. Não que o cristianismo não sobreviva como tradição intelectual. Mas porque ele só sobrevive na história intelectual moderna como tradição intelectual, esta não é mais cristã. A tradição jurídica moderna começou com o destronamento da autoridade da teologia19. Em vez de uma narrativa de subtração, o grande jurista da República de Weimar conta uma história de dominação, em que a representação cristã do mundo perdeu uma batalha de poder, não uma batalha de ideias.

As ideias de Schmitt quanto à oposição fundamental entre cristianismo e esfera pública colocam uma imensa dificuldade para qualquer projeto de pensamento político ou mesmo de opinião cristã no ambiente público moderno. O que ele diz, no fundo, é que toda tentativa de elaborar uma opinião cristã, seja na forma de pensamento político, econômico ou jurídico, está fadada ao fracasso. Não passam de tentativas de transformar a verdade do evangelho em uma opinião política, e isto já é falsificá-la um pouco.

À época de Schmitt, tais críticas dirigiam-se especialmente ao conservadorismo cristão típico da intelectualidade alemã do século XIX. Talvez pudessem aplicar-se, hoje, a tendências progressistas. A interpretação schmittiana da esfera pública opõe um obstáculo para qualquer sistema de ideias cristão, seja progressista, seja conservador.

Há mais dificuldades. Se não é possível à verdade cristã entrar na competição de opiniões, a saída óbvia é a de imaginarmos uma teologia pura, completamente a-politica, preocupada somente com as verdades da fé. O problema é que Schmitt diz que isto também seria falso à natureza da verdade do Evangelho, que é intrinsecamente política. O cristianismo é uma religião pública, que participa da esfera pública, qualquer que ela seja.20 Não é possível existir um discurso cristão que não se queira uma verdade pública, presente e a ativa na conformação da sociedade política.

Tem-se então o seguinte paradoxo: a verdade cristã é uma verdade necessariamente pública. Uma verdade que não pode ficar restrita a um círculo de iniciados à margem da sociedade ou ao indivíduo privado. A ideia de que o discurso religioso deve ser privado, essencialmente voltado para a subjetividade dos leitores é, segundo o autor, uma ideia protestante.21 Ao mesmo tempo, a sociedade política moderna só recebe em sua esfera pública verdades que se apresentem como opiniões, e a verdade cristã também não é uma opinião capaz de derrotar opiniões adversárias. A única possibilidade que resta à verdade cristã para que ela possa se fazer presente na sociedade política moderna é se apresentar como um discurso na situação intermediária que requer atenção pública ao mesmo tempo em que se coloca fora da competição entre opiniões. E esta é justamente a situação em que se encontra o discurso ficcional na teoria mimética (que é, por sua vez, um saber que se apresenta como cristão).

Neste passo, um veio de investigação é aberto para a compreensão do conceito de ficção na história intelectual moderna. O próprio conceito de ficção não é estranho ao pensamento schmittiano. Devemos ter em mente que a noção também serve a outros propósitos que não a teoria literária. Basta pensar na noção de ficção jurídica. No final do século XIX e começo do XX, a noção epistemológica de ficção, elaborada por Hans Vaihinger, décadas antes, conheceu grande voga nos círculos intelectuais alemães. Há pouca relação entre este uso mais filosófico da ideia e a história da literatura. O modo, porém, como a noção aparece na obra schmttiana, embora aproveite se dos temas destas especulações abstratas, a torna notavelmente útil na descrição historiográfica da autoridade pública paradoxal do gênero romanesco tal como este é representado na teoria mimética.22

Schmitt e Girard não são os únicos nem os principais teóricos do significado cultural da ficcionalidade para a história intelectual moderna.23 O que eles têm de diferente, e que os aproxima, é que suas ideias estabelecem uma relação insuspeita entre a noção de ficcional e a verdade da fé cristã. Pois o objeto principal de ambos não é a ficção mas o cristianismo. São, ambos, teóricos da presença do cristianismo no mundo moderno.

E, enquanto teóricos, ao mesmo tempo, do lugar do discurso ficcional e do lugar cristianismo na história intelectual moderna, tanto Schmitt quanto Girard rejeitam a narrativa iluminista clássica de que haveria uma oposição entre religião e modernidade intelectual e de que o mundo estaria sempre progredindo da segunda em direção à primeira. Esta rejeição os coloca em um lugar especial perante as teorias de outros estudiosos do significado cultural da noção de ficcionalidade. Luiz Costa Lima, para ficar com este exemplo, difere da posição de Schmitt e de Girard pelo fato de que aceita, mesmo que com ressalvas, a narrativa iluminista clássica. Costa Lima tende a enxergar o discurso ficcional como expediente cultural que contribui para a libertação do discurso humano das amarras do dogma cristão.24 Ele enxerga oposição onde aqueles atentos ao fato de que a religião cristã é mais que um simples amontoado de mandamentos irracionais, veem um nexo real.

A visão da Schmitt da esfera pública como um espaço avesso, por definição ao discurso cristão, ilumina o postulado girardiano de que o romance moderno é um discurso que nos transmite um saber muito próximo ao saber transmitido pelos evangelhos. Ambas mostram que a criação retórica do gênero romanesco é um fenômeno cultural absolutamente singular, secular e cristão ao mesmo tempo. A grande tradição do romance representa a presença possível da verdade cristã no discurso público moderno. Sem poder participar de uma competição entre visões de mundo rivais que é pretensamente aberta, mas que só encobre o fato de que a sociedade moderna também se apoia, também ela, numa visão de mundo metafísica, não discutível; sem poder se recolher, por outro lado, à esfera privada, dado que a verdade da religião cristã deve ser uma verdade pública, a fé cristã encontrou como meio de expressão pública o gênero de discurso mais modesto, mais humilde de todos, o que se diz mentiroso.

Se a fonte da teoria mimética está tanto na grande tradição do romance europeu quanto no Evangelho, como postulado pelo próprio Girard, teremos de concluir que o romance moderno é somente uma forma do discurso humilde já descrito por Auerbach como a típica expressão estilística da sabedoria cristã,2525 sem Evangelho, sem Dom Quixote e Thomas Mann. Não é preciso lembrar o quanto essa visão vai contra noções regulares de cultura literária, que tendem a associá-la ao humanismo secular. A ficcionalidade do romance é uma forma de modéstia; de recusa da autoridade. Não da verdade. Se esta recusa pode parecer, a princípio, ofensiva à verdade da religião, as ideias de Schmitt a respeito da natureza da esfera pública moderna e secular ajudam a entender que verdade, exatamente, é recusada; e em nome de qual outra.

Conclusão: dos meios de dizer a Verdade perante os modernos.

À guisa de conclusão, chama-se a atenção para um problema de maior alcance que é sugerido por esta associação inusitada entre o jurista e o antropólogo na investigação histórica da relação entre cristianismo e cultura moderna.

Não é coincidência que o pensamento político de Schmitt tenha tanto valor heurístico para uma compreensão historiográfica da teoria mimética. Se é verdade que Schmitt e Girard são figuras intelectuais muito distintas, que pertencem não apenas a disciplinas diferentes e a tradições intelectuais bem definidas mas cuja obra trata, salvo quanto aos pontos levantados acima, de uma ordem diferente de questões, também é verdade que a obra de ambos compartilham uma missão comum.

Tanto a obra de Schmitt quanto no de Girard – embora, neste, de modo muito mais pronunciado – são exemplos de tentativas de fazer a verdade do evangelho falar ao mundo secular, sem entretanto, transformá-la em uma opinião entre outras.26 Esta disposição os afasta tanto do intelectual secular quanto do modelo clássico do intelectual cristão, que procura mostrar o valor do cristianismo enquanto opinião política, o caso exemplar do qual, no século XX, talvez seja Jacques Maritain.

O método através do qual o fazem é bem distinto. Schmitt faz um trabalho negativo de desfazer as ilusões racionalistas e universalistas do pensamento moderno de da constituição pública da sociedade política moderna sem, entretanto, afirmar a verdade cristã (que fica, entretanto, subentendida). Já Girard faz uma defesa positiva do evangelho: sustenta que as ciências sociais e a psicologia não podem confirmar a verdade do texto bíblico pelo simples fato de que este lhes é antropologicamente superior.

Em comum, os dois autores têm o fato de que procuram fazer o texto do evangelho presente no discurso público moderno sem submetê-lo aos critérios deste. De modo não muito diferente, aliás, da grande tradição do romance, segundo a teoria mimética.

A semelhança no modus operandi retórico, no jogo de mostrar escondendo e de esconder mostrando, comum à obra de Schmitt quanto à de Girard, assim como à tradição do romance, levanta a questão de se não se poderia pensar em analogias com outros períodos históricos, de modo a adumbrar a existência de um pensamento público cristão característico da modernidade. A existência de um fenômeno intelectual como este colocaria em cheque qualquer narrativa que contasse a história da filosofia política moderna como uma história de secularização. Ela mostraria a narrativa padrão só se mantém por isolar artificialmente um gênero retórico específico, o da “ciência civil” de Thomas Hobbes, a que hoje se dá o nome de “ciências sociais”. Ela esquece propositadamente a importância filosófica do gênero do romance e outros que lhe sejam correlatos. O isolamento desta tradição tem, até agora, sido ajudado pelas visões estéticas, subjetivistas do romance, quer desconsideram que ele também é uma investigação.

A preeminência dada aos historiadores da filosofia política aos fautores da “ciência civil” não é um mero erro. Ela tem consequências quanto à natureza última do próprio discurso histórico: contar a história da filosofia política segundo a narrativa padrão significa aderir a um mito: o de que os gêneros retóricos que pretendem portar a verdade sobre a ordem política a portam de fato, sem ulterior discussão. É uma forma de credulidade.

O fato de a antropologia evangélica persistir, na fase moderna da história da filosofia, sob a forma modesta de romance, modéstia que persiste no pensamento de Schmitt, que jamais deixa de se apresentar como jurista secular e recusa participar da esfera pública como cristão e, em certo sentido, na própria teoria mimética, que não recusa seu fundamento literário, mostra que a narrativa de secularização é falsa. O fato de a verdade evangélica ter perdido, na modernidade, sua autoridade pública não significa que tenha perdido sua vigência pública e que o cristianismo tenha se transformado em uma religião privada.

E talvez tenha sido assim durante os quatro últimos séculos que formam o período histórico convencionalmente dito moderno. Finaliza-se aqui, com uma sugestão ainda mais abrangente. Os postulados históricos da teria mimética, interpretados com ajuda das ideias de Schmitt, podem servir para estabelecer uma ligação com as teorias literárias do período barroco. É difícil não comparar a humildade da antropologia cristã, que se apresenta em forma de romance a astúcia retórica o que os teóricos barrocos do século XVI e XVII, o período em que têm início pensamento político moderno, chamavam de agudez. Veja-se a abertura do Discurso LV, do tratado Agudeza y arte de ingenio, de Baltasar Gracián:

Vendo-se a Verdade desprezada, e ainda perseguida, buscou amparo na Agudeza, comunicou-lhe seus desgostos, e consultou-a sobre seu remédio. ‘Verdade amiga’, disse a Agudeza, ‘não há manjar mais desabrido nestes tempos estragados que um desengano a seco – mas, que digo, desabrido! – não há bocado mais amargo que uma verdade desnuda. A luz que fere diretamente atormenta os olhos de uma águia, de um lince, quanto mais dos que fraquejam. Para isto, os sagazes médicos do ânimo inventaram a arte de dourar as verdades, de açucarar os desenganos. Quero dizer (e observa-me bem esta lição, estima-me este conselho) que os façais, política: vista-os segundo o costume do próprio Engano, disfarce-os com os seus próprios adornos, pois com isso eu lhe as- seguro o remédio e ainda a vitória27.

Quem pode ler estas recomendações de “não apresentar a verdade desnuda”, de “dourar a verdade”, arte que Gracián chamava de “agudeza de artifício”, sem pensar no romance moderno, que apresenta a verdade do evangelho sem transforma-la em doutrina, isto é semo fazer “de modo desabrido” (descontando, claro, no caso do romance, o problema da intenção do autor)?

Não pode, aliás, a própria teoria mimética ser vista como um exemplo de agudez do pensamento? Alcir Pécora define agudeza como

um tipo de “artifício” ou “conceito” produzido pelo estabelecimento de uma correspondência inusitada, imprevista, entre dois termos usualmente distantes no espectro semântico da língua. Acrescento que, no âmbito dessa “distância”, são mais favorecidas as relações de contrariedade, oposição e mesmo de paradoxo do que as de similitude, embora também esta esteja implícita no conjunto dos empregos.2828

Quando Shakespeare e os grandes romancistas desvendam a relação secreta que existe entre o herói e inimigo, mostrando que este é, na verdade, um modelo, não estão eles, de certo modo, estabelecendo uma “correspondência inusitada, imprevista” entre termos “usualmente distantes”?

Quando Schmitt estabelece uma relação entre “direito” e “decisão29”, conceitos que, para o pensamento jurídico moderno, fundado sobre a ideia de que o soberano é uma lei e não uma pessoa, são mutuamente excludentes, não está ele também sendo, simplesmente, agudo?

O presente trabalho iniciou citando a reivindicação de Girard de que o romance não deve ser visto como mero objeto estético mas como uma “quase teoria” sobre a natureza humana. A mesma reivindicação pode ser vista em autores vienenses do começo do século XX. A cultura austríaca, como se sabe , é fortemente marcada pela presença do catolicismo e do universo cultural barroco. Em conclusão, vou citar um autor obscuro, Luis Alfonso de Carvalho, nascido em 1570, clérigo, professor da Universidade de Oviedo e autor de um tratado estético, O Cisne de Apolo, publicado em 1602: “Que si las letras son unos señales de los conceptos del entendimento, (…) lo mesmo seran estas figuras, las quales son señales de conceptos ciertos, quien les puede negar que tengan cierto sentido?30

As letras, suas figuras de linguagem – e pode-se acrescentar os enredos e personagens dos romances – não são meros objetos estéticos mas “conceitos certos”. Elas portam uma verdade, mesmo que de forma figurada. René Girard concordaria perfeitamente. A teoria mimética se encarregaria de mostrar que esta verdade é a mesma do Novo Testamento.

Não seria exagero afirmar que os dois postulados históricos da teoria mimética – o de que seus formuladores iniciais seriam os grandes romancistas e o de que ela já estaria contida no Novo Testamento – abrem portas para uma reapreciação da presença do cristianismo na história intelectual moderna. E quem fala na convergência, no plano das ideias, entre cristianismo e modernidade, fala em barroco.

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Notas

[1]Estou pensando em obras do próprio Girard, como Anorexia e desejo mimético, É Realizações, São Paulo, 2011, e, claro, Rematar Clausewitz: além da guerra,É realizações, São Paulo, 2011. A primeira é também uma boa introdução geral à noção de desejo mimético. Para uma sinopse das teses de Girard, ver DE GODOY, pe. Edvilson. Enfoques do pensamento de René Girard, Revista de cultura teológica- V-20 – N 80 OUT/DEZ 2012. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/ view/14408

[2]Ver o Prefácio do editor em TURNER, Frank. M. European intellectual history from Rousseau to Nietzsche, Yale University Press, 2015

[3]“Introduction” em To Double Business Bound. Essays on Literature, Mimesis and Anthropology. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1978. trad. Por Pedro Sette-Câmara. A concepção de Girard é semelhante à de Milan Kundera, o qual, por sua vez, diz repetir a concepção dos grandes romancistas vienenses do começo do século passado, como Robert Musil e Hermann Broch. Para todos estes, o romance é uma forma de conhecimento a respeito da realidade humana. Ou seja, é uma antropologia, no sentido clássico da palavra e que, como tal, deve ser compreendida como uma tradição ocidental que corre ao lado da tradição cartesiana da ciência moderna. Ver: L’Art du roman, Gallimard, p.86. Primeira parte. Bem como sua entrevista à Paris Review, edição do verão de 1984. Kundera alude à teses de Girard, sem mencioná-lo pelo nome, em Le Rideau, p. 111-113.

[4]Ver LEPENIES, Wolf. As três culturas. Edusp.

[5]Flaubertainda podia considerar-se como superior à Comte em termos de representação da realidade. Cf. LEPENIES, Op. cit. Os romancistas do século XX não mais teriam esta pretensão.

[6]A reclamação está em GIRARD, René. Um longo argumento do princípio ao fim. Topbooks, p. 45.

[7]De FRYE, ver O Código dos códigos: a bíblia e a literatura. Boitempo, 2004.; de KERMODE, ver A sensibilidade apocalíptica, Lisboa, ed. Século XXI, 1997.De AUERBACH, ver o cap. 2, Sermo humilis in: Ensaios de literatura ocidental, São Paulo, ed. 34, 2007

[8]Ver a comparação entre Girard, Kermode e Frye em Bible Lessons: the gospel according to Frye, Girard, Kermode and Voegelin. In Comparative Literature. Vol. 38, n. 3 (verão de 86). P. 289-297.

[9]Charles Taylor chamou essa narrativa cliché de “teoria subtrativa da secularização”,a qual nada mais é que a história universal iluminista, que considera a história como o progresso da razão. O próprio Taylor invoca as ideias de Girard como remédio para tais narrativas, embora não mencione o problema do romance e sim o da violência. TAYLOR, Charles. A secular age. Harvard University Press, 2009. p.639

[10]É a tese de Luiz Costa Lima em Limites da Voz: Montaigne, Schlegel, Kafka, Topbooks, 2005. Ver, principalmente, a parte sobre Schlegel. E também o tema de Meyer H. Abrams. The mirror and the lamp: romantic theory and the critical tradition. Galaxy Books, 1971.

[11]COSTA LIMA, Luiz. História, literatura, ficção. São Paulo, Companhia das Letras, 2006.

[12]Ver TRIBE, Keith. In Koselleck, Reinhart. Futures Past: on the semantic of historical time. Tradução e introdução de Keith Tribe. Columbia University Press, [1979], p. xviii

[13]DUSO, Giuseppe (org). O poder: História da filosofia política moderna. Petrópolis, Vozes, 1999. p. 18

[14]PALAVER, Wolfgang. Hobbes and the Kátechon: the secularization of sacrificial Christianity. Contagion: Journal of Violence, Mimesis and Culture 2(1):57-74, 1995.

[15]State ethic and the pluraristic state in: Jacobson, A;Schlink, B. (ed) Weimar: a jurisprudence of crisis, California University Press, 2002. p. 300-312.

[16]Constitutional Theory, tradução inglesa de Jeffrey Seitzer, p.331 e segs. Para uma comparação entre a noção de Schmitt e a de Habermas de esfera pública ver a introdução de KENNEDY, Ellen. p. 36-38.

[17]Op. cit.

[18]The crisis of parlamentary democracy, tradução inglesa de Ellen Kennedy, MIT Press, 2000 [1921] p. 03.

[19]The Nomos of the earth: in the international law of the Jus Publicum Europaeum, Telos Press Publishing, 2003 [1950]p. 159.

[20]Political theology II: ther myth of the closure of any political theology. Tradução inglesa de Michael Hoelzl. p. 65

[21]Roman Catholicism and political form. Tradução inglesa de G. L. Ulmen, Greenwood Press,p.29

[22]FRANCO DE SÁ, Alexandre. O Poder pelo Poder: ficção e ordem no combate de Carl Schmitt em torno do poder. Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2009. p.43.

[23]COSTA LIMA, Luiz. História, ficção, literatura. São Paulo, Companhia das Letras, 2006.

[24]História, ficção, literatura, p. 144.

[25]Op. cit.

[26]O modo como Schmitt julgava o cristianismo poderia participar dos debates públicos sem transformar-se em uma opinião não fica jamais claro em sua obra, a qual é toda uma tentativa de expulsar o – falso – cristianismo que caracteriza o ideário político da modernidade. Suspeito que esta participaçãoseria possível no plano da Filosofia da História. O reestabelecimento da “imagem cristã da história” em contraposição às filosofias da história seculares. A participação pública neste plano é possível porque eletende a permanecer implícito, sem jamais chegar a ser, de fato, debatido, dada a natureza intrinsecamente metafísica do tema. Ver: SCHMITT, Carl. La unidad del mundo. Conferência publicada na Universidade de Murcia, 1950-51, Universidad de Murcia, Murcia. 1951.

[27]Em O que a arte ensinou à verdade. Germina: Revista de literatura e arte. Disponível em

[28]A agudez na poesia barroca. Revista Cult edição 177. Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/tag/alcir-pecora/page/2/

[29]Em Politische theologie: vier kapitel zur lehre von souveränität, Berlim, Duncker un Humbolt, 2004 [1922]

[30]Citado por CARVALHO, Maria do Socorro Fernandes. Artifício de Agudeza: estudo de glosa de Dom Francisco Manuel de Melo. Grahpos, João Pessoa v. 8, n. 1 jan/jul 2006. Disponível em http://periodicos.ufpb.br/index.php/graphos/article/view/9312