O pathos da miséria como matriz poética da existência
Misery pathos as existence poetic basis

Donizete José Xavier*
* Doutor em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Católica de Roma (Gregoriana). Professor assistente do Departamento de Teologia Fundamental da Faculdade de Teologia da PUC-SP. Contato: .
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Resumo
O grande filósofo Paul Ricoeur (19132005) publicou, em 1960, um texto a que nos parece útil retomar, para demonstrar que, se há um mistério do homem a ser desvelado, esse se dá em analogia ao mistério de Deus. O filósofo recorre à linguagem do não saber, uma vez que, a mesma revela e esconde. É ela a própria hermenéia original do mistério que afeta a condição existencial de cada homem na mesma conjugação da negação e da analogia que engendra uma linguagem específica: a linguagem poética da existência.

Palavras chave:mistério; linguagem; poética; existência.

 

Abstract
The great philosopher Paul Ricoeur published, in 1960, na article that seems useful to remember, to demonstrate that, if there is a mystery of humanity to be revealed, this would be in analogy to God’s mystery. The philosopher recurs to the “not know” language, once that reveal and hide. It is original mystery hermenéia itself that affects the existential condition of each person on the same conjugation of denying and the analogy that produces a specific language: The poetic language of existence.

Keywords:mystery; language; poetic; existence.

Introdução

No último decênio da nossa era chamada pós-moderna marcada por todos os avanços tecnológicos, temos acompanhados no quadro panorâmico da geopolítica mundial diversos conflitos e desequilíbrios que afetam sistematicamente a condição real e originária da geografia humana1. Recentes pesquisas no horizonte geopolítico mundial revelam o alto nível de rejeição a refugiados e emigrantes por todas as partes do mundo, em sua maioria, pessoas fugindo das guerras, pobreza e violência. Esta fratura ontológica aberta, afeta todos os níveis do tecido orgânico da carne histórica que formamos.

Quem tem uma visão unilateral da vida, jamais será capaz de contemplá-la como um todo. A ausência de uma visão cósmica e transcendental da vida acarreta sempre novas atitudes de irresponsabilidades éticas e profundamente inumanas. A ideia de que somos um todo, corpo orgânico, naufraga no submundo do oceano das nossas incertezas. O homem pós-moderno fascinado pelo poder que está em suas mãos repete de maneira análoga e ilusoriamente o sonho de Ícaro da mitologia grega. Porém, o grito pelo respeito à vida em todas as suas instâncias torna-se cada vez mais emergente e é de per si um grito com implicações ético-teológicas. Neste sentido, como afirma Jorge Teixeira: “a humanidade de hoje necessita recolocar o coração e a cabeça no lugar anterior à eficiência de suas mãos”2. Necessitamos do exercício da “fuga para trás”, da volta às origens ao mistério que afeta a verdade sobre o homem para recolocar o valor ético de sua existência no lugar da precedência.

Sob este enfoque nos aventuramos olhar o mistério do homem via um diagnóstico ontológico, capaz de gerar um lugar-fronteiriço, onde emergem elementos plausíveis que colocam de maneira inquietante a questão do outro, principalmente diante de suas experiências-limite. Deste pilar matricial decorre compreender que o espaço geográfico do mundo em que habitamos, denuncia o indiferentismo em que se agravam as relações de respeito e de reconhecimento do outro como parte constitutiva da nossa própria carne. Parafraseando Jérôme Baschet, é preciso reconhecer a necessidade de uma poesia que nada mais é que o nome dado a uma existência verdadeiramente digna do homem. É no horizonte desta poética, que optamos chama-la de existência, que somos introduzidos nos domínios de uma reflexão que imputa responsabilidade ética entre todas as regulações que nos vinculam como seres humanos nesta sociedade globalizada com seus riscos manufaturados.

Nestes termos, pautando-nos no pensamento de Paul Ricoeur, o que se põe neste artigo é, a de saber sob que nuances podemos analisar as condições que integram o tecido orgânico e carnal da nossa existência que não só transfiguram, mas que exigem também a importância de demonstrar a validade da ética frente ao nosso desejo de ser e o esforço de existir. Então, fica-nos evidente que esta seja a grande tarefa da ética, reconquistar a afirmação originária alienada e perdida no sonho emancipatório do homem moderno. Por outro lado, a reflexão sobre o mistério do homem realizada por Ricoeur nos anos 60, nos parece útil retomá-la para demonstrar que a problemática do homem pós-moderno, quando analisada sob a ótica da gênese do desejo de ser e do esforço de existir, a poética da existência suscitará sempre mais atos generosos que se pautam na história como princípio ético-teológico na formação real e original das paisagens humanas.

A poética como uma maneira de ser

A poética é uma constância na economia da obra de Paul Ricoeur, porém, a sua utilização já na década de 50 é uma tentativa de responder à questão fundamental da existência humana em sua relação com a Transcendência. Em sua obra, le Volontaire et l’involontaire (1950) afirma: “a poesia é a arte de conjurar o mundo da criação. [...] Esta ordem da criação não pode nos aparecer concretamente senão como uma palavra e uma ressurreição”3. Por outro lado, é na esfera da poética que o filósofo compreende a relação entre o homem e Deus, de tal forma que este encontro entre os amantes traz ao jogo das significações duas liberdades envolvidas num terreno de presenças interpessoais. Neste sentido, a poética abre o mistério das relações dessas liberdades. Se por um lado, podemos dizer que há uma assimetria entre elas, é porque a liberdade de Deus será sempre maior em relação ao do homem. Daí a importância de se evidenciar que o homem, face a Deus, experimenta um envolvimento existencial, por isso poético, onde chamado e resposta constituem a tessitura desta relação paradoxal.

A acepção que aqui se descortina é que na lógica do paradoxo ou ainda, em nossa visão, na assimetria das liberdades, Ricoeur destaca a interpelação divina respeitosa da liberdade ao afirmar que: “tudo me é doado e este dom consiste que eu siga uma liberdade mesmo na recepção deste dom”4. É aqui que a poética exerce sua função semântica pelo fato de sustentar a paradoxalidade deste encontro das liberdades. Ao lado desta consideração, fica-nos claro que o filósofo vincula a sua reflexão ao método da imanência blondeliana, pois afirma que o método da imanência é inseparável de uma libertação da liberdade para uma Transcendência5. Quanto mais o homem se faz imanente, mais será transcendente, pois há algo divino que o habita.

Por outro lado, estamos nos domínios de uma reflexão que imputa a responsabilidade ética no exercício de uma poética da existência, de tal forma que na minha liberdade doada está a razão, a fonte originária que me interpela para fora de mim mesmo. Nesta relação entre Deus e o homem, no encontro entre os amantes, o homem se vê interpelado a ser como sua fonte primeira: comunicador e foco de entusiasmo e de generosidade como sinal visível de credibilidade e de aposta no humano. Nesta ótica, diz o filósofo: “[...] a vida tem um sentido ambíguo [...] a vida revela um novo método, a saber, deuma poética da vontade”6. Se a poética da existência coloca em relevo a ideia de um Deus que chama e convoca, o exercício da ação ética por parte do homem, não pode originar da obrigação, mas sim, das suas possibilidades fundamentais. Por esta razão, é importante observar que,a estrutura do chamado de Deus e da resposta do homem além de constituir um papel significativo na consciência religiosa,permite a homem exprimir seu sentimento de dependência absoluta que o impulsiona à atitudes humanas fundamentais7. Como afirma Greisch :”a consciência é afetada no plano do sentimento e o retorno a este Outro que afeta é percebido como fonte do chamado”8. Aquele que chama é o mesmo que envia. Daí a importância de se pensar a dimensão ética deste chamado.

A obrigação não é a estrutura primeira da ética, mas sim, a afirmação originária se entendida como sistema ontológico por excelência. O que se observa aqui, é que o filósofo introduz um elemento hierárquico na sua reflexão expressando o sentimento primordial da constituição humana. O homem pertence de per si à ordem do ser e esta é a sua questão transcendental que aponta para o horizonte da ação. A afirmação do ser é a raiz da responsabilidade ética que afeta nosso esforço de ser e nossa pulsão afirmativa do existir. A afirmação originária, diz Ricoeur: “se revela como querer-viver; e no querer-viver ela se encarna”9. Neste sentido, se há um “dever” é o de assemelhar-se a Deus, pois Ele é aquele que se dá e é dever do homem dar-se analogicamente10

Diante destes domínios interconectados no pensamento de Ricoeur, atestado na economia de suas obras, podemos dizer que para falar de poética, o filósofo obedece, primeiramente, o seu sentido ontológico, aquele que mais tarde classificará por veemência ontológica. O termo, de fato, cobre uma gama de significações importantes no desdobramento do seu pensamento. Com a utilização do conceito veemência ontológica, introduz a ideia ontológica de pretensão referencial dos enunciados metafóricos como discursos poéticos, uma vez que para ele, o discurso poético traz à linguagem “valores da realidade que não se tem acesso à linguagem diretamente descritiva e que só podem ser ditas graças ao jogo semântico e complexo da enunciação metafórica e da transgressão regrada das significações usuais de nossas palavras”11

A linguagem poética nos coloca na origem do ser falante, o que significa dizer que há um élan da linguagem em relação ao sujeito. Daí a importância de acentuar a ideia do sentido ontológico da poética, uma vez que neste horizonte, a precedência do ser sobrepõe-se ao dizer. Neste horizonte semântico, a poética se transmuta em um novo ser da nossa linguagem. A poética se nos apresenta como uma maneira de ser. Por meio dela se realiza a expressão do que somos e, concomitantemente, fazemos com que ela se exprima em nós. Deste pilar matricial decorre compreender que, a linguagem poética nos chama a ser pela sua própria expressão criativa12.

É preciso ainda ter em conta a mais tenaz de toda lógica da poética. Como afirma Kearney: o seu sentido ontológico se ocupa do possível, é ele que descortina o horizonte finito do nosso mundo vivido e consequentemente engendra o sentido transcendental do mundo vindouro, daquilo que deve ser13. Dentro deste arcabouço poético, podemos falar que a realidade revela-se como dom do possível. “Tudo é possível, criar e recriar de novo. Tudo é poético no sentido original – criação – da palavra grega – poiésis14.

Paul Ricoeur esclarece que a expressão poièsis vem de Aristóteles com sua teoria da tragédia compreendida como mimèses da ação por meio de um mythos inventado pelo poeta. Por outro lado, atribui a ela a ideia de uma produtividade de um relato, ou mesmo por um paradigma narrado que pede para ser interpretado. Em seu ensaio Poétique et symbolique (1982), aborda a questão da poièsis desde a perspectiva de uma produção de sentido enquanto expansão da linguagem que concomitantemente seja capaz de “descobrir e considerar os tratados inéditos da realidade e os aspectos inauditos do mundo”15.

Para o nosso filósofo, o discurso poético também se apresenta como dispensador do possível, ou seja, é no horizonte de uma poética que se descortina a proposição de um mundo16. Como assinala com justiça: a “proposição de um mundo tal que se possa habitar e através dele projetar minhas possibilidades mais próprias”17. Por outro lado, porque a linguagem poética é simétrica à linguagem metafórica, ela representa uma descrição criativa e original da realidade, o que significa compreender que é próprio da poética exprimir a realidade de tal maneira que a linguagem implica um momento de transcendentalidade.

Fica claro para nós que tudo o que foi dito até agora converge para uma análise percuciente de que para Ricoeur a poética é efetivamente uma maneira de ser. Como afirma: “a linguagem revela e esconde, é ela própria a hermenéia original do real [...] a distância pela qual a ordem das significações participa da ordem da vida”18. Se de fato, queremos entender a latitude significante da nossa linguagem, devemos acreditar no poder revelador da poética. Por outro lado, se buscamos uma linguagem capaz de dar conta do mistério do homem, essa só pode ser aquela adotada pelos poetas na atestação do que é mais primitiva e original nesta linguagem. A poética é o terreno propício da linguagem para perscrutar o artesanato da nossa existência.

O homem e seu mistério

No ano de 1960, Paul Ricoeur escreve: l’homme et son mystère, em Le Mystère – Paris. Ensaio pertinente para nós, uma vez que, na esteira de Gabriel Marcel, nos fala da dupla fronteira do mistério do homem, destacando a sua espessura carnal e opacidade irredutíveis à própria condição existencial. Se Gabriel Marcel tem depositado em suas análises o tema sobre o mistério do homem, Ricoeur reconhece, frente às exigências propriamente ditas da construção do seu pensamento antropológico, essas marcas existenciais, dramáticas e éticas do mistério ontológico do ser humano. Daí a importância de partir da perspectiva marceliana que evidencia que o mistério do homem esteja constituído por essa dupla fronteira para falar de um pathos da miséria como matriz poética da existência humana.

Por trás dessa análise, do lugar fronteiriço do mistério que nos afeta, encontra-se a ideia nodal da nossa inserção no interior do Sagrado, no ser19. É aqui, frente a este dispositivo heurístico da existência, que para Gabriel Marcel, o sentido sagrado do ser, tece-se na convicção que o ser é uma realidade sacral. Neste sentido, para Ricoeur, o mistério é duplamente silêncio: silêncio do sentir e do recolhimento; silêncio da concentração20.

Ao fixar as balizas de uma hermenêutica do mistério do homem, em razão da sua aposta no fenômeno da linguagem, Ricoeur procura esclarecer que o que vem primeiro na expressividade do mistério é a linguagem enquanto mediação. O filósofo reflete a priori sobre a questão da linguagem do mistério. Aqui, linguagem e a palavra constituem o elemento e o lugar fronteiriço onde a Transcendência se manifesta e a liberdade do homem é proclamada. A linguagem do mistério se reveste como linguagem poética. Sendo assim, a linguagem do mistério esclarece que o silêncio alimenta uma Palavra. O lugar semântico da Palavra encontra-se marcado em profundidade pela atitude de escuta. Nestes termos, o silêncio não é anterior a Palavra, mas sim interior21. Por outro lado, afirma Ricoeur, que no interior da Palavra encontra-se o silêncio enquanto fonte de escuta22.

Em razão desta sua aposta pessoal, o termo silêncio evoca uma razão metafórica, uma vez que, o filósofo fê-lo entrar pelo terreno semântico da linguagem apofática. Para Ricoeur, “o silêncio é o fundo da escuta e da interpretação sob a qual se detalha as formas do Verbo”23. No cerne desta posição está a sua convicção de que, no intercruzamento entre as vias, apofática e analógica, a linguagem do não-saber desvela a questão do mistério do homem24. Se há um mistério do homem a ser desvelado, diz o filósofo, “esse se dá em analogia ao mistério de Deus”. Neste sentido, a linguagem do não saber, revela e esconde, é ela a própria hermenéia original do mistério que afeta a condição existencial de cada homem na mesma conjugação da negação e analogia que engendra uma linguagem específica: a linguagem poética da existência que une sob a totalidade do logos a ordem natural e a ordem ética da existência.

E preciso ainda levar em conta que a mais tenaz das proposições de análise de Ricoeur sobre o mistério do homem gira em torno da compreensão que este é de per si um ser intermediário. Neste sentido, desproporcionalidade e intermediaridade se nos apresentam como tecido do mistério do homem. Diante disso, observa-se que o filósofo de Valence trabalha, a nosso ver, na esteira do pensamento de Pascal quando afirma a condição patética do homem. O pathos é matriz de sua filosofia que funda a característica ôntica do homem na intermedialidade. E ao classificar a retórica da miséria pascalina como conditio sine qua non da pré-compreensão que o homem tem de si mesmo, o “pathos da miséria torna-se a matriz poética da reflexão sobre a não coincidência do homem com ele mesmo e sobre o caráter secreto da síntese constitutiva da realidade humana”25

A retórica pascalina da miséria humana conduz, em particular, a leitura ricoeuriana sobre o mistério do homem ao nível da inteligência. Como afirma o filósofo: à medida que avançamos, as formas mais concretas desta polaridade, da finitude e infinitude, nos aproximamos do enigma mais tenebroso do mistério humano. “Homo simples in vitalitate, duplex in humanitate”26. Dentro do arcabouço da compreensão patética da miséria, Ricoeur entende que a polaridade do finito e infinito é algo inato no homem e afeta suas dimensões mais profundas, as vitais e espirituais. A incidência desta reflexão dá ensejo à sistematização da inteligência do mistério. Desta feita, nas palavras de Ricoeur, o dispositivo heurístico que se descortina é que “se há um mistério de Deus, ele está nos confins do humano e se há um mistério do homem, ele está no meio do humano, isto é o mistério do misto”27.

A condição patética do ser humano

Se a realidade revela-se como dom do possível, parece ser este o seu caráter secreto que se desnuda no horizonte da poética. Neste sentido, Ricoeur insere a ideia da condição patética do tema da desproporção do homem. Para ele, essa condição inata do ser humano é anterior a qualquer reflexão filosófica sobre o homem. Esse que é por si mesmo ser do meio, frágil e falível, está marcado pela condição patética da sua miséria. Porém, é a partir desta condição que lhe é inata que o homem tem acesso à Transcendência. Aqui, Ricoeur faz aparecer em filigrana qualquer coisa de mais profundo que afeta a condição humana. Como observa Jean Greisch ao analisar a relação entre a poética e a religião no pensamento de Paul Ricoeur,sua filosofia da vontade é de fato uma hermenêutica filosófica da Esperança28. Se há esperança, quer seja no nível da reflexão e da ação, é porque há um sentido ainda que seja escondido na carne da história29.

A incidência sobre esta condição paradoxal do ser humana, dá ensejo de se pensar, “opathos da miséria como matriz poética da reflexão sobre a não coincidência do homem com ele mesmo e sobre o caráter secreto da síntese constitutiva de toda a realidade humana”30. Podemos dizer que os elementos teoréticos até aqui apresentados ajudam-nos a compreender o interesse de Ricoeur em vincular o caráter transcendental com a necessidade imanente da natureza humana sob a ótica da poética. Nestes termos, podemos interpretar, à luz da poética da existência, que Deus tem chamado o homem a se realizar via o conflito interno que o habita, o desejo de ser já inscrito em sua própria natureza e a vontade de existir, tecido do seu ser no mundo.

Este pensamento dá sustentáculo ao axioma ulteriormente do filósofo: “o homem é um ser frágil e falível, porém, capaz”. Com esse célebre anacoluto evidencia-se que o homem é um ser de possibilidades e que nunca se esgota num dado ou realidade que o condene a um imanentismo arbitrário e sem sentido. O homem é capaz de amar, falar, perdoar, narrar, agir, decidir, reconhecer, etc. Descrições estas das possibilidades fundamentais do homem no plano do querer e do reconhecimento que delineiam a antropologia do homem capaz. Nesta perspectiva, podemos dizer, que a ideia do homo capax, versa no horizonte escatológico da poética, uma vez que, somente no reconhecimento da necessidade desta poièsis, a vida manifesta o seu sentido. Parafraseando Jérôme Baschet, temos sim, “a necessidade de uma poesia que nada mais é que o nome dado a uma existência verdadeiramente digna do homem”.

Em sua leitura do mistério do homem, no embate em torno da perspectiva da poética, Ricoeur nos fala ainda da arte do poeta. Sua explanação busca o mais puro e homogêneo na significação do dizer deste artesão da palavra. Então, o poeta pode atestar em sua linguagem criativa o mais primitivo e original que nela repousa. Todavia, segundo Ricoeur, na arte do poeta as imagens por ele criadas chamam o ser pela expressão criativa. Elas “não são substitutivas das representações da presença das coisas ausentes, mas de variáveis evocações”3131.E emblematicamente explica que por evocação entende “um chamado lançado as possibilidades virgens, uma cooperação do verbo a vinda do ser nestas possibilidades intactas”32. E conclui dizendo: “Isto que eu chamo a instância de uma profecia da via interior”33. Então, esse caráter primitivo, original, originário e criativo da poesia constitue-se como o lugar fronteiriço do mistério do homem.

Se, portanto, o homem é mistério, então existe uma poética da sua existência que se caracteriza como digna de respeito e desnuda o sentido fundamental de sua vida. A ordem natural do seu mistério e a ordem ética que o envolve podem unir-se sob a totalidade de um verbo poético que lhe dá acesso ao Transcendente e ao mundo. Daí a importância de perguntar-se em que a ideia desta poética influencia nossa reflexão sobre a vida e qual o grau de relação que se conserva com o nosso enraizamento ético mais original que nos afeta. A ética, para Ricoeur, não se separa nem do compromisso político em que todos estamos envolvidos e nem de uma profunda reflexão sobre o sujeito que aprende a reconhecer-se a si mesmo na relação com as outras criaturas. Nesta esfera, a condição de mistério do homem assume também uma horizontalidade sacral, pois como um palimpsesto debaixo de um texto aparente, à concretização de sua vida, aparecem novos mundos possíveis. Uma poética da existência, no horizonte das possibilidades, coloca a questão ética em seu nível fundamental, o da responsabilidade e da compreensão integral da vida. Para o nosso filósofo, “a compreensão não é um ato puramente subjetivo, mas um modo fundamental de ser”34.

Explorando minha sacralidade e decifrando a carne do mundo

Ao lado das considerações até o momento apresentadas, podemos dizer que a categoria poética de Ricoeur visando responder à questão fundamental da existência humana no contexto de sua relação com a transcendência, faz-nos pensar em todos os domínios interconectados na sua filosofia da vontade quando se trata do mistério do homem. Nas palavras de Adolf Gesché: “O ser humano é esse ser sempre à procura de sua humanidade e do segredo que ela guarda”35. A acepção que aqui se descortina é que, para pensar o mistério que é o homem devemos também considerar sua expressão no mundo.

Em sua Philosophie de la Volonté (1950), Ricoeur afirma que o ser humano aprende a reconhecer-se a si mesmo na relação com as outras criaturas. Em suas palavras diz: “Eu expresso-me exprimindo o mundo; exploro a minha sacralidade decifrando a do mundo”36. Com esta proposição existencial, o filósofo deixa claro que enquanto humanos, estamos em situação permanente de interpretação. No exercício de sua interpretação, o homem se compreende como ser interpelado. Daí a importância desta interpelação originária, decifrar o mundo na exploração da sacralidade.

Sem pretendê-la fazer o retrato da filosofia da vontade de Ricoeur, podemos ao menos nos referir a algumas nuances que poderão servir de subsídios para balizar a nossa aventura em intuir a ideia da paisagem do espaço-cósmico-geográfico em que vivemos e nos expressamos, na sua interpretação como carne do mundo. Se assim compreendemos, atingimos o motivo a partir do qual a passagem por esta filosofia pode nos ajudar na reabilitação dos conceitos que aqui nos interessa: sacralidade e carne do mundo, para continuarmos a pensar a poética de nossa existência.

Herdeiro do horizonte fenomenológico de Husserl, o projeto da filosofia da vontade de Ricoeur procura preencher a lacuna deixada das análises fenomenológicas, uma vez que essas centraram-se muito mais na fenomenologia da percepção do que no agir humano. Aplicando neste momento sua filosofia, a análise eidética ou descrição das essências de Husserl conclui que: “a filosofia do homem aparece-nos como tensão viva entre uma objetividade elaborada por uma fenomenologia à medida do cogito e o sentido da minha existência encarnada”37.

A nosso ver, o termo, “existência encarnada” evoca, justamente, pela própria semântica da palavra, a consciência de que há um engajamento fundamental, portanto, sobre as condições estruturais da existência pessoal. Ricoeur retoma aqui sua aproximação ao pensamento do seu mestre Marcel com sua teoria da existência corporal e encarnada. Somos conscientes nos estudos que fazemos de Ricoeur que o filósofo de Valence, no que diz respeito aos temas da filosofia concreta de Marcel, segue as influências de seu mestre. O filósofo Gabriel Marcel, com sua filosofia concreta critica o Cogito cartesiano, afirmando, do ponto de vista metafísico, a morte da indubitabilidade do “cogito, ergo sum”, em favor da fecundidade da indubitabilidade do ser encarnado. Como se pode perceber, Marcel opõe ao “indubitável cartesiano” o que denominou o “indubitável existencial”, uma vez que, para ele, estamos inseridos na existência.

Fica-nos claro que estamos nos domínios de uma reflexão dialética de expansão existencial marceliana. Neste sentido, o que está subentendido nesta impostação filosófica é que Gabriel Marcel depositara em suas análises a descoberta da encarnação a uma explosão do pensamento objetivo, a uma conversão da objetividade em existência. A ideia de encarnação é o ponto de referência central do filósofo de Paris. Como escreve: “A existência (Existenz) é mais que um meio de estar (Daisen) na situação. É a afirmação corporal do destino corporal na história como algo dado com o caráter de ser”38.

Ricoeur trabalha, a nosso ver, na esteira desta filosofia, traçando um percurso que vai da filosofia concreta à filosofia reflexiva. Cabe aqui recordarmos que para ele, a filosofia reflexiva é aquela que se ocupa diretamente da questão do sujeito cuja base epistemológica obedece duas linhas nodais: os mestres clássicos da reflexão. Sócrates, Agostinho, Cartesio, Kant, Fichte, Husserl, Jean Nabert e os pensadores: JeanGaspard-Felix Ravaisson, Jules Lacheir, Léon Brunschivicg, Gabriel Madenier39. No quadro desta enunciação, compreendemos que a filosofia da vontade de Ricoeur dos anos 50 se realiza na intersecção entre a fenomenologia de Husserl e a filosofia concreta de Gabriel Marcel. Daí a importância da afirmação de que o ser humano aprende a reconhecer-se a si mesmo na relação com as outras criaturas, expressando-se quando exprime o mundo e explorando sua sacralidade na decifração da sacralidade do mundo.

No quadro desta enunciação está a ideia nevrálgica de que agimos corporalmente no mundo, decifrando nosso mistério como sujeitos éticos no bojo do teatro de nossa existência. O ser-no-mundo e seu agir responsável são marcas indeléveis da nossa existência corporal. Existimos como um todo, como existência indivisível e completa40. Na estirpe das palavras de Marcel, é essa minha existência corporal que me situa em uma configuração histórico-geográfica que é inseparável do que eu sou41.

Deste pilar matricial decorre compreender o que para Ricoeur se torna central: ter a consciência que meu corpo me insere na existência e mediatiza minha presença no mundo42. Esta opção de pano de fundo com que a verdade sobre o mistério do homem é tematizada insere-se nas nuances de um contexto de uma filosofia da encarnação. Neste quadro é possível pensar o mistério do homem e o paradoxo de sua carne e ao mesmo tempo a questão da sua corporeidade como esfera da passividade-alteridade.

Em 1966, Ricoeur escreve um pequeno artigo intitulado Doctrine de l’homme, deixando claro que em seu percurso da análise sobre o mistério do homem, a antropologia bíblica é uma passagem obrigatória para se pensar a poética da existência cujas ressonâncias expõem a concepção do ser humano em estado de interpretação. O cerne da questão da antropologia bíblica, segundo Ricoeur, é o fato do homem estar em estado de interpelação cuja consequência é assumir a consciência de que esta interpelação é conditio sine qua non da sua existência. A questão nevrál gica que aqui se descortina é que o homem está diante de uma palavra que o interpela já no ato de sua criação, o que resulta na compreensão da sua existência como dom doado por um ato fundamental. O homem interpelado não é o autor e nem está na origem da sua existência43. A Palavra o precede. A perspicácia deste texto de Ricoeur também reside na proposta da reconstrução do tecido desta antropologia primordial que coloca no bojo do teatro da nossa existência a necessidade a compreensão da existência humana no paradoxo de sua carne.

O homem e o paradoxo da sua carne

No contexto da antropologia bíblica e pautando-se no texto da Criação, Ricoeur retoma a ideia semítica de que o conceito “carne” expressa que o homem é uma existência indisível e completa44. É preciso compreender esta condição humana não meramente no sentido subjetivo, mas sim intersubjetivo, sempre ligada à condição horizôntica e dialógica-questionante da nossa realidade humana. Estamos todos interligados, constituidos ontologicamente por uma rede de relações. Como nos ensina a antropologia hebraica, fazemos parte de uma única carne – somos kol basar – toda carne em busca de sentido. Parafraseando Merleau Ponty, dizemos que “a carne do mundo e a carne do sujeito entrelaçam-se ontologicamente em virtude da partilha comum da sensibilidade”. Para o nosso autor na luta contra o esquecimento desta antropologia primordial é preciso resgatar a função da antropologia filosófica que dá conta de responder as interpelações de uma teologia da Criação ou ainda reconstituir o tecido antropológico primordial45.

Se o ser humano aprende a reconhecer-se a si mesmo na relação com as outras criaturas, como afirma o filósofo de Valence, tal percepção é um ato supra-ético que supõe o reconhecimento de não estar acima do outro, mas com o outro num único tecido carnal que supõe equidade e respeito entre as partes. Para o nosso autor, “a carne é o lugar ontológico, âncora da atestação do movimento da encarnação de si por meio do ato como acontecimento46”.

Sem pretender fazer uma síntese do conceito primitivo de carne em Ricoeur, podemos dizer que para o filósofo de Valence, em sua fenomenologia do conceito de carne própria, a especialidade original da carne leib não localizável na espacialidade objetiva, torna por sua conexão com o corpo köper, localizado4747. A análise do conceito carne depende ainda de uma evolução de sua tradução de Ideen I de Husserl de 1950. Para o nosso autor, o termo cobre uma gama de significações importantes traduzidas respectivamentes. Primeiramente, aparece o binômio - corp vif -, traduzido por – corporeidade – e corpo material ou psiquico. Em 1952, ao escrever seu referencial artigo: Analyses et problèmes dans Ideen II de Husserl48, utiliza-se da palavra Leib para traduzir a expressão – corpo próprio -.na Revue Philosophique de Louvain em 1954, Ricoeur rechaça a tradução usual de Leib e assume a ideia de – corpo orgânico49.

Diante deste cultivo de um sentimento valorizativo do conceito carne, enquantocorpo orgânico, poderíamos dizer que o mesmo se apresenta como um espaço cósmico de encontro e reconhecimento mútuo que implica uma ação ética que gera novas realidades para os envolvidos. Somos todos feitos da mesma carne, kol basar, o que permite compreendemos nossa nossa encarnação no mundo50. A ideia de carne adquire uma perspectiva insubstituível.

Por outro lado, a compreensão de corporeidade, conceito que se define na atualidade como autoconsciência capaz de designar uma referência singular de pertença entre o ser-no-mundo de Heidegger e o ser em si mesmo de Husserl, autoriza um dizer perceptível que tudo é corporal51. Por essa razão, é importante observar que Ricoeur “estabelece uma relação entre a ontologia de sie a ontologia do agir, palavra e ação, como acontecimento de uma ontologia da carne, do ser mundo”52. O tema do corpo tem aparecido ao longo de toda parte hermenêutico-fenomenológica de Soi-memê comme un autre – bem como a questão da corporeidade como esfera da passividade-alteridade. Nesta obra, Ricoeur reconhece as três grandes filosofias do corpo próprio trabalhada pelos filósofos Gabriel Marcel, Merleaux-Ponty e Michel Henry, embora sem fazer um diagnóstico específico de cada uma delas53.

Mas para o nosso locus de discussão, a pergunta que aqui se levanta é como Ricoeur compreende a questão da carne enquanto um corpo entre os corpos. Neste sentido,há que se destacar que o filósofo de Valence traz à baila do seu pensamento a falta de uma ideia da mundanização da carne nestas teorias. Aqui entra em jogo a questão da alteridade. É neste contexto que nos aventuramos a realizar nosso leiturasobre a poética da existência tematizada pelo filósofo, póetica esta que se nos apresenta como restauradora do simbolismo ético originário. Para ele, a carne quetece a nossa existência, não aparece como um corpo entre os corpos, mas, sim, na medida em que nós mesmos somos outro entre outros. Aqui supõe pensar o seu célebre anacoluto, si mesmo como outro54. Pensar que na tessitura da minha existência, a via do desvio pelooutro, brinda a categoria alteridade, como feição de uma nova forma de reconhecimento pautada na relação com e para o outro, segundo as exigências da solicitude e do respeito. Tal é a poética que une na totalidade de um logos, a ordem natural e a ordem ética da minha existência.

Conclusão

Ao término deste artigo, esperamos ter demonstrado a necessidade de uma poética da existência que evidencie a grandeza do mistério do homem em sua relação com o Transcendente e com o mundo. É neste horizonte que a condição do pathos da miséria nos insere nos domínios de uma reflexão que imputa responsabilidade ética entre todas as regulações que nos vinculam como seres humanos nesta sociedade que geme com dores de parto à consciência do mistério da carne da nossa existência.

A afirmação ricoeuriana de que o ser humano aprende a reconhecer-se a si mesmo na relação com as outras criaturas, expressando-se e explorando sua sacralidade na do mundo, exige, a nosso ver, uma linguagem capaz de dar conta desta realidade. Decifrar o mundo é compreender a paisagem do espaço cósmico-geográfico em que vivemos como carne do mundo. É neste âmbito, no húmus da expressividade humana, que o horizonte semântico da hermenêutica ricoeuriana nos diz que somente interpretando é que podemos entender de novo. Entender não somente o começo, mas a origem que nos obriga uma real fuga para trás. De fuga em fuga somos capazes de perceber a iniciativa inteligente da decifração.

Dizer o mistério do homem é reconhecê-lo em situação de interpretação pela própria condição fundamental de sua existência. Esta evoca uma conversão radical que passe pela relação intersubjetiva com o outro e com o mundo cujas questões relativas ao horizonte geopolítico mundial, na sua interpretação como carne do mundo, exigirão sempre mais, compromissos éticos em favor do desenvolvimento integral da pessoa humana, da comunhão fraterna e do diálogo.

Pensar o pathos da miséria como matriz poética da existência é deixar-se emancipar pelo sonho de uma nova estrutura social-comunitária que abranja uma pluralidade de indivíduos comprometidos com a sacralidade e o cuidado com a vida e com o mundo. O que resulta desta temática é entrar na compreensão deste fenômeno histórico, via um diagnóstico ontológico, capaz de gerar um lugar-fronteiriço, onde emergem elementos plausíveis que colocam de maneira inquietante, a questão da Transcendência, do outro e do mundo.

O espaço carnal do mundo em que habitamos, denuncia as feridas abertas por todos os tipos de intolerâncias e intoleráveis em que se agravam as relações de respeito e de reconhecimento do outro e do mundo como parte constitutiva da nossa própria carne.

Neste sentido, olhar o ser humano em sua condição de mistério é uma passagem obrigatória, para compreender, como afirma Ricoeur, que “a minha encarnação doa a minha existência uma espessura e uma opacidade irredutível a todo esquema objetivo”55.

Bibliografia

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Notas

[1]Assumimos neste artigo a ideia de geografia humana, na linha de Marx Serre, enquanto ciência que estuda a descrição entre a sociedade e o espaço, para poder extrair a ideia nevrálgica de que o fenômeno da vida subtrai a visão fragmentada da existência.

[2]CUNHA, Jorge Teixeira. Ética Teológica Fundamental. Lisboa. Ed. Universidade Católica, 2009, 8.

[3]RICOEUR, Paul. Philosophie de la volonté I. Le Voluntaire et l’involutaire, Paris. Sueil, 1950, 33.

[4]RICOEUR, Paul. Philosophie de la volonté I. Le Voluntaire et l’involutaire, Paris. Sueil, 1950, 35.

[5].Cf. Ibidem, 31-32.

[6]Ibidem, 390. Nota 1.

[7]Cf. GREISCH, Jean. Lire, interpreter, comprendre. Vers une hérméneutique philosophique de la religion. In. J. Verheryden, T.L. Hettema, P. Vardecasteele. Paul Ricoeur: Poetics and Religion, 2011, 15.

[8]Ibidem, 21

[9]RICOEUR, Paul. Histoire e Veritè, Paris. Seuil, 1955, 337.

[10]Cf. Idem. Da metafísica à Moral. Lisboa. Piaget, 1995, 11.

[11]RICOEUR, Paul. Du texte à l’action. Essais d’herméneutique II. Paris. Seuil, 1986, 26.

[12]Cf. Idem. L’homme et son mystère. In: Centre Catholique des intellectuels français, Mystère, Paris, 1960, 121

[13]Cf. KEARNEY, Richard. A Poética do possível. Lisboa. Instituto Piaget, 1984, 14

[14]Ibidem, 34.

[15]P. Ricoeur, «Poétique et symbolique», in B. Lautet, F. Refoule, Initiation à la pratique de la théologie. Tome 1. Introduction, 1982.

[16]Cf. Idem. «Entre philosophie et théologie II: nommer Dieu», in P. Ricoeur Lectures 3. Aux frontières de la philosophie, 1994, 287; P. Ricoeur, l’herméneutique biblique, 2010, 217.

[17]Idem. «Herméneutique de l’idée de Révélation», in P. Ricoeur, E. Levinas, E. Haulotte, E. Cornélis, Cl. Geffré, La Révélation, 41.

[18]RICOEUR, Paul. Histoire et Veritè, Paris. Seuil, 1955, 339.

[19]Cf. Idem. L’homme et son mystère. In:Centre Catholique des intellectuels français, Mystère, Paris, 1960, 119.

[20]Ibidem

[21]Ibidem, 122.

[22]Ibidem, 121.

[23]RICOEUR, Paul. L’homme et son mystère. In:Centre Catholique des intellectuels français, Mystère, Paris, 1960, 121.

[24]Cf. Ibidem, 120.

[25]Ibidem, 125.

[26]Ibidem,127.

[27]Ibidem.

[28]GREISCH, Jean. Lire, interpreter, comprendre. Vers une hérméneutique philosophique de la religion. In. J. Verheryden, T.L. Hettema, P. Vardecasteele. Paul Ricoeur: Poetics and Religion, 2011, 15.

[29]Cf. RICOEUR, Paul. Historia y Verdad. Paris. Seuil, 1990, 87.

[30]Idem. L’homme et son mystère. In:Centre Catholique des intellectuels français, Mystère, Paris, 1960, 125

[31]Ibidem. 121.

[32]Ibidem.

[33]Ibidem.

[34]RICOEUR, Paul. De Interprétation. Essai sur Freud. Paris. Seuil, 1965, 63.

[35]GESCHÉ, Adolf. O ser humano. São Paulo. Paulinas, 2003, 13.

[36]RICOEUR, Paul. Philosophie de la volonté. Finitude et culpabilité, Paris. Seuil, 2009, 216.

[37]Ibidem, 54.

[38]MARCEL, Gabriel. Le mystére de l’Être, Paris, Seuil, 1951, 407.

[39]Cf. AIME, Oreste. Senso e essere. La filosofia riflessiva di Paul Ricoeur. Assisi. Cittadella Editrice, 2007, 37-38.

[40]Cf. RICOEUR, Paul. Doctrine de l’homme. In: Le Cahier du Centre Protestant de l’Oueste, nº 5. Paris, 1966, 26.

[41]MARCEL, Gabriel. Du Refus à l’Invocation, Paris, 1948, 103-104.

[42]Cf. Ibidem, 146.

[43]Cf. RICOEUR, Paul. Doctrine de l’homme. In: Le Cahier du Centre Protestant de l’Oueste, nº 5. Paris, 1966, 26.

[44]Cf. Ibidem.

[45]Cf. Ibidem, 30

[46]TIAHA, David-Le-Duc. Paul Ricoeur et le paradoxe de la chair. Brisute et suture. Paris.L’Harmattan, 2009, 388.

[47]Cf. Ibidem, 83.

[48]Cf. RICOEUR, Paul. L’école de la phénoménologie. Paris. Librairie Philosophique J. Vrin, 2004,130.

[49]Ibidem, 248.

[50]Cf. TIAHA, David-Le-Duc. Paul Ricoeur et le paradoxe de la chair. Brisure et suture. Paris. L’Harmattan, 2009, 27.

[51]Cf. Ibidem

[52]Ibidem.

[53]Cf. Ricoeur, Paul. Soi-même comme un autre. Paris, Seuil,1995, 371-373.

[54]Cf. Ibidem, 375-377.

[55]Ricoeur, Paul. L’homme et son mystère. In:Centre Catholique des intellectuels français, Mystère, Paris, 1960, 119.