A teologia do cotidiano à luz da esperança: traços cristãos românticos em Rubem Alves
Daily life Theology in the light of hope: Christian romantic aspects in Rubem Alves

Fábio Py* e Danilo Mendes**
* Doutor em Teologia pela PUC-RIO. Professor convidado do Programa de Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). E-mail: .
** Mestrando em Ciência da Religião pela UFJF e Bacharel em Teologia pela FABAT-RJ. Contato: .
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Resumo
Este artigo analisa as quatro primeiras crônicas do capítulo “eternidade” em Teologia do cotidiano (1994) à luz da tese de doutorado de Rubem Alves, Towards a theology of liberation (1968), depois publicada como Da esperança (1987). O trabalho, então, busca indicar como as ideias dos primeiros escritos dele se fazem presentes em sua fase literária, preocupando-se em entender se estas primeiras teses foram desenvolvidas ou suprimidas de alguma forma, e como elas podem indicar o autor como um cristão romântico.

Palavras chave:Rubem Alves; Da esperança; Teologia do Cotidiano; Poética; Cristianismo romântico

 

Abstract
This article analyzes the four first chronicles of the chapter “eternity” in Teologia do Cotidiano (1994) in light of the doctoral thesis of Rubem Alves - Towards a Theology of Liberation (1968), later published as Da esperança (1987). The work then seeks to indicate how the ideas of his earliest writings are present in his literary phase, concerned to understand whether these first theses were developed or supressed in any way and how they can indicate the author as a romantic Christian.

Keywords:Rubem Alves; Da Esperança; Teologia do Cotidiano; Poetics;Romantic Christianity

Introdução: Rubem Alves e verniz cristão romântico

Ao se olhar para a trajetória intelectual1 de Rubem Alves, percebida através de seus escritos, não é difícil notar que mais do que teólogo, filósofo, psicanalista ou conferencista, Rubem Alves foi poeta2. Como tal, seu trabalho não poderia acabar de outra forma senão entregue à literatura. Apesar desta fuga dos padrões acadêmicos ter sido criticada como uma possível saída mercadológica3, é possível perceber desde o início do pensamento de Alves diversos indícios de uma busca por libertação destes padrões. Ao redigir o prefácio, em 1987, de Da Esperança4, Alves se mostra inconformado com a obra: “Peço desculpas por ter escrito um livro assim tão chato. Eu não queria, por que eu não sou assim. Se escrevi deste jeito foi porque me obrigaram, em nome do rigor acadêmico. [...] O saber é coisa séria, sem sabor” (ALVES, 1987, p. 9). De todo modo, entendida como “história da salvação” (VASCONCELLOS, 2016, p.54-76) ou como libertação e crítica à modernidade, a história de Rubem Alves parece ser alinhada e coerente com sua produção.

Deve-se inserir, neste momento, a noção de que Alves é herdeiro, como leitor, e representa, como escritor, uma tradição identificada como “cristianismo romântico” indicada por Michael Löwy no seu Revolta e Melancolia (2015), desenvolvida como tipologia, na tese de Fábio Py (2016, p.161-182). Esta leitura de mundo romântica, pode ser entendida como o fio condutor que o influência desde sua tese de doutorado Da esperança (1987) e sua Teologia do cotidiano (1994). Para um breve aprofundamento nesta proposta de caminho, é necessário, primeiramente, perceber de que forma se entende este cristianismo romântico:

Michael Löwy [...] discerne o romantismo não apenas como uma literatura, mas como um modo de vida, um ethos, um posicionamento social. [...] Trata-se de um sistema próprio de pensar, de possibilitar práticas e produzir inteligências contra a lógica oportunista da sociedade moderna burgo-capitalista. [...] O “cristianismo romântico”, então, seria uma das topografias possíveis do ethos romântico especificado na obra de Michael Löwy, promovendo uma crítica ao modus religioso atrelado ao capitalismo configurado a partir do pensamento de românticos como Mann, Novallis, Victor Hugo, Nietzsche, Kafka, Rosenzweig, Lask, Weber, Lukács, Schelling, Schiller, Bloch, Benjamin e Berdiaev – este último, cristão ortodoxo, referência (também) da Teologia da Revolução de Richard Shaull (PY, 2016. p. 119-122).

Assim, pode-se corroborar com a tese de que Rubem Alves junto com outros teólogos brasileiros, como Lauro Bretones, Richard Schaull, Maria Clara Bingemer, Milton Schwantes e Nancy Cardoso Pereira (PY, 2016, p. 123) faz parte de um nicho influenciado pela literatura romântica europeia. No caso de Rubem Alves, pode-se perceber isto pelo fato de que a crítica ao capitalismo e sua epistemologia atravessa toda o seu trabalho, sendo nítida a influência em suas obras de autores supracitados, como: Nietzsche, Max Weber, Fernando Pessoa, Ersnt Bloch e Nicolai Berdiaev5, além de suas leituras de Friederic Schleiermacher e sua relação próxima com Richard Shaull6. Desta forma, a noção de Rubem Alves como cristão romântico norteará este estudo.

Assim, a proposta deste artigo é analisar as principais ideias de Rubem Alves em sua fase poética à luz de sua fase filosófica percebendo de que forma estas ideias fazem parte de uma plataforma cristã romântica. Mais especificamente, aqui verifica-se como as sementes em Da esperança7 presentes nas quatro primeiras crônicas do capítulo “eternidade” de Teologia do cotidiano (ALVES, 1994, p. 54-69) revelam a influência romântica pelo menos na fase inicial de Alves. Justifica-se a escolha destas obras no fato daquela ser a tese de doutorado do autor, além de sua primeira obra publicada; e esta por conter crônicas que são diretamente ligadas à temas teológicos, além de serem diversas em relação aos assuntos e críticas. É interesse deste trabalho saber de que forma tais sementes germinaram, como encontram-se agora em forma literária e analisar a relação de Alves com o grupo de cristãos românticos.

Para isto, as principais ideias teológicas presentes, implícita ou explicitamente, em cada uma das quatro crônicas serão comparadas com as teses levantadas por Alves em sua primeira obra. Na organização interna de Teologia do Cotidiano, Alves divide as crônicas em duas partes: “Diariamente” e “Eternamente” (ALVES, 1994, p. 3). A primeira seção é constituída de crônicas sobre o dia-a-dia, que tocam questões profundas da humanidade, como a morte, por exemplo (ALVES, 1994, p. 6-9; 46-49). Já na segunda seção Alves coloca as crônicas onde pequenas histórias dialogam com grandes dogmas, adentrando o universo teológico propriamente dito. Justifica-se, então, a escolha das quatro primeiras crônicas desta seção por elas tratarem de temas teológicos com a excentricidade própria do autor, e por serem pouco exploradas no universo acadêmico; e a escolha de Da esperança por ser sua tese de doutorado, sua primeira obra publicada e espécie de núcleo de suas ideias. Esta deverá, correspondendo às provocações da crônica, revelar quais os pressupostos acadêmicos de que o autor parte em sua escrita literária.

“Diariamente” e “Eternamente” (ALVES, 1994, p. 3). A primeira seção é constituída de crônicas sobre o dia-a-dia, que tocam questões profundas da humanidade, como a morte, por exemplo (ALVES, 1994, p. 6-9; 46-49). Já na segunda seção Alves coloca as crônicas onde pequenas histórias dialogam com grandes dogmas, adentrando o universo teológico propriamente dito. Justifica-se, então, a escolha das quatro primeiras crônicas desta seção por elas tratarem de temas teológicos com a excentricidade própria do autor, e por serem pouco exploradas no universo acadêmico; e a escolha de Da esperança por ser sua tese de doutorado, sua primeira obra publicada e espécie de núcleo de suas ideias. Esta deverá, correspondendo às provocações da crônica, revelar quais os pressupostos acadêmicos de que o autor parte em sua escrita literária.

Sobre Deuses e Rezas

Nesta primeira crônica (ALVES, 1994, p. 54-57), Alves narra uma de suas famosas histórias que costumavam acompanhar suas palestras e eram publicadas em suas colunas nos jornais8. Conta ele que enquanto estava esperando seu vôo em um aeroporto, encontrou uma antiga conhecida que falava sobre Deus para os transeuntes: “Quando vi que ela tinha uma Bíblia na mão compreendi tudo: ela se imaginava possuidora de conhecimentos sobre Deus que os outros não possuíam e tratava de salvar a alma deles.” (1994, p. 54). Ao chamá-la para uma conversa, Alves tem uma surpresa: a mulher faz questão de saber como está a relação dele com a igreja, por isso pergunta:


– Você continua firme na fé!?
– Mas de jeito nenhum. Então você deixou de ler a
Bíblia? Pois lá está dito que Deus é espírito, vento impetuoso que sopra em todo lugar, o mesmo vento que ele soprou dentro da gente para que respirássemos, fôssemos leves e pudéssemos voar. Quem está no vento não pode estar firme. (ALVES, 1994, p. 55)

Como resposta a esta estranha réplica de Rubem, a conversa continua com a conhecida tentando falar sobre Deus, enquanto ele continua dando respostas inesperadas e até cômicas a ela:

- Acho que quem não está firme em Deus é você. Olha, passei a noite toda respirando, estou respirando desde que acordei, e juro que agora é a primeira vez que penso no ar[...].Pois Deus é como o ar. Quando a gente está em boas relações com ele não é preciso falar. Mas quando a gente está atacado de asma, então é preciso ficar gritando pelo nome dele. Do jeito como o asmático invoca o ar. Quem fala com Deus o tempo todo é asmático espiritual. (ALVES, 1994, p. 55-57)

Por fim, segundo o autor, a mulher já estava sem esperanças quanto a alma dele quando, numa espécie de última tentativa de interpelar Rubem, ela diz que iria orar muito por ele, ao que ele, mais uma vez, inusitadamente reage:

Aí eu protestei, implorei que não o fizesse. Disselhe que eu tinha medo de que Deus ficasse ofendido [...].Veja você. Tive um filho que estudava longe. Eu gostava dele. Ele gostava de mim. De vez em quando a gente se falava ao telefone. E o dinheiro da mesada ia sempre, com telefonema ou sem telefonema. Agora imagine: de repente começo a perceber telefonemas dele três vezes por dia e mensagens por sedex, cartas e telegramas louvando o meu amor, agradecendo a minha generosidade... Você acha que isso me faria feliz? De jeito nenhum. Concluiria que o meu pobre filho havia endoidecido e estava acometido de um terrível medo de que eu o abandonasse. Pois é assim mesmo com Deus: quem fica o dia inteiro atrás dele, com falatório, é porque desconfia dele. (ALVES, 1994, p. 56-59)

O autor assim finaliza a crônica, mostrando uma acidez tão grande quanto a sua criatividade para responder à sua velha conhecida. Esta crônica insere Alves no horizonte do cristianismo romântico à medida em que critica a religiosidade reacionária escancarada pelos jargões teológicos do diálogo. Tal inserção se dá, justamente, na afirmação de que esta linha que marca os escritos de Rubem é caracterizada por “críticas religiosas cristãs alternativas ao status quo do cristianismo vulgar” (PY, 2016, p. 122).

Além desta influência, é possível perceber a estrutura do texto em três partes, as três respostas de Rubem aos questionamentos da moça. Por mais que a primeira resposta possa ser relacionada com uma crítica à postura dogmático-fundamentalista (PY; VASCONCELLOS, 2016, p. 662-665) - sobretudo segura em suas certezas - o contexto da fala, somado às duas seguintes, aponta para outro princípio fundamental do pensamento alvesiano: a questão da secularização99. A questão da insegurança do homem e da mulher percebido na primeira fala - não firmes na rocha, mas soltos no vento (ALVES, 1994, p. 55) - insere-se radicalmente na noção de secularização de Alves, bem como a não necessidade em falar de Deus e a falta de interesse em falar com Ele.

Em Da esperança (ALVES, 1987, p. 215-224) o autor junta estas três compreensões com o que chama de secularização ao tratar da teologia como linguagem da liberdade. Primeiramente, Alves distingue os termos secularização e secularismo: para ele, este é uma “troca de ídolos: o abandono dos absolutos metafísicos, religiosos e eclesiásticos e a opção por absolutos históricos” (ALVES, 1987, p. 221); enquanto que aquela é caracterizada como “a criação positiva da política de libertação” (ALVES, 1987, p. 221). Portanto, a secularização é fruto de uma liberdade que chega através da política de Deus. Esta liberdade significa, sobretudo, que o homem tem a possibilidade de encontrar a transcendência no mundo, mas não o tem de fazer necessariamente. Nesta ideia percebe-se a influência de Tillich e sua “inspiração direta das ideias de liberdade dos reformadores camponeses que buscavam se livrar da capitalista-moderna que surgia à época (PY, 2016. p. 135). Isto indica, portanto, que a secularização, para Alves, difere tanto do que é secularismo quanto do que é profanação. Para ele, é importante que haja, também, esta diferenciação:

Secularização não quer dizer profanação. Um mundo profano é um mundo vazio de transcendência, dela separado e a ela se opondo. [...] Desta forma, a secularização é a criação positiva da política de libertação. A dialética da política de libertação e do mundo secular, assim, caminham lado a lado. Consequentemente, o homem está livre da preocupação com o absoluto, com a religião, com o inamovível, e ainda liberto para viver como um experimento permanente (ALVES, 1987, p. 221).

Desta forma, a secularização resiste tanto ao secularismo quanto à profanação, oferecendo liberdade no lugar destas. Pode-se, assim, dizer que a posição de Rubem Alves no diálogo com sua velha conhecida no aeroporto é a de um secularizador. Ele não priva a mulher, sua interlocutora na crônica, de ter suas ideias e hábitos religiosos, isto é, não a tenta profanar; também não tenta substituir seu ídolo transcendente por um histórico, não a coloca num secularismo. Ele abre as portas para a possibilidade de uma linguagem secularizada que pode encontrar Deus - tanto quanto encontra o ar (ALVES, 1994, p. 55) -, mas não o faz na obrigatoriedade religiosa nem a reprime na proibição profana: “Acho que ele ficaria mais feliz se, em vez do meu falatório, eu lhe oferecesse uma sonata de Mozart ou um poema da Adélia...” (ALVES, 1994, p. 56). Rubem Alves nesta liberdade diz que

a transcendência em meio à vida toma forma exatamente na relativização permanente do presente, que o torna aberto àquelas possibilidades agora interrompidas. A transcendência triunfa quando todos os absolutos desaparecem e o homem tem de viver na “santa insegurança” de um mundo totalmente secular (ALVES, 1987, p. 221).

Assim, não é difícil perceber uma linha coerente entre os escritos de Alves. Esta “santa insegurança” é fruto da liberdade, fruto da secularização e é nela que ele acredita que a transcendência pode triunfar - não na rocha, mas no vôo livre. As raízes do pensamento dele já apontavam para esta posição secularizante que é percebida de forma prática e leve em sua última fase de pensamento. A literatura, aqui, coloca em prática o que o rigor científico já o tinha apontado10. Nota-se, também, que esta relação entre o científico e o literário não é hierárquica, pois estas são somente duas diferentes fases de um mesmo autor, Alves, não cabendo aqui qualquer colocação que ressalte juízo de valor.

O galo

Esta é outra dessas histórias em que o autor conta em várias crônicas diferentes. A narrativa versa sobre um galo que acreditava fazer o sol nascer com seu canto: acordava cedo todos os dias, entoava seu canto e em alguns instantes o sol nascia. Mesmo que houvesse outros galinheiros e outros galos no sítio onde se passa a história, o autor diz que era este galoquem fazia o sol nascer no seu galinheiro: ele tinha a partitura correta:

Que o Sol nascia por causa do canto do galo, isso era dogma, quod semper quod ubique et quod ab omnibus creditum est – o que era crido sempre, em todos os lugares e por todos, como dizem os doutores da Igreja. O que era objeto de infinitas disputado era a partitura certa – porque pelo vale afora havia galinheiros que não acabavam mais, cada qual com seu galo, e cada galo cantava de um jeito diferente (ALVES, 1994, p. 58).

O grande problema é que todos os outros galos afirmavam ter a partitura correta, de modo que havia brigas incessantes entre eles. Nem mesmo o coral ecumênico proposto pelas pombas poderia dar jeito nas grandes brigas entre os galos. Esta tentativa foi feita “inutilmente, porque os galos não gostam de polifonia, gostam mesmo é do seu canto só” (ALVES, 1994, p. 59).

Até que um dia o inesperado surgiu: “o despertador do galo não tocou, ele perdeu a hora e, quando acordou, o Sol já estava lá no meio do céu, com aquele sorrisão de felicidade, espalhando luz e calor por todos os bichos do vale” (ALVES, 1994, p. 59). A primeira parte da crônica, a narração desta história, tem seu fim com o galo procurando uma psicanalista (a coruja) que o fez perceber que seu canto era irrelevante quando o assunto era o nascer do sol: cantando ou não, ele nasceria. O galo resolveu jogar seu despertador fora e viver o restante de sua vida sem preocupações, sem pensar sobre o horário em que iria acordar e, conforme foi entendendo sua cura, foi rindo...

A segunda parte da crônica é constituída de comentários de Alves acerca desta história (ALVES, 1994, p. 60). Mesmo com estes e algumas explicações, o autor mantém a erótica do texto, isto é, ele continua com suas verdades mais profundas escondidas11.Ele não as abre pornograficamente, insinua-as sensualmente. Diz:

Contei essa estória para tranqüilizar os muitos galos, galinhas, patos, perus e marrecos, moradores de galinheiros, que devem ter ficado horrorizados com os meus contracantos, tão desrespeitosos das coisas sagradas, tão desafinados, com uma letra ao revés do que todo mundo aprendeu e acredita [...]. O que diz um dos textos sagrados é que Deus não dá a mínima bola para o canto do galo, se canta ou se não canta, se canta bonito ou canta feio – ele brilha de qualquer forma. (ALVES, 1994, p. 60)

Assim Alves (1994, p. 61) conclui a crônica, argumentando que o sol não fica bravo pelo jeito com que os galos cantam, mas ele provavelmente ri por ver tantos galos brigando e reivindicando para si o jeito e a partitura certos. Por fim, o autor diz que não há porque ter medo de cantar ou falar diante de Deus, pois ele continuará lá da mesma forma, tendo o galo cantado certo, errado ou feito silêncio. Diante disto, para ele, sobra somente o riso de felicidade. “Felicidade que, diante do mistério obscuro, nos seja concedida a graça da leveza: podemos pensar e falar sem ter medo” (ALVES, 1994, p. 61). Tal riso já aponta para uma característica presente no cristianismo romântico: se ele é provocado, principalmente, pela possibilidade do galo largar o seu ofício e viver uma vida contra a lógica que o prendia, o riso visa “produzir inteligências contra a lógica oportunista da sociedade moderna burgo-capitalista” (PY, 2016, p. 119). É clara também, nesta crônica, a influência de Nietzsche como base das críticas teológicas - outro fato que aponta para o já descrito movimento de cristianismo romântico. A ausência de um fundamento último que legitime um tipo de canto entre os galos pode ser percebida como paralelo ao tema da morte de Deus, bem resumido no famoso aforismo 125 de A Gaia ciência:

Não sentimos o cheiro da putrefação divina? — também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, nós assassinos entre os assassinos? O mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuía sangrou inteiro sob os nossos punhais — quem nos limpará este sangue? Com que água poderíamos nos lavar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve um ato maior — e quem vier depois de nós pertencerá, por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a história até então! (NIETZSCHE, 2012, p. 138.)

Na crônica parece clara esta crítica a um tipo de linguagem que se entende como única verdade. Esta crítica é desenvolvida posteriormente em Religião e Repressão, obra em que Alves analisa o tipo ideal “protestantismo de reta doutrina” e seu discurso dogmático-fundamentalista12, já há uma crítica formada em Da esperança: “a linguagem eclesial está particularmente por ‘acimas’ e por ‘foras’” (ALVES, 1987, p. 73s). Neste, ele se esforça para demonstrar o tipo de linguagem que gera este cerceamento de liberdade, o tipo de linguagem que, para além da teologia, mas incluindo-a, é dogmática e faz parte do sistema tecno-capitalista: “o sistema [...] a fim de se manter e de se expandir, precisa permanecer global. Consequentemente, seu maior inimigo é tudo aquilo que o nega, que se coloca contra ele, que se recusa a tornar-se parte sua” (ALVES, 1987, p. 69). Diferentemente de Religião e Repressão, no qual o autor se mostra mais preocupado com o discurso de um grupo específico, como se aplicasse e demonstrasse suas teses gerais num tipo ideal, a primeira obra de Alves, Da esperança, ocupa-se em tratar de uma linguagem que seja cabível para o homem e a mulher da modernidade, isto é, a linguagem do humanismo político não é coincidente com a linguagem teológica, nas palavras dele (ALVES, 1987, p. 72-80).

A linguagem teológica, nesta obra, é identificada com a linguagem do tecnologismo, do capitalismo moderno. Como contraponto, Alves estabelece a linguagem do humanismo político: “O que o humanismo político quer não é destruir a tecnologia, mas humanizá-la” (ALVES, 1987, p. 72). Desta forma, percebe-se que a crítica presente na crônica acima é justamente uma crítica à linguagem tecnologista. Por isso, faz-se necessário criticar a linguagem tecno-teológica, para que se abra espaço para uma nova linguagem compatível com a humanidade que busca por liberdade (ALVES, 1987, p. 61-72). Rubem Alves não poupa críticas: “a linguagem da teologia e da Igreja, a linguagem dos muitos hinos, liturgias e sermões soa ao homem secular, comprometido com a tarefa de criar um mundo novo, como a voz de uma esfera estranha e remota” (ALVES, 1987, p. 74).

Criticando esta linguagem da teologia, Alves faz leituras de Nietzsche e Feuerbach e concorda, a priori, com ambos: Deus é o grande problema da linguagem teológica. Aqui, obviamente, não se deve entender Deus como toda a transcendência, mas como o ídolo teológico e ideológico que sustenta um universo simbólico de verdades e ortodoxias13. Alves argumenta que

é óbvio que há uma diferença entre Nietzsche e Feuerbach [...]. Para ambos, contudo, o resultado é o mesmo, já que Deus não permite ao homem vencer a sua própria miséria. E não permite ou porque ele mesmo consiste na causa dessa miséria, ou porque reconcilia o ser humano com ela, ao dar-lhe esperança de uma libertação transcendente ou meta-histórica. O sofrimento e a miséria transformam-se então na causa perene dos seres humanos (ALVES, 1987, p. 77).

Faz-se necessário, aqui, perceber como Deus é percebido nestas críticas. Este ídolo não é somente o Ser a que se deve adoração e respeito, ele é o fundamento último de todo discurso religioso (ALVES, 1987, p. 78). Desta forma, a linguagem da teologia situa a si mesma como embasada pela própria divindade, o que desemboca na ideia de que a verdade última está com ela, teologia oficial: “o fato de grupos com pensamento divergente serem forçados a deixar uma certa igreja é uma evidência da presença de mecanismos de controle de pensamento extremamente eficazes nas igrejas de que foram forçados a sair” (ALVES, 2004, p. 112). No limite, percebe-se aqui a ligação com a história do galo e de seu canto. Quando esta linguagem da teologia é utilizada para legitimar uma verdade (ou um canto), todas as outras verdades (de outros galinheiros) são postas como mentira:

O problema do conflito entre as duas linguagens é mais sério do que parece. A questão não consiste em que elas sejam duas linguagens diferentes. Se assim fosse, seria possível chegar-se a um diálogo entre as duas pelo simples processo de aprendizagem da outra linguagem. O fato, contudo, é que elas parecem ser estruturalmente opostas, de forma que o verdadeiro aprendizado de uma, isto é, a apreensão da experiência histórica que ela carrega em si, requer o esquecimento da outra (ALVES, 1987, p. 75).

Esta é, na crônica, a causa da briga dos galos: cada um só reconhece sua partitura como legítima, verdadeira e possível (ALVES, 1994, p. 58-62). Por isso, este Deus precisa morrer: “Quando a morte de Deus é anunciada, o homem torna-se de novo livre para o seu mundo, para a história, para a criação. O mundo é dessacralizado. Seus valores congelados se derretem. Nada é definitivo” (ALVES, 1987, p. 78). A crítica, então, vê sua finalidade em criar espaço para uma nova linguagem que faça jus a liberdade dos homens e mulheres num mundo secularizado (ALVES, 1987, p. 215-224). Nas palavras de Alves,

a crítica do céu, da religião e da teologia constitui-se na negação de uma presença situada além da história, presença esta que afirma ser possível, sem a mediação da ação humana, eliminar-se a negatividade do presente. Por conseguinte, a consciência não encontra em Deus um lugar de descanso. Permanece inquieta entre o seu presente, que ela deve negar, e a esperança de um novo futuro, que precisa ser criado (ALVES, 1987, p. 79).

Só neste mundo em que Deus morreu pode-se viver em liberdade (NIETZSCHE, 2012. p. 138; ALVES, 1972. p. 7-34). Quando Deus morre para o galo, ele se permite esquecer o despertador e sorrir em paz aliviado porque o sol não necessitava dele nem de seu canto. Só neste mundo secularizado há liberdade para os homens e mulheres não acharem um fundamento último para suas verdades e realidades, antes, há a possibilidade de imaginarem um mundo novo, um futuro de melhores dias. Assim, percebe-se que a crítica à linguagem da teologia é a crítica ao canto univocizante do galo. Entretanto, parece claro o desenvolvimento deste pensamento, principalmente no ponto em que ele direciona esta crítica aos mais diversos tipos teológicos, não apenas os ortodoxos: na crônica ele chega a, ironicamente, mencionar um “o galo índio, teólogo da libertação, de canto guerreiro” (ALVES, 1994, p. 59). A base da crítica encontra-se já em sua primeira obra, mas é inegável que houve algum tipo de transformação daquela ao longo do tempo. Também parece ser inegável reconhecer Alves como leitor de Tillich14, para quem a imaginação, a semelhança do posicionamento do cronista, “nos leva a transcender o estado vigente das coisas e a conceber as potencialidades infinitas que nos são dadas a cada novo momento” (TILLICH, 1986, p.90-93). Esta leitura legada do teólogo alemão endossa e contribui para a tese de que Alves apoiou-se em plataforma cristã romântica.

O paraíso

Rubem Alves começa esta crônica falando sobre o mundo dos fundamentalistas. Usando da ironia, ele faz uma caricatura do que chama de fundamentalistas:

Fundamentalistas são pessoas muito religiosas (se católicas, protestantes, muçulmanas ou judias pouco importa, pois todas pensam do mesmo jeito). Elas pensam que Deus é dono de um jornal. Não só dono como também redator-chefe, repórter e linotipista. Nesse jornal, que se chama O Correio Divino, tudo sai diretamente da pena de Deus, os editoriais, as reportagens, os artigos, os obituários, com a devida autenticação dos carimbos do cartório dos anjos. Por essa razão, tudo o que é ali publicado tem de ser acreditado tintim por tintim, nos seus mínimos detalhes: Deus não espalha boatos falsos, só para aumentar a venda. O Correio Divino publica só o que aconteceu de verdade, não importa quão fantástico possa parecer [...] (ALVES, 1994. p. 62).

Ele continua a crônica falando sobre como eles acreditam e tratam dos livros sagrados como se fossem jornais e não poesias: para ele, um erro: “Existirá ofensa maior para um poeta que perguntar se o seu poema é reportagem?” (ALVES, 1994, p. 63). Pensando na bíblia como jornal, ele dá um exemplo: por que o paraíso de Deus era tão pequeno e Ele expulsado seus jardineiros se Ele mesmo tinha criado muitas outras coisas bonitas? Rubem Alves diz que não acredita em nada disso - não factualmente como um jornal. Diz que “sendo esse o caso, posso bem sonhar que Deus não fez um Paraíso só, ele fez muitos, tantos quantas são as suas criaturas, para cada uma delas um Paraíso diferente, e os espalhou pelo mundo inteiro” (ALVES, 1994, p. 63).

Pensando nestes diferentes paraísos, Alves descreve uma saudade de algo que nem sabe o que é15. Nesta ideia, começa a descrever como imagina Deus em seu paraíso, andando e percebendo como a beleza é triste, especialmente quando sentida em solidão. Ele, então, volta ao mito bíblico, dizendo que neste momento Deus teria se compadecido da solidão de Adão: “e assim nasceu a mulher, o sonho mais belo do homem, para trazer alegria ao Paraíso...” (ALVES, 1994, p. 65). Por fim, o autor diz que a felicidade em solidão é impossível, e conclui:

Fico mesmo é com dó de Deus [...]. Sem o olhar dos olhos apaixonados, sem o toque das mãos brincalhonas, sem o som da voz mansa, nem Deus pode se sentir feliz. Essa é uma felicidade possível aos homens. Mas, e Deus? Andando sozinho pelo jardim. Coitado! Tanta beleza. Tanta tristeza... (ALVES, 1994, p. 65)

Apesar de o autor passar a maior parte da crônica versando sobre os paraísos e reinterpretando, a seu modo, o mito bíblico do Jardim do Éden, a fundamentação de seu texto é a primeira parte: a crítica aos fundamentalistas. Parece que Alves faz uma caricatura deles, tratando especificamente da leitura literal que eles fazem da bíblia e, então, leva esta leitura às últimas consequências, revelando sua incoerência: “Por lá [onde havia o jardim], hoje, só se acha areia, guerra e petróleo, e dizem os entendidos que foi isso que restou do jardim de Deus, transformado em óleo preto por artes do Demo” (ALVES, 1994, p. 62). Por mais que possa parecer a mesma crítica da última crônica, esta mostra-se diferente, mesmo que endereçada ao mesmo grupo. Enquanto aquela falava sobre a verdade como exclusão do outro, esta fala sobre a leitura literalista dos textos sagrados: “Eu leio os textos sagrados como quem lê poesia e não como quem lê jornal” (ALVES, 1994, p. 63). Somente partindo desta crítica, Alves abre espaço para seu exercício criativo de imaginar as configurações do paraíso, ir contra a ortodoxia e ter pena de Deus16. A própria atitude de desprezar, de certa forma, o jornal a fim de exaltar a poesia já é um grande exemplo de seu pensamento nesta última fase de sua produção (ALVES, 1994, p. 63).

Não há, portanto, uma grande correspondência entre a crítica fundamental de “o paraíso” e a crítica em Da esperança. Todavia, a questão da felicidade do homem em relação ao mundo-paraíso é apresentada neste livro seguindo a linha de Dietrich Bonhoeffer. Como Cervantes-Ortiz bem sublinha, para Alves, “o gozo vital, a alegria de viver, deve ser fundamentado e vivenciado profundamente” (2005, p. 66). Então, Alves, em Da esperança, busca encontrar uma nova linguagem teológica, compatível com a libertação que os homens e as mulheres devem vivenciar (ALVES, 1987, p. 45-61). Esta libertação - intrinsecamente ligada com uma era secularizada - deve, aqui, ser entendida como causa principal de uma polifonia da vida, isto é, de uma multiplicidade de possibilidades para o prazer humano oferecida por esta libertação. Esta, para Alves, é a “maneira de se relacionar a liberdade de Deus para o homem e a liberdade deste para a vida” (ALVES, 1987, p. 188).17 A libertação do Corpo, outro tema central para Alves, encontra aqui também seu espaço.

A relação entre a crônica e Da esperança parece aqui muito clara: os paraísos estão disponíveis e podem ser criados através desta nova linguagem18, através da liberdade de Deus para o homem:

A vida em liberdade e a liberdade na vida: este era o projeto da dinâmica da política de Deus. [...] Onde o baixo (política divina de libertação) é firme e claro a vida explode numa melodia polifônica na qual todos os afetos terrenos, prazeres e alegrias do mundo encontram sua verdade e autonomia. [...] A liberdade e a vida estão juntas de tal maneira que a “carne” da liberdade de Deus para o homem é a liberdade humana para a vida. (ALVES, 1987, p. 188)

Desta forma, a liberdade não é somente experimentada através do futuro que vem pela esperança, mas no presente através do corpo humano: “a linguagem da comunidade de fé se opõe definitivamente à negação platônica do corpo. O futuro do homem está na ressurreição do corpo” (ALVES, 1987, p. 204). Em concordância com a crônica, em que “em volta de cada pessoa existe um Paraíso diferente do seu, como se fosse uma bolha transparente” (ALVES, 1994, p. 63), o autor acredita neste mundo de gozo no presente. Não é somente o paraíso que vem, mas o paraíso que está: o paraíso mundano. Mais uma vez, em comparação com a linguagem da teologia - que espera o deleite e o paraíso na meta-história -, Alves diz que “a política graciosa da libertação que segue em frente apesar do homem, política do ágape, produz e entrega-lhe uma realidade que produz beleza, alegria, permissão e que torna o Eros possível e necessário” (ALVES, 1987, p. 201). Assim, o objetivo do ágape é o Eros19. Em outras palavras, o amor de Deus, percebido através da criação do paraíso, destina-se ao gozo humano (outra característica romântica).

A ideia de contemplação, uma preocupação corolária em Alves, faz coro com o movimento do cristianismo romântico e sua leitura sobre a estética, principalmente quando é ressaltada sua aproximação com Schleiermacher (PY, 2016, p. 125-128). Este autor, fundador da teologia romântica, segundo Michael Löwy (2015, p.226-229), defende que o humano só percebe o divino no sentimento religioso que articula totalidade e Absoluto. Tal encontro com a totalidade implica numa experiência com o mundo que o cerca:

Sua proposta de cristianismo se aproxima da estética, dando valor ao “sentimento”, contemplação do não-agir. Contudo, não acredita no abandono da ciência e da técnica na busca pelo infinito. Pelo contrário, assume que o homem religioso se liga ao infinito quando se faz atento aos elementos do finito (PY, 2016, p. 129).

A leitura de Alves da criação, desde sua tese, é concordante com sua releitura do paraíso. Por mais que ele, na primeira, não explore tanto a questão da solidão e da tristeza, sua leitura da importância da beleza e da felicidade são de grande valor. Diz ele que

As palavras proferidas pelo criador no mito da criação constituem, na verdade, as mesmas palavras que a comunidade endereçava ao mundo, na alegria do gozo: “É muito bom!” [...] A ideia da criação, por conseguinte não carrega uma teoria cosmológica, mas uma percepção histórica do caráter em-favor-do-homem da terra e de tudo o que existe (ALVES, 1987, p. 201).

À semelhança de “O galo”, há nesta crônica um desenvolvimento das ideias de Alves, a saber, a crítica ao fundamentalismo que não aparece nominalmente em Da esperança. Não se pode dizer que ele as modifica ou altera a ponto de serem irreconhecíveis os traços que marcam o início de seu pensamento e a escrita poética (ALVES, 1987, p. 200-214). Parece que o autor descobre novas críticas que fundamentam suas ideias até então desenvolvidas. Assim, nesta crônica, ele parte de uma leitura diferente da crítica da linguagem da teologia registrada em Da esperança (ALVES, 1987, p. 72-80) para chegar ao mesmo lugar de liberdade e à mesma interpretação da criação. Não seria justo dizer que tal leitura é totalmente diferente da crítica realizada na sua tese: há aproximações claras entre elas, o que pode contribuir para a conclusão de que a crítica fundamental da crônica é um desenvolvimento das consequências da linguagem criticada na tese. Esta conclusão sustenta e reforça-se na relação entre a definição de fundamentalismo na crônica e Religião e Repressão.

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Nesta crônica, Alves já começa fazendo um jogo de palavras com o título, em resposta ao problema que, para ele, é fundamental: “Não conheço ninguém que tenha entusiasmo com a ideia do Céu” (ALVES, 1994, p. 66). Resolve, então, fazer uma pesquisa pelos seus autores preferidos para saber o que eles pensam do assunto: vai a Cecília Meirelles, Adélia Prado, Nietzsche e cita uma antiga amiga, Dona Clara. Conclui, primeiramente, que nenhum deles tem grandes expectativas sobre o céu, com exceção de Adélia que o descreve como se fosse um campo muito florido:

Se o que está prometido é a carne incorruptível, é isso mesmo que eu quero, mais o Sol numa tarde com tanajuras, o vestido amarelo com desenhos semelhando urubus e, imprescindível, multiplicado ao infinito, o momento em que palavra alguma serviu à perturbação do amor Assim quero “venha a nós o vosso reino (PRADO, A. apud ALVES, 1994. p. 66).

A solução do autor é, então, criar uma nova religião que tenha por base a doutrina da reencarnação, mas às avessas: “é isso que a reencarnação diz, que o corpo é como a Fênix, ressuscita sempre das cinzas. Só que a reencarnação da minha religião é diferente daquela que anda pra frente. O que eu quero mesmo é voltar pra trás” (ALVES 1994, p. 67).

Há, neste ponto, a inserção para mais outro tema fundamental para entender a obra de Rubem Alves, especialmente sua última fase: a saudade, como já apontado, como uma idealização do que passou. A volta ao passado, reencarnação desta religião que ele “cria”, é sintoma desta saudade (ALVES, 1994, p. 67). Como percebeu Martins, “essa ausência, provoca uma saudade ontológica materializada em linguagens; presença da ausência; religião” (MARTINS, 2016, p. 1093). O autor prossegue narrando seu desejo de voltar no tempo, descrevendo sua saudade21:

Pois o que o meu coração deseja não é navegar para o futuro. O futuro é desconhecido. E por mais que dê asas à minha imaginação, não consigo amar o que não conheço. Pode ser que ali se encontrem as coisas mais maravilhosas – mas como eu nunca as tive, não posso amá-las. Não sinto saudades delas. A saudade é um buraco na alma que se abriu quando um pedaço nos foi arrancado. No buraco da saudade mora a memória daquilo que amamos, tivemos e perdemos: presença de uma ausência (ALVES, 1994, p. 67-68).

Para Rubem Alves, nem o céu nem o futuro despertam desejo: o que ele deseja é ir para a casa, para seus antigos costumes, para as suas brincadeiras e felicidades infantis, os cheiros, sabores e labores de outrora. Desta forma, ele finaliza:

Se eu fosse escrever uma teologia sobre a felicidade futura, seria isto que eu escreveria: uma poesia sobre a felicidade passada... Para isso rezo toda noite: Senhor do Tempo põe a minha canoa tio rio do passado, pois só assim haverá uma cura para a minha saudade... (ALVES, 1994, p. 69)

O tema da saudade não encontra correspondências em Da esperança. Apesar de o tema central do livro ser uma teologia libertadora (que faça uso de uma linguagem nova onde o humano possa negar a realidade), há indicações de que o passado deve ser considerado neste plano de esperança. De que modo, então, pode-se afirmar que o espírito desta crônica tem sua origem na primeira obra de Rubem Alves? Ora, por mais que não se trate do tema da saudade nominalmente, os objetos de desejo da saudade são tratados. Pode-se assumir que, na crônica, a saudade de Alves é uma espécie de ode à corporeidade, ao mundo presente e à felicidade mundana passada: “o corpo e o cosmo se tornam [...] a ocasião para uma exuberância erótica, a possibilidade do triunfo do estilo dionisíaco sobre o apolíneo, a permissão para um transbordamento de vitalidade, de deleite, de prazer e de alegria na e através dos sentidos” (ALVES, 1987, p. 206). Como já demonstrado, é essencial para o autor que a linguagem da teologia que dispensa a felicidade corpórea, o mundo como está posto, seja enterrada e substituída. É justamente essa a questão originária da crônica: todos amam o céu, mas ninguém tem pressa de deixar este mundo. Há, aqui, uma negação - mesmo que involuntária - da linguagem teológica que promete ao homem e aos seus desejos uma saciedade futura meta-histórica (ALVES, 1987, p. 77).

Para Alves, a saudade é um eterno retorno22 do passado à medida em que este é cheio de felicidades mundanas23. Desta forma, a libertação desta linguagem aprisionadora, que prescinde de uma promessa de felicidade num além para afirmar o sofrimento presente, constitui a tarefa fundamental da nova linguagem. Aqui integram-se os tempos:

O passado assemelha-se a um horizonte onde os sinais do alvorecer começam a despontar para o homem situado em meio às trevas do sofrimento e da desesperança do presente. Através da promessa que o passado traz, o homem torna-se livre para pensar na possibilidade de um novo amanhã. O lembrar-se constitui, assim, uma expressão do amor pelo presente e, somente como tal, se constitui numa possibilidade libertadora (ALVES, 1987, p. 121).

Diante da impossibilidade da vida - seja pelo fim dela ou pela falta de saúde -, a saudade invade querendo transformar o futuro num passado eterno: “As paisagens da alma são feitas de cenários que não mais existem, e que a saudade eternizou. Aquilo que o coração ama fica eterno” (ALVES, 1994, p. 68).24 Para tal, a linguagem construída por Alves em Da esperança parece ser perfeita, pois ela “constitui um novo paradigma de humanização [...], indica o que o homem precisa fazer a fim de ser realmente humano” (ALVES, 1987, p. 73). Por mais que não seja uma linguagem da saudade, ela se apresenta como uma linguagem que devolve a vida ao humano, que possibilita, pela libertação dos homens, mulheres e seus corpos, viver uma vida na qual seja possível ter saudades, afinal, “recordar o passado consiste, portanto, em se ver aquilo que é possível ao presente, através da perspectiva do movimento da liberdade em marcha” (ALVES, 1987, p. 217).

Por fim, pode-se dizer que a crônica e a tese conectam-se na questão, novamente, do deleite aberto pela libertação da vida trazida pela nova linguagem proposta por Alves. Fica claro que o tema da saudade, apesar de ser perceptível na tese, não está lá totalmente desenvolvido. Isto corrobora para a ideia de que este tema é mais um desenvolvimento posterior à tese, mas sua gênese se encontra nela e na libertação que Rubem Alves proclama. Nesta libertação

o homem descobre que todo o mundo se abre ante ele como uma dádiva para o seu deleite. O ser humano torna-se então livre como uma criança que aceita o hoje totalmente liberta da ansiedade quanto ao amanhã. O homem está livre para as coisas simples da vida, coisas que não produzem manchetes nem mudam o mundo. Livre para conversar, para beber e comer, para fazer nada, em pura contemplação, para desfrutar o jogo do sexo, para brincar. [...] O presente consiste verdadeiramente numa dádiva boa que deve ser aceita e desfrutada com gratidão (ALVES, 1987, p. 213).

A ideia de cristianismo romântico se faz aqui presente à medida em que relacionam-se os tempos passado e presente em suas influências. Este relacionamento levaria “os autores a imaginar um passado pré-capitalista para revigorar sua inconformação com o presente” (PY, 2016, p. 124). Fica clara, então, a relação entre o tema da saudade e uma das marcantes características deste cristianismo romântico do qual Alves faz parte.

Considerações finais

A principal consideração a ser feita sobre a leitura destas quatro crônicas à luz da tese de doutorado de Rubem Alves deve ser uma resposta à questão inicial do trabalho. Se há uma fidelidade que Alves apresenta dentro de suas diversas fases de pensamento, essa é uma fidelidade aos seus pensamentos mais essenciais. É verdade que não se pode perceber uma total correspondência entre as duas obras aqui elencadas. Todavia, as ideias que estão implícitas nas crônicas estão presentes de alguma forma na tese. Por mais que por vezes pareçam afastadas, as duas obras dialogam de forma direta. De que modo tal diálogo pode ser percebido?

Parece haver uma estrutura básica que dá forma às quatro crônicas aqui explicitadas: primeiramente há a apresentação de uma problemática, seja por meio de uma história (as duas primeiras) ou diretamente inserida no texto. Após um breve desenvolvimento desta, há uma virada no texto: Alves apresenta sua visão, quase sempre excêntrica ou, como ele preferiria, herético-erótica, sobre o assunto. O desenvolvimento desta vai até a conclusão da crônica. Pode-se dizer que a primeira parte, a apresentação da problemática, é normalmente acompanhada de uma crítica ácida à normatividade ortodoxa: a necessidade de “converter” as pessoas; a briga pela verdade; a leitura literal do texto sagrado; a dúbia posição em relação ao céu. A crítica, então, deve ser tomada como núcleo da primeira parte das crônicas, uma espécie de centro implícito no texto. Percebe-se também que o contraponto de Alves é decisivo para a crônica: nele, o autor apresenta uma espécie de solução sedutora, onde convida (sem fazê-lo explicitamente) o leitor a adotar seu ponto de vista para a resolução do problema. Esta ideia redentora, que Alves insere no contraponto da crônica, é o núcleo desta segunda parte.

Tendo em vista esta pequena proposta de estruturação, é possível ter um olhar novo sobre como se relacionam as duas obras escolhidas. A influência do romantismo no autor também pode ser aqui relacionada com esta estrutura: à medida em que se percebe Alves como um cristão romântico, fica claro o modo como suas críticas e saídas contribuem para o mundo anti-capitalista - ideia legada do romantismo25.

As teses de Da esperança podem ser tomadas como constitutivas das quatro crônicas de Teologia do cotidiano à medida em que elas são percebidas como fundamentais para um dos dois pontos. Parece que Alves faz uso destas teses para embasar um dos dois núcleos do texto, respondendo a elas quando elas embasam as críticas; ou usando-as como respostas, quando fazem parte do contraponto. Assim, a questão da secularização serve como contraponto à problemática do conversionismo; a liberdade humana fundada na morte de Deus serve como contraponto à problemática do discurso dogmático; a felicidade do ser humano como contraponto à hermenêutica literalista; e a religião da saudade serve como crítica à linguagem meta-histórica (ALVES, 1987, p. 77).

Fica claro que, por mais que não haja uma correspondência total entre os textos, Rubem Alves mantém certa fidelidade ao cerne de seus escritos anteriores. Esta fidelidade é o que salienta a ideia de que ele faz parte deste movimento de cristianismo romântico. Tal movimento, por sua vez, mostra-se como fio condutor que o leva esta fidelidade. Para além das nítidas influências de autores ligados ao romantismo, Alves assume para si diversos pressupostos românticos, como a preocupação estética e a crítica à sociedade burguesa - os dois mais presentes nas crônicas analisadas. Nota-se que a mudança de gênero/forma durante as fases de sua obra não influencia mudança de conteúdo: pelo contrário, parece confirmá-lo, como atesta Cervantes-Ortiz: “a rigor, Alves nunca abandonou a forma de pensar que aprendeu nos anos que passou em Princeton [...]” (CERVANTES-ORTIZ, 2007, p. 240).

Desde Da esperança Alves versa sobre a liberdade e a felicidade humana. Desde o seu princípio, ele se preocupa em pensar uma linguagem que sirva para os homens e mulheres de uma sociedade secularizada, onde há liberdade para pensar - inclusive em Deus. Se Rubem Alves pensava desde as suas primeiras obras, chegou um momento em que ele a decidiu praticar através da literatura poética. Concorda-se aqui, portanto, com Cervantes-Ortiz: “poderíamos dizer que a experiência vital se conjugou com uma conversão estética que lhe permitiu, até esse momento, colocar para dialogar fecundamente a teologia e a poesia” (CERVANTES-ORTIZ, 2007, p. 240). Por fim, não restam dúvidas de que Rubem Alves foi fiel a si mesmo, às suas crenças, ao seu projeto de libertação e esperança, à beleza, à literatura. Rubem Alves construiu um legado cristão romântico fiel à vida.

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Notas

[1]Pierre Bourdieu define o termo “trajetória” como “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações” (BOURDIEU, 1996. p. 189); e também Giovanni Levi com sua “trajetória individual” (LEVI, 1996, p.45-48).

[2]Como o próprio descreve sobre ele mesmo no livro Da esperança: “Escrevi feio, sem riso ou poesia, pois não me restava outra alternativa: estudante brasileiro, sub-desenvolvido, em instituição estrangeira, tem mesmo é de se submeter, se quiser passar...” (ALVES, 1987, p. 10)

[3]Como o próprio autor indica: “disseram que eu havia me vendido ao público norte-americano” (ALVES 1986, p. 19)

[4]Da esperança é a tese de doutorado de Rubem Alves, defendida em 1968 no Princeton Theological seminary sob o título de Towards a theology of liberation. Foi publicada pela Corpus Books em 1969 com o título de A theology of human hope. Sua primeira edição no Brasil foi em 1987: Da esperança, publicado pela Papirus. Foi também publicado em 2011 pela Fonte editorial com a tradução do título original: Por uma teologia da libertação.

[5]Em sua fase filosfófico-poética, Rubem Alves escreve O enigma da Religião (1975) muito influenciado por Berger, Nietzsche, Freud, Marx e Feuerbach; Protestantismo e Repressão (1979) com nítida influência de Weber. Em O que é religião? (1981), Alves dá uma lista de indicações de leitura, terminando por: Agostinho, Pascal, Kierkegaard, Miguel de Unamuno, Nicolai Berdiaev, Martin Buber e Nietzsche.

[6]Sobre sua relação com Shaull, Alves conta: “Se me perguntarem: ‘o que foi que você aprendeu com ele?’ - a resposta é simples: ‘Dick Shaull me ensinou a pensar’” (ALVES, 2003, p. 92). Foi, provavelmente, por meio de Shaull (JUNIOR, 2015, p. 144-164) que Alves conheceu Berdiaev.

[7]Cervantes-Ortiz indica que os principais temas do livro são: “1) a ressurreição; 2) a imagem bonhoefferiana da ‘polifania da vida’; 3) a afirmação e a celebração da vida; 4) o corpo como agente e espaço da realização da humanização; 5) a nova linguagem da teologia” (CERVANTES-ORTIZ, 2005, p. 62).

[8]Por exemplo: Tempo e presença, p. 30. Rubem Alves foi cronista em diversos jornais como a Folha de São Paulo e o Correio Popular.

[9]Embora Weber também apresente uma noção parecida, denominada “desencantamento do mundo” (WEBER, 2014), Alves prefere o termo “secularização” de Berger, entendido como “o processo pelo qual se suprime o domínio das instituições e os símbolos religiosos de alguns setores da sociedade e da cultura” (BERGER, 1971. p. 134).

[10]“Falharam os olhos,/falharam as mãos,/falhou a contemplação,/falhou a técnica,/ falhou a ciência./Caminham na direção daquilo que não podem ver,/pela esperança./ Caminham na direção daquilo que não podem fazer,/pela graça” (ALVES, 2005b, p. 106107).

[11]O autor, mesmo falando sobre as pessoas que o denominaram herege, continua usando suas metáforas: “Imaginei que pudessem ficar com medo de que o Sol, em represália pelo meu canto, deixasse de nascer...” (ALVES, 1994, p. 60).

[12]Nesta obra Alves afirma que este protestantismo é obsessivo com a verdade e que“A verdade tem de ser intolerante. [...] O amor à verdade, afirmada como posse, é o lado risonho do seu oposto: a intolerância para com aqueles que sustentam um pensamento divergente” (ALVES, 2005a, p. 321).

[13]Este ídolo, para o autor, é o que alicerça a linguagem teológica que mantém o homem em cativeiro: “Se a morte de Deus significa a libertação do homem é porque a vida de Deus implicava sua escravidão. Ele constituía os muros de uma prisão, uma limitação da liberdade, uma domesticação da ousadia e da criatividade humanas - pelo menos este Deus de fala a linguagem da Igreja” (ALVES, 1987, p. 76).

[14]O próprio Tillich demonstra a influência romântica em sua teologia (CALVANI, 2016, p. 170).

[15]Aparece aqui uma relação que acompanha toda a obra de Alves (ALVES, 2009, p. 79-83). A saudade parece ser uma idealização do passado, assim, em semelhança a Bretones, Alves “inspira-se no passado (ou na sua idealização) como forma de luta pelo presente capitalista.” (PY, 2016, p. 176).

[16]Esta “pena” é a percepção da infelicidade de Deus: “É um filho obedientíssimo, que sempre faz o que lhe é mandado. Dizem que isso basta para a felicidade de Deus. Discordo” (ALVES, 1994, p. 65).

[17]Aqui há, sobretudo, uma influência de Bonhoeffer e sua “polifonia da vida” (BONHOEFFER, 1965, p. 175).

[18]Parece haver, mais uma vez, uma influência de Schleiermacher e seu romantismo que “No seu ideal, traz para o cristianismo moderno europeu a defesa de uma nova religião, plataforma de outro projeto de humanidade menos institucional” (PY, 2016, p. 128).

[19]Alves explica que “A teologia protestante tem estado absolutamente determinada a manter a centralidade do agape. [...] Através desta opção a teologia protestante colocou-se decisivamente ao lado da história. No entanto, se o agape preenche o horizonte, se a linguagem está dominada pelo verbo, estaremos perigosamente nos acercando de uma maneira gnóstica de ver o mundo, maneira que postula não haver nada nele que possa ser amado. [...] Se a dinâmica do agape for levada a sério, tem-se também de considerar o Eros com seriedade” (ALVES, 1987, p. 201). Nestes termos, agape seria o amor transcendente e Eros o amor às coisas do mundo.

[20]O título desta crônica é um jogo com a palavra “Reencarnação”, que Alves na crônica toma como ideia, porém às avessas.

[21]“Semanticamente é possível explicar a aproximação associativa entre os sentimentos ‘estar só’, ‘estar distante’, ‘estar ausente’e ‘estar doente’ (soedade, suidade e soidade), às ideias de ‘saúde’, ‘saudação’ e ‘salvação’. Salvação nesse caso, vem da ideia de ser curado da distância” (MARTINS, 2016, p. 1105). Embora “saudade” seja um termo apenas de língua portuguesa, indica-se a semelhança entre outros termos ibéricos. Entretanto, “a soledad castelhana, tão frequentemente substituída por solitud e soledumbre permaneceu objetiva, apegada à terra, enquanto a saudade portuguesa se alojou às regiões impalpáveis dos sentimentos que não se explicam” (BUENO, 1953).

[22]Percebe-se neste tema, mais uma vez, a influência de Nietzsche, autor deste conceito: “Este é o mito nietzscheano da história retratada numa série sem fim de ciclos repetitivos. Nietzsche pensava que a realização desta verdade encorajaria cada indivíduo a considerar suas decisões cuidadosamente, a fim de assegurar que suas vidas mereceriam ser repetidas” (ROBINSON, 1999, p. 68).

[23]Em ALVES, 2005b: “O teólogo é alguém que conversa sobre um morto de 2.000 anos, brotando o seu discurso daquela dor funda da saudade e ausência...”. Esta saudade, simbolizada em ALVES, 1992, p. 67-72 pelo jardim, tem ligações com a crítica que Berdiaev faz das cidades como meio burguês e formigueiro social (PY, 2016, p. 146).

[24]Aparece mais uma vez a inspiração romântica, desta vez de Berdiaev, que constrói sua hermenêutica “negando os status da modernidade, visando retornar ingenuamente à vida passada” (PY, 2016, p. 150).

[25]A citação do pensamento de Bretones serve como exemplo: “toda a modernidade deve ser desfeita pedaço por pedaço para que a vida retorne, desatando-se finalmente a humanidade da tormenta moderna burguesa” (PY, 2016, p. 181).