Editorial


Antonio Manzatto*
Alex Villas Boas*
* Editores
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Em seu último fascículo de 2017, já o de número 14, Teoliterária retoma seu contato com a Associação Latino-Americana de Literatura e Teologia (Alalite) apresentando sua Edição Chile, que testemunha de que maneira se trabalha a relação entre teologia e literatura naquele país e quais pontos são os principais no desenvolvimento desse trabalho. O Chile, juntamente com Argentina e Brasil, possui grande número dos pesquisadores afiliados à Alalite e otrabalho que relaciona os dois campos de pensamento humano tem muito interesse para o desenvolvimento de pesquisas na área, e isto motiva e justifica o presente fascículo da Teoliterária.

Os estudos aqui apresentados constituem exemplos do trabalho que lá vem sendo realizado, quase que modelos paradigmáticos ou, ao menos, modelares. Dois temas se afirmaram como os mais importantes e desafiadores nos últimos anos: a questão da mística e o pensamento de Paul Ricoeur. Os artigos apresentados nesta edição contemplam, exatamente, esses dois temas e, neste sentido, são testemunhos do trabalho que no Chile se realiza na área de teologia e literatura.

Clemens Franken, um dos fundadores de Alalite e também patrono dos estudos que relacionam teologia e literatura no Chile, nos brinda com um texto que compara a presença da experiência romântica em dois literatos: uma prosadora alemã, Gertrud von le Fort, e um poeta austríaco, Joseph von Eichendorff, inspirador, aliás, da literata alemã. Lembra que literatura é amor, redenção e anunciação, com uma linguagem e uma perspectiva romântica muito próxima da mística. O poeta é irmão do humano, como se fora da família de Cristo, exprimindo o sagrado no poético, já que o romantismo tem uma relação implícita com a religião. Nisso se consegue ficar mais próximo de Deus, pois a literatura tem a ver com a transformação do mundo, o que a teologia chamaria de salvação.

Felix Schmelzer apresenta a análise de um poema, Burnt Norton, de T.S. Elliot, apontando para a afinidade mística que existe entre esse autor e a tradição mística do cristianismo, o que é demonstrado através do paradoxo não apenas argumentativo, mas estrutural de sua composição literária. Assim, mais uma vez, as relações entre a literatura poética e a mística, sobretudo a cristã, aparecem de manifesto.

Eva Reyes-Gacitua nos oferece uma reflexão que aproxima teologia e literatura através da relação entre razão e amor. Seu tema é a compreensão de Deus, tema teológico por excelência, que o texto analisado de Guillermo de Saint Thierry afirma só poder ser compreendido a partir do amor, e o faz na reflexão sobre o Cântico dos Cânticos. O amor não se soma à razão, mas transforma o conhecimento em agir e, assim, aproxima do próprio Deus. Não se pode separar o afetivo do intelecto, porque ambas são dimensões do ser humano. No pensamento do companheiro de Bernardo, o desafio de relacionar fé e razão, que poderia ser uma temática teológica, se apresenta como relacionamento entre razão e afeto, temática eminentemente literária e que aponta para maneiras de viver a espiritualidade monástica.

Por fim, Cristina Bustamente traz de volta o pensamento de Paul Ricoeur em um artigo que retoma a questão da hermenêutica da suspeita no pensamento ricoeuriano. Freud, Marx e Nietzsche são apontados como os grandes pensadores da suspeita, e o artigo apresenta especificamente Freud lido por Ricoeur. A questão é a de saber como a hermenêutica da suspeita pode ajudar a relacionar teologia e literatura. O centro da atenção é a questão do sujeito, já que a hermenêutica da suspeita aponta para o problema da consciência, onde também pode haver falsidade e engano. A hermenêutica conduz, então, à possibilidade de afirmação poética da consciência.

Por outro lado, no Brasil, diversos são os caminhos que relacionam teologia e literatura, e uma gama bastante eclética de artigos documentam esta realidade no presente fascículo, reunindo pesquisadores de oito Programas de Pós-Graduação na Área de Ciências da Religião e Teologia.

Carlos Caldas (PUC Minas) apresenta um instigante trabalho análise teológica em arte sequencial no gênero HQ (História em Quadrinhos) sobre a narrativa dos X-Men, da edição intitulada Deus ama, o homem mata de de Chris Claremont (argumento) e Brent Anderson (arte), de 1982. O autor se utiliza da análise narrativa de Tzvedan Todorov e Umberto Eco, e da perspectiva teológica de Paul Tillich.

Donizete Xavier (PUC SP) faz uma análise do mistério que afeta a condição existencial humana fazendo uso da linguagem do não saber, que se revela e esconde, como hermenéia original e fonte da linguagem poética e teológica, utilizando-se do referencial teórico de Paul Ricoeur.

Cícero Cunha Bezerra (Universidade Federal de Sergipe) trabalha a Historia de la Eternidade de Jorge Luiz Borges, tentando identificar os elementos da teologia cristã na obra do autor, particularmente a tensão entre tempo e eternidade, como problema metafísico vital.

Fabio Py Universidade Estadual do Norte Fluminense) e Danilo de Souza Vasconcellos (Universidade Federal de Juiz de Fora) analisam as quatro primeiras crônicas do capítulo “eternidade” do livro do grande Rubem Alves, Teologia do Cotidiano, identificando a transposição de sua teologia sistemática presente em sua tese Towards a theology of liberation (1968) para uma forma teopoética de conto, ou seja, uma narrativa com com densidade teológica e em perspectiva de libertação.

Sergio Dusilek (Universidade Federal de Juiz de Fora) procura apresentar o caráter mediador da literatura para a interlocução entre Teologia e Ciências da Religião, a partir da interface estabelecida por Erich Auerbach, que identifica nos textos cristãos o surgimento do realismo literário da modernidade, bem como identifica na literatura bíblica influências do realismo literário.

Ivanaldo Oliveira Santos (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte) analisa a expressão católica da literatura de Moris West, identificando uma eclesiologia que se pretende com um papel central de geração de esperança na sociedade moderna, a condição moderna do ser humano e os problemas socioculturais do Século XX.

Alexandre Bacelar Marques (Universidade Federal do Piauí) também apresenta a influência do Cristianismo no romance moderno e o lugar que sabedoria cristão ocupa na história intelectual da modernidade, a partir da análise das perspectivas de René Girard e Carl Schmitt, identificando a relação entre cristianismo e cultura na modernidade.

Boris Nef Ulloa e Roberto Almeida da Paz (PUC SP) procuram identificar os aspectos hermenêuticos da justiça e da justificação na Carta aos Romanos analisando a semântica soteriológica grega e judaica na literatura paulina.

Cristiano Camilo Lopes (Universidade Presbiteriana Mackenzie) discute a recepção da obra de C.S. Lewis, Crônicas de Nárnia no Brasil, apoiado na teoria do sistema literário e polissistema, considerando os dados numéricos da produção editorial. O autor apresenta um caso exemplar de como o filme gerou um leitor despertando para sensibilidade de questões teológicas em forma narrativa.