“Estremeço de pena pelo barro mortal”: Jack Miles e uma Introdução ao Livro de Jó
“Feather shugling by Deadly Clay”: Jack Miles and an introduction to the Book of Job

Osvaldo Luiz Ribeiro*
*Pós-doutor em Ciência da Religião (UFJF). Doutor em Teologia (PUCRio). Coordenador do Mestrado Profissional em Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória. Email: osvaldo@ faculdadeunida.com.br.
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Resumo
A partir do romance literário “Deus. Uma Biografia”, de Jack Miles, o artigo defende a hipótese de que Jó 3,1-42,6* constitua o cerne original crítico de Jó, ao qual, na forma de moldura, se acrescenta o prólogo (Jó 1-2) e o epílogo (42,7-17) conservadores. A despeito do caráter literário de sua obra, Miles contribui exegeticamente para a correção da interpretação tradicional de Jó 42,1-6, que se traduz não como capitulação do personagem, mas como ratificação de sua atitude presente em todo o corpo poético da obra. Com base na tradução de Jó 42,1-6 de Jack Miles, o artigo aprofunda as implicações exegéticas da tradução proposta. Em primeiro lugar, aprofundando a atitude crítica do personagem, que, a despeito do breve exercício exegético aplicado a Jó 42,1-6 pelo romancista, não foi suficientemente considerado, por força do caráter expressamente pós-crítico do romance. A tradução de Miles implica hermeneuticamente na mais radical crítica ao caráter divino da Bíblia Hebraica. Em segundo lugar, no campo da Introdução ao Livro de Jó, considerar uma história da cooptação conservadora do núcleo poético original como estratégia de sufocamento da crítica original.

Palavras chave:Bíblia Hebraica; Exegese da Bíblia Hebraica; Jó; Jó 42,1-6; ironia

 

Abstract
From the literary novel “God. A Biography”, by Jack Miles, the article defends the hypothesis that Job 3,1-42,6 * is the original core of Job, to which, in the form of a frame, the prologue (Job 1-2) and or epilogue (42: 7-17) were added. Despite the literary nature of his work, Miles contributes exegetically to the correction of the traditional interpretation of Job 42:1-6, which translates not as capitulation of the character but the ratification of his attitude throughout the poetic body of the work. Based on the translation of Jack Miles, the article delves into the exegetical implications of the proposed translation. First, deepening the character’s critical attitude, which, in spite of the brief exegetical exercise applied to Job 42:1-6, expresses the post-critical character of the novel to the character. Miles’s translation implies the most radical criticism of the divine character of the Hebrew Bible. Then, in the field of the Introduction to the book of Job, as a strategy of suffocation of the critic, consider a history of the conservative co-optation of the original poetic nucleus.

Keywords:Hebrew Bible; Exegesis of the Hebrew Bible; Job; Job 42:1-6; irony

Introdução

Jó 1,1-2,13 e 42,7-17 foram compostos na forma de prosa, enquanto Jó 3,1-42,6 foi escrito em forma poética (SCHWIENHORSTSCHÖNBERGER, 2003, p. 292). “Um dos problemas principais do livro de Jó reside na relação entre estas duas partes” (RENDTORFF, 2009, p. 351). Esse fato tem levado os comentaristas a considerarem a possibilidade de as duas seções não serem geneticamente relacionadas, hipótese que é ratificada por meio de outros argumentos (PINKER, 2006, ָ ׂשּ ַה,olpmexe roP .)72-1 .pׂ ֖ן ָ (haSSä†än – “o adversário”1) jamais aparece na seção poética do livro, apenas em Jó 1 e 2. Alternativamente, pode-se recorrer à série de argumentos apresentados como “tensões estilísticas”, “tensões sócio-históricas” e “tensões teológicas” apresentadas por Schwienhorst-Schönberger (2003, p. 298), que, a despeito de assumir não haver unanimidade quanto a isso, mas dando a dupla origem das duas seções de Jó como questão resolvida, declara que “nos termos da crítica literária, conta-se em geral na pesquisa (...) [que] o cerne mais antigo está no substrato básico da narrativa da moldura (1-2; 42,1-7)” (p. 297), ao qual se teriam acrescentado, primeiro, 3-27; 29-31; 38-42,6, e, finalmente, 32-37 (p. 297). Quanto à composição do núcleo poético, haveria ainda menos unanimidade na pesquisa, com opiniões variando desde a unidade original entre os discursos da divindade e as respostas de Jó até a defesa de múltiplas camadas redacionais na elaboração dessas seções (SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, 2003, p. 300).

A despeito das discordâncias no campo da Introdução, e em que pesem os argumentos para a defesa da condição compósita do Livro de Jó, uma interpretação permanece unânime: quanto às duas respostas de Jó aos discursos da divindade, “na primeira (...) (40,3-5) ele declara que não continuará a falar (...). Na segunda (42,1-6) dá um passo adiante, ao retratar-se do que falou até então” (SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, 2003, p. 301), reconhecendo “que todo o seu falar foi indevido” (RENDTORFF, 2009, p. 355). Ao se lidar com o tema, chega-se a tratar Jó 42,16 como doxologia (HOFFMAN, 1996, p. 296; PERDUE, 1991, p. 201). Todas as discrepâncias entre o prólogo e o epílogo, de um lado, e a seção poética, de outro, dissolvem-se aqui: mesmo naqueles casos de aproximações menos tradicionais, no final das contas, o Jó das duas seções estruturais do livro acaba comportando-se exatamente como espera a tradição e a teologia – em disputa com a divindade, cabe a Jó o arrependimento e a “aceitação silente” (SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, 2003, p. 301). Convenhamos – é um final no mínimo contraditório para aquele que foi chamado de “o primeiro dissidente” (SAFIRE, 1992).

O objetivo do presente artigo é testar outra hipótese: ao contrário do Jó do prólogo e do epílogo, certamente “conservador”, o Jó do núcleo poético não apenas se comporta de forma contestadora durante todo o tempo, mas ainda, inclusive no final, no derradeiro momento da composição, protesta sua perplexidade. Em lugar da “aceitação silente” sugerida acima e do arrependimento tradicional, Jó 42,6 representaria a mais radical declaração da personagem em toda a narrativa: “agora que meus olhos te viram, estremeço de pena pelo barro mortal” (MILES, 2009, p. 407).

A tradução de Jó 42,1-6 “revisitada”

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No quadro acima, apresenta-se o mais literalmente possível a tradução do texto hebraico de Jó 42,1-6 11. “Literalmente” quer dizer: aplicando-se termos constantes do dicionário. Todavia, trata-se esta de uma expressão ambígua, porque há palavras no texto que podem ser atualizadas por meio de diferentes sentidos constantes dos verbetes dos dicionários, o que é o caso da principal palavra da composição, aquela que efetivamente decide o sentido da passagem – e mesmo de todo o conjunto de Jó 3,1-42,6: . נחם נחםpode ser traduzido tanto por “arrepender-se”, quanto por “consolar-se” e “compadecer-se” (ALONSO-SCHÖKEL, 1997, p. 429), e o sentido com que efetivamente se vai atualizar a tradução depende diretamente da interpretação geral que o tradutor dá à narrativa. Logo, o “literalmente” quer apenas dar conta do estado “bruto” da tradução.

A opção pelo sentido das palavras na tradução acima proposta de Jó 42,1-6 deve ser diretamente creditada à tradução proposta por Jack Miles (MILES, 1997, p. 40712). Metodológica e operacionalmente, a partir da mencionada tradução de Miles, o pesquisador traduziu ele mesmo o texto hebraico da Biblia Hebraica Stuttgartensia, consultando um a um todos os sentidos de cada palavra no dicionário de Alonso-Schökel (1997), para certificar-se de que elas potencializavam e suportavam gramaticalmente o sentido atualizado na tradução de Miles. O resultado é positivo. Todos os sentidos propostos por Miles em sua tradução são atualizações possíveis e previstas dos sentidos potenciais das palavras hebraicas empregadas no texto de Jó 42,1-6. Eis a tradução de Miles, em seu original inglês e na tradução da edição brasileira:

A tradução proposta por Miles não é de todo distinta das traduções correntes, exceto pelo último verso da passagem – Jó 42,6b: ( ַעל־ֵ֭כּן ֶא ְמַ֣אס ְוִנַ֑ח ְמִתּי ַעל־ ָעָ֥פר ָוֵֽאֶפר `al-Kën ´em´as wüniHaºmTî `al-`äpär wä´ëºper – “estremeço de pena pelo barro mortal” (MILES, 2009, p. 407). As traduções correntes traduzem algo parecido com “por isso, retrato-me e faço penitência no pó e na cinza” (A BÍBLIA DE JERUSALÉM, 1989, p. 941) ou “pelo que me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (A BÍBLIA SAGRADA, 2000, p. 469). Segundo estas, no último instante, Jó se arrepende de tudo quanto havia dito antes. Esse arrependimento retroage sobre todo o Livro de Jó e empresta a ele um horizonte teológico conservador. Por seu turno, a tradução de Jack Miles interpreta a derradeira declaração de Jó como o último protesto, definitivo, arrancado dele após as declarações do deus a quem ele insistente e esperançosamente apelara. Nos termos das traduções correntes, os discursos da divindade arrancam de Jó seu arrependimento. Para Miles, contudo, ao contrário disso, os discursos de Yahweh fazem Jó reagir de modo diferente – “estremeço de pena pelo barro mortal”.

O contexto da tradução de Jó 42,1-6 de Jack Miles

Jack Miles é um escritor estadunidense. Nasceu em Chicago, em 194213. Publicado em 1995, já no ano seguinte seu “romance biográfico” God. A biography recebeu o prêmio Pulitzer na modalidade Biografia e Autobiografia1414. Trata-se de uma biografia sui generis, é verdade: “escreverei aqui sobre a vida do Senhor Deus como o protagonista – e apenas isso – de um clássico da literatura mundial; a Bíblia hebraica” (MILES, 2009, p. 18). “Uma biografia de Deus não é um verdadeiro comentário da Bíblia” (MILES, 2009, p. 393). Não se trata de um comentário bíblico ou de um tratado teológico (MILES, 2009, p. 18). A “biografia” de Miles “busca conscientemente uma reintegração pós-crítica ou pós-moderna dos elementos míticos, ficcionais e históricos da Bíblia” (MILES, 2009, 393), porque sua preocupação não é “acadêmica”, mas literária, e seu objetivo é “permitir que o personagem de Deus possa emergir mais claramente da obra de que é protagonista” (MILES, 2009, p. 393). Por isso, Miles não se preocupou com questões relacionadas à crítica textual e à exegese. Em nenhum sentido, o romance pode ser tomado como um exercício exegético. Mesmo o Livro de Jó, como um todo, não receberá de Miles tratamento exegético. Apenas quando se trata de Jó 42,1-6 é que Miles expressamente se declara forçado a recorrer à exegese. Miles considera as duas respostas de Jó à divindade, Jó 40,4-5 e Jó 42,1-6, como, na verdade, recusas da parte de Jó em responder, e, quando então se põe a analisar as duas respostas do personagem, Miles declara que “não existem grandes questões de exegese nesse Jó 40,4-5. A segunda recusa, porém, é outra questão” (MILES, 2009, p. 398, grifo do pesquisador). Porque o sentido de Jó 3,1-42,6 se decide em Jó 42,6, para o ganhador do Pulitzer, a biografia de Deus, em Jó, se decide na exegese.

Para Miles, a tradição do arrependimento de Jó deve-se à Septuaginta15, que teria interpretado – e traduzido – o texto hebraico não como a recusa de Jó em responder à divindade, “mas como uma verdadeira retratação” (MILES, 2009, p. 399). Miles discorda da tradução da LXX e, naturalmente, das traduções que, a partir da LXX, ganharam o imaginário da recepção de Jó, como a Vulgata e a tradução de Lutero, por exemplo. Miles não acredita que Jó tenha se arrependido. Seus argumentos podem ser sintetizados em duas citações. Primeiro, considerando-se o núcleo poético, o Livro de Jó estaria estruturado em duas seções, constituídas na forma de dois pedidos e de duas recusas a esses pedidos (MILES, 2009, p. 398). “Jó fala longamente sobre a justiça e pede a Deus que responda. Deus recusa. Deus fala longamente sobre o poder e pede a Jó que responda. Jó recusa” (MILES, 2009, p. 398). Miles observa que se, nas duas recusas de Jó, o autor da composição o tivesse deixado apenas em completo silêncio, a situação resultaria ambígua demais para o ouvinte ou leitor. Em termos narrativos, continua Miles, “é importante que Jó responda apenas o suficiente para responder à nossa pergunta: ele vai se deixar levar?” (MILES, 2009, p. 398). Segundo Miles, portanto, o autor teria feito Jó recusar-se a responder em 40,4-5, mas teria elaborado de forma sensivelmente mais sofisticada a segunda recusa. Em Jó 42,1-6, primeiro Jó declara que “bem sabes que tudo podes” (MILES, 2009, p. 40016), esclarecendo que “o tom de confissão e submissão torna seja ele mesmo” (MILES, 2009, p. 405). A interpretação tradicional assume, agora, a dimensão de um erro (MILES, 2009, p. 406), porque, “em tudo o que disse em seus últimos discursos finais até essa última fala, Jó respondeu se recusando a responder”. É exatamente o que diz Schwienhorst-Schönberger: “na primeira resposta (40,3-5), ele declara que não continuará a falar como fez até aqui” (SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, 2003, p. 301). Diferentemente dele, contudo, que considera que “na segunda [resposta] (42,1-6) [Jó] dá um passo adiante, ao retratar-se do que afirmou até então” (SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, 2003, p. 301), Miles considera que, não havendo provas fortes em contrá־ rio, devemos concluir que sua intransigência não é abandonada nas últimas palavras que diz” (MILES, 2009, p. 407). Diante de seu próprio sofrimento, e agora diante da própria divindade, Jó diz que “estremece de pena do barro mortal”, discurso que revela a atitude que Miles descreve como a “recalcitrância final, profundamente consistente e altiva diante do próprio Senhor. Jó venceu. O Senhor perdeu” (MILES, 2009, p. 408). Jó não se arrepende.

Uma defesa da tradução de Miles

Antes de sugerir que Miles pode não ter extraído a interpretação mais radical possível de seu “achado exegético”, convém apresentar pelo menos um argumento na defesa de sua tradução. Trata-se da estrutura e da dimensão do núcleo poético de Jó. Considerando apenas as seções redigidas em poesia, deve-se observar o longo roteiro que o escrito elabora1717. Do capítulo 3 ao capítulo 37, o ouvinte original de Jó ou o leitor moderno se depara com os discursos de Jó, as intervenções de seus amigos, as respostas de Jó a seus amigos e o monólogo provocativo de Jó, dirigido à divindade. São 34 capítulos de reiterados protestos de Jó quanto à sua inocência, a certa altura sendo dito que Jó os apresentaria ainda que Yahweh o matasse (Jó 13,15) (MILES, 2009, p. 408). Após o primeiro monólogo soturno (Jó 3), Elifaz o repreende (4-5) e Jó reitera seu protesto (6-7). Bildade aconselha Jó a reconsiderar (8), mas Jó insiste em sua posição (9-10). Sofar intervém (11), mas é inútil, porque Jó encontra-se irredutível (12-14). É no final dessa primeira rodada (SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, 2003, p. 293) de, não exatamente diálogos, mas embates, que Jó faz aquela declaração a que se fez referência: ainda que Yahweh o mate, ele não deixará de protestar sua inocência (Jó 13,15). Nova rodada de “diálogos”. Elifaz procura demover Jó de sua posição (15), mas Jó mantém-se firme (16-17). Bildade tenta mais uma vez (18) e um mesmo irredutível Jó não se move (19), ao que Sofar tenta melhor sucesso (20), em vão (21). Na terceira rodada, de novo Elifaz (22) e Bildade (25) tentam convencer Jó a reconsiderar, mas Jó não os ouve (23-24; 26; 27-28). Segue-se um grande monólogo de Jó (29-31), onde, se a seção de Elihu é de fato um acréscimo, concluíam-se os protestos de Jó antes da aparição da divindade. Elihu entra em cena (32,1-6), Jó reage (32,7-33,33). Elihu responde a Jó (34) e mais uma vez Jó reage (35). Finalmente, Elihu tenta a última cartada (36-37)18. Atente-se para o fato de que, em todos esses capítulos, um a um, Jó protesta sua inocência, considerando inclusive a possibilidade de, diante de Yahweh, dizer o que precisa dizer. Depois de trinta e cinco capítulos de reiterados protestos de Jó, finalmente a divindade aparece.

Como se disse acima, não há unanimidade a respeito da história da redação dos discursos da divindade e das respostas de Jó (Jó 38,1-42,6). Seja como for, em seu primeiro discurso (38,1-40,2), o deus que lhe aparece na tempestade responde a Jó, contestando sua declaração de que “a terra seria um caos” (SCHWIENHORSTSCHÖNBERGER, 2003, p. 300). Como já visto, Jó responde dizendo que não dirá mais nada (Jó 40,3-5). Em resposta à decisão de Jó de calar-se, a divindade aprofunda sua crítica aos protestos da personagem, ratificando sua justiça e seu poder inigualáveis, contrastando-se a si mesmo ao insignificante murmurador desarrazoado (40,6-41,26). É ao final e em face desse último discurso da divindade que se encontram os versos a que Miles especial e exegeticamente se dedica (42,1-6), em cujo verso final, segundo, a interpretação tradicional, Jó se arrepende e, segundo Miles, não.

A questão que aqui se deseja iluminar é a surpreendente falta de “didática” ou “pedagogia” da narrativa, se considerarmos que o objetivo do escritor era ratificar como procedente certo conjunto ortodoxo de doutrinas a respeito de Yahweh. Ora, se a interpretação tradicional está correta, então o objetivo do Livro de Jó é apresentar um modelo teológico: mesmo experimentando toda sorte de sofrimento, mesmo que, por confessada desrazão, em meio a protestos, ao final de tudo o homem deve reconhecer que é ignorante, insignificante, e que apenas à divindade cabe toda a sabedoria e poder. À luz da interpretação tradicional, o núcleo poético resulta tão conservador, quanto conservadora é a moldura que o envelopa. Lida sincronicamente a composição, tentado (1-2), por força de sua desrazão, Jó fraqueja (3-37), até que a divindade lhe aparece e lhe faz ver sua condição de ignorante e fraco (38,141,26), ao que Jó humildemente, então se arrepende. Do ponto de vista retórico, o ouvinte original e o leitor moderno de Jó têm acesso a um sem número de protestos de inocência, de acusações contra a injustiça, inclusive a injustiça da divindade (Jó 9,24), uma correição de lamentações, reclamações e murmúrios, nada muito edificantes. Tendo ficado por tanto tempo ouvindo a leitura do livro, o ouvinte certamente se lembrará por muito mais tempo ainda das palavras de Jó, sua interminável lista de imprecações, reclamações, murmúrios, acusações. Somente no último minuto da leitura, aliás, nos últimos segundos da leitura, vencido pela divindade, Jó capitula. Chega-se a incluir expressões ao texto, para esclarecer o nível de capitulação de Jó: “I retract my words” (MATHEWSON, 2006, p. 161). Em mil versículos se espragueja, e em um, se pede desculpas. Faz sentido? Ora, imagine-se um livro cujo objetivo é promover nos ouvintes a prática saudável de pronunciar apenas palavras adequadas à edificação da comunidade. Para isso, então, compõe-se o tratado exatamente no modelo narrativo de Jó. Convenhamos, dado o final que a interpretação tradicional encontra em Jó, há de se convir que, em todo o livro, exceto naquele último segundo, no último versículo do último capítulo (42,6), as palavras de Jó não tenham sido as mais edificantes, tanto assim que, in extremis, ele deve “retratar-se”. A própria divindade o acusa de querer passar por inocente, fazendo Yahweh de culpado (Jó 40,89). Imagine-se, pois, tal tratado que, nas mesmas proporções em que Jó recalcitrou, escreva todas as piores palavras possíveis, capítulo após capítulo, e faça os ouvintes ouvirem-na todas, para, depois de algumas horas de leitura, fazer o personagem dizer que não devia ter pronunciado aquelas palavras que efetivamente ele disse, e que todos acabaram de ouvir. Faz sentido?

Um passo além da interpretação de Miles

“I have no doubt / You realize by now the part you played / To stultify the Deuteronomist / And change the tenor of religious thought”1919 (FROST, 1945, p. 7). Contado pelo próprio Miles como um daqueles “exegetas seculares [que] muitas vezes viram o Livro de Jó como uma autorrefutação de toda a tradição judaico-cristã” (MILES, 2009, 381), é assim que Frost faz o personagem Deus dirigir-se a Jó, colocando-o na posição de quem “estupidificou o deuteronomista”. No entanto, se como quer a tradução e a tradição correntes, em seu último momento, o poema teria feito Jó retratar-se de tudo quanto dissera, da mesma forma como aquele mencionado “primeiro dissidente” (SAFIRE, 1992) termina por não ser tão dissidente assim, resulta que a “estupidificação do deuteronomista” simplesmente desaparece, porque as razões que Jó empregara em suas contestações teológicas e acusações teológico-judiciais devem ser interpretadas como erro, do qual ele se retrata e das quais ele se arrepende. Essa alegada “estupidificação do deuteronomista” só pode ser assumida se, em lugar de ser traduzido como “eu me arrependo no pó e na cinza”, Jó 42,6 for traduzido como “eu tenho pena do barro mortal”. Nesse caso, sim, não há retratação. Só nesse caso, Jó comporta-se realmente – e até o fim – como um “primeiro dissidente”, cuja dissidência “estupidifica o deuteronomista”. Miles afirma que “mesmo os mais ortodoxos exegetas” (MILES, 2009, p. 381) reconhecem que Jó “questiona a existência e o caráter de Deus” (MILES, 2009, p. 381), mas, como se viu, se no final das contas Jó se retrata, resulta que a narrativa até pode ser considerada como tendo uma péssima configuração pedagógica, porque investe 99,9% de suas dimensões a divulgar intermináveis acusações e questionamentos teológicos, reservando apenas os 0,1% restantes para a retratação, o que não faz nenhum sentido pedagógico, mas, de qualquer forma, se traduzido e interpretado Jó 42,6 como desde a Septuaginta, a moral do Livro de Jó é justamente o contrário do que Jó havia dito até esse verso: “Deus” é tão poderoso quanto justo, e Jó, um “desordeiro ignorante” (MILES, 2009, p. 407).

A opinião de Miles quanto ao caráter de Jó é que ele até pode ser um dissidente, mas não o único da Bíblia Hebraica, e, se ele estupidifica o deuteronomista, então “só indiretamente” (MILES, 2009, p. 382). Aqui, a interpretação de Miles começa a divergir de sua própria tradução, ou, para dizer de outra forma, deixa de exaurir dela todas as implicações possíveis. Miles é categórico: “é (...) importante observar que nada há de subversivo neste livro – decerto nada nos discursos do próprio Jó – que já não tenha sido colocado de uma forma ou de outra nos livros que precedem Jó numa leitura linear da Bíblia” (MILES, 2009, p. 382). “Como reformulação do problema do sofrimento do inocente, o Livro de Jó não chega a superar o salmo 44”, e “como solução desse problema (...) não supera Provérbios, 16:4” (MILES, 2009, p. 382). Miles parece seguro do que está dizendo. Mas, será mesmo assim?

É preciso observar que, a despeito de sua decisão de aplicar procedimentos exegéticos a Jó 42,1-6, o romance de Miles não é um comentário exegético. No capítulo em que se discute Jó, a exegese aparece, a rigor, na discussão específica da tradução de Jó 42,1-6, mas, no mais, Miles opera nos termos de seu projeto: como se disse acima, um romance pós-crítico ou pós-moderno, de sorte que não se furta a argumentar com base em conteúdos tanto do prólogo quanto do núcleo poético, como, por exemplo, quando alega que Jó mantém sua coerência de atitude e argumentação até o fim, recorrendo, então, a Jó 1,21 e 13,15 para a demonstração (MILES, 2009, p. 384 e 408-409). Exegeticamente, não se podem colocar esses dois textos no mesmo campo argumentativo, já que não provêm da mesma agenda redacional. Pós-criticamente, tudo é possível. Exegeticamente, não. Como se disse, Miles não faz exegese. Ele sabe fazer. E fez. Mas apenas para tratar a tradução de Jó 42,6. Miles se serve da exegese. Serve-se até adequadamente, deve-se reconhecer, mas tão somente com o objetivo específico de contornar um problema que, a seu ver, errada, a tradução tradicional de Jó 42,6 gera para seu empreendimento literário. E só. Alcançado – e muito bem – seu objetivo específico, Miles volta a seu empreendimento: um romance pós-crítico sobre o personagem “Deus” na Bíblia Hebraica – logo, também em Jó.

Bem, mesmo que não faça exegese, com um ponto se pode concordar com Miles: “o Senhor respondeu a Jó não fornecendo razões para o sofrimento de Jó, mas simplesmente repreendendo Jó por imaginar que um ser humano pode ousar pedir satisfações a Deus” (MILES, 2009, p. 384). Ao mesmo tempo, Miles considera que tanto Jó quanto seus amigos não “aprenderam essa versão (...) judaica da sabedoria. Mas a entenderam no final do livro, depois que o Senhor respondeu a Jó” (MILES, 2009, p. 384). Todavia, não se pode conciliar muito facilmente que a) Jó tenha ouvido a repreensão de Deus, b) que tenha entendido a “sabedoria judaica” e – ao mesmo tempo! – c) tenha concluído sua fala com, na tradução do próprio romancista, “I shudder with sorrow for mortal clay” (MILES, 1996, p. 215). Se Jó disse “eu me arrependo no pó e na cinza”, então faz sentido o enredo literário que Miles elabora, porque, para todos os fins, “Job’s view changes” (VAN WOLDE, 1994, p. 250), mas, se como quer o próprio Miles, Jó disse “estremeço de pena do barro mortal” (MILES, 2009, p. 407), então não. Se Jó se retratou, então ele “aprendeu”. Se Jó não se retratou, então não. A ideia que Miles tem da “vitória” de Jó sobre “Deus” (MILES, 2009, p. 408) passa pela consideração de que Jó apenas transformou ortodoxia em heterodoxia (MILES, 2009, p. 409). Nesse momento, porque deliberadamente devolve à gaveta as ferramentas da exegese de que habilmente serviu há menos de dez minutos para a tradução de נחםem Jó 42,6, cuja tradução tradicional é “o nada no qual se fixa o filamento do qual pende o fio onde oscila a interpretação tradicional” (MILES, 2009, p. 405), Miles volta a tratar pós-criticamente o livro inteiro como uma obra literária, ao ponto de se expressar como a seguir se narra. “Deus” e o diabo fazem uma aposta. “Deus” esperava ganhar a aposta “depressa”, e, por isso, correu o risco de empenhar sua própria natureza no jogo. “Deus” contava que a primeira recusa de Jó em amaldiçoar “Deus”, referência de Miles ao diálogo entre Jó e sua esposa, no prólogo, se repetisse na segunda rodada de desgraças, mas isso não ocorreu. Sem amaldiçoá-lo, mas também sem abençoá-lo, Jó “discursa para Deus, contracaracterizando-o empenhadamente como o tipo de Deus que não faria o que nós, leitores, sabemos que ele acabou de fazer” (MILES, 2009, p. 409). Moral da história: “o Senhor, de certa forma, curva-se à caracterização que Jó fez de Deus, abandona sua aposta contra o diabo e, depois de uma vã tentativa de calar Jó com gritos, repara suas maldades duplicando a fortuna inicial de Jó” (MILES, 2009, p. 410).

Nada mais “pós-crítico ou pós-moderno”... Exegeticamente, nada nessa narrativa se sustenta. Como se viu, o prólogo e o epílogo não fazem parte da longa seção poética. Miles pode fazer seu romance, e nisso não há nenhum problema, já que a leitura cristológica desses mesmos tão antigos livros é, para todos os efeitos, um romance do mesmo tipo (RIBEIRO, 2014). Mas nenhum dos dois casos se podem tratar como um empreendimento heurístico. Com legitimidade, a instrumentalização pós-crítica da narrativa opera esteticamente, mas não pode informar sobre o sentido histórico-social da narrativa, porque opera sobre a composição redacional imbricada pelos redatores, e não sobre uma narrativa controlada geneticamente pela intenção de um escritor.

O curioso, todavia, é que, sem o exercício exegético de Miles, teríamos dificuldades de examinar apropriadamente Jó 3,1-42,6*. Dentre todos os autores consultados, apenas Brueggemann menciona Miles, e mesmo Brueggemann sequer cita, muito menos comenta a tradução do romancista. O que se deve lastimar, porque a tradução é totalmente adequada em termos gramaticais, e, se igualmente correta em termos histórico-sociais, a tradução que Miles propõe para Jó 42,6 implica numa transformação radical da recepção tradicional de Jó. No entanto, convenhamos, a leitura que o próprio Miles faz não chega a ser, a rigor, uma radical transformação dela. Como ele disse, trata-se de transformar ortodoxia em heterodoxia... Em resumo: a despeito da interpretação de Miles, a tradução por ele proposta e aqui acatada como gramaticamente correta implica em uma radical transformação da interpretação tradicional de Jó.

Não é preciso repetir os argumentos já acima apresentados. Basta trazê-los à memória e dirigi-los sob o ângulo exegético. O longo poema de Jó 3,1-42,6* começa com Jó amaldiçoando o dia e a noite em que nasceu (3,3.8). Nem o prólogo nem o epílogo fazem parte da narrativa, de sorte que o longo poema começa com o lamento teológico de Jó. A partir daí, um a um, seus amigos tentam “corrigir” a perspectiva teológica de Jó, que resiste cada vez mais insistentemente, penhorando a própria vida na certeza de sua inocência (13,14-15). É preciso ter em mente a longa série de diálogos, ao final dos quais ele pede a presença da divindade (31,35-37) (VAN HECKE, 2004, p. 24). Yahweh lhe aparece na tempestade, mas como insistentemente diz Miles, não responde a Jó. Apenas joga na face do desgraçado homem sua condição ignorante (38,2), contrastando-a com sua magnífica posição de “deus da justiça e da sabedoria”. Conquanto, mesmo ciente do romance aqui analisado, um renomado estudioso do Antigo Testamento possa referir-se às palavras proferidas por Yahweh como uma “sólida contribuição de Javé à conversa” (BRUEGGEMANN, 2014, p. 51920), na prática, o que Yahweh, “um deus com poder intimidador” (HABEL, 2004, p. 29) diz a Jó é: “cala a boca, criatura ignorante!”. Jó 38-39 inteiro insiste, à exaustão, quase que verso a verso, na condição insignificante de Jó, contrastando-a humilhantemente com a condição superlativamente poderosa da portentosa divindade. A distância declarada entre Yahweh e Jó é tão grande, que cabe a Jó apenas uma coisa: calar-se, porque tudo quanto diz só pode ser ignorância, do começo ao fim, e o fato de que seja do meio da dor que ele grite parece não fazer a menor diferença...

Em resposta a esse Yahweh, Jó declara que não falará mais nada (Jó 40,3-5) (PERDUE, 1991, p. 200-201). Falar mais o quê? Esses versos não podem ser interpretados como capitulação de Jó, porque Yahweh continuará a falar, como se Jó ainda mantivesse sua posição recalcitrante de antes de sua aparição portentosa. Deve-se aplicar a Jó 40,3-5 a mesma ironia com que Miles considera que – exegeticamente! – se deve ler Jó 42,1-6. Aplicada a Jó 40,3-5, a ironia fará com que a resposta de Jó seja a recusa de acatar a não resposta de Yahweh – porque, convenhamos, e Miles está certo quando o diz, Yahweh não responde às indagações de Jó, mas apenas ordena que a insignificante criatura cale a boca e admire o deus maravilhoso que ele tem diante de si. Se as palavras de Jó são assumidas como irônicas, já em 40,4-5, então se compreende a razão pela qual o escritor faz Yahweh retornar à sua carga retórica e à sua mesma autolouvação: porque Jó não capitulou. Essa interpretação faz sentido, por exemplo, quando se lê, no início do segundo discurso de Yahweh, sua acusação de que Jó atreve-se a anular o julgamento da divindade: ( ַ֭הַאף ָתֵּ֣פר ִמ ְשָׁפִּ֑טי ַ֜תְּר ִשׁיֵ֗עִני ְלַ֣מַען ִתְּצָֽדּק ha´ap Täpër mišPä†î Taršî`ëºnî lümaº`an TicDäq – “acaso invalidarás o meu veredito? Declarar-meás culpado, a fim de que sejas declarado justo?” – Jó 40,8). Ora, se, nos v. 4-5, a recusa de Jó em responder se devesse ao seu reconhecimento de que Yahweh estava carregado de justiça e razão, e ele mesmo, não, por que razão Yahweh precisaria acusar Jó de estar tentando transferir a sua própria culpa para ele? Não faz sentido. Todavia, se os v. 4-5 são lidos como ironia, então faz. Diante, portanto, da insinuação retórica de Jó de que aquilo que a divindade havia feito não era justo, como a dizer que o que Yahweh está dizendo não pode ser sério, e não merece resposta, Yahweh retorna à carga, e, no mesmo tom de antes, reduz novamente Jó a uma ignorância insignificante (Jó 40,6-41,26)

Quando então Yahweh termina de falar pela segunda vez, agora sim Jó responde. Aqui valem em detalhes as observações exegéticas de Miles, que Brueggemann teria feito bem em acatar. Jó responde com ironia. Insensível à sua dor, a divindade impõe a ele que se cale, que sofra calado, e, sofrendo calado, ainda se admire do poder incomensurável do deus incomensurável. Alguém adaptado a essa espécie de comportamento teológico o faria com facilidade, mas não o “primeiro dissidente”. E, convenhamos, nos termos em que Miles traduziu Jó 42,6, conquanto não nos termos em que o próprio Miles interpretou sua própria tradução, Jó é sim o “primeiro dissidente”. Nesse sentido, dizer que “a mudança de Jó em sua compreensão de Deus (...) é evidente em Jó 42,6” (INGRAM, 2017, p. 15) não faz nenhum sentido. Jó recolhe trechos da fala insensível e arrogante de Yahweh, e com eles constrói uma concisa teia narrativa irônica, que a tradução de Miles, acima transcrita, permite visualizar e ouvir. Ironia é aquela figura de expressão em que a literalidade encontra sua verdadeira alma na retórica. Nesse caso, uma declaração como a que Manassé recupera pode ser lida de forma diferente, se se considera a ironia ou não: “frente a Elohim, no hay diálogo ni possibilidade de colaboración” (MANASSÉ, 2012, p. 55). Se não há ironia, trata-se de uma declaração dogmático-metafísica. Se há ironia, trata-se então de uma acusação do caráter arrogante da divindade – ou de quem a representa! No caso de Jó, desgraçadamente ferido, é um ignorante, um desordeiro, ao passo que Yahweh é a Justiça, o Poder. A distância dos dois é incomensurável e inexorável. Jó só pode ser o verme rebelde que Yahweh diz que ele é, imagem certamente mais forte do que a de um simples “critiqueiro [que] quer pleitear com o Todo-Poderoso” (SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, 2011, p. 224). A divindade quer colocar Jó em seu lugar. Que razão há para que Jó abra a sua boca incontrolável, na qual pulula uma nuvem intolerável de acusações e reclamações, se ele não estava lá no dia em que Yahweh criou o crocodilo e o hipopótamo? Verme insignificante! Quem ele pensa que é? Quem você pensa que é, Jó? E, então, Jó profere aquele verso, dentre todos os versos da Bíblia, a mais radical leitura de Yahweh, sem que se possa corrigi-la, sem que se possa enfeitá-la, sem que se possa fazer dela – senão “pós-criticamente ou pós-modernamente”, nos termos de Miles, ou, nos termos de Schwienhorst-Schönberger, por meio de “um comentário (...) de forma continuada” (SCHWIENHORSTSCHÖNBERGER, 2011, p. 5) – uma negociação entre ortodoxia e heterodoxia. Se o homem cai na mão da Desgraça, da Dor, do Sofrimento, que pode ele fazer? Gritar? Pedir socorro? Para quem? Para a Insensibilidade? Para a Arrogância? Para Yahweh? Esse Yahweh, que está ali, agora, com sua “threatening and ultimately ambiguous image” (DOAK, 2015, p. 284), diante do monte de carne “derretendo” (Jó 7,5), a vangloriar-se de sua condição de “todo-poderoso”, sem uma gota de compaixão pelo “verme desordeiro” que ele pisa com os pés2121? A única coisa que resta ao desgraçado é calar-se, porque tudo que ele disser será usado contra ele, e, sendo assim, só o que resta a Jó é coroar sua dor com a estonteante declaração teológica que contundentemente encerra a discussão: “por isso, eu desisto, e que pena tenho do barro mortal!”.

Para fins de uma Introdução a Jó

Se a tradução de Miles for histórico-socialmente apropriada, porque, gramaticalmente o é, e se a interpretação que se veio de fazer estiver correta, então se deve retornar à questão da composição de Jó. Como se viu, a seção em prosa e a seção em poesia não foram escritas pela(s) mesma(s) pessoa(s)22. Essa parece uma questão resolvida. O que, todavia, não se pode dizer da justaposição do prólogo e do epílogo como moldura do núcleo poético. Quando Schwienhorst-Schonberger diz que “o cerne mais antigo está no substrato básico da moldura (1-2; 42-7-17)” e que “a primeira ampliação volumosa deu-se pela incorporação da seção de diálogos” (SCHWIENHORST-SCHONBERGER, 2003, p. 297), ele certamente tem em mente o caráter conservador dos dois blocos narrativos. Como se viu, para a tradição, a despeito de tantas imprecações, Jó derradeiramente capitula2323, e, assim, o bloco poético resulta tão conservador quanto o prólogo: “Deus” faz a aposta com o diabo (1-2), Jó sai “vitorioso” da situação, porque, no final das contas, reconhece a soberania da divindade e sua própria condição insignificante (3,1-42,6) e, finalmente, “Deus” retribui a Jó segundo sua perseverança. Todavia, se consideramos a tradução de Miles, a situação muda totalmente, porque, salvo operações “pós-críticas ou pós-modernas”, o núcleo poético não pode mais ser tratado como “conservador”. Pelo contrário: o grau de sua acusação dirigida ao caráter da divindade não tem equivalente na Bíblia Hebraica. Logo, o núcleo poético é crítico. Não é conservador. O ábaco pós-crítico não está habilitado a fazer contas exatas...

Considerando-se que Jó 3,1-42,6* seja crítico, e não conservador, do que resultaria pelo menos apressado falar-se de “fallacy of the multiple author theory” (KURIAKOS, 2016, p. 76), deve-se então decidir o que é mais plausível supor ter ocorrido: a) Jó 1-2 e 42,7-17, conservadores, são mais antigos, e, a esse texto conservador se acrescenta um texto incomparavelmente crítico, o que trincaria a matriz conservadora do material pré-existente, ou, ao contrário, b) em face da circulação “uma crítica incisiva à profusão de discursos e de certezas que fundamentam os poderes religiosos” sacerdotais (LEITE, 2011, p. 32), opera-se a sua cooptação hermenêutico-retórica por meio de seu envelopamento conservador, enclausurando as imprecações do “primeiro dissidente” em um roteiro de entrada e de saída característicos da teologia retributiva clássica24? Ao menos quanto ao processo em si, a opinião não é nova (SCHNIEDEWIND, 2004, p. 179). Aquilo que Schwienhorst-Schönberger interpreta como “seu caminho para Deus” (SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, 2011, p. 5), considerando que tão cedo quanto a Septuaginta, Jó 42,6 tenha sido interpretado como a capitulação de Jó, talvez se deva considerar que parte desse sucesso se deva justamente ao emolduramento prosaico-conservador que o núcleo crítico-poético recebeu. Mais do que emprestar ao núcleo poético “um assim chamado ‘final feliz’” (HABES, 2004, p. 39), a moldura conservadora na verdade sufoca a crítica. Da mesma forma como a presença do Yahweh levou Jó ao silêncio, a presença da moldura e do epílogo calou a crítica, que, a muito custo, só pode ser recuperada por um exercício eminentemente crítico – a exegese.

Conclusão

Considerando-se a proposta de tradução de Jack Miles para Jó 42,6, Jó 3,1-42,6 deve ser tomado como uma composição crítica, na qual o personagem protesta do começo ao fim a sua condição de inocência. À luz de sua inocência, o sofrimento de Jó denuncia o caráter da divindade – e Jó insistentemente se agarra à tese. Resta à divindade aferrar-se à sua condição de inquestionabilidade, e devolver a Jó a acusação. “Deus” não tem resposta para Jó, salvo ordenar que ele se cale. Jó se cala, não porque capitula, mas porque entende que, em face de uma teologia dessa natureza, nada há o que se possa dizer e, se as coisas são assim, miseráveis são os homens, que, além de sortear-lhes a vida toda sorte de desgraças, reserva-se a eles o silêncio: sofrer, e sofrer calado. Aos olhos do deus da tempestade, os homens são insignificantes criaturas, criadas para sofrer caladas. Jó compreende que sua própria vida é uma dolorosa figura para a vida de todos os homens, diante de cujo sofrimento a divindade tem apenas a responder com autolouvação e humilhações teológicas, de sorte que, dada uma vida assim, e dada uma divindade assim, pobre barro mortal. Jó não se retrata. Jó extrai de sua dor a mais radical conclusão: pobres dos homens.

Sendo o núcleo poético uma composição radicalmente crítica, é mais plausível considerar que seu encapsulamento em uma moldura indiscutivelmente conservadora teve a função estratégica de sufocar sua condição e expressão crítica. Seja como for, foi exatamente o que ocorreu. Nesse sentido, no âmbito de uma Introdução a Jó, deve-se considerar como mais plausível do que o processo inverso, que o núcleo poético seja “o cerne mais antigo”, e que esse núcleo posteriormente tenha sido emoldurado com uma composição em prosa, conservadora, de sorte que o conjunto da obra terminou por ser recebido, e pelo menos desde a Septuaginta, como uma obra de caráter conservador, na qual o desgraçado personagem sofre como poucos, e, como todos, deve calar-se diante da Majestade, do Poder e da Justiça, porque, afinal, quem é essa criatura desprezível para ousar abrir a boca diante da Insensibilidade?

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Notas

[1]“ ָשָׂטן Adversário, contrário, opositor, competidor, antagonista, rival, inimigo (...) Com artigo (...) o Rival, o Fiscal, Satã (como título de ofício)” (ALONSO-SCHÖKEL, 1997, p. 641).

[2]Para a decisão aqui tomada de assumir-se o ketib (“está escrito”) e não o qere (“leia-se”) assinalados para Jó 42,2a, cf., quanto ao texto hebraico propriamente dito, o aparato crítico da Biblia Hebraica Stuttgartensia e, para a argumentação, MILES, 2009, p. 400: “as anotações do texto massorético ou texto-padrão do Tanach contêm o que se chama de indicações de ketib e qere (...) a primeira palavra quer dizer ‘escrito’, a segunda ‘leia’ (no imperativo).Por questão de sentido, mas também, eventualmente,, por questão de reverência, o leitor da sinagoga, instruído por essas anotações marginais, lia outra palavra diferente da que se encontrava escrita no texto. Em Jó 42:2, era instruído a trocar a palavra yäda`Tä, ‘tu sabes’, por yäda`Tî, ‘eu sei’”. Cf. a tradução “You know you can do anything” (STORDALEN, 2016, p. 197)

[3]Para םלעcomo “empanar” em Jó 42,3, cf. ALONSO-SCHÖKEL, 1997, p. 500.

[4]Para הָצֵעcomo “juízo”, cf. ALSONSO-SCHÖKEL, 1997, p. 512.

[5]Para דגנcomo “declarar”, cf. ALONSO-SCHÖKEL, 1997, p. 417.

[6]Para ןיבcomo “entender”, cf. ALONSO-SCHÖKEL, 1997, p. 100.

[7]Recorrendo ao verbete אלפno dicionário consultado no presente artigo, pode-se ler: “este verbo pretende definir a superação dos limites da ação ou da compreensão: algo é difícil, para não dizer impossível; superá-lo, é portentoso, incrível” (ALONSO-SCHÖKEL, 1997, p. 534).

[8]Para .215 .p ,7991 ,LEKÖHCS-OSNOSLA .fc ,”ozíuj“ omoc

[9]9. Para סאמ como “derreter-se, desfazer-se”, cf. ALSONSO-SCHÖKEL, 1997, p. 352. O dicionário consultado conhece duas raízes: סאמ1 e סאמ2. À primeira raiz se vincula o sentido tradicional com que se traduz o termo hebraico em Jó 42,6: “retratar”. A opção pela segunda raiz deriva de MILES, 2009, p. 407. Para passagens em que a raiz se atualiza com sentidos aproximados ao da tradução, cf. Lv 26,43 (“enfastiar-se”), Jó 7,5 “desfazer-se” (a pele sobre a carne), Sl 58,8 “definhar”. Registre-se que o correspondente verbo grego, na versão da LXX de Jó 42,6 é ἐτάκην (“derreter, dissolver”). Por força disso, Perdue opta por “rejeitar”, mencionando explicitamente a LXX (PERDUE, 1991, p. 232). Para uma discussão crítica, cf. STORDALEN, 2016, p. 189-190; CHERNEY, 2014, p. 1-3. Talvez se pudesse traduzir “desisto”. Para Kohler e Baumgarnter, respectivamente, os sentidos seriam “to refuse, reject” e “to err, transgress” (KOHLER e BAUMGARTNER, 2001, p. 540-541). Contudo, especificamente para Jó 42,6, pode-se ler: “to reject what one has said previously, revoke” (p. 540) – estaria a tradição controlando a filologia?

[10]Para םחנ como “apiedar-se”, cf. ALSONSO-SCHÖKEL, 1997, p. 429. Dentre outros sentidos, inclusive aquele tradicionalmente aplicado à passagem, “retratar-se”, aparecem no verbete os sentidos correlatos ao optado na presente tradução: “compadecer-se, condoer-se (...), sentir pena, compaixão, piedade”. Para uma discussão crítica, cf. CHERNEY, 2014, p. 4-5 e STORDALEN, 2016, p. 189, que, todavia, não mencionam Miles. Em consonância com sua proposta para סאמna mesma passagem, para , םחנ especificamente em Jó 42,6, Koehler e Baumgartner dão o sentido de “to repent” (KOEHLER e BAUMGARTNER, 2001, p. 688).

[11]Para um resumo das posições, na pesquisa, quanto à “pletora de interpretações” sobre o sentido das palavras de Jó em Jó 42,1-6, cf. HABEL, 2004, p. 28. O próprio Habel considera as palavras como caracterizadas por “ironia e ambiguidade”, conquanto nada em seu comentário faça crer que tenha notícias sobre a possibilidade da tradução do v. 6 nos termos que Jack Miles propõe.

[12] O contato com o romance de Jack Miles deu-se em 2002, e o pesquisador o deve a Haroldo Reimer, pelo que aqui expressa publicamente sua gratidão.

[13] Para os dados biográficos e profissionais de Jack Miles, cf. seu site pessoal, disponível em http://www.jackmiles.com/Home/jack-miles-bio, acesso em 30/20/2017.

[14]Cf. http://www.pulitzer.org/search/jack%2520miles, acesso em 30/10/2017.

[15] Na versão de Rahlf: διὸ ἐφαύλισα ἐμαυτὸν καὶ ἐτάκην ἥγημαι δὲ ἐμαυτὸν γῆν καὶ σποδόν, e, na tradução inglesa de Brenton: “wherefore I have counted myself vile, and have fainted: and I esteem myself dust and ashes”.

[16]Para a presença de ironia no livro de Jó, cf. PARSONS, 1981, p. 213-229.

[17]Deve-se ter em mente que não se podem descartar etapas redacionais até o ponto de se chegar ao conteúdo massorético atual de Jó 3,1-42,6, de sorte que as observações que se seguem devem ser tomadas em princípio.

[18]Para a longa série dos “diálogos” entre Jó e seus amigos, cf. (SCHWIENHORSTSCHÖNBERGER, 2003, p. 294-296).

[19]"Eu não tenho dúvida / que você percebe agora o papel que você desempenhou / para estupidificar o deuteronomista / e mudar o rumo do pensamento religioso” (tradução do pesquisador).

[20] Brueggemann menciona o romance de Miles, classificando-o como “um bom comentário” (BRUEGGEMANN, 2014, p. 519, nota 29). Não se pode dizer que seja por causa dele, mas justamente sobre Jó 42,6, Brueggemann comenta: “visto que o v. 6 é tão enigmático, não podemos ter certeza”. No entanto, em nenhum momento faz referência à tradução proposta por Miles, o que, na opinião deste pesquisador, é, de longe, a principal contribuição para a pesquisa sobre o Livro de Jó em várias décadas, superando o trabalho de Cohen a respeito de Jó 26,13, ainda tão ignorado pela pesquisa (RIBEIRO, 2015).

[21]Não se resiste à tentação de, naturalmente contra a vontade de seu autor, aplicarse ironia à declaração com que Clines abre seu artigo: “o livro de Jó é um hino à inescrutabilidade de Deus” (CLINES, 2004, p. 42).

[22] O contexto do presente artigo não comporta discussão de data, mas assume-se em linhas gerais a posição de Dietrich: “mais precisamente é possível estabelecer a data entre os anos 450 e 350 a.C.” (DIETRICH, 1996, p. 17).

[23]Na tradição teológico-exegética brasileira, parece ser essa a percepção mais comum, e não é do conhecimento do pesquisador a existência de um texto que, sem ambiguidades, assuma que o personagem Jó se arrependa. Para declarações categóricas de arrependimento do personagem, cf., por exemplo, ROSSI, 2005, p. 203 (“é deste erro que Jó se arrepende” e COSTA, 2011, p. 142: “Jó havia lutado de todos os modos para provar sua honra e justiça, não temendo acusar e desafiar até o próprio Deus. Contudo, com essa apresentação da ciência, grandeza e cuidado de Deus por toda a criação, ele se vê forçado a reconhecer a própria pequenez e lugar diante do mistério insondável de Deus. Todos os seus argumentos caem por terra, e ele nada mais consegue acrescentar. Por isso Jó opta pelo silêncio, por tapar a boca com a mão (40,4), na certeza de ter falado sem conhecimento”, além de GABRIEL, 2006, p. 93 e, salvo engano, DIETRICH, 1996.