“Sem a carne a alma não existe” Uma interlocução contemporânea entre Tertuliano de Cartago (A Ressurreição da Carne) e Richard Morgan (Carbono Alterado)
“Without the flesh the soul does not exist” A contemporary interlocution between Tertullian of Carthage (The Resurrection of the Flesh) and Richard Morgan (Altered Carbon)

Luiz Antônio Pinheiro
* Doutorando em Teologia pela FAJE, Mestre em Teologia e Ciências Patrísticas pelo Institutum Patristicum Augustinianum (1994-1998), Bacharel Licenciado em Filosofia pela PUC Minas (1981- 1983), Bacharel em Teologia pelo CES-SJ (1985-1988). Contato: lapinheiro1@hotmail.com
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Resumo:
Este artigo tem o objetivo de ampliar o diálogo entre a teologia e as produções do “universo fantástico”, particularmente as distopias, que abordam de forma instigante a condição do ser humano no mundo contemporâneo. Faremos uma aproximação temática entre a Ressurreição da Carne, de Tertuliano de Cartago e o romance Carbono Alterado, de Richard Morgan. Esta produção é uma das mais recentes aparições do gênero distopia ou ficção científica. Por sua vez, aquela é uma obra antológica da teologia cristã. É possível um diálogo entre autores tão distantes no tempo e no espaço, com gêneros literários e propósitos tão diferenciados? Cremos que sim, pois ambos abordam uma questão fundamental em torno à constituição do ser humano. Está em jogo a indissociável relação entre corpo e alma, constitutiva do ser humano na antropologia cristã, mas acidental nas tipificações de algumas distopias, de maneira particular na obra contemporânea escolhida. Tertuliano defende a fé cristã, transmitida pela Igreja, cujo fundamento é a ressurreição de Cristo. Morgan constrói um cenário futurístico inquietante, alicerçado na confiança tecnológica. Em ambas as obras, no entanto, há uma interrogação fundamental acerca do que constitui o ser humano, seus anseios, buscas e realização. O resultado da aproximação insólita destas obras, aqui proposta, permite-nos perceber que Carbono Alterado é um sério questionamento aos rumos que o mundo vem tomando. A Ressurreição da Carne é um renovado apelo aos rumos que o mundo pode tomar.

Palavras chave:Capa. Cartucho. Reencapamento. Carne. Alma. Ressurreição.

 

Abstract
This article aims to broaden the dialogue between theology and the productions of the “fantastic universe”, particularly dystopias, which intriguingly address the condition of the human being in the contemporary world. We will make a thematic approach between Tertullian of Carthage’s treatise The Resurrection of the Flesh and Richard Morgan’s Altered Carbon novel. Morgan’s novel is one of the latest appearances of the genre dystopia or science fiction. In turn, the treatise of Tertullian is an anthological work of Christian theology. Is it possible to have a dialogue between authors so distant in time and space, with literary genres and so different purposes? We believe that yes, since both approach a fundamental question about the constitution of the human being. At stake is the indissociable relationship between body and soul, constitutive of human being in Christian anthropology, but accidental in the typifications of some dystopias, particularly in the contemporary work chosen. Tertullian defends the Christian faith, transmitted by the Church, whose basis is the resurrection of Christ. Morgan builds a disturbing futuristic setting, grounded in technological confidence. In both works, however, there is a fundamental question about what constitutes the human being, his longings, pursuits and fulfillment. The result of the unusual approach of these works, proposed here, allows us to perceive that Altered Carbon is a serious questioning to the directions that the world has been taking. The Resurrection of the Flesh is a renewed appeal to the course the world can take.

Keywords: Sleeve. Stack. Resleeving. Flesh. Soul. Resurrection.

Considerações iniciais: um caminho a ser desbravado

As relações entre teologia e literatura já têm conquistado amplos espaços no campo da pesquisa1 . Mais recentemente o interesse tem-se voltado para as ricas possibilidades de diálogo entre a teologia e a literatura fantástica. Pioneiros nessa aproximação foram, entre os mais conhecidos, Jorge Luís Borges, com “História da Eternidade” (1936), John Ronald Reuel Tolkien, com “O Senhor dos Anéis” (1937-1949) e Clive Staples Lewis, com a “Trilogia Cósmica” (1938-1945) e “As Crônicas de Nárnia” (1949-1956). Ao passo que Borges transitava pelos temas religiosos mais por herança sociológica de uma mãe católica “a la argentina”, Tolkien e Lewis, apesar de não serem propriamente teólogos, são autores que, após sua conversão, escreveram em chave explicitamente cristã. Os três, no entanto, ao incursionarem pela literatura fantástica estabeleceram, ora mais, ora menos, de maneira explícita, um rico diálogo entre literatura e teologia.

Alguns estudos sobre esses autores, que têm como foco o diálogo entre teologia e literatura fantástica, ilustram essa possibilidade bem sucedida. Cito, como exemplos, o artigo de Cícero Cunha Bezerra (2017), o trabalho de Gene Veith (2006), e as pesquisas de João Lemos dos Santos (2010) e de Marcio Simão de Vasconcellos (2010, 2017), e também a de Diego Genu Klautau (2007).

Vasconcellos (2017, p. 19) afirma que “é plenamente possível, além de essencial, utilizar a literatura fantástica como meio para falar do Mistério que é Deus, reconhecendo a necessária relação dialogal entre teologia e literatura”, pois, “a partir dessa prática dialética e dialógica, a literatura fantástica torna-se um caminho possível para devolver à teologia sua característica poética e metafórica, isto é, sua teopoética-teoliterária” (id., ibid., p. 19). Esse autor demonstrou como há ricas reservas simbólicas para realizar um diálogo entre teologia e literatura fantástica, ainda “a ser explorada por muitos teólogos e teólogas” (id., ibid., p. 223).

Queremos aqui apontar um caminho a ser desbravado: ampliar esse diálogo não apenas com a literatura fantástica, mas também com o que chamo de “universo fantástico”. Buscaremos fazê-lo neste artigo com duas obras, ao mesmo tempo tão distantes no tempo quanto díspares em seu propósito, com autores cujas motivações são muito diversas, mas nos quais entrevemos um ponto de encontro. O romance Carbono alterado, de Richard Morgan, é uma das mais recentes aparições do gênero distopia ou ficção científica. A Ressurreição da carne, de Tertuliano de Cartago, é uma obra antológica da teologia cristã. Nosso método de aproximação será uma descrição emparelhada de alguns temas comuns, ligados à busca da compreensão do que constitui o ser humano, especialmente na maneira como se entende o binômio carne-alma. Este emparelhamento permite perceber também como ambos os autores refletem sobre questões de fundo como a vida, a morte, a salvação, e, de maneira poética, as manifestações da alma na carne

Tertuliano, teólogo dos albores do cristianismo, defende o cerne da fé cristã fundamentada na encarnação e ressurreição de Jesus Cristo, para a qual importa a íntima conexão corpo-alma, constitutiva do ser humano. Morgan, escritor deste novo milênio, constrói uma ficção ambientada no século XXV, em que a consciência da pessoa pode ser armazenada num cartucho, na base do cérebro, e baixada para um novo corpo, quando o atual parar de funcionar. Para a esperança cristã, que assume o mistério da morte, a ressurreição afirma a transformação do homem inteiro, corpo-alma, totalmente transfigurado, cuja carne verá a Deus. Nessa distopia, onde a morte nada mais é que uma falha no sistema, o reencapamento possibilita a continuidade da consciência, em corpos reaproveitados, cuja carne pouco importa. Em ambas as obras, no entanto, há uma interrogação fundamental acerca do que constitui o ser humano, seus anseios, buscas e realização.

Primeiramente, esclareceremos brevemente o que entendemos por “universo fantástico” e afirmaremos a legitimidade desse novo campo de diálogo. Apresentaremos então ambos os autores e suas obras. A seguir, traçaremos um paralelo acerca do que constitui o ser humano, particularmente o tema da íntima união carne-alma, na obra de Tertuliano e a acidental união capa-cartucho, no romance de Morgan. Esperamos, dessa forma, contribuir para a ampliação desse diálogo, levando em consideração as irrenunciáveis bases da antropologia cristã e as fantásticas configurações da antropologia futurística. Esperamos demonstrar que Carbono alterado é um sério questionamento aos rumos que o mundo vem tomando, ao passo que A ressurreição da carne é um renovado apelo aos rumos que o mundo pode tomar.

Universo fantástico e Teologia

Entendemos por “universo fantástico” o conjunto de expressões que, sem se reduzir ao campo da literatura fantástica propriamente dita, manifesta-se também nas obras de distopia, terror e horror, bem como sci-fi cabeça. Há uma gama incomensurável de produções no campo das artes em geral, particularmente a pintura, o teatro, o cinema e também nos dispositivos virtuais, como os videogames. Tais produções caracterizam-se, entre outros aspectos, por associar e misturar os vários “gêneros fantásticos”, numa espécie de “bricolagem fantástica”, que pode se apresentar como uma interessante categoria hermenêutica para compreender a contemporaneidade. Neste artigo não nos é possível enumerar e delimitar essas variáveis e o alcance hermenêutico desse novo universo em construção, que será tema de uma pesquisa mais ampla, cujo objetivo é identificar as insurgências do gnosticismo na contemporaneidade.

As produções do “universo fantástico”, particularmente as distopias, abordam de forma instigante a condição do ser humano no mundo contemporâneo. Estamos habituados a robôs, biônicos, androides, seres fantásticos, alienígenas de mundos diversos, nas mais diversas configurações, que, em última análise, são representações do ser humano na busca por sentido e realização. As intersecções entre matéria, carne, corpo, alma, espírito, mente, aparecem nessas obras nas mais bizarras conjunções.

Essas produções conheceram um aumento considerável nas últimas décadas, nos vários campos acima mencionados. Há, sem dúvida, uma componente econômica ligada a essas obras e que movimenta bilhões de dólares e euros no mercado internacional. Mas os temas aí abordados causam fascínio e provocam uma atração que ultrapassa as fronteiras culturais. Afirmamos sua legitimidade na medida em que expressam dimensões ligadas ao mistério da vida, do universo, do ser humano e como o homem se relaciona com todas essas esferas. E o fazem construindo uma linguagem, uma gramática, uma semântica próprias.

Além de descrever o mundo contemporâneo, com seus avanços e mazelas, tais produções retratam também a angústia existencial que caracteriza o homem contemporâneo, que tem a sensação de estar se alienando de si, de seus semelhantes e do próprio mundo, e, ao mesmo tempo, projetam, paradoxalmente, num mundo imaginário, uma instintiva e desesperada busca de retorno a si, encontro com os outros e urgente necessidade de pertencimento ao mundo.

Há um apelo de redenção e salvação, latente nas geniosas tramas, nem sempre explicitado. Um olhar mais atento do teólogo descobre aí os traços de uma abertura à transcendência. Vislumbra-se, em breves lampejos, um anseio de eternidade que o próprio mundo contingente criado pelo homem nunca consegue alcançar.

Segundo Vasconcellos (2017, p. 75), “vale ressaltar que o desejo pelo Mistério, que caracteriza o ser humano, é revelacional. Assim, o mistério como condição antropológica é anterior a todas as coisas”. Continua o autor:

Nesse voltar-se ao Mistério, a teologia encontra seu papel de elaborar aproximações às questões-limite vivenciadas pelos seres humanos: sofrimento, dor, angústia existencial e morte. E é justamente aí que, segundo Lewis, podemos conhecer algo do Deus que se revela a nós: na nossa humanidade. “No universo inteiro”, diz Lewis, “existe uma coisa, e somente uma, que nós conhecemos melhor do que conheceríamos se contássemos somente com a observação externa. Essa coisa é o Ser Humano. Nós não nos limitamos a observar o ser humano, nós somos seres humanos”. (VASCONCELLOS, 2017, p. 75)

Nas obras que escolhemos para estabelecer um diálogo, A Ressurreição da Carne, de Tertuliano de Cartago, e Carbono Alterado, de Richard Morgan, surgem questões e considerações intimamente relacionadas com o que constitui o humanum. No tratado de Tertuliano, teólogo do século III da Era Comum, há uma única voz que domina o cenário – é a dele mesmo, mas que tem por trás a Tradição da Igreja; ele é porta-voz da comunidade eclesial. No romance de Morgan, o personagem principal, que fala em primeira pessoa, é também, a seu modo, porta-voz não exatamente do séc. XXV, mas de nosso século. Homens de tempos e lugares tão diversos, mas que representam, cada qual a seu modo, o seu tempo, grávido de angústias, questionamentos, propostas, interpretações da realidade; unidos pelo indelével selo do humanum.

Apresentaremos agora alguns traços biográficos de cada autor, bem como um sumário das obras aqui consideradas.

Tertuliano e A Ressurreição da Carne

Quinto Septímio Florêncio Tertuliano nasceu em Cartago, entre os anos 155-160, de família pagã. Seu pai era centurião da corte proconsular. Teve uma sólida formação jurídica e tornou-se um advogado famoso em Roma. Após a conversão, ocorrida por volta de 193-197, estabeleceu-se em Cartago, onde se empenhou em colocar sua cultura jurídica, literária e filosófica a serviço da fé cristã. Desenvolveu intensa atividade literária, entre 195 e 220. Por volta d ano 207, tornou-se montanista, uma seita cristã originária da Frígia, de caráter entusiástico e profético, cujo fundador foi Montano. Sentiu-se atraído pelos montanistas em decorrência de seu rigorismo ascético e moral, com os quais também posteriormente se indispôs, cercando-se de um grupo de adeptos, cognominados “tertulianistas”. A data de sua morte é incerta: posterior a 220 e anterior a 230.

Tertuliano é um escritor vigoroso, criativo e original. Nele observam-se um profundo conhecimento do direito e da literatura grega e latina. Além disso, segundo Quasten (1992, p. 493) “um vigor inexaurível, uma retórica inflamada e uma sátira mordaz. Não é um homem de compromissos. Sempre alerta, não se concede trégua na luta que sustenta contra o adversário, sejam pagãos, hebreus, hereges, sejam, mais tarde, os próprios católicos”. Segundo Moreschini e Norelli (1996, p. 450) “... seguramente para Tertuliano a polêmica é a forma mentis fundamental” (...) ele “encontra na polêmica a forma mais adequada para exprimir-se e para manifestar as próprias ideias” (id., ibidem).

Da extensa produção tertulianea, destacamos três obras de caráter polêmico e anti-herético, e de teor doutrinário, escritas entre 205 e 215, intimamente interligadas: De carne Christi (A Carne de Cristo), De anima (A Alma) e De resurrectione carnis (A Ressurreição da Carne). Daremos uma breve notícia sobre cada uma delas, ressaltando os principais pontos de inter-relação.

O tratado A Carne de Cristo tem como objetivo demonstrar a realidade e a concretude da encarnação de Cristo. Os grupos heterodoxos concebiam a carne humana como uma realidade desprezível e fonte de pecado. Tal opinião encontrava-se também difundida entre correntes filosóficas de cunho dualista e mesmo entre correntes do pensamento pagão com tendências encratitas. Segundo os hereges, Cristo teria assumido só uma aparência de carne, ou uma carne de tipo diferente, uma carne espiritual, parecida com a carne humana. Entre estes encontravam-se os Valentinianos. A objeção de Tertuliano é que, se Cristo não teve uma verdadeira carne, tampouco pode ter salvo o homem.

De particular interesse é sua obra De anima (A Alma). Ao investigar a natureza da alma, Tertuliano não se detém na certeza da imortalidade da alma, ponto firme para o cristão. Ele quer aprofundar em que consiste a natureza, a essência da alma. Amparado em uma ampla pesquisa, ele polemiza com os gnósticos e platônicos. Segundo ele, a alma não é estranha ao corpo, ao qual está indissociavelmente ligada. De acordo com seu estoicismo de base, assim como Deus, a alma também é material, porque tudo o que existe deve ter um “corpo”, ainda que sui generis (cf. Contra Praxeas 7,8). Sendo corpórea e estreitamente ligada ao corpo, a alma deriva da alma de quem gera, da mesma forma que o corpo do recém-nascido provém do corpo dos genitores. Trata-se aqui da doutrina do “traducionismo”. De acordo com Moreschini e Norelli (1996, p. 456), “Desse modo, o Cartaginês pode apresentar, de quebra, um apoio à sua doutrina da ressurreição dos mortos; alma e carne constituem um todo único e indissolúvel, como nesta vida, assim também na próxima”.

Tertuliano retoma a defesa da carne humana em A Ressurreição da Carne, uma de suas obras mais densas e significativas, onde ele desenvolve a antropologia cristã de forma mais sistemática. Na verdade, trata-se da primeira obra cristã do Ocidente que aborda de maneira sistemática esse ponto fundamental da doutrina cristã. Já Paulo fora ridicularizado pelos atenienses no areópago quando lhes pregou acerca da ressurreição (cf. At 17, 32). Os gnósticos também desprezavam a carne e a crença na ressurreição. Em sua obra, Tertuliano tem em mira os “novos saduceus”, tais como os seguidores de Marcião e Basílides, que negam a carne e os adeptos de Valentino e Apeles, que a consideram dotada de uma qualidade especial.

Baseando-se na tradição, particularmente em Irineu, Tertuliano defende que o homem, feito “à imagem da imagem de Deus”, ou seja, de Cristo, foi criado desde o início como corpo e alma: ao mesmo tempo em que Deus plasmava o homem do barro da terra, lhe insuflava a alma. Cristo veio à terra como homem verdadeiro, revestindo-se da carne humana. A carne, além de ser criada por Deus, é garantia da salvação: “a carne é o fundamento da salvação”. “Sem a carne a alma não existe!”. Esta posição será posteriormente abandonada. Por influência da antropologia platônica, ver-se-á a imagem de Deus apenas no componente espiritual do homem.

Há, pois, um íntimo nexo entre este tratado e A Carne de Cristo (cf. De carne II,11; De res. II,5.1125,2): tudo o que diz respeito ao homem tem sempre o seu fundamento teológico em Cristo. Por isso é necessário mostrar a realidade concreta da carne de Cristo como condição prévia para afirmar a verdade da sua encarnação, morte e ressurreição. Estreitamente conectada com esse tema, é necessário considerar a acertada observação de Corbellini:

A afirmação da criação, ligada com a cristologia, é um dos temas fundamentais da sdoutrina de Tertuliano a respeito da encarnação do Verbo, na qual ele não fez qualquer ligação com o pecado; o Verbop se encarnaria, mesmo se não houvesse o pecado humano. (CORBELLINI, 2007, p. 277)

Richard Morgan e Carbono Alterado

Richard K. Morgan nasceu em Londres (24/09/1965) e cresceu no povoado de Hethersett, perto de Norwich. Estudou história no Queen’s College, em Cambridge. Após ter-se graduado, dedicou- -se a lecionar inglês, com o objetivo de financiar sua viagem pelo mundo, um sonho alimentado desde a adolescência

Foi tutor do Departamento de Língua Inglesa na Strathclyde University por 14 anos, antes de iniciar sua carreira como escritor. Fluente em espanhol, já morou e trabalhou em Madri, Istambul, Ancara, Londres e Glasgow, além de ter viajado pelas Américas, África e Austrália. Atualmente vive no Reino unido com a esposa e o filho.

Tem-se destacado como escritor de ficção científica e seu romance de estréia foi Carbono alterado (2002). O livro foi o vencedor do Philip K. Dick Award em 2003. A edição brasileira é de 2017, tradução de Edmo Suassuna. A obra recebeu várias classificações: “junção de cyberpunk hardcore com romance de detetive” (The Times), “um soberano thriller noir de ficção científica” (Sfrevu), “um noir obscuro” (Ken Macledo), “thriller de ficção científica” (Peter F. Hamilton).

O livro foi adaptado para uma série televisiva da Netflix, cuja primeira temporada ocorreu no primeiro semestre de 2018. A saga continuou num segundo livro, Anjos Partidos (2003, edição brasileira, 2018) e Worken Furies (2005). Outra de suas obras de ficção é Força de Mercado (2004), editada no Brasil em 2017.

No século XXV, um ex-combatente de elite das Nações Unidas desperta num corpo (capa) diferente do seu, depois de seu “cartucho” (mente) ter sido armazenado por 250 anos, numa prisão oficial em seu planeta de origem, o Mundo de Harlan. Takeshi Kovacs, um nipo-polonês, foi teletransportado para a Terra através de uma evoluída técnica de digitalização (f.h.d.: frete humano digitalizado).

Um magnata, Laurens Bancroft, contratou o ex-emissário, treinado com habilidades especiais, para resolver um crime: o seu próprio assassinato. Os ricos e poderosos podem se dar ao luxo de clonar seus próprios corpos ou usar outras “capas”, de acordo com sua conveniência. Entre eles há vários que têm mais de três séculos, por isso, chamados de “matusas” (em referência ao bíblico personagem Matusalém). A cada 48 horas, sua mente é atualizada, através de conexão via satélite com uma central de segurança máxima. Antes que isso fosse feito, ocorreu, com o uso de uma arma letal, a destruição do cartucho onde estava a mente do magnata: teria sido assassinato ou suicídio? Um de seus cartuchos digitalizados foi reencapado num de seus corpos clonados. Takeshi, caso aceite a missão, tem a opção de ganhar a liberdade, sendo reencapado no seu corpo original ou em outro de sua escolha, ou então, voltar para a prisão até pagar a pena, sendo então reencapado de acordo com a definição judicial.

Os pobres e as pessoas comuns, por sua vez, têm que se contentar com capas de segunda ou terceira categoria, caso seus corpos originais tenham sido destruídos. Criminosos, ou mesmo cidadãos de bem podem ter seus corpos armazenados em tanques especiais, enquanto seus cartuchos podem ser arquivados ou redigitalizados, até o próximo reencapamento, de acordo com as circunstâncias.

Os cartuchos originais são colocados em corpos gerados naturalmente, até o primeiro ano de vida, na base da coluna cervical. Não se explica como se forma a “mente pura”, que será digitalizada no cartucho a ser implantado no corpo original.

Nesse mundo, a morte passou a ser um acidente contornável, “imortalidade garantida”, ao menos para quem dispõe de recursos à altura. Mas, mesmo assim, ronda o perigo de uma morte real, ou o “grande apagamento”. E, se isso ocorrer, é o fim. Não há mais retorno.

Há um grupo incômodo nessa sociedade distópica: são os católicos, que se recusam a ser redigitalizados ou reencapados. Defendem a morte definitiva, à espera da ressurreição verdadeira. Uma ilusão ou loucura de fanáticos, segundo a opinião geral da comunidade científica e da sociedade em geral. Seus cartuchos são armazenados indefinidamente, com uma tarja de identificação, na qual está registrada a objeção de consciência. No entanto, a família pode dispor de outra maneira. Os católicos, fieis às orientações do Vaticano, são contra a Resolução 653, pela qual uma pessoa “morta” pode ser reencapada para prestar depoimento em tribunal.

A humanidade já atravessou as fronteiras da galáxia. Há uma entidade supraplanetária que supervisiona esse novo universo, a Organização das Nações Unidas. As conquistas técnicas são inimagináveis. É possível manipular a vida e driblar a morte. Nesse mundo futuro, as pessoas podem ter suas mentes simuladas em ambientes virtuais para os mais diversos fins: reuniões de negócios, sexo, treinamentos e até sessões de tortura.

A capa pode ser de um homem ou de uma mulher, um jovem ou idoso, usada independentemente do sexo biológico ou da idade, o que, no entanto, nem sempre significa que a identidade do cartucho se adapte ao novo corpo. O corpo, entretanto, traz a memória do seu antigo dono e, mesmo a de sucessivos usuários, nos quais os cartuchos foram reencapados. Kovacs é encapado na Terra no corpo de Elias Ryder, que pertencia ao namorado da Tenente Ortega. É de se imaginar que os dois vão se envolver. Afinal, com quem ela irá se relacionar? Com o fantasma do namorado, lembrado naquele corpo ou com o homem que o ocupa temporariamente? Um dos episódios mais espetaculares acontece quando Kovacs é torturado virtualmente no corpo de uma mulher

A saga de Kovacs continua no segundo volume da trilogia, Anjos Partidos, publicado em 2018 no Brasil. Desta vez, o protagonista desenvolve a nova aventura na condição em que foi treinado, como um soldado de elite. Sua missão agora é colaborar com o governo para suprimir uma violenta revolução no planeta Sanction IV.

Não é comum encontrar em obras desse gênero referências explícitas ao universo religioso; este aparece marginalmente, é levemente acenado. Há uma ausência tácita acerca do sobrenatural nas obras de ficção científica, diferentemente do que acontece no gênero de horror ou mesmo de terror. Diferentemente, Morgan tece várias reflexões ligadas a questões religiosas, inclusive a discussão sobre o ponto candente da obra de Tertuliano: a ressurreição da carne.

Pretendemos agora explanar essa questão fundamental, numa apresentação emparelhada das obras escolhidas, como dois trilhos que correm paralelos e que vez por outra se interceptam no cruzamento das questões mais profundas, para logo depois seguirem seu caminho, lado a lado na direção do mesmo mistério da vida e da morte. Em alguns momentos se fundem como monotrilho, para depois continuarem lado a lado. Têm em comum o humanum em sua constituição e sua expressão, no côncavo da Vida, tocando juntos, tangencialmente, o mistério maior, que nunca esgotarão em suas abordagens. Aqui reside a possibilidade do diálogo entre autores e obras tão díspares, separadas no tempo e no espaço. A partir daí se pode abrir um caminho mais amplo de diálogo entre a teologia e o universo fantástico.

A fé dos cristãos é a ressurreição dos mortos

Logo no início de seu tratado, Tertuliano declara peremptoriamente que “A fé dos cristãos é a ressurreição dos mortos” (2004, I,1)2 . A identidade cristã se fundamenta nesta fé revelada: “Nela crendo é que somos cristãos; a verdade nos constringe a crê-la, a verdade é revelada por Deus. No entanto, as pessoas sem instrução se riem dessa fé, pensando que nada existe depois da morte”. Há filósofos, como Epicuro e Sêneca, que concordam com os simples afirmando que nada exista depois da morte. Por outro lado, Pitágoras, Empédocles e os platônicos “afirmam a imortalidade da alma, que pode voltar nos corpos, não nos próprios, mas em outros humanos e até mesmo no de animais” (cf. I,3-4). Mesmo sem atinar com a verdade completa, batem à sua porta, permanecendo, no entanto, no umbral, sem transpô-lo. Dessa forma, “o mundo profano não nega a ressurreição dos mortos, nem mesmo quando erra” (cf. I, 5-6). Também os hereges, mesmo que interpretem a seu modo, não negam a salvação ou ressurreição da alma. Admitem até uma espécie de “substrato humano”.

As distopias, de uma forma ou de outra também não negam a sobrevivência desse substrato de consciência ou identidade humana. No caso de Carbono Alterado, a morte, na verdade, acaba sendo um acidente de percurso, uma circunstância facilmente contornável, pois a identidade humana não se encontra nesta união entre corpo e alma, mas no “cartucho”, que traz a memória vital e existencial de cada indivíduo, que pode até mesmo ser digitalizada, ou teletransportada de um mundo a outro, como f.h.d. (frete humano digitalizado). No entanto, esse “substrato humano” pode ser destruído e então não resta mais nada, é a morte total... sem esperança alguma de sobrevivência. Como o corpo é acidental, ele pode ser utilizado por outros cartuchos ou suas peças – “material orgânico” – as peças podem ser reaproveitadas.

Logo após chegar à Terra, “baixado” na nova capa, Kovacs se depara com uma manifestação de um grupo de católicos – “uma seita religiosa das antigas” – contra a Resolução 653: “NÃO À RESOLUÇÃO 653!! SÓ DEUS PODE RESSUSCITAR!! F.H.D. = MORTE” (p. 26)3 .

Os católicos são apresentados, logo de início, como pessoas que “não acreditam que seja possível digitalizar um ser humano sem que ele perca a alma”. O herói nunca tinha ouvido falar deles. Ortega tece um juízo severo sobre eles: “Kovacs, eu odeio esses palermas. Eles vêm nos prejudicando há praticamente 2.500 anos. Foram responsáveis por mais sofrimento que qualquer outra organização na história. (...) e se opuseram a todos os avanços médicos significantes dos últimos cinco séculos” (p. 28).

Logo após a sua conversão, Tertuliano lançou-se numa aguerrida campanha para defender a religião cristã frente aos judeus, pagãos e autoridades políticas. Durante a perseguição de Septímio Severo, Tertuliano levantou sua voz para reclamar que o cristianismo fosse ignorado e que se desse crédito a comentários caluniosos. Era inadmissível que a religião de Cristo fosse condenada por leis injustas, através de processos jurídicos incorretos. Sua apologia tem em vista a afirmação do direito de existência do cristianismo, com um caráter eminentemente prático e jurídico. Refuta as acusações de imoralidade privada (infanticídio, jantares licenciosos, incesto) e pública (hostilidade contra o imperador e o império), além de outras acusações como superstição, imoralidade e crueldade, lesa maiestatis, ao mesmo tempo em que defende o teor elevado da ética cristã e a lealdade dos fieis em relação ao Estado e à sociedade.

Além disso, ele tem em mira apresentar o cristianismo em sua essência, e busca para isso os fundamentos racionais da verdade cristã, através da especulação filosófica e dos recursos da retórica. Por outro lado, procura demonstrar as contradições e incongruências do politeísmo e os desmandos morais da sociedade romana, da cultura pagã e, especialmente, da filosofia. Na religião revelada ele afirma encontrar-se a possibilidade de uma salvação radical, ofertada por Deus ao homem. O que ele critica duramente na especulação filosófica é o orgulho e auto-suficiência humana que busca resolver por si o problema do homem (cf. BOSIO et alii, 1991, p. 89-90).

No século XXV, os cristãos, particularmente os católicos, são também vistos como gente estranha, aferrados a crenças antiquadas, convicções eivadas de ignorância, fundamentalistas fanáticos, gente descompassada com os avanços de um mundo totalmente diferente, no qual eles não se encaixam, antes, perturbam a ordem pública, com suas manifestações dignas de pena, indivíduos repugnantes e fadados, cedo ou tarde, ao desaparecimento inglório. Curiosamente, aparecem como remanescentes daquele período obscurantista que adentrou o terceiro milênio. Onde se encontra a razão da incompreensível “loucura católica”?

O cerne da questão: sem a carne a alma não existe

A louca esperança cristã, anunciada desde sempre, reside em duas palavras, “rápidas, concisas e claras”: “a ressurreição dos mortos” (cf. XVIII,4). Amparados por essa esperança, este aspecto do “mistério cristão sobre o qual se baseia toda a fé, sobre o qual se rege toda a disciplina”, foi anunciado desde o início de maneira inequívoca, causando escândalo aos atenienses. Esta fé firmíssima encheu de coragem aqueles que abraçaram a verdade cristã, a ponto de enfrentarem calúnias, perseguições, torturas e morte (cf. XXI, 3).

No romance de Morgan, encapado em outro corpo, o sujeito fica, de certo modo, condicionado aos atavismos do corpo pertencido originariamente a outra pessoa ou usado anteriormente, sabe- -se lá por quantos outros indivíduos. Surgem gestos involuntários e compulsivos, ações mecânicas, incontroláveis às vezes, como um irresistível desejo de fumar, uma excitação extemporânea... É necessário um período de adaptação ao novo corpo. Há episódios insólitos que desvelam a dramática dissociação entre corpo e alma, ou entre a capa e o cartucho, como a de detentos que, depois de cumprirem sua pena, podem finalmente retornar “de seu exílio de carbono alterado”. Recebem a “capa” que o Protetorado lhes oferece, e seus entes queridos terão de conviver com eles em corpos estranhos.

Para Tertuliano, não se pode suprimir a recíproca amizade que há entre carne e alma. Há uma poderosa força unitiva entre a alma e a carne, sem a qual a alma não pode se manifestar; há uma imperiosa atração instintiva entre a carne e a alma, sem a qual a carne não pode subsistir. Deus de tal forma colocou a alma na carne, inserindo-a nela, misturando-as, que se pode, afinal, perguntar “se é a carne que leva a alma ou a alma a carne, se é a carne que obedece a alma ou a alma à carne” (VII, 9). Em suma, a vida do homem enquanto ser humano não se pode compreender sem esta essencial unidade entre carne e alma

Interessa-nos destacar aqui que na sua concepção, que é a concepção cristã afinal, o substrato humano não é simplesmente a “alma”, o “cartucho”, mas essa unidade dual: “O homem, na sua totalidade, consta da união de ambas as substâncias, e por isso em ambas deve ser reconstituído o homem que todo inteiro deve ser julgado, porque viveu senão todo inteiro” (XIV,11). É essa unidade dual que é destinatária da imortalidade, que passará toda inteira pelo julgamento definitivo, que toda inteira receberá prêmio ou castigo eterno: “Enquanto estiver na carne, não há momento no qual a alma exista sem a carne, não há nada que não faça sem ela, dado que sem a carne ela não existe” (XV, 4). Para falar dessa íntima união entre alma e corpo, Tertuliano afirma que “a carne é a rocha da alma” (XV,4) e recorda que no seu livro A Alma, já tratara desse tema, onde professa e demonstra a “corporeidade da alma, que é portanto dotada de uma própria solidez, através da qual pode sentir e sofrer” (XVII, 2).

No mundo futuro de Morgan, o substrato humano encontra-se num “cartucho”, que é implantado na base cervical. Aí se encontra a identidade da pessoa, com seu passado, suas memórias, sua “liberdade” que, no entanto, pode ser preservada, conservada, administrada ou manipulada, pela família, pelos amigos, pelas autoridades, pela indústria da “manipulação da vida”, que lhe aufere dividendos incalculáveis. O corpo é uma simples capa, descartável, reaproveitável.

Ao recordar sua formação como emissário, o herói explica que tudo o que acontece com as capas é “condicionamento neuroquímico, interfaces cibernéticas, aprimoramentos”. No entanto, “todas essas coisas são físicas. A maioria delas nem toca a mente pura, e é a mente pura que é fretada” (p. 40). Essa valiosa “mente pura”, foi magnificamente treinada e condicionada a partir de técnicas psicoespirituais das milenares culturas orientais da Terra. De toda forma, o que é um emissário? – “Um ser humano remontado. Um artifício”. (p. 250).

Então, “onde” se encontra a identidade da pessoa? Nas entranhas? Coração? Fala? Cérebro? Mente? Lobo frontal? Não se trata aqui de fazer um inventário das imagens usadas nas várias tradições para localizar a “sede da alma” ou desse “substrato da identidade humana”. Tertuliano, sem aprofundar o tema, acena que essa “sede principal dos sentidos, dita hegemonikón” pode estar colocada no cérebro, no meio das sobrancelhas ou ainda em outros lugares de acordo com as opiniões várias dos filósofos. No entanto, onde quer que esteja, “será a carne a sede do pensamento da alma” (XV,5).

O cerne de toda questão, portanto, é este: a carne é o cardo da salvação (cf. VIII,1). A carne é o fundamento da salvação. Não há salvação autêntica se só se salvar a alma. Graças à carne a alma é mantida firme a si por Deus e é ela mesma que faz com que a alma possa ser acolhida por Deus (ibid.). Carne e sangue são o verdadeiro cerne de toda a questão (XLIX, 1).

Toda a vida da alma acontece na carne

Além dos lugares comuns que caracterizam as produções de ficção científica, como cenas recheadas de violência, encontros e descrições picantes e voluptuosos, cidades caóticas em que se misturam o passado, presente e futuro, personagens bizarros e soluções tecnológicas quase improváveis, a obra está salpicada de cenas bucólicas emaranhadas nos raros momentos de calma e quietude que tecem a trama. Misturam-se os sentimentos de ódio, amor, paixão, ciúmes, remorso, culpa, alegria, raiva, tristeza, solidão, desalento, indiferença... sentimentos sempre humanos que talvez apenas os golfinhos, cães, baleias e símios possam experimentar, sem deles tomar consciência: “A comida tinha disparado em mim uma fome mais profunda que as meras necessidades do meu estômago” (p. 233).

Há espaço até mesmo para a saudade: “Saudade de casa não é uma coisa que um Emissário veterano deveria confessar que sente”, pois “Emissários são cidadãos daquele estado alusivo, o Aqui-e-Agora, um estilo de ser ciumento que não aceita dupla nacionalidade. O passado só é relevante como informação” (p. 228).

No entanto, as recordações não são meras lembranças nostálgicas. Vêm grávidas de uma insistente e poderosa força da memória. Trata-se, segundo Agostinho (Confissões X, 8, 14) do “imenso palácio da memória, no qual estão à disposição o céu e a terra e tudo aquilo que neles se pode sentir, exceto o que foi esquecido”. Não é apenas um arranjo neuroquímico, mas a indicação de um mistério grandioso que é o homem e que o liga ao seu Criador:

É grande essa faculdade da memória, sobremaneira grande, meu Deus, aposento amplo e infinito. Quem poderia alcançar seu fundo? E essa faculdade é da minha alma, pertence à minha natureza, mas nem eu posso abarcar tudo o que sou. (Id., ibid. X, 8,15)

Tertuliano defende que essas faculdades da alma se materializam no corpo, são encarnadas, reafirmando sempre a íntima conexão entre carne e alma. Toda a vida da alma acontece na carne. Ambas nascem, crescem, alegram-se, padecem e morrem juntas:

As artes se exercitam através da carne, os estudos, as genialidades se produzem através da carne, as obras, os afazeres e os deveres se desenvolvem através da carne, tanto que toda a vida da alma acontece na carne, tanto que a morte, para a alma, não é outra coisa do que um distanciamento da carne. Do mesmo modo também o morrer pertence à carne, assim como o viver. (VII, 11-12)

Ó morte, onde está teu aguilhão?

A morte foi vencida neste mundo distópico, ou ao menos, certo tipo de morte. Um dos diálogos é provocador: “- Ah, fala sério. Quem é que morre de verdade hoje em dia? - Tente dizer isso a um católico” (p. 80). Kovacs fica perlexo diante da obsessão católica na recusa de “ressuscitar” alguém, como no caso da morte de Louise, uma moça recém-convertida católica, que vivia da prostituição: “Passei a maior parte da viagem sentindo pena da garota e remoendo aquela loucura católica como um cachorro roendo um osso (...)’Onde está, ó morte, o seu aguilhão?’” (p. 155). Ela fora “torturada até uma morte de que a religião dela não permitiria retorno” (p. 177).

No entanto, a “morte final” é ainda uma realidade! Mas, para ela não há remédio, alternativa... fim de linha! O drama terrível, sem esperança, ainda ronda essa humanidade futurística que, apesar da sofisticada tecnologia alcançada, ainda não encontrou a solução definitiva, intramundana. Com toda sua fortuna e seu poder, o Sr. Bancroft não conseguiu trazer de volta seus dois filhos que “emerrearam”, ou seja, foram vítimas de uma “morte real” (M.R.).

“É impossível um homem suprimir seu desejo de morte para sempre” (p. 103). Por trás desse “oráculo profético distópico” desvela-se, em último termo, o desejo de que a morte seja definitivamente vencida – conseguirá o homem fazê-lo? Ao menos, não ainda nesse mundo... A afirmação cristã, reiterada como um estribilho contínuo por Tertuliano, é que isso pertence Àquele que do barro da terra plasmou o homem, Àquele que revestirá o homem todo, carne e alma, de incorruptibilidade e imortalidade: a corrupção e a morte serão devoradas pela vida.

Há nesse mundo em que se pode desenvolver uma tecnologia “de proporções quase espirituais”, como se gabava um personagem sintético (cf. p. 241), brechas, lacunas, vazios, intermitências, que são um lampejo do mistério indomável que emerge dos grotões da carne. Há lapsos de humanidade, presentes no coração empedernido dos personagens da trama, como o que, num momento de fugaz reflexão, faz o protagonista observar: “Seres humanos. Nunca os entendi”. (p. 155). Há perguntas irrefreáveis, que cedo ou tarde, são levantadas no decorrer da trama, lançadas até mesmo a este “messias às avessas” que é Takesh Kovacs: “- Quem é você, de verdade? – perguntou ela [Irene Elliott] (...). Parecia que muita gente andava me perguntando isso nos últimos dias. Eu mesmo estava quase começando a me fazer essa pergunta” (p. 354).

Há raros momentos de paz e quietude, lampejos da eternidade que serenamente iluminam a fugacidade daquele “vale de lágrimas” futuro: “Eu me apoiei no corrimão e escutei ao ruído branco das ondas que rebentavam, perguntando-me como eu poderia me sentir tão em paz com tanta coisa ainda não resolvida. (...) E, apesar de tudo, ainda havia espaço para esta pequena quantidade de quietude (p. 358). Vez por outra, deslizam na lembrança do protagonista, de forma sorrateira, fragmentos das lições ou conselhos da treinadora dos emissários: “Tome o que for oferecido, e isso às vezes tem que bastar” (p. 358).

Há reservas de bondade naquela alma atormentada, como numa das cenas finais, que se passa entre Takeshi Kovacs e Irene Elliott, uma alma desventurada, que despertou nesse “messias às avessas”, com “ilusões de sacerdote”, o desejo desinteressado de agir como um “bom samaritano”: “Porque eu queria que houvesse alguma coisa limpa no fim disto tudo – expliquei em voz baixa. – Alguma coisa com a qual eu possa me sentir bem” (p. 483).

Não são estes, pequenos sinais daquele caniço rachado que não será quebrado, daquela mecha que ainda fumega, e que não será apagada, na perspectiva do Messias dos cristãos, em cujo nome “as nações porão sua esperança”? (cf. Mt 12, 20-21, citando Is 42,3). É por meio da carne, na qual a alma tem a consistência da vida, carne obra boníssima de um Deus bom, que o ser humano realiza tantas ações boas. Todas elas “louvam a Deus com o bem realizado pela carne” (cf. VIII,4), criada, amada e protegida por Deus:

Jamais aconteça, jamais aconteça, que Deus abandone à morte eterna a obra das suas mãos, o produto de seu talento, o alforje de seu sopro, a rainha da sua criação, a herdeira de sua liberalidade, a sacerdotisa de sua religião, o soldado de sua testemunha, a irmã de seu Cristo! Sabemos que Deus é bom: de seu Cristo aprendemos que só Ele é ótimo. Ele, que ordena o amor ao próximo depois do amor ao próprio Deus, faz o que ordena: ama a carne que sob tantos aspectos lhe é próxima. (IX,1-3)

O valor da vida e da carne

Num dos diálogos com Reileen Kawahara, uma das vilãs do enredo, o protagonista confessa que quando era jovem e burro, ele foi usado, matou pessoas a mando de gente poderosa e ignorante. Mas as atrocidades das missões lhe ensinaram, a ponto de matar para ninguém mais a não ser para si mesmo: “Sempre que eu tiro uma vida, eu sei o valor dela”. A interlocutora lhe joga na cara que ele ainda continua jovem e burro, pois ele ainda não aprendera “a verdade axiomática dos nossos tempos”:

A vida humana não tem valor (...) Ela não tem valor intrínseco nenhum. Máquinas custam dinheiro para construir. Matérias-primas custam dinheiro para extrair. Mas gente? – Ela fez um barulhinho de cuspe. – Sempre dá para arranjar mais gente. Pessoas se reproduzem como células cancerosas, quer você as queira ou não. São abundantes, Takeshi. Por que deveriam ser valiosas? (...) A carne humana real é mais barata que uma máquina. (p. 459).

Logo no início de sua obra, Tertuliano apresenta as objeções de seus adversários, que sempre insultavam a carne, “sua origem, a sua matéria, a sua caducidade, a sua sorte”. Segundo eles, “ela é imunda desde o início, derivando da lama da terra, ainda mais imunda, pois, porque derivada do barro da sua semente, é frívola, débil, pecadora, incômoda, onerosa” (IV, 2). Depois disso, ela voltará a ser o que era antes, “pó da terra”, fazendo jus à sua condição, “cadáver”, para então deixar de simplesmente existir. Os sábios zombam da fé ignorante daqueles que acreditam que essa carne se recomporá, e passará “da corrupção à integridade, do aniquilamento à plenitude, da inconsistência à consistência, da nada a qualquer ser” (IV,3). Voltará à vida miserável quem foi cocho, estrábico, cego, leproso e paralítico? (cf. IV,4). Tudo o que está relacionado à carne voltará a acontecer? Necessidade de comer e beber? Ar nos pulmões? Ruídos nos intestinos? Vergonha nas partes vergonhosas? Voltarão úlceras, feridas, febre e morte? “A isso levará o nosso desejo de recuperar a carne: desejar novamente dela fugir” (IV, 5-6).

Mas não, não é assim que pensam os cristãos. Essa carne é honrada, feliz e gloriosa. Inspirados pelo exemplo de Cristo, que em sua carne sofreu a crucifixão, estes crentes também enfrentam vexações, torturas e mortes em sua carne. Em tom superlativo, Tertuliano exclama: “Verdadeiramente é beatíssima e gloriosíssima a carne que pode honrar um tão grande débito junto a Cristo Senhor: ser devedora do que cessou de lhe dever, tanto mais ligada quanto mais absolvida de todo dever!” (VIII, 5-6)

A morte será devorada pela vida

Carne e sangue ressurgem como carne e sangue! Não certamente na sua condição corruptível e mortal. Ressurgem revestidos da força da incorruptibilidade e da imortalidade, não por força própria, mas por força de Quem os criou

Com todo direito, portanto, a carne e o sangue não têm a capacidade de obter sozinhas o reino de Deus. Na verdade, a partir do momento em que este elemento corruptível (isto é, a carne) deve ser devorado pela incorruptibilidade, e que este elemento mortal (isto é, o sangue) deve ser devorado pela imortalidade, depois da ressurreição em base à transformação, com razão a carne e o sangue podem herdar o reino de Deus, transformadas e devoradas, e ainda não sem terem sido ressuscitadas. (XL, 5-6)

A fé dos cristãos é que a carne ressurgirá transformada, de forma que o elemento mortal se revista de imortalidade. O elemento mortal será “devorado pela vida”. Estejam vivos ou mortos, é necessário que todos recuperem “aquilo que alimenta a vida”, a carne (cf. XLII, 4). Até a morte que não admite imortalidade, será salva, quando for devorada, quando o elemento mortal, a carne, se revestir de imortalidade. Mas, “Como é possível? Enquanto é devorado pela vida. E como é devorado pela vida? Enquanto é recolhido, compreendido e incluído nela” (LIV,3)

A morte – diz o Apóstolo – devorou adquirindo poder, e por isso foi devorada na luta. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó morte, a tua luta? Igualmente a vida, evidentemente inimiga da morte, devorará para a salvação por causa da luta aquilo que a morte tinha devorado para o aniquilamento por causa da disputa. (LIV,3-5)

A carne humana, tão desprezada e sem valor, que sofre o “bullying tecnológico”, como se fosse uma mercadoria qualquer, e cuja transformação total não será operada pelos novos arcontes do mundo futuro, que se elevam acima do bem e do mal, mas pelo poder de Deus, subsistirá em sua natureza:

Concede também a Deus este poder, o de transformar, graças à força daquela mudança, a condição e não a natureza, no momento em que sejam eliminados os sofrimentos e lhes sejam conferidas as defesas. Portanto, a carne permanecerá também depois da ressurreição, capaz de sofrer, enquanto será sempre a mesma e idêntica, e, no entanto, incapaz de sofrer, porque libertada exatamente para isto pelo Senhor: para não mais sofrer! (LVII,13)

Considerações finais: um questionamento e um convite

Procuramos demonstrar, através deste trabalho, que há um campo promissor de pesquisa a ser realizada no diálogo entre o universo fantástico e a teologia, pois uma e outra área abordam temas fundamentais da vida, da natureza, da história, da humanidade, nas condições humanas em que nos encontramos e com as incríveis possibilidades de realizações, para o bem e para o mal.

É legítimo aproximar esse tipo de produção com a produção teológica, tanto do passado como do presente? Na verdade, ambas tratam, a seu modo, de questões fundamentais. São as questões fundamentais que nos aproximam. Podemos não estar de acordo com as respostas, que nos distanciam, mas, sem sombra de dúvida, as perguntas nos aproximam e nos colocam em sintonia. Há um mistério maior que nos circunda, nos envolve e nos instiga. É legítima essa aproximação, porque, como observa Lewis, há um elemento atemporal, o humanum. Essa pergunta acerca de quem é o homem, o que o constitui está presente no romance de Morgan; explicitamente é o ponto central da obra de Tertuliano.

Que resultados colhemos desta pesquisa? Em que sentido Carbono Alterado é um sério questionamento para os rumos que o mundo vem tomando? Em que sentido A Ressurreição da Carne é um convite para os rumos que o mundo pode tomar?

O romance de Morgan está entrecortado por pequenas reflexões que às vezes parecem máximas sapienciais do mundo traçado por ele no século XXV. Poderiam até compor uma espécie de Livro dos Provérbios daquele futuro distópico. Em alguns momentos, Kovacs vê-se acossado por um eflúvio de pensamentos incontroláveis, como aquela constatação presunçosa, mas ilusória, que o protagonista não sabia de onde ouvira:

A raça humana tem sonhado com céu e inferno há milênios. Prazer ou dor sem fim, sem redução e sem as restrições da vida ou da morte. Graças à formatação virtual, essas fantasias podem agora existir. Basta ter um gerador de energia com capacidade industrial. Nós de fato fizemos o inferno, e o céu, na Terra. (p. 309)

“O último inimigo a ser destruído será a morte”. Naquele “admirável mundo novo” os arcontes da tecnologia, “como deuses, agentes míticos do destino”, são “tão inescapáveis quanto a Morte”.

Pobre Morte, não mais à altura das poderosas tecnologias de armazenamento e recuperação de dados que o carbono alterado reuniu contra ela. Antes vivíamos aterrorizados com a sua chegada. Agora flertamos ultrajantemente com sua dignidade sóbria, e seres assim não vão nem deixá-la usar a entrada dos empregados. (p. 332)

No entanto, o “grande apagamento” continua tão real naquele futuro do Homo deus, quanto o era antes mesmo que o Homo sapiens dele tomasse consciência. Os intrépidos prometeus roubaram o aguilhão à Morte, mas ainda continuam acorrentados ao infortúnio de um fim sem esperança se acaso ela inesperadamente, como sempre, chegar. O mundo futuro continua assimétrico, cheio de Bancrofts, Kawaharas, que controlam vidas e destinos dos comuns mortais. Os que se arvoram como deuses continuam a exigir sacrifícios humanos, como acontece ainda nos albores deste século XXI. É um alerta e uma séria advertência: essa promessa de imortalidade precária é lenitivo ilusório de um grupo privilegiado!

A Ressurreição da Carne continua a ser uma loucura anunciada pelos cristãos. A dor, o sofrimento, a morte são sim realidades humanas. No interior da carne que sofre há, porém, um grito de esperança que continua a afirmar que, apesar de tudo, a morte inimiga será destruída. Ela será devorada pela Vida. Essa promessa é para todos!

A engenhosa distopia de Richard Morgan denuncia o precipício para onde caminha a humanidade entregue a si mesma, em duas vertentes: por um lado, ao dissociar aquilo que é constitutivo do ser humano, “corpo” e “alma”, reduzidos a “capa” e “cartucho”, e, por outro, ao não aceitar o limite e a finitude, constitutivos também do ser humano. Tertuliano anuncia os novos rumos que o mundo pode tomar, quando o ser humano assumir com a gratidão sua plena condição humana, carne e espírito, unidos inseparavelmente, como irmã e irmão, esposo e esposa, esta carne que ressurgirá, “toda, ela mesma, e íntegra”, esta carne que a fé cristã professa estar junto de Deus, através de Jesus Cristo, “que restituirá Deus ao homem e o homem a Deus”:

Ó alma, que coisa invejas da carne? Ninguém te é tão vizinho a ponto de merecer ser amado no segundo lugar depois de Deus; ninguém é mais teu irmão do que a carne, que nasce junto também em Deus. [...] Se buscares tal fonte, não provarás nenhuma sede de doutrina, e nenhum ardor de dúvidas arderá mais em ti: encontrarás refrigério bebendo nela toda vez que quiseres a ressurreição da carne. (LXIII, 1.3.10)

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Notas

[1]O presente trabalho foi apresentado numa Comunicação no VII Congresso Internacional da ALALITE, Rio de Janeiro, 25 a 27/09/2018; foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

[2]As citações da obra A ressurreição da Carne, de Tertuliano, serão feitas de acordo com a edição crítica por nós utilizada (p.ex.: I,4-6). As traduções são de nossa responsabilidade.

[3]Para as citações da obra Carbono Alterado, de Richard Morgan, serão apenas indicadas as páginas (p.ex.: p. 26). Quando não se indicar o contrário, referem-se sempre à obra do autor aqui utilizada.