Teologia e literatura: um discurso sobre o método
Theology and literature: a speech on the method

*Joanicio Fernando Bauwelz
*Mestre em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2018), especialista em Teologia Contemporânea pelo Claretiano (2015), especialista em ensino da filosofia pelo Claretiano (2016), graduação em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2013). Contato: pefernandocr@gmail.com
Voltar ao Sumário

 

Resumo
A aproximação entre a literatura e a teologia depende do entendimento e da escolha das ferramentas metodológicas apropriadas. O respeito por aquilo que é próprio da arte literária e da ciência teológica é imperativo para que o produto desta aproximação afirme apenas os resultados que de fato derivam do diálogo. Um discurso sobre o método precisa reconhecer os principais instrumentos dialógicos e medir seus possíveis limites nesse processo. Este artigo, após recolher os mais conhecidos métodos e seus principais representantes, propõe um acostamento novo ao aproximar o método antropológico do reconhecido autor brasileiro nesse assunto, Antonio Manzatto, e um que compreende Deus como Interlocutor último de toda palavra humana, como é o método hermenêutico de Divo Barsotti, pouco refletido ainda no Brasil. Termina desenvolvendo uma reflexão entre a palavra literária, pela qual o autor cria e a Palavra Maior, o próprio Verbo de Deus que contem em si toda a potência criadora. Este artigo é extraído e é parte resultante da pesquisa na dissertação Pessoa, lugar e esperança. Teologia e literatura em Vidas Secas, apresentada na PUCRS."

Palavras chave:método, hermenêutica, literatura, teologia, palavra.

 

Abstract
The approximation between literature and theology depends on the understanding and on the appropriated choice of the methodological tools. The respect for what is proper to literary art and to theological science is imperative in order to the product of this approximation affirms only the results that actually derive from the dialogue. A speech on the method needs to recognize the main dialogical instruments and to measure their possible limits in this process. After collecting the most known methods and their principal representants, this article proposes a new support when approaching the anthropological method of the recognized Brazilian author in this subject, Antonio Manzatto, and one that comprises God as a Last interlocutor of every human word, as it is the hermeneutic method of Divo Barsotti, little reflected in Brazil yet. Finishes developing a reflection between the literary word, created by the author and the Biggest Word, the own Verb of God that contains all the creative power. This article is extracted and it is a resulting part of the research in the dissertation Pessoa, lugar e esperança. Teologia e literatura em Vidas Secas, presented on PUCRS.

Keywords:method, hermeneutics, literature, theology, words

Introdução

Aliteratura acolhe dentro de si a faculdade de traduzir nas palavras a necessidade da pessoa de criar novos mundos, dar vida a seres inexistentes, colocar nos lábios de personagens, que representam muito da humanidade concreta, manifestações do sentir do autor e faz do leitor um lóculo da fecundação destas expressões que, sob vestes fabulosas, reclamam o direito de dizer suas ideias. Literaturas escrevem ciências, literaturas escrevem crenças, literaturas escrevem sonhos de crianças, enfim, a literatura é o lugar da palavra que ganha vida.

Mas, nas páginas dos romances, das fábulas e das odisseias, como também na poesia e no lírico é possível pensar Deus? É possível ler a pessoa que fala de Deus em textos que não se ocupam objetivamente em falar do divino? Como fazer a relação entre teologia e literatura?

O diálogo entre a teologia e a literatura, muito explorado nas últimas décadas e ainda tão cheio de possibilidades, depende do uso de métodos que sejam capazes de estabelecer um padrão instrumental que respeite aquilo que é próprio de cada área e proponha resultados que derivem autenticamente deste surpreendente diálogo. De uma parte a palavra humana e de outra Deus em sua Palavra Maior.

Manzatto afirma que “o que precisa estar claro é que a literatura não precisa nem deve, jamais, modificar seu modo de ser ou seu jeito de proceder. É em sendo literatura que ela interessa à reflexão teológica e também ao trabalho do cientista da religião” (MANZATTO, 2016, p. 11). E continua chamando a atenção para o fato de que “instrumentalizada para tornar-se mero meio de divulgação de ideias, ideologias ou teorias, a literatura perde sua especificidade porque se modificaria para ser, simplesmente, forma de um conteúdo outro e previamente estabelecido”.

A expressão do universo do autor de as manifestações da humanidade em seu “pluriverso” que é olhada, com critério e respeito, pelo dizer teológico a partir daquela Palavra que revela este mesmo homem à luz de Deus.

Métodos e alguns teólogos da literatura

A proximidade da literatura, seja por suas formas como por seu conteúdo, sempre foi percebida na origem da Igreja no discurso sobre Deus, seja positiva ou negativamente. E a relação estabelecida com ela variou muito ao longo dos séculos.

Massimo Naro (2012, p. 15) formula uma lista, de certo incompleta mas muito proveitosa, de estudiosos dos temas relacionados à teologia e à literatura em época contemporânea; dentre estes, muitos nomes que ajudarão a compor um panorama contemporâneo sobre o diálogo literário e teológico: Romano Guardini, Hans Urs von Balthasar, Charles Moeller, Ferdinando Castelli, Antonio Spadaro, Guido Sommavilla, Paolo Pifano, Elmar Salmann, Jean-pierre Sonnet, Gianfranco Ravasi, Harold Bloom, Pietro Gibellini, Nicola di Nilo, Luigi Santucci, Guido Ceronetti.

Nesta célebre lista se pode abranger outros nomes, inclusive nomes brasileiros que têm propiciado uma reflexão a partir da literatura local com a teologia ou vice-versa, cito Antonio Manzatto e entre alguns importantes nomes, como é o caso de José Carlos Barcellos e Maria Clara Bingemer, cito o nome de Alex Vilas Boas, por ser um dos mais recentes nomes de destaque.

Existem diversas abordagens metodológicas e aplicações da teologia ao comunicar-se com a literatura. Alguns métodos são conflitantes, outros não são aceitos por todos os estudiosos, mas isto não impede de fazer um amplo estudo para conhecer algumas das mais importantes abordagens. São as seguintes.1

Romano Guardini

Romano Guardini (Verona, 1885 – Munique, 1968), sacerdote e teólogo. Sua contribuição para o discurso entre teologia e literatura deriva de seu esforço para comunicar os conteúdos teológicos a partir de grandes clássicos da literatura universal em um curso que ministrou na universidade de Berlim de 1923 a 1939, intitulado Christliche Weltanschauung - visão católica de mundo. Barcellos2 afirma que a decisão de Guardini lecionar sua disciplina “a partir da literatura – num ambiente universitário predominantemente protestante ou secularizado – é profundamente sintomática da busca de uma nova linguagem que assegurasse a inteligibilidade e comunicabilidade dos conteúdos propriamente teológicos” (BARCELLOS, 2017).

Deste curso resultou um livro publicado pela primeira vez em língua alemã em 1933, intitulado Religiöse Gestalten in Dostojewskijs Werk – O mundo religioso de Dostojewskijs. Outras contribuições de grande relevância para esta discussão se encontram em: Linguagem, poesia, interpretação e A visão católica do Mundo.

Para compreender a reflexão de Romano Guardini é preciso partir do conceito de Christliche Weltanschauung - visão católica de mundo, que para ele é a capacidade de colher as coisas em relação à totalidade do ser a partir do concreto, ou seja, uma tomada de posição diante do mundo que está à sua frente, que, para Guardini, só pode ser aquela de Cristo. Massimo Naro entende que Guardini tem uma visão criatural do mundo, ou seja, que ele “chegou a inverter a analogia (entis): trata-se não mais de demonstrar Deus a partir do baixo, do mundo, mas de demonstrar a realidade do mundo; de explicar-se a sua existência a partir de Deus, do alto” (NARO, 2012, p. 344).

A tarefa a que ele se propõe, segundo Ballarini (2015, p. 91), é aquela de uma aproximação com os autores buscando a “significação última” sobre os temas da existência; “traçar um retrato do autor (mas) de ‘ver’ com ele, de conseguir ‘fazer falar’ as fontes”. Os autores favoritos de Guardini para esta aproximação são Dostojewskijs, como já citado acima e, Dante Alighieri (século XIII) autor do clássico italiano A divina comédia; Johann Christian Friedrich Hölderlin, poeta alemão do século XVIII, que expressa a crise religiosa da época moderna; Rainer Maria Rilke poeta alemão contemporâneo de Romano Guardini.

Em Hölderlin e Rilke Guardini vê a transição de uma época, colhe a ambiguidade do mundo (no seu poente) que com uma linguagem aparentemente cristã retira, na realidade, a espiritualidade de sua nascente, substituindo a transcendência um dos modos da existência que o mundo moderno venera: a natureza, o sujeito, a cultura; e vê em Dostoevskij não somente a angústia do finito exaltado na sua autonomia, mas também a perca do sentido e a consequente indiferença que caracteriza o pós-moderno (BALLARINI, 2015, pp. 110-111).

Romano Guardini usa a Palavra de Deus como luz para interpretar o mundo, a história, a existência humana; esta interpretação da criaturalidade do estado de coisas “implica também a sua criatividade, reflexo e eco da potência criadora de Deus” (NARO, 2012, p. 345).

Hans Urs von Balthasar

Um nome importante para o discurso da teologia em aproximação com a literatura é certamente Hans Urs von Balthasar (Lucerna, 1905 – Basileia, 1988). Aluno de alguns dos cursos de Romano Guardini em Berlim ele conheceu o princípio da Christliche Weltanschauung - visão católica de mundo e em decorrência disso surgiu a sua própria reflexão teológica que aproxima a fé do ambiente dos grandes clássicos literários. Não só este encontro com Guardini foi importante; outro decisivo encontro de Balthasar foi aquele que teve com o teólogo protestante Karl Barth e seu princípio do primado do absoluto: “o evidenciar do primado absoluto da iniciativa divina, que é autocomunicação em que Deus, porém, continua a permanecer Outro com respeito a quanto de si entrega ao homem” (BALLARINI, 2015, p. 114). Destes encontros surgiria uma forma própria de olhar o ser.

Balthasar escolhe a via da beleza para compor a sua obra teológica sobre o ser, recuperando a compreensão dos quatro transcendentais da filosofia clássica grega sobre a plenitude do ser: uno, bom, perfeito e belo. Qualidades fundamentais que fazem do ser, um ser pleno e que ele (o ser) descobre de si mesmo quando entra em diálogo, quando se interroga sobre o sentido de si e das coisas. É assim que ele constrói a sua Trilogia:

Se os transcendentais são co-extensivos ao ser, dizem respeito, também, ao Ser supremo: será necessário neste caso partir do aparecer de Deus que manifesta a sua Beleza (estética) se doando; aceitando, em comparação com a liberdade humana, a luta pelo Bem (Dramática) e tornando-se compreensível como Verdade (Teo-logia). Isto explica a adoção, por Balthasar, da perspectiva estética (BALLARINI, 2015, p. 115).

Para realizar esta respeitosa obra, que foi certamente uma contribuição inestimável para a teologia do século XX, Balthasar busca recurso em inúmeros autores da literatura secular. Assim como Guardini, ele esteve em contato com as obras de Hölderlin, Rilke e Dostojewskijs. Contudo um autor muito estimado para ele será Goethe. De fato, uma obra importante para compreender o pensamento balthasariano é Quel che devo a Goethe - Aquilo que devo a Goethe, um discurso que ele escreveu por ocasião do recebimento do Prêmio Mozart em Innsbruck aos 22 de maio de 1987. O entendimento de von Balthasar sobre o belo, segundo Barcellos3 , “é a maneira segundo a qual o bem é percebido pelo homem como verdadeiro ([...]Wahrnehmung, isto é, “apreensão do verdadeiro”). Caberia, portanto, ao teólogo, buscar investigar como a literatura[...] apreende esteticamente a verdade do cristianismo” (BARCELLOS, 2017).

Seu método estético inspirou muitos escritos, artigos, cursos de introdução à arte para um dizer teológico. De fato, sua monumental obra já é considerada um clássico dentro dos ambientes teológicos acadêmicos e sua leitura obrigatória para quem busca uma ampla compreensão do ser sob a ótica divina, ou como lhe agrada afirmar, o drama é Deus e o homem é um dos personagens.

Marie-Dominique Chenu e Pie Duployé

Marie-Dominique Chenu (Soisy-sur-Seine,1895 – Paris,1990) foi um sacerdote da ordem dos pregadores, os dominicanos, que esteve muito presente no Concílio Vaticano II.

Além de ter sido um grande influente do Concilio Vaticano II ele foi o fundador da revista Concilium. Chenu se destaca, também, como grande especialista de história da Idade Média, de maneira especial, Tomás de Aquino. Chenuafirma que do momento que a palavra de Deus se exprimiu em linguagem humana, “moldando-se às palavras, frases, imagens, estrutura, gêneros literários da palavra humana, essa ‘escrita divina’ encontrará as suas vias de inteligibilidade através da interpretação das palavras, das frases, das figuras, dos gêneros literários da linguagem humana” (SILVA, 2009).

Ele se inscreve no discurso teologia e literatura repropondo a literatura como “lugar teológico”; fez isso retomando os estudos de seu compatriota Duployé. Autor de La religion de Péguy.

Pie Duployé tem a autoria do conceito de “lugar teológico” para literatura. Escreveu uma tese de doutorado em Estrasburgo; “teve entre outros méritos o de levantar pioneiramente a questão do estatuto epistemológico da literatura para a teologia, a ratio humaniorum litterarum theologica, nas palavras do autor”(SILVA, 2009). O que Marie-Dominique Chenu faz em 1969 em continuidade com o pensamento de Duployé é propor que se considerasse literatura como “lugar teológico”: “como uma fonte de elementos para o trabalho teológico[...] Essa posição encontrou recepção favorável em Hervé Rousseau (1976), por exemplo, mas também suscitou a oposição de Jean-Pierre Jossua (1985)” (SILVA, 2009).

Charles Moeller

O belga Charles Moeller (Bruxelas, 1912-1986), é autor de Littérature du XX e Siècle et christianisme, uma obra de seis volumes de especial importância. Sua reflexão pertence à metade do século XX e faz um estudo de inúmeros escritores de relevância, como Camus, Bernanos, Sartre e muitos outros “cristãos e não-cristãos, na perspectiva das relações de suas vidas e obras com o cristianismo” (BARCELLOS, 2017). Os seis volumes de sua obra são: I. Silêncio de Deus, II. Fé em Jesus Cristo, III. Esperança para homens, IV. Espero em Deus, nosso Pai, V. Amores humanos, VI. Exílio e retorno.

Os estudos nesta área avançaram muito, mas seus métodos permanecem como que um clássico do estudo entre a teologia e a literatura, usando métodos de aproximação.

Jean-Pierre Jossua

O autor francês Jean-Pier Jossua (Paris, 1930) é outro nome muito citado na bibliografia que trata das relações entre literatura e teologia. Ele iniciou uma profunda reflexão da teologia literária a partir da compreensão de que houve uma separação entre cristianismo e cultura, consumada com o Iluminismo. Segundo Spadaro (2008, pp.116-117), para Jossua o problema é, em grande parte, linguístico. Se a linguagem teológica e literária puder ser integrada naturalmente, essa separação pode ser superada. Conforme afirma Ballarini: “a tarefa que Jossua em particular se propõe é aquela de despertar a teologia para uma sensibilidade literária, também na sua elaboração conceitual, em referência à sua matriz-origem simbólica” (BALLARINI, 2015, p.176).

De fato, Jossua fica conhecido pela autoria do conceito “Teologia Literária”. Sua tese de doutorado defendida na Universidade de Estransburgo já apresentava esta linha de pensamento. Se trata de elaborar uma teologia capaz de organizar o seu objeto próprio de uma forma nova, que permite adquirir uma linguagem conceitual. Segundo Spadaro (2008, p. 117), “a contribuição que a literatura tem para oferecer, para Jossua, não é buscada na ordem das concordâncias temáticas, mas naquela da criatividade linguística, do vigor expressivo e da eficácia representativa”.

Para Jossua a proposta de uma teologia literária passa pela necessidade de que autores traduzam as expressões mais fortes da vivência de fé com uma linguagem acessível, também, para o não crente, para aquele que não está acostumado com a linguagem religiosa. Assim o conteúdo teológico é apresentado num formato criativo que explora a linguagem narrativa, seriam autores que escrevam a experiência de Deus de uma maneira literária. Conforme afirma Ballarini: “uma escritura teologicamente criativa pode ser muito útil, seja no aprofundamento da fé, e portanto do progresso do trabalho teológico na nova situação cultural, seja na recíproca compreensão entre pessoas de convicções diferentes” (BALLARINI, 2015, p. 178). Existe na literatura a capacidade de dizer coisas que outras ciências não são capazes.

A narração passa a ser um lugar privilegiado onde aparece o eu do autor e a experiência autêntica da sua relação com Deus. Em outros termos, uma narração autobiográfica que apresenta ou procura apresentar uma busca de si sem a preocupação com uma forma sistemática. Jossua recorre frequentemente à proposta do diário pessoal. Um de seus escritos presente dentro da obra La passion de l`infini: littérature et Théologie - A paixão do infinito: Literatura e teologia, se chama justamente O diário como forma literária e itinerário de vida.

Jossua discorda de Pie Duployé na discussão sobre a literatura como “lugar teológico”. Contudo, vê na literatura uma forma legitima de teologia. Jossua rejeita a ideia de considerar a literatura uma “fonte a mais de dados previamente disponíveis alhures para a teologia e de não se atentar para aquilo que somente a literatura é capaz de dizer, ou pelo menos, é capaz de dizer melhor que outros discursos” (BARCELLOS, 2017). Ele acolhe a ideia de receber “algumas obras literárias propriamente como obras teológicas na medida em que articulam significados teológicos consistentes e relevantes já no momento em que sejam submetidas apenas a uma hermenêutica literária” (BARCELLOS, 2000, p. 16).

Entre algumas obras da sua produção a esse respeito estão: Literatura e a inquietação do absoluto, Uma via, Formas do romance e perspectiva de transcendência.

Karl Rahner

Karl Rahner (Friburgo, 1904 – Innsbruck, 1984), conhecido no universo teológico por sua proposta da virada antropológica, é outro nome a ser recordado nesta breve recensão que busca traçar, ainda que de forma sintética, o percurso que dá desenvolvimento aos temas de relação entre a teologia e a literatura dita secular ou “profana”.

Os esforços de Rahner deram origem a muitos escritos, entre aque-les que são mais significativos para este assunto estão: A palavra poética e o cristianismo, Uma teologia com a qual se possa viver e os artigos: Ouvintes da Palavra e Palavras ao silêncio.

Sua busca nasce do questionamento sobre qual teologia se faz hoje. Ele está convencido de que a teologia deve sair de sua esfera e ir lá onde está o evento humano concreto relacionando-se com a Palavra (aquela revelada) e a palavra humana. Uma teologia que abraça toda a história do homem. Ballarini afirma sobre Rahner que “não se pode reduzir a teologia a uma ‘ciência pura’, tratando-se de uma reflexão sobre o cristianismo vivido com fé na Igreja” (BALLARINI, 2015, p. 160).

Sua busca nasce do questionamento sobre qual teologia se faz hoje. Ele está convencido de que a teologia deve sair de sua esfera e ir lá onde está o evento humano concreto relacionando-se com a Palavra (aquela revelada) e a palavra humana. Uma teologia que abraça toda a história do homem. Ballarini afirma sobre Rahner que “não se pode reduzir a teologia a uma ‘ciência pura’, tratando-se de uma reflexão sobre o cristianismo vivido com fé na Igreja” (BALLARINI, 2015, p. 160).

O que se pode afirmar então, é que, para Karl Rahner, a poesia é um elemento privilegiado para o fazer teológico, pela sua característica de adequação das dimensões que a pessoa cultiva em si, um dualismo insuprimível: por um lado ela se projeta ao mundo e por outro lado sempre se sente provocada a voltar-se sobre si mesma. “A poesia é, de certo modo, obra da Graça que prepara os corações para receber a Palavra. Na poesia é a Graça que opera no humano; portanto, a palavra poética, por si só, já é evento de graça porque nela acontece algo de muito profundo” (LUSSI, 2011, p. 80).

Outra reflexão que se deve sublinhar em seus escritos é que as palavras humanas que movem a expressão da poesia e a Palavra de Deus se assemelham pelos mesmos princípios, o princípio do amor e o da esperança. Pois se a afinidade entre a poesia e a Palavra revelada são o reportar a humanidade a si mesma, este é sempre um discurso de amor e esperança; é isto o que faz a poesia e é este o anúncio cristão. Conforme afirma Lussi:

A importância que Rahner atribui à literatura, especificamente à poesia, é pela sua capacidade de exprimir e fazer acontecer o humano enquanto lugar de revelação, no qual acontece a escuta fecunda, que abre o ouvinte à acolhida da verdade, que ali é presente, explícita ou implicitamente, claramente ou em germe. Trata-se do evento da Palavra, que a poesia permite para a Palavra e o ouvinte (LUSSI, 2011, p. 81).

É certo que um autor pode apresentar em sua poesia, questões sobre o humano que parecem não ter resposta, palavras que não falam da esperança num sentido positivo, que na verdade expressam o profundo desespero da humanidade. Isso porque o poeta não pode expressar-se autenticamente se não for com aquilo que ele mesmo sente. A teologia deve relacionar-se com esta pessoa, pois é uma experiência do humano, autêntica, expressa numa verdade escandalosamente real pelos versos do poeta:

A relação com o mundo faz parte das premissas necessárias da vida cristã, porque o mundo (humano) possui uma misteriosa profundidade, graças à qual surge diante de Deus mesmo quando não o faz com consciência. Quando está em toda a sua amplidão e profundidade a existência humano-natural, a graça de Deus está operando (BALLARINI, 2015, p. 163).

O fazer teológico valoriza a linguagem literária, principalmente aquela poética, como expressão que comunica o humano em sua totalidade. Karl Rahner tem o mérito de convidar a teologia a sair do seu espaço seguro para entender a Revelação lá onde o evento humanidade está acontecendo. Mesmo que a humanidade apresente em sua vida concreta elementos de contradição, permanece sempre interesse do fazer teológico.

Massimo Naro

Massimo Naro, nascido em 1970, é um grande representante da teologia Nissena. Sacerdote da diocese de Caltanissetta na Sicília é também irmão do grande teólogo e bispo de Monreale Cataldo Naro, amigo e correspondente de Divo Barsotti. Sua pesquisa teológica se ocupa fundamentalmente “de temáticas conexas à relação entre a teologia e a espiritualidade cristã, a literatura, a arte e as religiões”4.

Ensina teologia sistemática na Facoltà Teologica di Sicilia na cidade de Palermo e no Instituto Guttadauro, afiliado desta mesma faculdade em Caltanissetta. Contribui como redator e autor em algumas revistas teológicas como, por exemplo: Ho Theológos, Filosofia e Teologia, Aisthema International Journal, Ricerche Teologiche, Laurentianum, Studium, Segno, Presbyteri, Rivista del Clero Italiano.

Dono de uma vasta bibliografia, entre os seus títulos estão: Diventerete come Dio. La riflessione teologica contemporanea sul rapporto tra cristianesimo e modernità, Amore alla Parola. L’esegesi spirituale di Divo Barsotti, Teologi in ginocchio. Figure di spirituali nella Sicilia contemporane, Non so se hai presente un uomo. Domande radicali e linguaggi dell’arte, La virtù del Nome. Invocare Dio per riconoscere l’umano. Entre estes inúmeros livros está uma reflexão sobre a teologia e a literatura chamado: Sorprendersi dell’uomo. Domande radicali ed ermeneutica cristiana della letteratura.

Na bela ilha siciliana Massimo Naro desde 2004 faz parte da direção de um grupo de estudos que leva o nome de Centro studi Cammarata, que nasce da busca de ser uma resposta à provocação feita pela CEI, Conferência episcopal italiana, de conciliar a mensagem evangélica com a cultura:

Para a Igreja italiana, um ponto emergente desta mudança foi a Conferência de Palermo de 1995 e, imediatamente depois, o Projeto Cultural orientado para o sentido cristão lançado pela CEI, cujo objetivo é estimular uma espécie de “conversão” cultural, de certa forma que o Evangelho, encarnado na história, inspire ainda hoje a cultura a abrir-se àquilo que a transcende livremente e chega a Deus, além de torná-la capaz de explorar plenamente as mais belas e positivas potencialidades do ser humano. É por isso que, em muitas dioceses italianas, as iniciativas culturais são encorajadas a registrar e decifrar a busca de significados e questões radicais que, ainda no início do terceiro milênio cristão, os homens se colocam em sua vida cotidiana5.

Massimo Naro será de significativa contribuição nesta pesquisa sobre a teologia e a literatura por dedicar-se, em seus escritos, a interpretar a reflexão teologia de Divo Barsotti com relação à cultura e à literatura.

Divo Barsotti

Don Divo Barsotti, como é habitualmente conhecido na Itália de onde é originário, (Palaia-Pisa, 1914 – Settignano, 2006). Foi primeiramente sacerdote diocesano na diocese de San Miniato e depois fundador de uma comunidade monástica chamada de Filhos de Deus. Sua contribuição teológica é muito sentida na Universidade de Florença, onde ensinou Teologia sacramental por um trintênio. Barsotti é reconhecido no panorama teológico italiano e mundial, como o teólogo que fez aproximar-se a realidade humana e a mística cristã a partir da crise antropológica de seu tempo. Considerado um autodidata por não ter nunca se especializado nas ciências teológicas escreveu cerca de 160 livros e inumeráveis artigos. Foi amigo de Balthasar e tantos outros grandes nomes de sua época.

Foi pregador do papa Paulo VI e diretor de vida espiritual de grandes nomes da política e da cultura como Giuseppe Fondazzi. Autor de inúmeras obras sendo que aquela mais significativa para esta pesquisa é: A religião de Giacomo Leopardi. Sua primeira grande obra, O mistério de Cristo no Ano litúrgico, foi uma das primeiras obras italianas a trazer uma reflexão sobre a renovação de Odo Casel.

Contudo, seus escritos se estendem em muitas outras páginas, tais como: O mistério cristão no ano litúrgico, O mistério cristão e a Palavra de Deus, A fuga imobilizada - Diário espiritual, Palavra e silêncio - Diário 1955-1957, Russian Mystics, Oração: obra do cristão, Dostoievski. Paixão por Cristo, Relatórios de um peregrino (de um manuscrito do Monte Athos), O Senhor é um, A lei é amor, O caminho de volta, Meu dia com Cristo.

Significativo, porém, é observar sua contribuição em relação à sua dedicação à crítica literária. Uma obra chamada Dire Dio raccontando l`uomo recolhe todas as suas contribuições escritas principalmente na década de 60 sobre a relação da teologia com a literatura a partir de uma compreensão hermenêutica, ou seja, tendo a literatura como fonte de interpretação da humanidade e a sua relação com Deus. De fato, para ele em toda palavra humana fala também Deus, assim toda literatura, e não apenas, mas toda palavra humana é sagrada. Seu método hermenêutico e antropológico será melhor aprofundado mais adiante para ser utilizado como instrumento metodológico na continuação desta pesquisa.

Alex Villas Boas

Inscritos no panorama universal descrito até este ponto, de autores que se dedicam à temática da literatura como objeto de interesse da teologia, estão também alguns nomes brasileiros. Um deles é Alex Villas Boas Oliveira Mariano.

Seus estudos nascem do interesse que tem pela antropologia teológica, motivado pela mistagogia de Karl Rahner. Assim como Antonio Manzatto dedicou-se à literatura de Jorge Amando, Alex Villas Boas escreve sobre a poesia de Carlos Drummond Andrade. Seu interesse é pelo sentido da vida, que para ele é o que gera convergência entre a literatura e a religião, conforme ele mesmo afirma:

Manzatto dedicou-se à literatura de Jorge Amando, Alex Villas Boas escreve sobre a poesia de Carlos Drummond Andrade. Seu interesse é pelo sentido da vida, que para ele é o que gera convergência entre a literatura e a religião, conforme ele mesmo afirma:

Em sua bibliografia estão presentes obras como: Teologia em diálogo com a literatura: origem e tarefa poética da teologia, Teologia e Poesia - A busca de sentido da vida em meio às paixões em Carlos Drummond de Andrade como possibilidade de um pensamento poético teológico.

Antonio Manzatto

Antonio Manzatto é o teólogo brasileiro que melhor representa o diálogo entre Teologia e literatura; foi aluno de Adolphe Gesché na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica). Sua tese de doutorado foi sobre Teologia e Literatura. Se tornando assim um dos iniciadores do assunto no Brasil.

Ele está à frente de um grupo de estudos chamado “LERTE” e é um dos fundadores da Revista Eletrônica Teoliterária, juntamente com Alex Vilas Boas. “Na perspectiva de Manzatto, a teologia pode e deve recorrer à literatura como mediação para a leitura da realidade, complementando ou até eventualmente substituindo a mediação das ciências humanas e sociais” (BARCELLOS, 2000, p. 16).

O estudo que deu início à sua pesquisa no campo literário se chama Teologia e Literatura; nele, Manzatto faz um estudo sobre a antropologia presente na obra de Jorge Amado. É de fato esta a característica principal de seu discurso teológico; aquele de ver na antropologia o principal vínculo entre teologia e literatura. Magalhães citado por Barcellos afirma que:

Tem razão, pois, Antonio Carlos de Melo Magalhães quando tece as seguintes considerações críticas sobre o livro de Manzatto: o trabalho de Manzatto parte de um princípio teológico que sugere uma revelação já definida de Deus e acessível através da tradição da Igreja. O problema divino já tem a sua resposta, enquanto o problema humano é mediado pela literatura. Em tal relação a tarefa teológica não estabelece um diálogo que possibilite uma reavaliação dos chamados temas centrais do cristianismo como revelação, encarnação, crucificação, etc. Dá a nítida impressão que a teologia em si já tem suas soluções, suas respostas estabelecidas, precisando somente de uma melhor e mais eficaz mediação de suas verdades, tendo neste caso a literatura como interlocutora privilegiada (BARCELLOS, 2000, p. 17).

Tendo presente a gama dos principais autores que fazem esta espécie de teologia de fronteira com a literatura é importante eleger o método a ser seguido a partir deste ponto.

Discurso sobre o método

Esta visão ampla de autores que se propôs até aqui, não esgotou o plantel de estudiosos do tema, mas é inegável que deu uma abrangente compreensão da possibilidade e dos inúmeros métodos de abordagem para o discurso relacional entre o dizer teológico e aquele literário. Para esta nov etapa da reflexão destacam-se dois artigos do autor Antonio Manzatto que refletem acerca deste assunto. O primeiro se chama Teologia e literatura: bases para um diálogo. O outro Teologia e literatura: aproximações pela antropologia. Com estes dois textos a perspectiva é aquela de entender o amadurecimento da compreensão que o autor foi tendo ao longo do tempo desde sua pesquisa inicial até as etapas de sua própria revisão, ou se é possível assim chamar, sua autocrítica.

Qual a metodologia escolhida para o prosseguimento da pesquisa? Serão duas as referências que de ora em diante seguirão como instrumentos de pesquisa: um é o método antropológico, desenvolvido pelo teólogo brasileiro Antonio Manzatto. Justamente por isso a reflexão que se segue estará apoiada em dois de seus artigos. O outro é o método do teólogo Italiano Divo Barsotti que compreende Deus como Interlocutor último de toda palavra humana; desta forma toda palavra humana é compreendida como oração.

Importante é ressaltar de antemão que a discussão sobre o método que segue, reflete também sobre os limites que a metodologia escolhida certamente tem, pois, apesar da eleição do método escolhido, é sabido que eles não são isentos de uma leitura crítica ou de pontos fracos. Conforme afirma Manzatto: “Não é porque se tem um bom método que já se tem um bom produto. A discussão da relação entre teologia e literatura precisa ir também além do método, para poder alcançar os conteúdos da formulação teológica” (MANZATTO, 1994, p. 11).

Assim antropologia e palavra/Palavra serão como que duas ferramentas usadas em uma mesma operação reflexiva sobre o estabelecimento do discurso entre a teologia e a literatura. Um diálogo possível.

Quando se fala de método são muitas as possibilidades conhecidas; é por isso que foram apresentadas algumas das mais importantes pesquisas e pesquisadores. Manzatto afirma que:

É positiva sua multiplicidade em função da abrangência e da diversidade do tema e dos objetivos perscrutados. Teopoética, correlação, estudos comparados, perspectiva mística, método antropológico e outros mais são maneiras de estudar a relação entre um e outro segundo aquilo que se busca ressaltar ou conhecer. Não há uma única maneira de fazer dialogar teologia e literatura e elas, que são plurais em suas maneiras de ser isoladamente, dão origem a relações plurais entre si (MANZATTO, 2016, p.09).

O que se pode então fazer é a construção de uma ponte dialogal com alguns instrumentos, que sempre apresentarão seus limites, mas que ainda assim garantem uma perspectiva de abordagem possível.

O método antropológico na perspectiva de Antonio Manzatto

O primeiro dos dois métodos que se vai escavar aqui é o método antropológico. A literatura não é uma ciência que estuda por meio de um objeto formal e material o fenômeno homem; ela é uma arte que busca expressar o humano. Assim como afirma Manzatto “a literatura não conhece o humano de maneira quantitativa, como acontece com outras áreas do conhecimento, mas o afirma e a ele se refere sempre. É uma forma de afirmar e conhecer o humano” (MANZATTO, 2016 p.10). Enquanto ela se interessa pela expressão do humano ela se interessa por todas as suas dimensões, isto inclui aquela dimensão religiosa ou transcendente que dizem imediata afinidade com o sagrado. Assim Deus, que é uma das procuras do homem, aparece na literatura poética ou narrativa. Isto acontece mesmo que não exatamente usando o nome “Deus”.

E mesmo aquela literatura que não faz referência ao elemento religioso, mas afirma o homem de alguma forma já é, por si mesma, objeto de interesse para a teologia. Ela deve se aproximar respeitando aquilo que a literatura apresenta daquele homem, para poder refletir e construir um discurso, ou um diálogo antropológico. Toda literatura, não apenas aquela de caráter religioso, interessa à teologia.

De outra parte, é necessário preservar a característica própria da teologia; ela mantém sempre o seu estatuto epistemológico, aquele de ser um discurso sobre a fé, como afirma ainda Manzatto: “Cabe lembrar aqui os procedimentos epistemológicos da teologia. Ela é discurso a partir da fé sobre a razoabilidade da própria fé. Ou, em outras palavras, é a fé que busca compreender-se” (MANZATTO, 2016, p.17). Não é válida uma reflexão que se diga teológica, e que abra mão de sua natureza própria enquanto ciência.

A historicidade onde acontece o homem vivendo, o homem concreto, aquele que aparece para o mundo e se manifesta em suas inúmeras qualidades, positivas ou negativas que sejam; o ambiente vital- Lebenswelt – onde sua existência se realiza é chão comum para a literatura e para a teologia:

O humano histórico onde Deus se revela está presente também na literatura, inclusive nos textos de ficção. E se a teologia caminhou muito tempo sem ela e conseguiu conhecer algo de Deus e do humano, muito mais e com mais facilidade poderá caminhar neste conhecimento tendo a literatura como companheira de jornada (MANZATTO, 2016, p.17).

Se a base para o diálogo é a antropologia, importa saber o papel e os limites claros referentes à teologia e à literatura para que se respeite o próprio de cada um. Sendo assim, para compreender melhor o pensamento de Antonio Manzatto, seguem-se afirmações importantes que ajudam a sintetizar a sua proposta:

Se a base para o diálogo é a antropologia, importa saber o papel e os limites claros referentes à teologia e à literatura para que se respeite o próprio de cada um. Sendo assim, para compreender melhor o pensamento de Antonio Manzatto, seguem-se afirmações importantes que ajudam a sintetizar a sua proposta:

Uma segunda afirmação importante de Manzatto é que a literatura surge como Locus revelationis:

Não é a literatura que apresenta uma pergunta sobre o sentido do humano e a teologia que acorre com uma resposta haurida da revelação, para “ensinar” à humanidade qual a verdade a ser defendida [...] A literatura aqui é “lócus revelationis” que questiona a teologia obrigando-a a repensar seu conhecimento em função das afirmações literárias. Este questionamento não é uma simples apresentação de pergunta, mas aferição da verdade e da pertinência das afirmações do conteúdo teológico. A compreensão de Deus e de todas as outras coisas à sua luz, objetos de trabalho da teologia, são “checadas” a partir do discurso literário. A literatura, além de obrigar a repensar o método da teologia, parece chegar a influir no conteúdo mesmo das afirmações do discurso teológico” (MANZATTO, 2007, p. 09).

Por isso é preciso fazer uma terceira afirmação, a de que quem afirma algo é a literatura, é ela quem apresenta uma leitura do homem de forma artística. É a literatura quem formula um sentido de mundo e de ser humano a partir do qual o autor está se apoiando: “É a literatura quem afirma, não quem pergunta. A teologia, que afirma que o Deus em quem ela crê se revela em categorias humanas, pergunta, ela sim, o que aquela apresentação do humano pode ensinar-lhe a respeito de Deus” (MANZATTO, 2007, p. 10). A teologia não pode dialogar com a literatura impondo sobre ela um discurso que a literatura não fez, forçá-la a dizer coisas que não disse. “Há que se passar, evidentemente, pelo caminho da analogia existente entre Deus e o humano, mas são os conteúdos teológicos, suas afirmações sobre Deus que aqui entram em pauta: nada menos que isso!” (MANZATTO, 2007, p. 10).

Aceitando esta posição da teologia como aquela que fórmula perguntas para a literatura é preciso afirmar que a teologia não precisa temer encontrar-se com esse homem. “Ao contrário, esse encontro permitir- -lhe-á reapresentar suas questões e reencontrar seus próprios temas, aprofundando sua reflexão sobre Deus e evidenciando certos aspectos da Revelação[...] um tanto esquecido na reflexão teológica atual” (MANZATTO, 1994, p. 10). Para Manzatto o diálogo com a literatura é uma oportunidade de enriquecimento das suas possibilidades, ele afirma que:

Aceitando esta posição da teologia como aquela que fórmula perguntas para a literatura é preciso afirmar que a teologia não precisa temer encontrar-se com esse homem. “Ao contrário, esse encontro permitir- -lhe-á reapresentar suas questões e reencontrar seus próprios temas, aprofundando sua reflexão sobre Deus e evidenciando certos aspectos da Revelação[...] um tanto esquecido na reflexão teológica atual” (MANZATTO, 1994, p. 10). Para Manzatto o diálogo com a literatura é uma oportunidade de enriquecimento das suas possibilidades, ele afirma que: discurso sobre Deus. Contudo não temos como obrigar a arte literária a interessar-se pelo caminho da reflexão teológica. Que as questões religiosas nela estão presentes, por serem humanas, é incontestável. Mas a teologia envolve a fé e esta é sempre, e assim o será, uma escolha pessoal que releva da liberdade” (MANZATTO, 2007, p. 13).

O método antropológico de Antonio Manzatto é distinto daquele de Divo Barsotti, enquanto para Manzatto interessa encontrar a partir da fé e do dado revelado as manifestações humanas da literatura para Barsotti importa ver como a palavra humana é antes de tudo uma palavra que sempre chega a Deus.

O método hermenêutico de Divo Barsotti

Ao método de Divo Barsotti, que carrega o significado de uma mística literária e para quem a literatura é um meio de interpretar o mundo e o homem vivendo nele, vai se chamar método hermenêutico. Assim, a literatura se torna um caminho interpretativo do homem. Não exatamente na mesma perspectiva de Manzatto, e sim em uma relação espiritual de interpretação

Para Barsotti, a literatura não fala apenas com o homem, ela fala também com um Outro, com um interlocutor maior. Este interlocutor maior, na perspectiva da hermenêutica barsottiana, é Deus, o ouvinte último de toda palavra humana. Para compreender esta visão da literatura é preciso ler a sua obra La Religione di Giacomo Leopardi. É desta obra que se pode citar uma primeira afirmação importante a ser observada: “Somente Deus pode ouvir completamente a palavra do homem, porque, em última análise, sua palavra é dirigida a ele sozinho. Somente colocando-nos com extrema humildade no lugar de Deus, nós também podemos esperar compreendê-lo mais plenamente” (BARSOTTI, 2006, pp. 19-20).

A literatura passa a ser, então, o lugar de onde colher a visão de mundo que o autor oferece e assim inspirar a vida do leitor para um sentido mais profundo da sua própria vida. O autor do texto literário pode propiciar ao leitor, uma experiência de vivência espiritual de forma que não apenas as palavras inspiradas da Sagrada Escritura transportam a vida do fiel para uma dimensão maior, transcendente. As palavras do autor literário são, ao ver de Barsotti, capazes de transcender o leitor quando conseguem suscitar nele a busca mais profunda que as palavras tentam comunicar. Palavras que chegam até Deus, mesmo quando o negam ou blasfemam contra Ele.

Não tenho nada a opor a uma hermenêutica que tenha algo de hermenêutica religiosa. Querer encontrar nos textos que amamos a palavra inspirada da qual depende a visão que temos do universo e da vida, não é arbitrária. A palavra do homem é sempre, em certa medida, a palavra que forma uma civilização: certamente é uma testemunha, mas também é o criador de um mundo de valores para o homem (BARSOTTI, 2006, p. 13).

Com o pouco que se viu até aqui, é possível deduzir que, para Barsotti, a literatura é boa quando transporta o homem para o mundo de valores e para o encontro com o significado último de suas questões. E se determinada literatura não tem este interesse, então esta literatura deixa de ser boa? Se a literatura tem a intenção única de ser uma narração que atinge as emoções e fantasia do leitor, usando um enredo envolvente e dramático que fica apenas no nível do imediato. Se esta literatura não suscita no leitor uma semântica ulterior àquela imediata que as palavras comunicam. Esta literatura que não se preocupa com questões importantes, ou até mesmo com nenhuma questão, ela interessa para a teologia?

É justamente o fato de que a literatura, ou no caso específico de Leopardi a poesia, deve estar interessada em questões radicais, perguntas de sentido ulteriores às palavras mesmas, que vão além do seu campo semântico e buscam dizer algo a mais do homem, que acaba havendo um limite no método de Barsotti. Forçosamente o leitor deve fazer uma hermenêutica espiritual da literatura que lhe está diante dos olhos, buscando uma interpretação de caráter transcendente. As perguntas radicais muitas vezes não estão à disposição na narração. Muitos autores estão desejosos de transportar seus leitores para o mundo que criam em seu texto, de fazê-los ter experiências com emoções e desejos e nem por isso colocam questões de caráter transcendente ao leitor. Muitos autores querem apenas transmitir experiências fabulosas pela sua narrativa e assim oferecer distração e entretenimento ao leitor.

De fato, Barsotti chama de boa literatura, aquela que tem interesse maior do que ser apenas uma narração bem escrita. Não em vão, seus autores preferidos, são contados entre os grandes titãs da literatura mundial. Para ele, a boa e verdadeira literatura é capaz de “tirar da vida do homem o interesse último, a paixão última, ‘destruir o homem’” (BARSOTTI, 2006, p. 13).

Leopardi é testemunho da crise existencial moderna, de forma que para Barsotti a hermenêutica de suas poesias é plena da busca do homem em retirada desta crise. Uma teologia que encontra na literatura a inspiração antropológica com a qual se confrontar, deve escolher textos literários que tenham este mesmo propósito, afinal, como afirmado mais acima por Manzatto, a teologia não deve obrigar a literatura a sair daquilo que lhe é próprio e nem mesmo forçá-la a dizer aquilo que nunca disse. Daqui se pode pensar que nem toda literatura é um bom objeto de vínculo para o diálogo a que se propõe a teologia.

“Cada literatura é sagrada”, Barsotti e o poeta

O primeiro aspecto que se deve evidenciar é uma afirmação que Barsotti repete com frequência nos seus diários: “cada literatura é sagrada”. Mais que os tratados teológicos, é a poesia - se é verdadeira poesia - que faz presente o mistério de Deus, mesmo quando parece negá-lo. De fato, cada verdadeira obra de arte revela sempre o homem que permanece sendo o sacramento de Deus tanto quando imerso no bem como quando confuso e perdido no mal.

Barsotti observa como na poesia em geral não se pode nunca encontrar uma pura negação de Deus e isto porque o homem não pode dizer a si mesmo sem dizer Deus; mesmo no pecado ele permanece a imagem de Deus. E isso vale, mesmo quando nela se encontra a angústia do homem por não poder encontrar a Deus, mesmo quando só há o sentido do vazio no desespero de não poder conhecê-lo e até a vontade de fugir Dele. Conforme ele afirma:

A grandeza de um poeta é a de ser capaz de falar com cada um. Então, todos fazem “sua” síntese, mas não devem presumir que finalmente esgotaram todas as buscas, tornando inútil a leitura. Todo homem é inesgotável e, em sua poesia, participa da sua inesgotabilidade. Afinal, a única síntese válida só pode ser feita por aqueles que vivem além do histórico e do tempo. Ele somente é o verdadeiro juiz. Podemos nos colocar em seu lugar e ver com os olhos? (BARSOTTI, 2006, p. 19).

É verdade que nenhuma palavra humana poderá estar no mesmo plano da Bíblia, é também verdade que a experiência humana revela Deus; “cada poesia, se é palavra verdadeira, é também palavra de Deus” (BARSOTTI, 1992, p. 120), por isso “a leitura dos verdadeiros, grandes poetas é análoga à leitura da Sagrada Escritura”, porque em cada grande poesia esta misteriosamente presente o verbo.

Aquilo que aflige maiormente Barsotti, não é o fato de que o cristianismo não consiga reconhecer aquilo que é seu, ou seja, aquilo que é cristão, enquanto autenticamente humano. Para Barsotti, o dever do cristão é aquele de saber “transformar em oração a vida dos homens” (BARSOTTI, 1992, p. 62).

Ele pensa em particular na revolta e angústia de alguns autores contemporâneos como Montale e Brecht; e como cristão sente o dever de conhecer e interrogar para assumir as suas experiências. Sem fazer isso, a vida cristã arrisca de tornar-se formal e vazia; se quer salvar os homens e a si mesmo, o cristão não pode simplesmente viver a parte deles, mas “deve assumir o peso da sua experiência humana, deve ser um com eles sem cessar de ser um com Deus”(BARSOTTI, 1995, p. 258).

Para Barsotti, o não crente é melhor, mais sincero, autêntico. O homem que pensa e afirma não ter fé é, em grande medida, uma evocação constante a um conhecimento verdadeiro e profundo de Deus. Ele reconhece o valor religioso do ateísmo no ajudar o crente a superar toda idolatria e toda tentação de fechar-se em si, é assim que, para Divo Barsotti, a relação com a literatura ateia é compreendida.

Até o fim da sua existência o comportamento de Barsotti nas relações com o não crente foi estritamente aberto; ele sempre reconheceu um grande valor na posição do ateu, interrogando-se sobre os valores profundos que estão na sua base. Não hesita em usar termos fortemente provocatórios quando denunciando a pobreza e a fraqueza do cristianismo do seu tempo, ele escreve assim: “aqueles que o negam parecem que conheçam a Deus mais que aqueles que dizem que acreditam” (BARSOTTI, 1995, p. 258).

Barsotti faz o esforço de aproximar-se do mundo dos ateus. Em seus escritos ele confessa que faz recurso com prazer às obras dos ateus mais que dos livros da teologia e da espiritualidade cristã, e não faz referência somente a clássicos como Dostoievski, mas também a Nietzsche que deu testemunho de Deus na sua vida por meio da luta contra Ele.

Um outro aspecto a se destacar no âmbito da reflexão de Barsotti é a relação que ele viveu com alguns grandes autores da literatura. Entre os seus preferidos Leopardi e alguns clássicos da tragédia como Eurípides. Barsotti nunca busca uma diversão estéril na literatura dos romances e das poesias, e nem mesmo busca apenas as suas noções. Aquilo que ele busca é poder viver com eles uma comunhão espiritual e receber nutrimento interior, para ele, Deus mesmo se comunica com os homens através dos santos e dos poetas: “São necessários poucos versos para salvar um poeta”(BARSOTTI, 2001, p. 11).

O último valor da poesia de Leopardi, como qualquer outro verdadeiro poeta, continua sendo seu valor religioso. Se eu disser último, quero dizer, sim, o valor mais secreto, mas também o supremo, não só porque é maior, mas acima de tudo é o valor que mais do que qualquer outro é verticalmente resumidor de cada outro valor. Se o homem não tem o fim senão a Deus, Deus permanece sempre, mesmo que seja negado, e enquanto é negado, o último interlocutor do homem (BARSOTTI, 2006, p. 13).

Nos escritos de Barsotti, há ainda uma interessante relação entre o amor pelos santos e o amor pelos poetas. Ele se interroga sobre o fato de que a poesia e a santidade permanecem, frequentemente, isolados entre si, como se estivessem em dois mundos distintos, e demonstra como na história da literatura são poucos os grandes santos que existem. O gênio quase sempre cresce distante da comunidade de fé, quase como se Deus tivesse medo da inteligência do homem.

Barsotti não esconde que a grandeza de Dostoevskij o atrai mais do que aquela dos santos; confessa também que a grande poesia e a grande pintura revelam a profundidade da vocação humana. Ele necessita do gênio como necessita do santo. Necessita do gênio para poder conhecer o drama e para experimentar a vertigem que o atrai ao abismo. O gênio é para ele, então, um guia como foi Virgílio para Dante que o conduziu sobre os destinos do mundo de Deus.

Uma reflexão sobre a palavra humana e a Palavra de Deus

Da pesquisa desenvolvida até este ponto fica evidente que um dos vínculos de união entre a literatura e a teologia é a palavra. E toda palavra é criadora, pois somente uma é a Palavra e toda palavra deriva dela. Conforme afirma Naro:

A começar pelo próprio termo “palavra”, a literatura é a arte da palavra humana, ou melhor, a palavra humana dita e escrita com arte. A teologia, ao invés, é o conhecimento de uma palavra-outra, escutada antes ainda que seja pronunciada ou escrita pelo homem, com uma consciência crente - isto é, com o exercício de uma fé pensante e pensada – de que tal Palavra é Deus (MASSIMO, 2012. p. 12).

Toda palavra humana escrita ou pronunciada, busca um ouvinte ou leitor, como também uma significação fora de si. Afinal, a palavra por si é vazia, se não significa nada. Ela significa algo quando encontra alguém onde o significante pode ser reproduzido ao ouvir ou ler a palavra. Portanto, a palavra humana tem valor real na medida em que cria significado fora de si.

Partindo deste princípio a teologia recorda que Deus é Palavra, e cria fora de si cada vez que se comunica. Na Trindade o Pai se comunica todo fora de si gerando o Filho que se devolve todo ao Pai; esta comunicação é o terceiro da trindade, o Espírito Santo6 . E depois Deus, cria o mundo e o homem também pela Palavra quando se comunica fora de si. É isto que testemunham as Escrituras no prólogo joanino: “No início era o Verbo, o Verbo estava voltado para Deus, e o Verbo era Deus. Ele, no princípio, estava voltado para Deus. Tudo foi feito por meio dele, e sem ele nada foi feito. O que foi feito nele era vida, e a vida era a luz dos homens” (Jo 1,1-5).

Em Jesus Cristo, a Palavra e a palavra se conjugam numa relação tão intrínseca que ele revela o Reino comunicando-se aos homens com as palavras dos homens, e esta palavra também é geradora. Gera cura, gera comunidade, gera esperança. Gera uma copiosa redenção para todo o gênero humano. O texto joanino diz que quem a acolheu viu a luz. O mesmo pode-se dizer de Jesus-Palavra que também veio ao mundo para ser acolhido:

Ela veio ao que era seu, mas os seus não a acolheram. Mas a quantos a receberam, aos que crêem no seu Nome, deu-lhes poder para se tornarem filhos de Deus, os quais foram gerados, não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, e sim de Deus. E o verbo tornou-se carne e armou sua tenda entre nós. Nós contemplamos sua glória, glória como de unigênito do Pai, cheio de Graça e de verdade (Jo 9-14).

Tanto a palavra humana como a Palavra de Deus têm potência criadora quando acolhidas. Elas precisam sempre de um interlocutor. Pelas suas palavras, o homem chega aos limites de seus questionamentos e manifestos. Suas afirmações e seus questionamentos, seus personagens e dramas são palavras humanas que fazem perguntas; perguntas profundas sobre a existência e sobre si mesmos. São perguntas radicais que buscam uma Palavra Maior, uma explicação, uma resposta. Naro diz que Deus é uma Palavra-outra, onde o homem pode ampliar os confins de sua própria palavra:

Deus é uma Palavra-outra que prefere ecoar no ritmo rapsódico e no paradoxo, nos merismas e nas parábolas, nos aleluias alegres dos salmos e na controvérsia blasfêmia de Jó. Esta Palavra-outra não pode ser pronunciada muito menos explicada. E, contudo, se deixa sussurrar e se deixa absorver nas experiências humanas mais radicais, aquela do amor e aquela da dor, da amizade e da traição, da compaixão e da solidão, da morte e da esperança (NARO, 2012, p. 15).

O teólogo Massimo Naro, em um artigo sobre questões radicais da literatura secular, afirma que a relação entre teologia e literatura é possível “não só porque a teologia não raramente se expressa em termos literários, mas também porque, a nível mais profundo, a sua forma original é aquela orante, e, portanto, aquela poética e narrativa” (NARO, 2012, p. 15); a partir disso se pode derivar uma teologia literária. Divo Barsotti, por isso, afirma que “cada literatura é sagrada” (BARSOTTI, 1993, p. 11), ao passo que, na medida em que revela o homem, também revela Deus.

Conclusão

Na literatura se traduz a história humana que é sempre uma história de indagação, em busca de algo ou alguém que possa responder questões e conflitos que movem o quotidiano do homem. Esta procura leva o ser humano a se perguntar sobre os seus limites, a sua origem, seu fim, procura algo que permita ver além de sua fronteira estritamente humana. Perguntas radicais que são inerentes à dimensão transcendente do ser humano, e vão muito além das questões habituais, tais como “o que devo comer?”, “Quem ganhará a Copa este ano?” Ou “Devo vestir uma camisa branca ou vermelha?”.

Para procurar as respostas, o homem sempre cria, inventa, persegue o novo; multiplica suas palavras em perguntas, discursos, teorias, blasfêmias ou contos fabulosos para expressar aquele mundo interior, por vezes confuso, às vezes duvidoso; porém, sempre acaba chegando a um limite que não pode transpor sem fazer recurso ao outro-de-si.

Estas perguntas, mesmo se não forem claras até mesmo a quem as põe, são sempre questões sobre Deus, de Deus e para Deus, como afirma Divo Barsotti refletindo sobre a palavra do homem: “Devo dizer que em vão se pretende que a palavra do homem seja dirigida ao homem somente, porque o valor último da palavra do homem é aquele de ser oração, uma palavra dirigida a Deus. E se a palavra é blasfêmia não deixa por isso de ser oração” (BARSOTTI, 2006, p. 13).

Mesmo na verdadeira literatura este é o propósito original: levar o leitor a fazer-se as mesmas perguntas que, por assim dizer, incomodam o autor. Questionar-se é fácil, fazer a pergunta certa resulta menos fácil. Ser capaz de elaborar com palavras o que desafia a alma é complicado, o autor que consegue fazer isso merece ser lido e meditado. Conforme afirma Manzatto:

Mas há que se respeitar a literatura, como já foi dito antes. Não se pode obrigar um autor ou um texto literário a manifestar interesse pelas questões teológicas se ele assim não o quiser. O risco aqui é o de se assumir apenas um tipo de literatura dita religiosa ou cristã, deixando de lado o que se chamaria de “literatura profana”. Ora, a literatura que interessa à teologia é toda ela, inclusive a não religiosa ou mesmo ateia. Não se pode fazer um processo de confissão religiosa de uma obra literária para que ela interesse à teologia, já que seu primeiro referencial não é o religioso. Um método teológico de abordagem da literatura tem de valer para todos os tipos de obras literárias (MANZATTO, 2007, pp. 09-10).

Propondo uma reflexão teológica sobre a literatura, Divo Barsotti reconhece a literatura como uma palavra dirigida ao homem e a Deus o interlocutor final: “A grandeza de um poeta é aquela de ser capaz de falar a qualquer um. Assim cada um faz a ‘sua’ síntese, mas não deve presumir de ter finalmente exaurido cada procura, tornado inútil outra leitura. Cada homem é inexaurível e a sua poesia participa da sua inexauribilidade” (BARSOTTI, 2006, p. 19).

Além do mais, “a única síntese válida pode fazer somente quem vive além da história e do tempo. Ele somente é o verdadeiro juiz. Podemos colocar-nos em seu lugar e ver com seus olhos?” (BARSOTTI, 2006, p. 19).

Quando Deus fala, Ele fala para fora de si, criando; e quando fala, faz do homem seu interlocutor final; é para o homem que a palavra se manifestou ao mundo e é no homem que ela ganha símbolo. A palavra do homem é potência da palavra de Deus.

Portanto mesmo quando um livro não fala do nome de Deus ou não está se ocupando em falar de coisas sagradas ainda assim diz Deus, pois na palavra - mesmo aquela mais profana - o homem sempre cria e o criar pela palavra é preeminência de Deus, primeiro criador que criou do verbo, e estas palavras do homem são sempre um falar do mundo humano para poder expressá-lo fora de si para um outro-de-si. Interlocutor primeiro da literatura é o homem, mas Deus nunca deixará de ser o interlocutor último de toda prosa e verso.

Referências

ALTRAN, José. Entrevista: prof. Alex Villas Boas. Revista Último Andar. São Paulo, PUCSP. n. 25, pp. 15-23. set. 2015. Disponível em: . Acesso em: 11 de mar. de 2018.

BARSOTTI, Divo. Alla sera della vita. Diario 1996-1997. CaltanissettaRoma: Sciascia, 2001.

BARSOTTI, D. La presenza donata: Diario 1979-1980. Treviso: Santi quaranta, 1992. p. 120.

BARSOTTI, Divo. L’attesa. Diario 1973-1975. Torino: Società editrice internazionale, 1995.

BARSOTTI, Divo. La Religione di Giacomo Leopardi. Cinisello Balsamo: San Paolo, 2006.

BARSOTTI, Divo. Luce e silenzio. Diario 13 marzo 1985-17 maggio 1986. Bologna: Dehoniane,1993.

BALLARINI, Marco. Teologia e letteratura. Brescia: Morcelliana, 2015.

BARCELLOS, Carlos José. Literatura e teologia: perspectivas teórico-metodológicas no pensamento católico contemporâneo. Revista Numen: Juiz de Fora, v. 3, n. 2. pp. 9-30. 2000.

CANTARELA, Antonio Geraldo. A produção acadêmica em Teopoética no Brasil: pesquisadores e modelos de leitura. Revista Teoliterária V.8 N. 15, 2018. pp. 193-221.

CENTRO CAMMARATA. Biografia di Dom Massimo Naro. Disponível em: . Acesso em 11 de mar. 2018.

CEIA, Carlos. E-Dicionário de Termos Literários (EDTL), coord. de Carlos Ceia. Disponível em: Acesso em 10 de dezembro de 2017.

LUSSI, Carmem. A linguagem no fazer teológico: elementos do legado de Rahner sobre literatura e poesia. Revista Teoliterária, v. 1, n 2, 2011.

MANZATTO, Antonio. Teologia e literatura: aproximações pela antropologia. Disponível em: ˂http://www.alalite.org/files/IColoquio/docs/Manzatto. pdf&- ved=2ahUKEwi5k6KH0IDZAhUBW5AKHSfDBWIQFjAKegQIDRAB&usg=AOvVaw2lhYFe1Iz14H-f5Qy3Cr8n˃ Aceso em: 18 de janeiro de 2018.

MANZATTO, Antonio. Teologia e literatura: bases para um diálogo. Revista Interações – cultura e comunidade, Belo Horizonte, v.11 n.19, p. 8-18, jan./jun.2016. Disponível em: ˂http://periodicos.pucminas.br/index.php/interacoes/article/view/P.1983-2478.2016v1 1n19p8/9905˃ Acesso em 18 de janeiro de 2018.

MANZATTO, Antonio. Teologia e literatura: reflexão teológica a partir da antropologia contida nos romances de Jorge Amado. São Paulo: Loyola, 1994.

NARO, Massimo. Sorprendersi dell`uomo. Assisi: Cità Editrice, 2012.

SILVA, Gilberto Ribeiro e. Marie-Dominique Chenu. Disponível em: Acesso em: 22 de janeiro de 2018.

SPADARO, Antonio. Letteraruta come teologia. Milano: Jaca Book, 2008.

Notas

[1]O critério de escolha dos autores foi organizado a partir do livro: NARO, M. Sorprendersi dell’uomo. Escolhendo os principais teólogos que deram origem a um método de diálogo com a literatura ou que melhor aplicaram o método. Outros são importantes comentadores do tema. CANTARELA, A. A produção acadêmica em Teopoética no Brasil: pesquisadores e modelos de leitura. Revista Teoliterária V.8 N. 15 de 2018, p. 196, cita: “uma lista de 129 pesquisadores em Teopoética no Brasil”.

[2]BARCELLOS, J. C. Teologia e Literatura. In: CEIA, C. E-dicionário de termos literários.

[3]BARCELLOS, J. C. Teologia e Literatura. In: CEIA, C. E-dicionário de termos literários

[4]CENTRO CAMMARATA. Biografia di Dom Massimo Naro.

[5]CENTRO CAMMARATA. Storia del Centro Cammarata.

[6]Cf. Agostinho. A Trindade. 7.12, p. 256-257; 8.1, p. 259; 6.9, p. 227-229; 5.10-16, p. 203-213; A doutrina cristã. 1.5, p. 46-47; e Hilário de Puoitier. De trinitate. 6,9.