A teologia ficcional de José Saramago no Ensaio sobre a Cegueira
The fictional theology of José Saramago in Blindness

Marcio Cappelli*
*Doutor em Teologia pela Puc-Rio; professor no Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. Contato: alocappelli@gmail.com
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Resumo
O artigo procura mostrar como o escritor português José Saramago elabora em seu universo romanesco uma teologia ficcional. Essa característica pode ser verificada em boa parte de seu corpus literário, no entanto, este trabalho se deterá especificamente na obra Ensaio sobre a Cegueira. Mesmo que numa primeira leitura questões teológicas possam parecer não estar explicitamente presentes, através de uma abordagem adequada acredita-se que elas serão realçadas. Para chegar a essa finalidade, de ver a literatura saramaguiana como espaço de reelaboração teológica, é preciso evidenciar o potencial que o gênero romanesco enquanto ficção possui frente à teologia conceitual. Além disso, é importante desvendar os procedimentos de José Saramago como escritor que no re-uso da linguagem e das imagens religiosas desloca-as para, crítico-criativamente, conferir-lhes sentidos que possibilitam novas compreensões. Desta maneira, a “boa-notícia” saramaguiana tecida nos interstícios do cenário do seu Ensaio, se revelará incontornavelmente como uma possibilidade de pensar, ainda que, por meio de uma ausência divina, uma abertura sempre maior ao outro.

Palavras chave: José Saramago; teologia ficcional; Ensaio sobre a Cegueira.

 

Abstract
The article tries to show how the portuguese writer José Saramago elaborates in his romanesque universe a fictional theology. This characteristic can be verified in a great part of his literature, however, this work will dedicate specifically in the novel Blindness. Even though in the first reading theological issues may seem not to be explicitly present, through a proper approach they will be highlighted. To reach this end, to see the Saramago’s literature as a space for theological re-elaboration, it is necessary to highlight the potential that the romanesque genre as a fiction has in contrast to conceptual theology. Moreover, it is important to clarify the procedures of José Saramago as a writer who, in the reuse of language and religious images, moves them critically-creatively, to give them senses that enable new understandings. In this way, the “good news” of Saramago constructed in the interstices of the space of his Essay, will inevitably reveal itself as a possibility of thinking, although, through a divine absence, an ever greater openness to the other.

Keywords:José Saramago; fictional theology; Blindness

Introdução

Não é difícil perceber que teologia e literatura possuem uma afinidade ancestral.1 Os vínculos entre religião e literatura2, sobretudo nas chamadas religiões do livro (Cristianismo, Islamismo, Judaísmo), parecem ser bastante evidentes. Basta recordarmos o caráter literário da Bíblia, que foi chamada pelo poeta William Blake de “o grande código” sem o qual seria impossível decifrar a literatura ocidental.3 Ou ainda, considerarmos a própria produção teológica de autores da antiguidade como Efrém, Gregório de Nazianzo e Agostinho, que a partir do encontro entre a tradição clássica e o hebraico da herança bíblica, escreveram peças literárias de grande valor religioso e estético. Mais: poderíamos ressaltar a recepção de compreensões teológicas por autores da literatura como, por exemplo, as ideias de Tomás de Aquino em Dante e, posteriormente, a problematização da “ortodoxia” nos séculos que se seguiram em obras como as de Rabelais (sec. XVI), Cervantes (sec. XVII) e Voltaire (sec. XVIII).

No entanto, elementos importantes, ao menos desde o fim do século XVIII, complexificaram essa relação. O vaticínio novecentista do fim da religião ou de seu futuro problemático contribuiu significativamente para uma mudança na maneira como os artistas viam o papel da arte, assim como a onda de “reencantamento” da vida social assistida, com mais força, a partir da segunda metade do século XX. Nesse sentido, esses elementos fizeram surgir “novos amálgamas espirituais”4 que nem as categorias clássicas das religiões e tampouco as da crítica moderna conseguem dar conta.

Seguindo esta direção, os romances modernos e contemporâneos eivados de toda a problemática de um ser humano que como um filho pródigo sai de casa, mas diferentemente da parábola já não consegue regressar e quedar-se diante do pai da mesma maneira, revelam-se como um locus theologicus, não no sentido de se verificar neles algo que já está pronto na teologia, muito menos como uma roupagem nova para velhos conteúdos – até porque, como diz a palavra evangélica, vinho novo necessita de odres novos –, mas como um laboratório em que a reflexão teológica está experimentalmente sendo refeita, re-imaginada. É no mundo romanesco que o sujeito irreconciliado com o sentido seguro dado pelas grandes tradições que lhe conferiam um arqué e um telos bem definidos, como que juntando os cacos de um vitral quebrado pelo estremecimento da catedral religiosa, procura montar outra paisagem para habitar. É nesse rastro que enveredamos com a sugestão de Salmann, de que se soubéssemos redescobrir os temas teológicos no universo dos romances modernos, a religião poderia se encontrar não reduzida ao dogma ou à moral.5 Isto é o que tentaremos fazer aqui aproximando-nos do Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago. Mas, antes de tudo é preciso dar uma palavra sobre o que chamamos de teologia ficcional.

Teologia ficcional: interseções entre o romance e a reflexão teológica

Quando nos referimos à “teologia ficcional”6 queremos enfatizar o caráter teológico que há na ficção a partir da força imaginativa que compõe o gênero romanesco frente à teologia conceitual. Desse modo, é necessário dizer que a tarefa de falar sobre Deus e sobre a fé não é exclusividade da teologia conceitual. Nossa proposta não trata de tentar estabelecer se a ficção é mais adequada, ou seja, se a palavra dos ficcionistas é superior ou inferior a dos teólogos e teólogas profissionais. Destacamos, apenas que a literatura, especificamente o romance, pode, na sua legitimidade e liberdade, se revelar como um discurso que expressa certa teologia, sem que tenha necessariamente que confirmar um conteúdo já produzido e aceito.

A caracterização do romance enquanto gênero literário não é tarefa fácil, já que a compreensão acerca dele mudou ao longo dos séculos e que este gênero está em constante transformação, impossibilitando uma definição e uma tipologia fixa. Oreste Aime sublinha que, mesmo reconhecendo a precariedade de qualquer tentativa de definição do gênero romanesco é possível distingui-lo da poesia e do conto, por exemplo. Por isso ele descreve o romance como: “uma narração suficientemente grande, principalmente em prosa, de eventos realísticos ou fantásticos, com um ou mais personagens envolvidos em uma situação conflitiva ou problemática da qual se segue o desenvolvimento final da conclusão positiva ou negativa.”7

Embora, Dom Quixote de Cervantes, do período seiscentista, seja reconhecido como inaugurador do que podemos chamar de romance moderno, a origem do gênero está ligada a textos da antiguidade como Os amores de Dáfnis e Cloé de Longo Sofista, o Satíricon de Petronio e o Asno de Ouro de Apuleio8 . No medievo, o romance renasceu primeiro em verso e depois em prosa, sobretudo com a renovação cultural do século XII e a afirmação de um outro idioma. A própria origem da palavra “romance”, por exemplo, alude primeiramente à linguagem do povo em contraste com a dos eruditos. Provavelmente, vem de romanìcé que designava o “românico”, língua falada nas regiões ocupadas pelos romanos, e que já se diferenciava do latim pela fusão deste com as línguas de povos conquistados pelos romanos, sobretudo o grego.

Mais a frente, ganharam força os romances pastorais, os romances de cavalaria como Amadis de Gaula e os picarescos, dentre os quais podemos citar Lazarillo de Tormes, além dos precursores diretos do romance moderno e que determinaram significativamente seu desenvolvimento, a saber: o Decameron de Bocaccio e Gargantua e Pantagruel, ambos de François Rabelais.

Apesar de Lukács ter apontado os problemas do romance e alguns autores terem anunciado o fim do gênero, outros têm destacado uma espécie função autorregenerativa e auto-transformativa da ficção romanesca e reiterado o seu potencial. Por mais que as novas formas romanescas pareçam engendrar sua própria diluição e descaracterização, dialeticamente, geram, ao mesmo tempo uma reinvenção e revitalização do gênero. 9

Elmar Salmann, a partir do Decameron de Bocaccio, escrito entre 1348 e 1353, desenvolve a ideia do romance como modelo teológico. Na perspectiva deste teólogo, a novela ambientada no século XIV, ao narrar as histórias contadas pelo grupo fugitivo da peste, em Florença, prefigura a inauguração de um mundo novo.10 Para ele: “Neste horizonte não é mais um Deus que garante a ordem, mas é o homem que recria um mínimo de credibilidade.”11 A novela se desenvolve como uma criação, que não pretende negar a incompreensibilidade e o mistério do mundo, mas revelar a possibilidade de desenredar-se mesmo sem escapar dela. Segundo

esta compreensão, o romance, além de ilustrar a complexidade da realidade, apresenta maneiras outras de vivê-las. É um pequeno mundo complexo em si mesmo, uma “obra-mundo” que se constrói na interseção de diversos pontos de vista e, por isso, não pode ser fechado em nenhuma teoria. É dialógico. Por isso, o romance se destaca por ser essencialmente antidogmático enquanto alternativa à teoria, contudo, sempre preciso na sua descrição de mundo, mesmo sendo um sistema aberto. A partir dessa complexidade e, em razão de sua estrutura, sempre problematiza a opinião dominante e a teoria como fechamento definitivo do real. De certa forma, cada romance, pelo simples fato de ser romance, na medida em que revela o caráter precário do que está estabelecido como norma, através de sua abertura ao outro, opondo-se às teorizações terminadas, mantém uma conexão com o mistério. Isto significa que o romance é teológico mesmo não correspondendo e até mesmo problematizando aquilo que, tradicionalmente, a teologia considerada ortodoxa tem afirmado. Ele opera muitas vezes um deslocamento teológico em que, a partir da perspectiva dialógica, descentraliza as afirmações outrora estabelecidas e fixadas.

Outra ideia que nos ajuda a pensar o romance como instância teológica é levantada por Milan Kundera. Ao se indagar sobre o que é o romance, o romancista tcheco responde apelando a um provérbio judeu: “O homem pensa, Deus ri.” E, a partir dele, ressalta o papel que Rabelais teve na formação do gênero: “gosto de imaginar que François Rabelais um dia ouviu o riso de Deus e que foi assim que nasceu a ideia do primeiro grande romance europeu. Agrada-me pensar que a arte do romance veio ao mundo como o eco do riso de Deus.”12 O caso de Rabelais é significativo para pensarmos o potencial teológico do romance. Kundera lembra que Rabelais foi criador de diversos neologismos que posteriormente foram incorporados à língua francesa, mas que um deles foi esquecido: a palavra agélaste, que vem do grego e quer dizer: “aquele que não ri”. Rabelais queixava-se que os agélastes eram atrozes com ele e que por causa disso quase deixara de escrever.13

Na sua formação, o escritor francês, estudioso de direito e médico, tomou contato com toda a rigidez da educação teológica e das práticas religiosas da época. Recebeu parte de sua instrução num convento franciscano, no entanto, seu interesse pelo grego e pelo latim e sua apreciação da literatura clássica, sob a influência do humanismo fez com que sofresse certa perseguição, o que provocou sua mudança para a Ordem dos Beneditinos com a ajuda de amigos.14

Foi buscar na cultura popular a inspiração para os seus escritos.15 Isto se verifica pelo fato de “Pantagruel” e “Gargantua” serem figuras inspiradas num romance popular que circulava à época de Rabelais, cujo título era Grandes et inestimables chroniques du grand et énorme géant Gargantua. 16 Os elementos das festas populares também foram utilizados na narrativa rabelasiana. No carnaval medieval, Rabelais encontrou uma forma para compor sua obra, na qual o espírito de liberdade e de humor ia ao encontro das ideias do humanismo e questionavam a ordem estabelecida.

Rabelais desconstruiu discursos teológicos e práticas religiosas que fundamentavam toda uma maneira de viver através do recurso do humor. Podemos dizer que o romance rabelasiano, em contraposição à teologia estabelecida, se constrói como lugar imaginário onde a “posse” da verdade e o “consentimento unânime” são postos em cheque. Constitui-se como uma arte que contraria certezas ideológicas. A palavra romanesca ergue-se como “eco do riso de Deus”, porque é um tipo de sabedoria alternativa que “à exemplo de Penélope, (...) desfaz durante à noite a tapeçaria que os teólogos, os filósofos, os sábios urdiram na véspera.”17

Poderíamos mencionar também o caso marcante de Cervantes que redireciona a história romanesca. Seu Dom Quixote é uma expressão da vida do sujeito diante dos posicionamentos institucionais, um testemunho do indivíduo frente à heterenomia que dava solidez às estruturas que organizavam a vida. Não é um livro de teologia stricto sensu e tampouco Cervantes é um teólogo. No entanto, a leitura do romance deixa transparecer a centralidade do tema próprio do espírito da época, que se manifesta não apenas na incorporação das virtudes cristãs consideradas ortodoxas, mas também em práticas religiosas para além dos cercames institucionais.

Tomando as novelas de cavalaria como pano de fundo para pensar o romance cervantista, Antoñanzas considera que o cavaleiro encarna a virtude em seu mais alto idealismo e complexidade de ação que tem como referência os preceitos cristãos.18 Entretanto, isto ocorre de forma problematizada. A realidade verdadeira era tomada pela livre realidade novelada, e a novela representava a invenção de si mesmo e do mundo a seu redor. Essa loucura de combinar, de modo tão sério, ficção e realidade permite que Dom Quixote intente realizar seu empreendimento como uma obra divina. Nesse sentido, torna-se figura Christi. Aliás, é curioso o paralelo que se estabelece entre o protagonista de Cervantes e a figura de Jesus de Nazaré, que também saiu por seu mundo contando parábolas, sem ter onde reclinar a cabeça.19 Sobre este também recaiu a pecha de louco e até aqueles que o acompanhavam de perto, testemunhando sua entrega em liberdade radical, pensavam estar ele “fora de si”.

Em Cervantes, o romance se constitui como autêntica teologia ficcional, na medida em que, torna-se símbolo da afirmação de que a realidade é mais do que aquilo que os sentidos percebem e que a razão pensa. Essa “teologia quixotesca” traz de volta o desafio da afirmação da liberdade como valor fundamental, da coragem de sonhar e amar mesmo sendo tido por louco à vista de todos. Ou seja, faz acreditar que a loucura da ficção, muitas vezes, é mais razoável que a própria razão.

Embora tenhamos usado os exemplos de Rabelais e Cervantes, poderíamos falar ainda de uma teologia ficcional em outros romances como As Aventuras de Robinson Crusoe de Defoe, Os Miseráveis de Victor Hugo, Os irmãos Karamazov de Dostoiévski, Ulisses de Joyce, A montanha mágica de Mann, Diário de um Pároco de Aldeia de Bernanos, O Poder e a Glória de Greene, O Processo de Kafka, Doutor Jivago de Pasternak, A última tentação de Cristo de Kazantzákis, O Mestre e Margarida de Bulgakov, Silêncio de Endo, Do amor e outros demônios de García Marquez, e muitos outros. A lista seria interminável. O que gostaríamos de enfatizar é que, no afã de capturar Deus e controlar a vida, certos discursos teológicos esqueceram-se que ele “ri”. Esquecendo-se disto, ignoraram a “sacra irredutibilidade” que o falar sobre ele e sobre a vida requer. O romance é, ao contrário, justamente o espaço imaginário onde as “verdades” podem ser deslocadas de seu sentido original e podem ser esboçadas a partir de outro cenário. Revela-se como discurso paralelo às arquiteturas conceituais. Como poderoso “instrumento ótico”, recolhe o imponderável e incalculável. Reconhece e expressa o vazio entre o encadeamento causal que a linguagem conceitual ignora. Ele subverte discursos por meio de apropriações, absurdos e expressões que seriam impensáveis na construção conceitual. Aquilo que para esta seria fraqueza, é a maior força do romance. Por isso, pode se tornar um veículo teológico, por seu alinhamento com o próprio mistério, afinal como lembra Duployé: “Deus é um artista e não um engenheiro. Uma inteligência racionalista precisa entender em primeiro lugar que o Deus da Bíblia não explica nada senão que cria e aprofunda um mistério que abarca a todos mas que não facilita uma leitura linear das coisas.”20

O romance convida o leitor a uma espécie de “fé ficcional”. Porque como escreveu James Wood, “a ficção pede-nos que acreditemos, mas a qualquer momento podemos escolher não acreditar. (...) Sabe que a qualquer momento os seus argumentos podem falhar.” 21 Se constrói justamente através de uma tensão dialética com o real. O leitor sabe que está diante de uma ficção, mas, só poderá transpor o limiar da “mentira”, da “ilusão” e percebê-la como instrumento que oferece uma visão do real, se e somente se, num exercício fiducial, entregar-se ao mundo da obra. Como a ficção se movimenta no terreno da dúvida e ao não se apresentar ao leitor como certeza, mas como possibilidade, pede a este uma entrega.

Spadaro parece seguir na mesma direção quando afirma que o leitor, diante de uma obra de ficção, é chamado a responder com um ato de fé.22 Toma esta ideia do poeta inglês Samuel Taylor Coleridge para referir-se a essa tomada de posição que a ficção reclama. Para este escritor que viveu entre os séculos XVIII e XIX a “fé poética” consistia num “momento de voluntária suspensão da incredulidade.”23

Todavia, não só a ficção exige uma fé como, teologicamente, podemos destacar uma “revelação” do romance como materialização de um florescimento imaginativo que distendendo o real aponta outras possibilidades vivê-lo24. O romance é forma de conhecimento que esbarra em limites, mas insiste através do trabalho imaginativo em ultrapassá-los. Neste sentido, é utópico. Através dele é possível falar do que não existe ou ao menos do que não existe no momento. Expressa uma “reserva escatológica”; revela o status do mundo, mas ao mesmo tempo, por meio do seu poder imaginativo, lembra-nos do “ainda não”, isto é, de que ainda há outros horizontes. Esta característica da ficção revela-se importante para a teologia. Como salienta Manzatto, no discurso cristão o Reino tem um caráter utópico, imaginário, fictício; mas essa ideia não é desmobilizadora: “Não se trata de cruzar os braços à espera do Reino que virá, mas (...) pôr-se ao trabalho de construí-lo.”25 Ou seja, a ficção pode ser capaz de mobilizar as pessoas para a reforma do que está estabelecido e construção do novo. É um espaço de elaboração da existência humana também a partir do ângulo de suas possibilidades ainda não exploradas. O romancista, através da utilização criativa dos recursos linguísticos, dos subjuntivos, dos condicionais, dos “se” de nossa gramática, torna possível, como ressalta Steiner, uma contra-factualiddade imprescindível.26

Em suma, a reflexão teológica pode descobrir um pensamento encarnado e original na escrita romanesca, porque o trabalho do romancista não é mera transcrição de conteúdos mentais, já que, como lembra Jossua, “vem à pena o que nunca teria podido vir à ideia.”27 Através do romance, a teologia pode se reconciliar com suas próprias raízes, porque como salienta José Tolentino Mendonça, “acreditar em Deus é também imaginar Deus.”28 No decorrer do tempo a teologia que pronunciou-se a partir de um conjunto de certezas definidas num espaço conceitual e, com isso, esqueceu-se de que não dispõe do objeto sobre o qual pretende falar. Portanto, deve aprender da literatura, especialmente do romance, que a estética da linguagem está vitalmente ligada ao conteúdo. No entanto, isto requer uma atitude que no fundo, significa a disposição da teologia em deixar-se interpelar pela literatura e não cooptá-la como se fosse apenas um ornamento para um discurso já pré-fixado.

Portanto, escutando o romance como verdadeira teologia ficcional, surgida como “eco do riso de Deus”, como expressão do Mistério, a teologia estaria mais próxima de sua estrutura basilar narrativa, simbólica, polifônica, literária, e poderia rever suas formas discursivas. Mais: recorreria à imaginação como o “léxico do Espírito”2929 e poderia deixar, para lembrar de Flaubert, o Dicionário das ideias feitas. 3030

Procedimentos da escrita ficcional saramaguiana

Considerando o conjunto da obra de Saramago e essencialmente os seus romances é possível dividi-la em duas fases, ou ciclos, a saber: histórico e universal. O próprio Saramago explica assim a mudança que ocorre na sua obra:

(...) é como se, a partir de O ensaio sobre a cegueira, deixasse de me importar se eles eram mouros ou cristãos. Não é que houvesse deixado de ter importância, mas, hoje, estou a tentar ir mais além da diferença que há ou pode haver entre um mouro e um cristão, saber o que é aquilo que porventura os une. Também não é isso, porque não sei o que poderá uni-los. O que eu quero saber, no fundo, é o que é isso de ser-se um ser humano (...) E o que eu quero saber, no fundo, é essa coisa tão simples e que não tem resposta: quem somos nós? 31

Segundo Arnaut, esta fase tem, em comum, três ocorrências: o espaço, ou seja, todos ocorrem numa grande metrópole, os enredos prodigiosos e principalmente os problemas da contemporaneidade como o individualismo e a perda da individualidade que cercam os personagens.32

Entre os romances com esta temática estão: Ensaio sobre a cegueira (1995), Todos os nomes (1997), A caverna (2000), O homem duplicado (2002), Ensaio sobre a lucidez (2004), e As intermitências da morte (2005).33 Posteriormente, Saramago escreveria romances com características diferentes como a Viagem do elefante (2008) e Caim (2009).

No entanto, mais do que indicar um mapa para a obra saramaguiana, nos importa pensar como a característica teológica perpassa tanto a fase histórica como a fase universal. Nos seus diários publicados sob o título Cadernos de Lanzarote, ao responder perguntas sobre o seu Evangelho, em 9 de outubro de 1993, afirma que a sua perspectiva é a do romancista e não do historiador ou teólogo, mas deixa escapar como uma confissão a seguinte frase: “Ainda acabo teólogo. Ou já sou?”34 Em outra declaração, em 31 de outubro de 1994, diz: “Se é verdade que não sou teólogo (...) teólogos também não foram Marcos, Mateus, Lucas e João, autores, eles como eu de Evangelhos.”35 É óbvio que não podemos entender tal afirmação sem levar em conta o artifício humorístico saramaguiano. Contudo, ao lembrarmos aqui a ideia de uma teologia ficcional a partir da ficção romanesca, ressaltamos que é dos dispositivos literários utilizados na construção do universo romanesco do escritor português que emerge sua teologia. Neste sentido, evocamos a lapidar passagem de Camus: “Não pensamos senão por imagens; se queres ser filósofo, escreve romances.”36 Pensando em Saramago, o que propomos é parafraseá-la e toma- -la no seu avesso: “Ao escrever romances tornou-se teólogo”.

Mas que tipo de teólogo seria Saramago? Eduardo Lourenço, inserindo a problematização saramaguiana das questões religiosas na dinâmica da secularização e do “regresso de Deus” sublinha que Saramago é: “um teólogo no fio da navalha”. Lourenço elabora, mesmo sem desenvolver todas as decorrências para o romance de Saramago, o raciocínio segundo o qual o que é considerado habitualmente profano revela-se como algo sagrado. Segundo esta perspectiva, o lugar do sagrado é a própria experiência histórica imanente e, neste âmbito, uma escrita que ao mesmo tempo que faz uma crítica do sagrado institucionalizado, reinventa este sagrado na própria existência individual dos seres humanos.37 O que está em jogo neste raciocínio é a possível identidade entre o divino e o humano. Eduardo Lourenço irá desenvolver tal questão tendo como alvo a própria especificidade do discurso ficcional deSaramago. Para ele, a peculiaridade da escrita de José Saramago é justamente o expediente da escritura que problematiza a nossa própria noção de verdade e realidade. A ficção saramaguiana advoga uma compreensão da realidade sempre mediada e apreendida por intermédio da linguagem. Isto é, o acesso à realidade do passado ou do presente só é possível através de uma narrativa. O que há, portanto, é uma “glosa da glosa”. Ou seja, através desse procedimento, Saramago “tornando sagrada a história profana” coloca em curto circuito a noção de uma verdade e de um relato primeiro e último. Deste modo, o próprio discurso e o modo como ele pretende dizer a realidade é solidário com esta imanência do sagrado; isto é, ao relativizar a verdade e sua validade na ideia de Deus, relativiza a pretensão do próprio discurso ser a última palavra.

Esse é o lugar de onde Saramago problematiza temas da reflexão teológica. Ao escrever em seu diário sobre a possibilidade de se tornar teólogo, talvez não tivesse em mente o alcance que isto poderia ter, embora bem antes tivesse assinalado em O ano da morte de Ricardo Reis que “é urgente rasgar o dar sumiço a teologia velha e fazer uma nova teologia, toda ao contrario da outra.”38 Esta teologia ficcional que surge da pena do escritor português é uma teologia ateia, que procura exorcizar o fantasma de um “Deus” que insiste em se perpetuar nos discursos como forma de controle da vida, apoio de uma ordem injusta e sustentáculo de uma falsa segurança consoladora que impede as pessoas de se tornarem conscientes. Para Saramago, esse “Deus”, conteudificado por meio de um dogmatismo que dá vida a um imaginário religioso carregado de subserviência deve ser rasgado. Ou seja, o “fator Deus” como responsável por certa “ordem” deve ser desconstruído para colocar em cheque a arrumação do mundo apregoada por certos “espíritos religiosos”.39

A “teologia” do Ensaio sobre a Cegueira

José Saramago construiu em Ensaio sobre a Cegueira, uma das metáforas mais fortes sobre a condição da humanidade. A cegueira descrita por Saramago, brota do narcisismo humano, do egoísmo. É uma cegueira que nasce de nossa incapacidade de enxergar o outro, de um olhar autocentrado

Na ficção saramaguiana, uma epidemia de cegueira se espalha. A cegueira começa em um homem enquanto espera a mudança do semáforo, as pessoas que correm em seu socorro se contaminam e uma cadeia sucessiva de cegueira se alastra. Ninguém sabe bem como começou. Não há culpados; não há causas nem motivos. Apenas a cegueira que se apossa repentinamente de todos e ninguém pode fazer nada para detê-la. O governo decide agir para conter a epidemia e aprisiona as pessoas infectadas em uma quarentena com recursos limitados. É exatamente durante esse período que, aos poucos, serão expostos às características mais primitivas do ser humano, especialmente a luta pelo poder, a insensibilidade, a ganância, o desejo, a brutalidade e a violência. Durante o confinamento, grupos opostos de cegos se formam e somente uma mulher, a mulher do médico, é capaz de enxergar. Mas ela nada pode fazer, exceto lutar pela própria sobrevivência e proteger as pessoas mais vulneráveis. Ela mesma não sabe porque não foi contaminada e nem sabe quando tudo voltará ao normal, ou mesmo se algum dia a ordem se reestabelecerá. Enquanto isso a cegueira se dissemina por toda a sociedade e nem mesmo as autoridades são poupadas. O caos se instala e a cegueira física faz aflorar o que há de pior no ser humano. Ao mesmo tempo, o grupo que forma o núcleo da trama, guiado pela mulher do médico, passa a recuperar afetividade e cuidado, fundamentais no meio daquela situação limite.

Aqui há diversas comparações possíveis. A própria tradição bíblica fala da visão como parte fundamental da experiência cristã. Segundo o evangelho de Mateus o olho é a “lâmpada do corpo” (Mt 6,22). A cegueira é comparada ao egoísmo. A visão é comparada à solidariedade, à compaixão, à auto-doação voluntária e também ao serviço abnegado.

No sentido de aproximarmos a obra da teologia, consideramos uma cena fundamental. Após terem saído do manicômio, os cegos repousam em uma loja abandonada. Junto com sua mulher, o médico sai em busca de comida. Tendo se deparado com cenas terríveis, a mulher do médico começa a se sentir mal e resolve entrar em uma capela. Nesse momento se depara com algo intrigante: as imagens dos santos todas estão com vendas brancas nos olhos:

Já me sinto bem, mas naquele mesmo instante pensou que tinha enlouquecido, ou que desaparecida a vertigem ficara a sofrer de alucinações, não podia ser verdade o que os olhos lhe mostravam, aquele homem pregado na cruz com uma venda branca a tapar-lhe os olhos, e ao lado uma mulher com o coração trespassado por sete espadas e os olhos também tapados por uma venda branca, então eram só este homem e esta mulher que assim estavam, todas as imagens da igreja tinham os olhos vendados, as esculturas com um pano branco atado em volta da cabeça, as pinturas com uma grossa pincelada de tinta branca, e estava além uma mulher a ensinar a filha a ler, e as duas tinham os olhos tapados, e um homem com um livro aberto onde se sentava ummenino pequeno, e os dois tinham olhos tapados, e um velho de barbas compridas, com três chaves na mão, e tinha os olhos tapados, e outro homem com o corpo cravejado de flechas, e tinha os olhos tapados (...) só havia uma mulher que não tinha os olhos tapados porque já os levava arrancados numa bandeja.40

Na perspectiva do escritor, numa espécie de inversão, o próprio Deus é imagem do ser humano. Neste cenário caótico não será da divindade que virá a ajuda, pois Deus e os santos não podem olhar para a humanidade. Esta é mais uma crítica da “teologia ficcional” de Saramago contra um providencialismo alienante. O ser humano deve assumir-se como sujeito da história. As crenças que impedem os homens e mulheres de se tornarem conscientes de suas responsabilidades na construção do tecido social devem ser revistas. Ou seja, através desta cena a teologia se vê também interpelada. Como elaborar uma compreensão de Deus que seja capaz de não alienar o sujeito de suas tarefas históricas? Talvez um caminho seja imaginar que Deus não se faz presente no mundo como o diretor do teatro de marionetes, que há uma autolimitação de Deus no sentido de deixar espaço para as suas criaturas. Deus se ocultaria, portanto, da presença visível desse mundo para que o ser humano exerça sua liberdade. Esse “Deus” interpretado como o “Todo-poderoso”, na verdade, despoja-se de seu poder em favor da autonomia da criação.

Neste sentido, na linha da valorização da autonomia das realidades criadas, a imagem da cabala judaica do Zim-zum, e a contração divina, retomada por Moltmann pode ajudar.41 O teólogo alemão, apoiado no pensamento do místico judeu filho de imigrantes alemães Isaac Luria, ressalta que a criação é também um ato de humilhação divina, que visa o soerguimento da pessoa humana e do universo.42 Ou seja, a própria criação pressupõe um movimento duplo de Deus: um interno para dentro de si e outro para fora. O Deus que cria e possibilita um mundo no qual aparecerá um ser livre, é um Deus que se contrai para abrir espaço para o criado. Nas palavras de Moltmann: “A criação é uma obra de humildade divina e do recolhimento de Deus para dentro de si mesmo.”43 Esse autorrecolhimento de Deus convoca os seres humanos a se tronarem responsáveis. No entanto, na perspectiva cristã esse Deus criador é o Deus-Trindade. Nele existe “a relação, existe o amor! Ou melhor ainda: Deus em si mesmo é Amor! Deus é Liberdade!”44 Isto, levado às últimas consequências, realiza uma radical subversão no conceito de Deus, e faz com que o mundo passe a ser visto “como o espaço vital do amor. Ele se torna palco das liberdades e aceita o risco do mal”.45

A jovem judia Etty Hillesum46, que se apresentou voluntariamente ao campo de concentração de Westerbork, em 1942, e morreu no ano seguinte nas câmaras de gás de Auschwitz representou bem esta subversão no conceito de Deus. Diante da agonia e sofrimento profundos no “inferno” do campo de concentração ela percebe Deus como impotente. Não é Deus quem pode ajudá-la, mas é ela quem deve ajudá-lo. Esse “Deus” não “achata” ninguém com sua onipotência, pelo contrário, é o centro vital de amor e força que impulsiona a compaixão e o serviço. Neste sentido, portanto, a “ausência” da intervenção direta de Deus no mundo é, no fundo, uma conclamação para ajudarmos a Deus, para tomarmos nossa parcela de responsabilidade em relação ao mal no mundo

Em suma, o mundo de pecado e violência retratado em Ensaio sobre a cegueira, convoca-nos a conceber a questão do mistério de Deus não apenas como poder absoluto, mas igualmente como poder “impotente”. Essa parece ser uma outra maneira para acessar a relação entre Deus e o mal, entre Deus e o sofrimento do mundo. Deus não interviria direta e impositivamente sem, ao mesmo tempo, desmentir a si mesmo como amor que fundamenta a liberdade. Contudo, assume ele mesmo o sofrimento de cada criatura e conclama a cada ser humano a fazer o mesmo. Neste sentido, poderíamos interpretar a própria mulher do médico numa clave cristológica. À semelhança de Levantado do Chão é possível ver aqui outra mulher como figura Christi que num mergulho “kenótico” vive uma compaixão radical com a alteridade dos cegos. Após a súbita cegueira do marido, finge estar cega para ser levada junto com ele a quarentena num sanatório. Durante a internação contempla o horror da degradação humana, uma vez que, abandonados no manicômio sem ajuda ou intervenção exterior, os contagiados pela “cegueira branca” estão submetidos a uma condição lastimosa. Neste sentido, a escolha da mulher do médico pela internação e de permanecer com o grupo que se forma, de cuidar deles mesmo fora do internato é um deslocamento “crístico”, na medida em que, ao esvaziar-se (ekénosen) - para usar a expressão paulina no hino de Filipenses 2,5-11, une-se àquela condição. Ela assume o sofrimento dos cegos. Ou seja, a “ausência” divina é o espaço onde se concretiza, no exercício da liberdade, a solidariedade. Para Ivone Gebara, é nesse sentido que somos “Cristos”, isto é, ao descobrir-nos um “ungido” a serviço dos outros. “Em outras palavras, a questão é de em cada contexto criar ‘relações crísticas’, isto é, relações de justiça, amor, ternura, verdade, solidariedade uns com os outros, assumindo nossa condição e responsabilidade humanas.”47 Neste sentido, mesmo que não haja uma profusão de menções a Deus como há em outros romances, afirmamos o caráter teológico do Ensaio. Afinal, será mesmo necessário usar “Deus” como palavra? De acordo com Comblin,

na Bíblia Deus não tem nome, nem sequer o nome ‘Deus’. Deus é ‘El’ (yahweh), o que não tem nome porque, acima de todas as culturas, representa o universal. Que é esse ‘El’? É a voz que chama a todos à liberdade, uma voz que é interior, claro, mas que os incidentes da vida atualizam permanentemente. Esse ‘Deus’ não é um Deus no sentido de uma figura, mas é puro chamado, pura interpelação ao ser humano para construir sua humanidade redimida, ou seja, das forças de destruição.48

Portanto, neste ambiente hostil que o escritor cria, é possível ver mais um vestígio de sua “teologia ficcional” que desafia o cristianismo a repensar o conceito de providência divina e ultrapassar certos limites.

Considerações finais

O percurso que fizemos procurou apontar as provocações da teologia ficcional saramaguiana. Como procuramos deixar claro, a teologia que se inscreve na literatura de Saramago distanciou-se dos conteúdos que marcaram as seguranças das ortodoxias, e estruturaram as narrativas teológicas que se firmam na inflexibilidade do dogma. Neste sentido, a teologia ficcional de José Saramago une-se à toda teologia madura, que não exclui a dúvida, a crítica e a imaginação do cotidiano da consciência religiosa.

Mais do que estar entre os escritores mais importantes da língua portuguesa, dos que forjaram uma nova maneira de fazer literatura, Saramago, por meio de sua ficção, atravessa a nossa despedaçada realidade, captando-a com todos os contornos de seus absurdos e projetando-a para além de si mesma com contundência e sensibilidade. Mais: Saramago retratou as angústias desse mundo pouco compreensível; sem ceder um milímetro, como um grande artista da palavra, acenou pistas de como enfrentar sacro- -esteticamente o que nos impede de nos encontrarmos com aquilo que há em nós e que não tem nome, aquilo que somos49. Por isso mesmo ousamos dizer que elaborou uma teologia ficcional.

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Notas

[1]Cf. TENÓRIO, W. “Meu Deus e meu conflito”: Teologia e Literatura. IHUOnline. 17. mar. 2008. Disponível em acesso em 28. 03. 2015.

[2]A poesia e o mito remetem a origem da literatura e da religião. Ver: FRYE, N. O código dos códigos. A Bíblia e a literatura. São Paulo: Boitempo, 2004; Id. A imaginação educada. São Paulo: Vide Editorial, 2017.

[3]Assim como Northrop Frye (que utilizou a expressão de Blake como título de sua obra), outros autores pensaram a relação entre Bíblia e literatura: AUERBACH, E. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2009; ALTER, R. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

[4]KUSCHEL, K.-J. Os escritores e as escrituras. São Paulo: Loyola, 1999. p. 215

[5]Cf. SALMANN, E. La teologia è un romanzo. Um approccio dialettico a questioni cruciale. Milano: Paoline, 2000. p. 37.

[6]CAPPELLI, M. Por uma teologia ficcional: a (des)construção teológica na reescritura bíblica de José Saramago. Tese de Doutorado apresentada no departamento de teologia da Puc-Rio, 2017.

[7] AIME, O. Il curato di Don Chisciotte. Teologia e romanzo. Assisi: Cittadella, 2012. p. 19. (Tradução livre)

[8]Destacamos a importante contribuição de Bakhtin para a compreensão das origens e ramificações do gênero romensco: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec/Unesp 1990.

[9]Robbe-Grillet, representante do “novo romance”, afirmava que a característica da palavra romanesca é a “invenção do mundo e do homem, invenção constante e eterno pôr-se em questão.” ROBBE-GRILLET, A. Por um novo romance. São Paulo: Documentos, 1969. p. 107.

[10]A obra de Boccaccio influenciou diretamente a formação e o desenvolvimento da prosa romanesca, por isso, está intimamente ligada ao desenvolvimento do gênero. No entanto, outros autores destacam que o gênero literário do romance nasce com as obras de Rabelais, com Dom Quixote de la Mancha de Cervantes ou até mesmo com Robinson Crusoe de Defoe. Cf. KUNDERA, M. A arte do romance. p. 12.; Cf. AIME, O. Il curato di Don Chisciotte. p. 2-23. Cf. WATT, I. A ascensão do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

[11]SALMANN, E. La teologia è un romanzo. p. 18. (Tradução livre)

[12]KUNDERA, M. A arte do romance. p. 146.

[13]Cf. Ibid. p. 147

[14]Cf. RABELAIS, F. The Complete Works of François Rabelais. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 1991. p. XXVII-XLVII.

[15]Ver: BAKHTIN, M. A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec/Annablume, 2002.

[16]Cf. SIMÕES FEREIRA, M. Rabelais e “A Abadia de Thélème”, génese da antiutopia na Idade Moderna. In: Cultura. v. 22, 2006. p. 3. Disponível em < http:// cultura.revues.org/2288> Acesso em: 14. 02. 2017.

[17]KUNDERA, M. A arte do romance. p. 148

[18]Cf. ANTOÑANZAS, F. T. Dom Quixote y el absoluto: algunos aspectos teológicos de la obra de Cervantes. Salamanca: Publicaciones Universidad Pontificia de Salamanca/ Caja Duero, 1998. p. 29-50.

[19]As referências com a teologia não se estabelecem somente a partir do protagonista, mas com muita força se pensarmos na figura de Sancho, o fiel escudeiro de Quixote. Um autor que deu destaque à Sancho, inclusive como figura complementar e necessária à Quixote foi Miguel de Unamuno. Cf. UNAMUNO, M. Vida de Don Quijote y Sancho. Madrid: Espasa-Calpe, 1987.

[20]DUPLOYÉ, P. Réthorique et Parole de Dieu. Paris: Cerf, 1955. p. 28. (Tradução livre)

[21]WOOD, J. A herança perdida: ensaios sobre literatura e crença. Lisboa: Quetzal, 2012. p. 18.

[22]Cf. SPADARO, A. La grazia della parola. Karl Rahner e la poesia. Milano: Jaca Book, 2006. p. 88.

[23]COLERIDGE, S. T. Biographia literária ovvero schizzi biograficci della mia vita e opinioni ltterarie. Roma: Editori Reuniti, 1991. p. 236. Este caminho passa necessariamente pela revalorização da imaginação, que é a matéria prima de toda a literatura, especialmente do gênero romanesco. O teólogo italiano Oreste Aime lembra que a imaginação infelizmente, não gozou de consideração científica, de tal modo, que o ponto nevrálgico da história da estranheza entre o saber teológico e o literário, que se construiu ao longo do tempo, pode ser situado nesta falta de importância.

[24]Cf. GESCHÉ, A. O sentido. São Paulo: Paulinas, 2003. p. 150-156.

[25]MANZATTO, A. Teologia e Literatura: Reflexão teológica a partir da antropologia contida nos romances de Jorge Amado. São Paulo: Loyola, 1995. p. 75.

[26]Cf. STEINER, G. Errata. Récite d’une pensée. Paris: Gallimard, 1998. p. 102.

[27]JOSSUA, J.-P. Pour une histoire religieuse de l’expérience littéraire, III. Paris: Beauchesne, 1998. p. 11.

[28]MENDONÇA, J. T. A hora da imaginação (Prefácio). p.8.

[29]Ibid. p.8.

[30]Cf. FLAUBERT, G. Dicionário das ideias feitas. São Paulo: Nova Alexandria, 1995.

[31]SARAMAGO, J. A terceira palavra. In: Bravo. Entrevista concedida a Jefferson Del Rios, Beatriz Albuquerque e Michael Laub. São Paulo, Ano 2, n. 21, 1999. p. 60, 69.

[32]Cf. ARNAUT, A. O homem e sua ilha. São Paulo: Duetto, 2005. p. 28-29.

[33]SCHWARTZ, A. O narrador se agiganta e engole a ficção. Revista Entre Livros. São Paulo, n. 08, 2005. p. 17.

[34]SARAMAGO, J. Cadernos de Lanzarote. Diários I e II. Lisboa: Círculo de leitores, 1998. p. 130.

[35]Ibid. p. 365

[36]CAMUS, A. Carnets I. 1935-1942. Paris: Gallimard, 1962. apud MARTINS, M. F. A espiritualidade clandestina de José Saramago. p. 45.

[37]Cf. LOURENÇO, E. Sobre Saramago. In: Id. O Canto do Signo. Existência e Literatura. Lisboa: Editorial Presença, 1994. p. 180-188. Ver também a análise de Marcos Lopes sobre a recepção que Eduardo Lourenço faz de Saramago: LOPES, M. A. Rosário Profano. Rosário Profano: hermenêutica e dialética em José Saramago. Tese de doutorado, Unicamp, 2005. p. 509-515.

[38]SARAMAGO, J. O ano da morte de Ricardo Reis. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 65.

[39]Id. O fator Deus. Disponível em: Acesso em 10.07.2016.

[40]SARAMAGO, J. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 301.

[41]Cf. MOLTMANN, J. Trindade e Reino de Deus. Uma contribuição para a teologia. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 119-122.

[42]Cf. Ibid. p. 122.

[43]Ibid. p. 121.

[44]RUBIO, A. G. Novos rumos da antropologia teológica. In: AMADO J. P.; RUBIO, A. G. (orgs.). O humano Integrado. Abordagens de Antropologia Teológica. Petrópolis: Vozes, 2007. p.264.

[45]RATZINGER, J. Introdução ao cristianismo. Preleções sobre o Símbolo Apostólico. São Paulo: Herder, 1970. p. 119.

[46]Cf. HILLESUM, E. Une vie bouleversée, suivi de Lettres de Westerbork. Paris: Seuil, 1995. p. 723; 738.; Cf. BINGEMER, M. C. L. A liberdade do Espírito em duas escritoras místicas contemporâneas: Etty Hillesum e Adelia Prado. In: Id. Teologia e Literatura: afinidades e segredos compartilhados. Rio de Janeiro/ Petrópolis: Puc-Rio/Vozes, 2015. p. 249-250. Cf. Id. O mistério e o mundo: paixão por Deus em tempo de descrença. Rio de Janeiro: Rocco, 2013. p. 392-413.

[47]GEBARA, I. Cristologias plurais. In: VIGIL, J. M. Descer da cruz os pobres: cristologia da libertação. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 167.

[48]COMBLIN, J. A teologia das religiões a partir da América Latina. In: TOMITA, L.; BARROS, M.; VIGIL, J. M. (orgs.). Pluralismo e libertação: por uma teologia latino-americana pluralista a partir da fé cristã. São Paulo: Loyola, 2005. p. 69.

[49]Saramago escreveu no Ensaio sobre a cegueira: “dentro de nós há uma coisa que não tem nome, e essa coisa é o que somos.” SARAMAGO, J. Ensaio sobre a cegueira. p. 262.