Teologias e Literaturas 6 – certas canções, música popular brasileira
Theology and Literatures 6 – Certain songs, Brazilian folk music

MANZATTO, Antonio. Teologias e Literaturas 6 – certas canções, música popular brasileira. São Paulo: Fonte Editorial, 2019. 391 páginas, ISBN 978-85- 92384-97-5.

MANZATTO, Antonio. Theology and Literatures 6 – Certain songs, Brazilian folk music. São Paulo: Fonte Editorial, 2019. 391 páginas, ISBN 978-85-92384- 97-5.

Glaucio Alberto Faria de Souza*
* Doutorando em Teologia Sistemática (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2019). Mestre em Teologia Sistemática (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Professor titular e Coordenador do Curso de Teologia da Faculdade de Filosofia e Teologia Paulo VI (Diocese de Mogi das Cruzes – SP). Contato: gafsteologo@gmail.com
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Resenha

O livro Teologias e Literaturas 6 – Certas Canções, música popular brasileira, de autoria de Antonio Manzatto, faz parte de um “Projeto de Extensão”, que tem por objetivo a divulgação da reflexão teológica em diálogo com a literatura. O autor ressalta que esse diá-logo pode ser feito por vários caminhos, sendo a transmissão radiofônica uma desta vias. Sua intenção consiste em acomodar textos literários em um programa de rádio, mas, segundo o autor, “quase que naturalmente a opção se encaminhou para as canções” (MANZATTO, 2019, p.9). Acrescenta ainda que uma “canção não é somente uma poesia musicada, ela é também uma letra” (MANZATTO, 2019, p.15). A letra da canção é o material literário que o autor utiliza para reflexão.

A literatura como uma representação da vida fala do mundo e do ser humano, mesmo “naquilo que ela tem de mais inventivo e ficcional” (MANZATTO, 2019, p.13). Manzatto faz referência à capacidade de sedução que a arte possui. Ela seduz o teólogo a ler o mundo e o humano inserido no contexto por trás das letras. Esse enfoque antropológico e histórico exposto na arte em geral é ponto dialogal entre teologia e literatura.

Após a apresentação da questão dirigida à literatura, o autor passa à questão dos métodos adequados que possibilitam esse diálogo. A afirmação prévia encontrada na obra afirma que existe uma diversidade de métodos. Ele ainda menciona que a escolha da metodologia depende da letra da canção e da sua exigência, o seu objetivo é utilizar um método que facilite a comunicação com os ouvintes.

A estrutura da obra não apresenta uma divisão por capítulos. Ela segue o modelo do programa de rádio, que tem por foco apresentar “canções significativas no horizonte do cancioneiro brasileiro e refletir teologicamente dialogando com a letra da canção” (MANZATTO, 2019, p.15). Assim, o livro oferece algumas reflexões apresentadas no Programa Certas Canções na Rádio Nove de Julho, mais precisamente cinquenta e duas canções1 , que em sua maioria são conhecidas pelos ouvintes. Com relação à seleção das canções, a obra demonstra ser eclética e exibe canções consagradas da música popular brasileira, do rock nacional, da música sertaneja e do pop.

Na canção Andança, que foi interpretada por Beth Carvalho com participação dos Golden Boys, o autor realça o caminhar romântico e contínuo da vida, juntamente com a necessidade de transformações sociais. A obra relata que as transformações sociais, dentro do contexto romântico, não acontecerão por meio da violência. As transformações propostas pela canção serão erigidas de forma pacífica, se aproximando dos valores cristãos que propõem a construção de uma nova sociedade fundamentada e guiada no amor.

A canção Cidadão, de autoria de Lúcio Barbosa e interpretada por Zé Geraldo, relata a vida de um migrante nordestino (trabalhador da construção civil) que vem ao sul, em busca de novas oportunidades e vida mais digna. Sua vida na região mais rica do país não é fácil, ele vive na periferia, lugar de pobre, caracterizado por barracos de madeira e pelo estigma da desconfiança. Com o intento de ressaltar o abismo existente entre o trabalho do nordestino e a falta de acesso a aquilo que ele produziu, o autor enfatiza que “[...] é a maior injustiça: afastar o trabalhador do produto de seu trabalho que é feito para os outros”. (MANZATTO,2019, p.27). Além dos prédios, o trabalhador também ajudou na construção de uma igreja, nela ele pode entrar e participar, nela ele não experimenta a discriminação, pois a vida na igreja é comunitária, ou seja, um espaço de acolhimento e novas relações. A reflexão teológica manifestada por Manzatto ressalta que a comunidade cristã, além de ser espaço de oração, deve também acolher aos trabalhadores e colaborar para sua conscientização, para que eles possam lutar por seus direitos e por uma vida mais digna.

A canção Luar do Sertão, de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, tem como tema a saudade da terra, ela fala do valor das coisas simples da vida: da onça, do riacho e das estrelas. A reflexão teológica, apresentada pelo autor, relaciona a beleza da natureza presente na canção, com a afirmação cristã de que Deus é criador de tudo que existe e que a beleza da natureza revela o amor do seu Criador. Embora tudo seja obra criadora de Deus, nem tudo na criação funciona como um relógio (MANZATTO, 2019, p.360), mas ao afirmar a criação amorosa de Deus, o autor proclama que a vida encontra a sua beleza e o seu sentido no amor, e não no acaso

Já a canção Disparada, de Geraldo Vandré e Theo de Barros, aborda a temática da boiada em disparada. Ela articula um movimento de saída, do libertar-se da alienação imposta pelos governantes poderosos que tratam das pessoas como animais (bois), pois gado se marca, mas gente não! A reflexão teológica presente na obra conecta a alienação denotada na canção, com a questão teológica da liberdade e da dignidade humana. O autor cita a carta de Paulo aos Gálatas (5,1), na qual sublinha a liberdade como caminho necessário para a construção da vida, pois a sua violação é um atentado direto a dignidade do ser humano. Não se pode abrir mão da dignidade humana, nenhum ser humano pode ser reduzido ao status de coisa.

A canção Como uma onda de Lulu Santos e Nelson Motta aborda as mudanças que afetam a vida dos seres humanos, ela tem o seu próprio ritmo, assim como as ondas do mar. O autor propõe, que diante do ritmo da vida, não se deve ficar parado, pois se vive pulando dentro da onda, não se deve permanecer preso a um único modo de ser (MANZATTO, 2019, p.43-44). A análise teológica exposta na obra frisa essa dinâmica da mudança, que ao mesmo tempo é considerada sinal de amadurecimento. Esse amadurecer é uma necessidade para todo ser humano e também para a Igreja nos dias atuais, conforme a proposta do Concílio Vaticano II de atualização da mensagem cristã ao mundo moderno. Essa propositura conciliar se reflete nas palavras e nos gestos do Papa Francisco, indicando a necessidade da adaptação da Igreja as diversas ondas que agitam o mar da atualidade.

Já a canção Amizade sincera, de Renato Teixeira e Dominguinhos, tem como tema a amizade sincera que é considerada como santo remédio e abrigo seguro. A obra descreve a amizade como remédio contra o isolamento e o fechamento, caracterizada como um compartilhar a vida comprometendo-se com a felicidade do outro (MANZATTO, 2019, p.48). Com relação a exposição teológica, o autor, aproxima o tema da amizade presente na canção, com a perspectiva da amizade contida na bíblia, evidenciada pelo amor aos amigos. O autor ressalta que do amor entre amigos surge um compromisso de vida, graças a um movimento de saída de si mesmo em direção ao outro: “Amar como Deus nos ama, capaz de sair de si para vir ao nosso encontro e ser como a gente, esta é a medida do amor, não outra” (MANZATTO, 2019, p.52).

Além das canções comentadas acima, o livro apresenta: Guerra dos meninos de Roberto Carlos e Erasmo Carlos; Anunciação de Alceu Valença; Aos nossos filhos de Ivan Lins e Victor Martins; Apesar de você de Chico Buarque; Ave-Maria no morro de Herivelto Martins; Bandeira do Divino de Ivan Lins e Victor Martins; Cálix bento de Tavinho Moura; Inhambu-xintã e o xororó da dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó; Coração de Estudante composta por Milton Nascimento e Wagner Tiso; Despejo na favela de Adoniran Barbosa; É preciso saber viver composta por Roberto Carlos e Erasmo Carlos; Encontros e despedidas composta por Milton Nascimento e Fernando Brant; Gita de Raul Seixas e Paulo Coelho; Gostava tanto de você composta Edson Trindade e interpretada por Tim Maia, entre outras.

Conclusão

A obra: Teologias e Literaturas 6 – Certas Canções, música popular brasileira é uma obra que pode ser lida em uma roda de amigos, num ambiente descontraído, com um violão à mão, num movimento de compartilhar ideias.

Trata-se de um livro que convida o leitor a pensar os problemas da vida com uma dose de leveza e esperança. Neste sentido, essa obra/ proposta pode colaborar com a formação teológica dos agentes de pas-torais ao mesmo tempo em que os impele a pensar os problemas da nossa sociedade. Embora seja uma obra com elementos teológicos, ela é capaz de alcançar espaços que um livro voltado somente ao público da teologia, provavelmente, não alcançaria. Com relação à linguagem, o autor utiliza a simplicidade para refletir teologicamente a força dos textos das canções.

Essa obra representa o esforço de um teólogo que possui consciência de que tudo muda o tempo todo no mundo (Lulu Santos – Como uma onda) e, por isso, se esforça para fazer uma teologia em diálogo com o contexto atual.