OFÍCIO DE MORRER O corpo e a morte na poesia de Daniel Faria – um tríptico para o desdobramento da imolação

O meu projeto de morrer é o meu ofício Esperar é um modo de chegares Um modo de te amar dentro do tempo1
Daniel Faria

José Rui Teixeira*
* Universidade Católica do Porto, Portugal. Doutoramento em Literatura (UCP), (UCP); Mestrado em Filosofia (UCP)
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Resumo
Daniel Faria é um dos mais impressivos poetas portugueses do final do século XX. Nasceu em 1971 e morreu com 28 anos, em 1999 – era, então, noviço no mosteiro beneditino de Singeverga. Sendo um poeta místico, a sua obra – particularmente os seus três últimos livros: Explicação das árvores e de outros animais [1998], Homens que são como lugares mal situados [1998] e Dos líquidos [2000] – desdobra um fascinante diálogo entre o corpo e a morte, revelando uma rara tensão entre a imanência e a transcendência. E se a morte é um sistema na poesia de Daniel Faria, o corpo é uma gramática generativa, uma semântica conectiva, o sistema circulatório da sua sintaxe. Assim, o corpo – a corporeidade –, numa poesia mística como a deste poeta, revela um corpo difuso, um corpo que pesa e que interage com a realidade no limite de difíceis cedências, um corpo que existe e que – por isso – condena e é, ainda assim, no diálogo íntimo com a morte, precisamente por existir, uma possibilidade de salvação.

Palavras chave:Daniel Faria, Poesia Portuguesa Contemporânea, Teologia e Literatura.

 

Abstract
Daniel Faria is one of the most impressive Portuguese poets of the late twentieth century. He was born in 1971 and deceased at the age of 28, in 1999 – he was then a novice at the Benedictine Monastery of Singeverga. As a mystic poet, his Work – particularly his last three books: Explicação das árvores e de outros animais [1998], Homens que são como lugares mal situados [1998] e Dos líquidos [2000] – discloses a fascinating dialogue between body and death, and thus revealing a rare tension between immanence and transcendence. But if death is a system in the poetry of Daniel Faria, the body is a generative grammar, a connective semantics, the circulatory system of its syntax. Therefore, the body (corporeality), embodied in such a mystical poetry, reveals a diffuse body, an unwieldy body, which interacts with reality at the limits of difficult indulgences. An existing body that, for that reason, condemns, but in an intimate dialogue with death is still, by the means of existence itself, a possibility of salvation.

Keywords:Daniel Faria, Contemporary Portuguese Poetry, Theology and Literature.

Introdução

Somarei a tua ausência à minha escuta2

Daniel Faria nasceu no dia 10 de abril de 1971, em Baltar. Conheci-o – já o escrevi antes3 – no outono de 1993, no Seminário Maior do Porto. Nós, os mais novos, sabíamos que o Daniel era poeta: tinham já sido publicados Uma cidade com muralha44 [1991], Oxálida5 [1992] e, nesse mesmo ano, A casa dos ceifeiros6.

Foi entre 1994 e 1997 que mais contactámos. E foi em 1998 que pude ler, comovido, Explicação das árvores e de outros animais77 e Homens que são como lugares mal situados8. Hoje parece-me evidente que foi o Daniel quem mais influiu em mim o desejo de ser poeta e foi a sua amizade que trouxe ao meu silêncio mais íntimo a poesia de Herberto Helder, Ruy Belo e Luiza Neto Jorge; com eles veio Rilke e o desejo de reler Pessoa e Sophia.

Visitei-o no Mosteiro de Singeverga no princípio de 1999. Falei-lhe da minha tese de licenciatura, sobre o saudosismo e a escatologia na poesia de Teixeira de Pascoaes, e ele falou-me sobre o seu novo livro. Despedimo-nos, junto à portaria do mosteiro, e acenei-lhe sem a consciência de que pela última vez o via.

Quando, no princípio de junho, a minha irmã – médica no Hospital de S. João, no Porto – me informou que o Daniel estava ali internado e que a sua situação era muito preocupante99, recordo que reuni os seus livros e reli-os num frémito, como se na sua poesia buscasse consolo para a iminência da morte.

E, sem que conhecesse ainda os poemas de Dos líquidos10 [livro publicado postumamente, em 2000], pareceu-me evidente a intimidade com que a morte habitava a poesia do Daniel Faria. A posterior leitura de Dos Líquidos acentuou essa evidência. São de Nuno Higino estas palavras: «Apesar da confiança que lhe davas – parece-me que lhe permitias andar pelos teus versos com demasiado à vontade – não devias ter deixado que viesse assim, às portas do verão, a morte»1111. Mas Daniel Faria já tinha deixado que a morte viesse. E a morte veio, adquiriu uma concisão impressiva e permitiu uma inteligibilidade sistémica à sua vida e obra.

Proponho-me agora, passados vinte anos da sua morte, a refletir sobre o corpo e a morte nos seus três últimos livros, que correspondem aos seus três últimos anos e a um profundo amadurecimento – humano, cultural, espiritual e poético – que é, simultaneamente, causa e consequência de uma intensíssima experiência de temporalidade.

É muito interessante como o tempo, em sentido cronológico, seja na sua poesia quase impercetível, ou seja: parece não ter tempo, apenas temporalidade, como se habitasse um presente orgânico que convoca o passado [a infância, paisagens pretéritas, um certo assombro de ter existido], sem nunca sair do círculo dinâmico [do vórtice] de um presente no qual conjuga, numa dolente primeira pessoa do singular, o verbo «esperar». E é a categoria da espera que rumoreja um futuro que se afigura impossível sem a morte.

E eu [que perdi a conta às leituras dos seus livros durante os últimos vinte-e-cinco anos], se me perguntassem há uns meses sobre o corpo na poesia de Daniel Faria, afirmaria que o corpo é aí insubstancial, quase etéreo: um corpo difuso, um corpo displicente na tessitura do poema. E agora, que o busquei verso a verso, sinto-me perturbado, porque só por estes dias me apercebi – pelo rigor de uma leitura escrupulosamente analítica – que a sua poesia se organiza em torno do corpo que, aí, se assume gramática generativa, semântica conectiva, cartilagem que reveste as articulações da sua sintaxe.

E por que razão não o tinha ainda percebido com esta evidência? Presumo que pelo mesmo motivo por que nem sempre nos apercebemos da importância do baixo contínuo numa composição de Bach, ou não nos ocorre num primeiro momento a funcionalidade da luz numa pintura de Caravaggio, ou não nos recordamos da banda sonora de um filme de Béla Tarr. Assim é o corpo – a corporeidade – numa poesia tendencialmente mística como a de Daniel Faria: a epifania de um corpo difuso, de um corpo que pesa e que interage com a realidade no limite de difíceis cedências, um corpo que existe e que – por isso – condena e é, ainda assim, no diálogo íntimo com a morte, precisamente por existir, uma possibilidade de salvação.

A força, a intensidade e a omnipresença do corpo na poesia de Daniel Faria explica-se, no meu entendimento, na convergência de três elementos: 1) o movimento multidirecional do corpo, 2) a sua natureza transimanente [no desdobramento de um corpo imaterial] e 3) o modo como se explicita implicitando-se e se implicita explicitando-se.

PRIMEIRA PARTE DO TRÍPTICO
Explicação das árvores e de outros animais

Vou construir o labirinto para a morte1212

Depois das queimadas, as chuvas, a vida que ressurge após o fogo, a consciência de que «a morte/ Das plantas é a sua infância/ Nova»1313. Encontramos na poesia de Daniel Faria um certo sentido cíclico e sazonal de coexistir numa paisagem rural, com a sua botânica íntima [constituída por árvores abstratas e silentes] e o seu bestiário próprio: animais de grande porte, pássaros, peixes, insetos. É uma paisagem que lhe é intrínseca desde a infância, mesmo que o poeta constitua – no âmago da antropologia da paisagem que irrompe na sua poesia – um corpo estranho, um observador que ora se aproxima, ora se distancia.

Bem cedo, o poeta – sem dizer quem «é» – arrisca dizer quem «deve ser». Agrada-me a angústia que resulta de sentir-me dividido entre um «devo ser» relativo a uma suposição [«é possível que eu seja»] e um «devo ser» relativo a uma vocação e conversão [«sou chamado a ser» e «tornar-me-ei»].

Devo ser o último tempo
A chuva definitiva sobre o último animal nos pastos
O cadáver onde a aranha decide o círculo.
Devo ser o último degrau na escada de Jacob
E o último sonho nele
Devo ser a última dor no quadril.
Devo ser o mendigo à minha porta
E a casa posta à venda.
Devo ser o chão que me recebe
E a árvore que me planta.
Em silêncio e devagar no escuro
Devo ser a véspera.
Devo ser o sal
Voltado para trás.
Ou a pergunta na hora de partir.1414

Trata-se de um poema programático do percurso que Daniel Faria nos possibilita. Entre o que é e o que deve ser, temos o «último tempo», a «chuva definitiva sobre último animal nos pastos», temos o «cadáver» [lugar-último «onde a aranha decide o círculo»]; temos o «último degrau» e, no final, «a pergunta na hora de partir».

Surgem neste poema, agregados por um sentido de «ultimidade», alguns semantemas que me parecem essenciais numa leitura hermenêutica da sua poesia: a «porta» e a «casa», o «chão» e a «árvore», o «silêncio», o «escuro» e mesmo a «aranha»15.

Mas o semantema que considero mais fascinante neste poema é o «degrau», aqui o último degrau na escada de Jacob. Outras sete vezes se escuta o rumor deste semantema em Explicação das árvores e de outros animais: o «degrau na vida»16 [em relação com o fogo e com a bússola que arde], o poeta passageiro num «degrau invisível sobre a terra»17, o degrau que é paciência18, o «degrau de entrada»19, os «inúmeros degraus da casa»20, a seta no degrau21 [e o «pé descendo»] e essa canção que é a mão que se afadiga a «sarar do degrau e do perigo»22. Pelos degraus se sobe e se desce, e subir e descer corresponde a um exercício de tensão dicotómica muito característico na poesia de Daniel Faria: a treva e a luz, a noite e a manhã, o homem e o anjo, o chão e o céu, o peso e a leveza, o dividido e o inteiro, o exterior e o interior, o primeiro e o último, a pedra e a nuvem, o que cai e o que ascende. Neste exercício de tensão dicotómica, o degrau [a escada] medeia as polaridades, é um meio de passagem, um elemento pascal.

A «morte», mais do que um semantema denso e impressivo nas páginas deste livro2323, aparece como um sistema: a morte é um sistema na poesia de Daniel Faria. O poeta – que tem «medo do peso morto»24 e que tem «aflição por tudo o que morre»2525 [como tem «pavor por cada noite que cai»] – situa-se «ligeiramente acima do que morre»26, encosta-se «à morte sem amparo ou sombra»2727 e rebenta «no interior da morte como o trigo»28. Adiante, propõe-se «construir o labirinto para a morte» e aceita deitar «o corpo sobre o pó para morrer»29.

Há muita morte – explícita e implícita – em Explicação das árvores e de outros animais. Entre a consciência de que se acender a luz não morrerá sozinho30 e de que é estranho esse sono que não nos devolve31, Daniel Faria não hesita:

O meu projeto de morrer é o meu ofício
Esperar é um modo de chegares
Um modo de te amar dentro do tempo3232

A morte é um meio para chegar ao topo da escada, ao último degrau, até junto de Deus. A morte é um sistema de degraus. Não uma escada helicoidal, mas uma escada como as de Escher, essas construções labirínticas, assimétricas. A morte é um hiato, uma extinção, um meio para chegar à luz, para dizê-la: «ao extinguires-te dizes/ Tudo/ O que pode ser dito/ Sobre a luz»3333. Sobre a luz e sobre a manhã, esse «ponto mais alto da luz»3434. Sobre a manhã: «E no tempo repetido acharei uma saída/ Uma manhã depois de uma manhã»35. E sobre a luz: «Uma luz parada no meio da voragem»36, essa «Pequena luz dentro do prodígio»37. E é à sombra da vide e do esteio, no outono, que Daniel Faria enxerta a luz em tudo o que nomeia38.

Com efeito, se a morte é um sistema na poesia de Daniel Faria, o corpo é a sua gramática. É impressionante que em setenta-e-um poemas ocorram mais de cem referências ao corpo: carne, sangue e veias, cabeça, rosto, crânio e cabelos, olhos, pálpebras, ouvidos, boca e lábios, ombros, braços e mãos, coração e pés. As referências explícitas ao corpo não esgotam os seus sinais, o movimento, o peso, a queda – o corpo que cai39, o peso de ser tarde40. O corpo é uma apneia, a «solidão infinita» de ocupar um lugar41.

Na poesia de Daniel Faria, o corpo desdobra-se entre o peso e a leveza. «O peso exato/ Do corpo que se eleva»42 e a súplica: «Socorre-me, devolve-me a leveza/ Da tão primeira nuvem que avistares»43. O corpo interage com a realidade ao modo de existir e ao modo de morrer. É uma ferramenta de intuição, uma epifania da metáfora. Na poesia de Daniel Faria, o corpo desdobra-se: é boca e voz, é grito. Gramática multidimensional – a noite, a pedra, as mãos e a boca:

E é noite. No meio do escuro peço
Uma pedra incendiada. Pego-a com ambas as mãos
Levo-a à boca44

Há um corpo-pedra que «tem a boca junto do ouvido/ E para dentro de si mesma sem cessar se diz»45. A boca é ferida e cratera. É voz e grito. Daniel Faria acende a luz por toda a casa e eletrifica a voz, amplia o clarão dos gritos e só depois se senta à mesa, deixa a comida arrefecer, faz de conta que está a esperar4646. O poeta é um corpo que espera, um corpo que pesa, um corpo que mede o tempo pelo peso da pedra47: «Pedra redonda/ Removida e/ Redonda./ Semente após a morte. Depois da mão do homem»48.

Se cair nos olhos
Quebrar-se-á em pranto.
Se rodar no dorso
Vergar-me-á.
Pesa-me no bolso
E na cabeça.
Não é um pensamento.
É uma ideia ensimesmada. Uma pedra fechada
Pelo lado de dentro.50

A pedra que poisa sobre si mesma, a casa, a semente, o peso da terra e o peso do calor – o peso. Uma poesia que pesa e que sopesa. Uma pedra que pesa sobre a pedra e esse «tu» que baloiça pelos olhos dentro, inundando de paisagens a cegueira50.

O corpo a desdobrar-se, o corpo pesado a sopesar-se, a pedra, uma «pedra onde reclinar a cabeça»5151, a pedra na mão, entre as mãos, a pedra na boca, o peso da pedra, o peso do crânio que não é ainda o que verga o poeta:

Não me verga a velhice nem o peso do crânio Mas os olhos cansados na dor de te não ver. O chão tornou-se a última paisagem. No mais longínquo da terra te levantas E vejo erguer-se a poeira dos teus pés.52

Os olhos e os pés: dez vezes se lê «olhos» e cinco vezes se lê «pés» em Explicação das árvores e de outros animais. E vinte vezes se lê «mão» [«mãos»]. É o semantema predominante: a mão que leva o gado53, a mão que divide54, a mão exata55, a mão que semeia56, a mão do homem57, a mão aberta58, as mãos unidas5959, a mão fechada60, a mão estendida do pobre61, as mãos juntas e a mão que se afadiga62, a mão leve63. E se o corpo se desdobra nas mãos, as mãos desdobram-se nos gestos e tudo resulta num sistema simbólico surpreendente e impressivo: o silêncio é o lugar onde baterão as mãos64, a casa vem das mãos65 e o poeta estende a mão para estar vivo66.

É a mão que toca e tateia, particularmente na noturna experiência de uma cegueira consentida: «De noite viajo pelo tato»67. Mesmo com os olhos fechados, Daniel Faria é um poeta vidente: vê não como quem vê, mas como quem tem visões. Por todo o lado os olhos: «Há nos meus olhos dois poços»68, «Na sombra gero os olhos cheios de água/ Apago a casa cheia de janelas»69, os olhos do mocho e os olhos da criança70, a consciência de que «Diante dos olhos só se repete o passar»71.

Dentro e fora do corpo, mais ou menos cardíaco é o coração, semantema incontornável na poesia de Daniel Faria, logo a partir da leitura deste poema:

Um coração de sangue
Um coração de xisto e aço
Um coração angular e redondo
Como a pedra que te abre
Do interior do chão
Um coração solar
De granito
De carne
Curado na noite da nascença
Um coração de homem
Um coração de homem vivo
Um coração de criança ao colo
Interior
Mais interior do que o sangue no coração que me darão –
Peço um coração
Nuclear7272

Um coração que tão cedo deixou de bater. Um coração que, por um milagre, batesse ainda. Esse coração que o poeta esmaga para o que desce sobre si73, «coração lavrado de quem faz a ceifa»74, ou a consciência de que é amargo não poder guardar alguém [quem?] «Em chão mais próximo do coração»75.

Nos desdobramentos do corpo e da morte, importa ter aqui em consideração dois outros semantemas: «Deus» e «mulher».

O modo como Deus acontece na poesia de Daniel Faria é significativamente diferente do modo como acontece o corpo. Vejamos: há mais de cem referências explícitas ao corpo em Explicação das árvores e de outros animais e apenas uma referência explícita a Deus; no entanto, depois da leitura deste livro, o que nos sobra não é o corpo, o que nos sobra é Deus: Deus numa [omni]presença implícita, silente, cuja ressonância é, essencialmente, a da sua ausência, expressa numa poesia que rumoreja a litania e a melopeia da saudade de Deus.

O corpo – a corporeidade – é a gramática desta poesia, mas não é o corpo o que lhe sobra; o que realmente lhe sobra é a ausência de Deus, mesmo que – no final – o que em nós perdure seja o halo, a efígie vaga da sua presença, na medida em que nos esquecemos que o que a experiência mística desdobra é a ausência de Deus, não a sua presença. A experiência mística é um deserto como o de Atacama e a presença de Deus é como a floração que uma vez por ano o amanhece de cor e que, num ápice, desaparece sob a impiedade do sol. O que nos sobra é a ausência de Deus e, ainda assim, é o halo, a efígie vaga da sua presença o que perdura quando chegamos às últimas explicações deste livro.

Portanto: o corpo – com tudo o que o corpo implica – é o que mais se repete nesta poesia, ainda que seja o que mais depressa esquecemos, o que mais cedo se invisibiliza. De Deus, aqui só sabemos – explicitamente – que «O homem pensa que nada é mais profundo/ Que depois de Deus os filhos e os sismos»7676. Entre estepes a arder e outras paisagens desoladas, entre as árvores e os pássaros, o que se visibiliza é a espera, a morte, a ausência, o silêncio, a solidão, a casa [as portas, os umbrias, os esteios] e o poço na periferia da casa [ou por dentro desse escavado corpo interior], o grito inaudível – eletrificado – e a noite. A poesia de Daniel Faria anseia – no tempo dividido – pelo tempo inteiro, por uma nudez inteira, por uma cegueira de ter visões. A poesia de Daniel Faria é um corpo desprotegido a perder peso, a contrariar a gravidade, um corpo a perder corpo, um corpo a morrer.

Quando crescerei como nuvem
Mão leve sobre a fronte
Da doença?
Quando repousarei
Ausente sem sofrer
Qualquer ausência?77

Daniel Faria sabe que «Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa/ Nem se cumpriu/ E a espera é não acontecer […]/ E a saudade é tudo ser igual»7878. É impressionante como nos abeiramos desta poesia como de uma bucólica paisagem, sem nos apercebermos da macerada experiência de intempérie noturna que por dentro convulsa.

Termino esta primeira secção do tríptico com o semantema «mulher». Parece-me que se trata de uma poesia tendencialmente assexuada, apesar de – pela primeira vez – me afetar o rumor de uma voz masculina. E não só não encontro tensão sensual, como – no limite – pressinto uma certa tendência misógina nesta poesia.

A mulher, em Explicação das árvores e de outros animais, dialoga preferencialmente com a casa. O contexto do semantema é doméstico e a sua funcionalidade é secundária. A mulher é um corpo estranho na poesia de Daniel Faria, um corpo próximo em espaços coabitados, mas – ainda assim – um corpo estranho, assombrado. As mulheres esfregam o soalho e interrogam em silêncio a meditação dos homens79, roçam os socos80 e naufragam do enjoo das casas81. A mulher é a mãe que «sorria cega de dor/ E parecia de deslumbramento»8282. É a viúva. Do corpo da mulher sabemos apenas o cabelo ondulado83 e que nele o homem «Puxou todo o dia o arado»84; do seu choro «Beberam os bois/ E à noite/ Morreram ao seu lado»8585. Sabemos – e assim termina este livro – que o feixe de lenha à cabeça da mulher incendeia o cair da tarde86.

SEGUNDA PARTE DO TRÍPTICO
Homens que são como lugares mal situados

És agora uma máquina montada para a morte87

Inicialmente situamo-nos [mal situamo-nos] no corpo material: o corpo do «homem no chão»88, «a sua maneira mineral/ De adormecer»89, o sentido do seu lugar [mal situado]. Reaparece a mão e a pedra, a boca e a extensão do grito: a mão que serve de funda à pedra e a boca com que lança o grito. O homem é um corpo que cai90, «Uma fisionomia sem vocação para subir ao céu»91. Perdura o peso: «O peso do seu corpo quando o nosso olhar o levanta»92. Perduram a pedra e a casa, a bússola cavada no peito, o modo como o homem «tropeça no mistério»93.

Encontramos aqui, neste penúltimo livro de Daniel Faria, uma espécie de antropologia do simbólico, entre «a fé inabalável no mistério que inclina/ Os homens para dentro»94 e o peso – o poeta torna-se peso, carrega o peso da cegueira com os olhos impuros, «incapazes das visões»95.

O semantema «mulher» adquire, em Homens que são como lugares mal situados, uma maior intensidade: há aqui um homem que «lavava os cabelos como se fossem longos/ Porque tinha uma mulher no pensamento»96, um homem que enxugava os cabelos com «a luz da mulher»97. Talvez não possamos falar de tensão sensual, mas uma certa sensualidade perpassa o poema em que o homem procura a mulher, em que a mulher se desnuda, em que «o homem imaginado no coração da mulher» lava o cabelo no seu sangue e em que a mulher canta para o homem respirar98. Líquidos como o sangue e a água corrente, mas não o sémen.

A mulher, na poesia de Daniel Faria, continua a estabelecer uma relação orgânica com a casa. Trata-se de uma mulher [quase] assexuada, a aspirar «a casa para dentro dos pulmões»99, a respirar «à janela dos filhos»100, a transformar-se em paisagem. É a mulher que arruma a casa e põe a mesa ao redor do coração.

Encontramos a mulher-mãe e a mulher-viúva – «festa sempre em luto»101101. Encontramos a mulher e os filhos, a mulher e a morte e a mulher sentada entre os pássaros102.

É esta mulher que permite a Daniel Faria uma intensa deriva onírica: era ela que bordava os pássaros nos seus vestidos e espetava a agulha nos seus corações para que aprendessem a direção do voo103. O poeta acordou dentro do poço e a mulher estava cercada de peixes. A mulher era uma ilha. Sorveu-lhe o sangue. Curou-lhe a boca. Espetou um anzol na sua língua e puxou as palavras. E o poeta aprendeu que era possível respirar dentro das palavras. A mulher estava dentro do seu pensamento e tinha um tear. A mulher pôs-se à escuta: «perdi o fio – disse –/ Dos teus novelos»104. Depois, pegou na sua tristeza e pôs-se a dobar. O poeta disse à mulher: «fecha a mão/ Para me guardares»105 e a mulher guardou-o no útero. E o poeta viu quanta morte existe em redor de quem nasce106. A mulher estava de luto e havia muita morte – «cadáveres e cadáveres de peixes e pássaros»107 – no seu regaço. O poeta acordou «com os olhos comidos como um corpo depois de sepultado»108. Gritou para fora do poço. Estava morto e viu que os peixes e os pássaros ressuscitavam. Percebemos aqui um sistema de referenciais na poesia de Daniel Faria: «mulher», «morte» e «luto», «poço» e «grito».

A mulher aparece associada à casa e à morte. É uma paisagem desolada na poesia de Daniel Faria, consciente de que «O absurdo pode sempre […]// visitar-te no rosto da mulher»109. Bíblica e campestre, a mulher-mãe – cidade, nação – enlutada, que «Passa a noite a dobar a sua noite/ À luz do pequeno brilho da lembrança»110.

Da mulher adúltera111, recuando até Raquel112 e ao elogio da mulher113, até, depois da escrava de Sara114, chegarmos a esta figura – mulher arquetípica na poesia de Daniel Faria:

Sara senta-se nos degraus das casas destruídas
Sara é o nome do deserto
É o nome da videira estéril
É o nome à espera de ter filhos
Sara esta velha de estar
Sozinha. Está sentada e desfaz
A bainha dos seus vestidos115

E regressamos ao corpo – na evocação de Charles de Foucauld –, muitas vezes um corpo que morre, desadornado. O corpo nu, o corpo desprotegido que nunca mais acabará de regressar:

Pensa que morrerás mártir. Entre talhas
Ao cair ressoará o teu corpo sobre o bojo.
Pensa que morrerás
Esta tarde. Com o sangue no peito a marcar o umbral
Da tua morada. Nu morrerás
E desconhecido. Na terra só o adorno
Possui reconhecimento
Pensa que morrerás
No chão
À tua porta
E nunca mais acabarás
De regressar116

E, outra vez, o sistema de referenciais: a «queda», o «corpo», o «sangue», o «umbral», o «chão» e a «porta». É como se a poesia de Daniel Faria se organizasse em níveis sobreponíveis de referenciais que constituem uma simbólica, através da composição, sobreposição e combinação de conjuntos semânticos.

O corpo nunca se desliga do sistema da morte e a morte nunca prescinde da gramática do corpo, nesse movimento que profundamente ir mana «um cadáver nos olhos do acaso»117 e os «Homens que trabalham sob a lâmpada/ Da morte»118. Há aqui um homem-corpo, lugar mal situado, sítio desviado do lugar119 – homens «projetos de casas»120, «à espera/ De um companheiro possível para o diálogo interior»121 – e talvez seja este um bom autorretrato de Daniel Faria: entre a recusa de ser um projeto de casa122 e a espera de um companheiro possível para o diálogo interior. E não sobra muito no fim desta tensão que resulta da recusa de um e da impossibilidade do outro:

És agora uma máquina montada para a morte
Uma avaria dentro dela que lentamente desgasta.
E fabricas um homem que se afasta
Do mundo123

De cinco referências explícitas à «morte» em Explicação das árvores e de outros animais124, passamos para sete em Homens que são como lugares mal situados125. E por oito vezes em cada um dos livros se conjuga o verbo «morrer».

Apesar da necessidade de abrir um «lugar onde amanheça»126, de escavar um lugar para a saída, este livro reconhece – impotente – a noite: «havia uma noite dentro de casa»127. Dentro de casa e dentro do poema: «Alguma coisa trazia a noite para dentro, para dentro do poema/ Enquanto eu escrevia como se fosse uma palavra de manhã/ Uma mãe a chamar o filho»128.

Da noite escura à noite inteira, encontramos um homem que se iguala «no silêncio a uma pedra fechada»129, um homem com as mãos nos olhos, «Imaginando relâmpagos»130.

Sem que nos apercebamos, a noite cresce e a manhã mingua, o corpo explicita-se e Deus implicita-se desmedidamente. O corpo cresce: as mãos, os olhos, o coração, o sangue, a boca. O corpo material, o corpo-cárcere: «homens que põem as mãos nas grades/ Que encostam a cabeça aos ferros/ Sem outras mãos onde agarrar as mãos/ Sem outra cabeça onde encostar o coração»131. As mãos juntas132, o corpo todo, inteiro, a sair de um tempo muito branco, um tempo mais «doloroso do que os olhos sempre abertos no escuro»133.

O movimento de entrar-e-sair é aqui – ao contrário de em Explicação das árvores e de outros animais – mais intenso do que o movimento de subir-e-descer. Mesmo a intensidade do peso, em Homens que são como lugares mal situados, não é a mesma da que encontramos no livro anterior. É como se a ação de subir acentuasse o peso que a ação de adentrar[-se] atenua: «um peso/ Humano que não se afundava»134, a nuvem, um homem que levita135 e o anjo, que cinco vezes visita as páginas deste livro136: «Uma espécie de anjo ferido na raiz/ Não na raiz das asas, mas na raiz da comunhão»137.

Juro que vi o anjo E recuei. E vi que estava mutilado Como um homem situado sem lugar138

Mais ou menos pesado, encontramos o corpo em movimento, «em viagem na palavra que se move»139; o corpo ferido e a possibilidade de tocar as chagas no corpo140; o «corpo todo», na forma de quem grita141, na intenção de quem entra.

Semantemas como «coração» e «pedra» – o coração de carne e a pedra nupcial142 –, reforçam o processo de adentramento, num livro menos ascensional do que Explicação das árvores e de outros animais. Até os degraus perdem aqui a funcionalidade de subir-e-descer: neles se sentam as mulheres143, compondo paisagens desoladas; os degraus das casas destruídas144 e o silêncio e a solidão que crescem nos degraus de entrada145.

Encontramos mais de cento-e-sessenta referências explícitas ao corpo em Homens que são como lugares mal situados. Depois de «mão» [«mãos»], os «olhos», o «coração» e o «sangue». Seguem-se a «boca», a «cabeça» e os «pés». É muito interessante a funcionalidade simbólica do pulso [na sua relação com o «sangue» e as «veias»]: o pulso aberto, separado, suturado, costurado; o pulso que escreve a «passagem para dentro/ Os umbrais na própria carne»146.

O corpo, na poesia de Daniel Faria, assume muitas vezes um múnus instrumental, que o poeta combina com a funcionalidade de outros instrumentos: «Trago os instrumentos do fogo/ Ponho-os na boca/ Ponhoos no coração»147. O poeta traz [convoca] os instrumentos da respiração e os instrumentos dos mineiros [«Uma luz na cabeça voltada para o pensamento/ Um olhar profundo»148]; traz «todos os instrumentos na circulação do sangue e na ocupação permanente/ Das mãos/ Para o instrumento difícil/ Do silêncio»149. E, mais uma vez, temos aqui a combinação de semantemas dentro de um circuito de sintomas em que o corpo é o instrumento que escava uma interioridade e que se adentra numa vida espiritual.

E talvez por isso se perceba que o corpo aqui se prefigure em estilhaços de corpo: um corpo incompleto erodido por um tempo incompleto: «cada dia somado a cada hora/ Não completa o tempo»150. Um corpo e um tempo que, na morte – despossuído, portanto –, pode, enfim, encontrar Deus. É a presença de Deus que o poeta pode completar o corpo e pode completar o tempo, pela anulação dos efeitos da corporeidade e da temporalidade.

Mas tu existes.
Os dias somam ruína à ruína
E o a vir multiplicará
A miséria.
Apodreço não adubando a terra
E cada dia somado a cada hora
Não completa o tempo.
Sei que existes e multiplicarás
A tua falta.
Somarei a tua ausência à minha escuta
E tu redobrarás a minha vida.151

A vida erodida. O corpo e o tempo incompletos, a ruína somada à ruína, a ausência de Deus somada à escuta do poeta e a vida redobrada. E a morte convocada. A morte que tem o seu tempo, a noite que tem o seu tempo152. E deve ser Deus o clarão, a lâmpada, a estrela: «Somas luz à luz/ Não és luz, és mais que a luz»153. Deve ser Deus o peso que permanece no ombro do poeta154 e deve ser o poeta a «pedra na água/ A raiz do que foi cortado, o grito»155 da boca de Deus.

O que fica é o cansaço, a erosão do cansaço, a existência:

De veres o meu lugar. De me veres só
Apagando a luz do quarto cada noite
No escuro a respirar como um clarão.
De me veres do lado exterior
Muro, fenda no muro e sem força
Para esperar.
[…]
De anunciares em silêncio
O nada que salva a minha mão perdida
Remo à superfície teimando contra
O peso da âncora de fechar os olhos
E inclinar
O corpo afogado156

E este poema termina entre a saudade de Deus e a consciência agónica da perduração dessa saudade: «Cansado, cansado./ Sem força para ver a tua face»157.

Homens que são como lugares mal situados é uma distopia. Daniel Faria aqui se autorretrata como um homem que é um lugar mal situado. E não há distopia que não resulte em disforia. Por isso, apesar da brandura da melopeia com que se faz escutar, esta é uma poesia profundamente disfórica.

Resta-lhe a morte. E é na morte que entra, como num casulo:

Entrei em morte sucessiva no que vive Era a luz de uma árvore quando cresce E se ensombra para não ficar sozinha158

E como uma crisálida. A sua condição de poeta prepara-o para a transformação: «Há uma palavra pessoa/ Uma palavra pregada ao silêncio de dizer-se como nunca fora ouvida/ E nela dizer-se posso existir»159. Aqui o poeta está já dentro do casulo, está já dentro da morte a imolar-se, a redobrar poética e pascalmente a vida. É um adentramento sem retorno.

TERCEIRA PARTE DO TRÍPTICO
Dos líquidos

Escolhi a morte para ficar contigo160

Talvez Dos líquidos represente, na poesia de Daniel Faria, o tempo consumado. Não [ainda] o tempo inteiro, mas o tempo consumado, antecâmara do tempo inteiro. Não o tempo último, mas o tempo penúltimo. Os poemas deste livro são, simbolicamente, a mortalha que afagou o corpo morto do poeta, um corpo penúltimo, em processo de imolação. Os poemas deste livro são como um sudário.

Se Homens que são como lugares mal situados termina com um adentramento, um fechamento no interior de um casulo, o início de Dos líquidos revela-nos homens que abrem as mãos como livros; fala-nos do silêncio, das nascentes, da claridade, da manhã – «É sempre de manhã que se abrem as correntes/ Abrem os escritos sem abrir os lábios/ Eles sussurram sobre os ouvidos/ Do homem que fala sozinho»161. E assim se abre [desponta] a manhã, a ave persistente, uma «pedra nova assinalada»162.

E assim se situa Daniel Faria nesta terceira parte do tríptico, entre o que se abre [as mãos abertas à pulsação163, as mãos desprovidas] e os pés descalços, gretados, essa nesga para o regresso164: as mãos abertas à pulsação, os pés descalços, o frágil, o resto, o desprotegido, o nu, o aberto.

E se o leitor se abre? E se o leitor consente a desproteção dos olhos fechados? É possível que consiga ver as mães, essas mulheres que «calculavam em pensamento/ A altura que teriam os filhos entre as árvores» quando – atravessado o deserto – chegassem à terra prometida165; é possível que encontrem essas «mulheres com asas de cegonha»166, a criança «que se senta no chão»167, a pedra que se abre no calor fechado das mãos»168, o cordeiro que «é uma pedra que está ferida»169; é possível que escute a «pedra aos gritos»170 e que o encandeiem todos os utensílios da luz: a lâmpada, o lume, as chamas, o fogo, a fogueira, a faísca e a faúlha, o incêndio – «Nunca será bastante o incêndio»171.

Só os olhos que consentem com a cegueira podem transbordar de visões172 e de palavras: «Transbordam as palavras de quem vê e cai/ Com os olhos cheios de sementes»173.

Palavras do homem no lugar penetrante
De quem ouve. Palavras
De quem cai em êxtase e se ergue pelo tato174

Ver e cair, com os olhos cheio de sementes. Cair em êxtase, erguer-se pelo tato. O corpo que cai, o corpo que tateia, que toca a realidade, que é tangível. A intimidade que se estabelece entre o corpo e esse chão desdobrado em êxtase, entre as visões e as palavras: as palavras de quem vê e derrama os olhos175, as palavras enroladas como um caminho sem saída176, a palavra com que coseu a língua ao palato177 – o silêncio.

O corpo é, na poesia de Daniel Faria, simultaneamente «grito» e «silêncio»: o grito que se desdobra em silêncio e o silêncio que se desdobra em grito, num corpo que se desdobra em luto:

Bati com as mãos
Pateei com os pés
Gritei chegou ao fim, chegou ao fim
O pó subiu e entrou-me para os olhos
Eu vi o luto178

As mãos que batem, os pés que pateiam, o grito, o pó, os olhos e o luto.

Só a audição visita ocasionalmente os vastos espaços sensoriais em que o tato e a visão coabitam na poesia de Daniel Faria. Em Dos líquidos, as mãos desdobram-se, extravasam [setenta vezes aparecem explícitas]; depois os olhos, o sangue, a boca e o coração [cada um dos semantemas mais de vinte vezes explicitamente repetidos neste livro].

É profunda a intimidade que une olhos e mãos, cegueira e tato:

Pelo tato procuro o caminho das águas
Cego – e os olhos a quererem abrir-se
Como chagas179

Os olhos são como feridas. E a mão que tateia é a mão que escreve: que escreve no interior da boca a «transparência de quem dá a mão à mão de quem conduz»180. A mão que escreve como quem «arruma a luz no quarto antes de sair»181, de quem escreve, em silêncio e no escuro, o «grito novo»182.

Revelando permanentemente ténues mutações e derivações semânticas, Dos líquidos não prescinde da «pedra» e da «nuvem»: a «pedra no meio do exílio»183 e a nuvem [entre a roda e o relâmpago no eixo do fogo184]. Nem prescinde do «coração» [«tão duro/ Casa mais dolorosa»185]: «farei uma escada para o coração»186, escreve o poeta que se faz risco e rasto de «homem que procura uma ideia», que lança uma ideia que alicerce o coração187, consciente de que nem «sempre o coração irriga a morte»188 e nem «sempre o sangue represa o coração»189.

Na sequência dos livros anteriores, assiste-se em Dos líquidos, de um modo mais intenso, ao processo de desnudamento, de despojamento; à condição de nu, de despojado – condição necessária para o desdobramento da imolação, condição necessária para o ofício de morrer:

o lugar sensitivo é um vestido que se descarna ao redor
E tudo é padecer. A princípio não se sente
A nudez.190

Daniel Faria distancia-se dessa «terra» sobre a qual se tinha já recusado a escrever a casa191, essa terra onde só o adorno possui reconhecimento192: «vêem-se na mão as linhas do rosto a padecer/ A transmutação das vestes. Tudo é miséria/ Nos trajes festivos»193.

Há uma nudez que se aprende na poesia de Daniel Faria, uma nudez que é um modo de pobreza e de despojamento profundo: «Entendo agora a nudez do pobre»194, «Agora entendo os dedos dos cegos»195. E persiste – «Invejo cada vez mais de repente os que dormem/ No passeio – os anjos que os guardam/ Muitas vezes nem vão dormir a casa»196 –, persiste até à coincidência entre nu e nudez – «Sou a porta e bato de casa em casa/ Sou quem vem abrir – e não há ninguém»197 –, porque o desejo profundo de Daniel Faria não é estar nu, mas ser nudez.

E descalça-se como «se põe descalço um homem que necessita/ De atravessar-se»198, e atravessa-se amando, anónimo, «a luz transitória […] uma luz intermitente»199; preparando-se para esse sono que não devolve quem adormece200 e guardando – numa noite branca – a memória do exílio201.

Fechas os olhos que se fecham dentro dos teus olhos
O corpo estilhaçado como a planta tenra
Debaixo do granizo202
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Como a criança que «fecha os olhos no muro», que «conta o tempo que os amigos demoram/ A transformar-se»; como a criança que «fecha os olhos no interior dos números» e olha «para dentro e em redor e encontra-se/ A si mesma»; como a criança crisálida que «pergunta se há de ir ter consigo», que quer encontrar os amigos, que quer que lhe respondam e que calcula a «voz alta», a «altura do muro» e a «progressão do silêncio»203.

Urge guardar a memória do exílio. Urge memorizar: «o homem cai» e o pássaro desloca-se «para que as estações não mudem»204

Daniel Faria aprendera o despojamento, a desproteção. Estava pronto para morrer. Há vinte anos, Daniel Faria estava pronto para morrer. E estar pronto para morrer não significa necessariamente querer a morte, mas perceber que a morte é – tinha-o bem claro – o preço a pagar para estar com Deus

A mulher – esse corpo estranho na poesia de Daniel Faria – está também presente em Dos líquidos, seja quando a «luz agasalhada da mulher que toma banho/ Toma o teu corpo nos braços»205, seja quando «a tua casa é voltares a casa/ Ao regaço aquático da tua mãe»206 – o útero207.

A mulher nunca se dissocia da casa e da morte. É uma figura imanente. Encontramos as viúvas indo para a missa, cobertas de luto, e a vida que se dá toda na morte inteira.

E há imagens na terra
Que nunca lhe lembram o céu209

Para Daniel Faria, mais do que imanente, a mulher aparece como um ser desprovido de transcendência.

Há uma mulher a morrer sentada
[…]
Ela está sentada à janela.
Sei que nunca Mais se levantará para abri-la
Porque está sentada do lado de fora
E nenhum de nós pode trazê-la para dentro
la é tão bonita ao relento
Inesgotável210

Mas o poeta sabe que não pode trazê-la para dentro, sabe que não pode «chamá-la das margens»211. O poeta sabe que «A mulher quase nunca se assemelha ao céu/ Sem nuvens»212.

Depois de em Homens que são como lugares mal situados o semantema «degrau» [«degraus», «escada»] ter perdido a intensidade que revelara em Explicação das árvores e de outros animais, em Dos líquidos redobra essa primeira intensidade. Por onze vezes irrompe, explícito, este impressivo semantema: «pelos degraus subirei da minha casa/ Até bater com o pensamento no altíssimo»213; «farei uma escada para o coração»214, «Farei portanto a escada no deserto para fixar/ A luz»215; «Da minha casa subirei sem palavras/ Em silêncio, portanto, pisando o coração»216.

Daniel Faria vai mais longe, até à coincidência, à identificação: «Quero ganhar a forma/ Do degrau»217. E – com os degraus – a distância e a sombra, essa «sombra/ À sombra/ Minguando»218. Uma míngua de sombra é assim – é ainda – uma sombra inteira.

Dou-te a minha ausência e a noite da escada
Que desceres para desmanchares os degraus
Dou-te o degrau que ninguém quer à minha beira
A minha mão para que possas decidi
A direção em que devo morrer219

Daniel Faria quisera a posição dos claustros, a posição do monge antigo que os varre, a posição do moribundo que pergunta as horas; quisera ter das árvores a «incomparável paciência de procurar o alto»220, a sua posição quando as crianças sobem, a posição dos ramos quando os ninhos nascem, a posição de alguém que já não mora – «Queria/ Como se tivesse/ A posição da casa e alguém me visitasse»221.

E cansa-se. O poeta cansa-se como o degrau onde o homem hesita222. Consciente de que na sua casa é «alguém que vai morrer», o poeta cansa-se muito de estar «como a pedra entre as mãos», porque a pedra – vinda à superfície – é uma «casa à janela sem ninguém»223.

Há na poesia de Daniel Faria uma infância de estar em silêncio224, uma infância de não deixar «o corpo por um pouco/ Desejar// Qualquer coisa diferente de morrer»225.

Entre a gramática do corpo e o sistema da morte, tudo se encontra religado na poesia de Daniel Faria. E se a infância é iluminada por uma luz pretérita [um clarão fóssil], se a manhã se adivinha primícia e porvir, então a noite é o presente, «O princípio da noite é pôr o pé no chão»226 e «A noite a princípio é o homem sem casa, é o lugar/ Em silêncio. É a humildade humedecendo/ O corpo descalço e consumido»227. Por isso «É necessário cobrir os olhos incuráveis»228 e assumir «A violenta/ Escuridão de se abeirar da luz»229. E Deus – esse «Deus que vem com o cinzel/ Silencioso»230, esse «Deus que vai removendo os solos/ A carne»231, esse Deus que despovoa232 – é ocasionalmente um Deus noturno:

Que quando és noturno ando
Com a noite em minhas mãos para ter luz233

E, por todo o lado, a morte234. A morte sistémica e inteira, porque a inteireza da morte corresponde à incompletude da vida e do corpo. Entre os cardumes, a carne, o silêncio, o eco e a âncora235, havia já uma região mais íntima na circulação das suas veias, uma outra terra que pensava a sua morada236.

A morte – em Dos líquidos mais do que nos livros anteriores – é envolvida pelo presente do indicativo: «Trouxe a mão à tona da morte»237, «morro à míngua do alto»238, «o meu coração morre às escuras»239.

Outra vez a âncora, a raiz, a rosa dos ventos240. E a casa, quando «dentro dela só há a claridade/ Do teu corpo continuamente a ruir»241. E o amor: «Amo-te nesta ideia noturna da luz nas mãos/ E quero cair em desuso»242; «Amo-te com o cérebro em ferida»243; «amo-te com a constância do moribundo que respira/ Já sem saber de que lado o visita a morte»244. Por tudo isto, resulta evidente o verso que diz: «Escolhi a morte para ficar contigo»245.

A morte – «a morte/ No meu corpo»246 – e a doença, e o sono: «não me importo de adoecer no teu colo/ De dormir ao relento entre as tuas mãos»247

Calculo uma doença difícil e definitiva
Um sono que não se apaga no sono, ou melhor,
Um verso parado no meio de um poema.
Imagino o poeta sem dormir e parado como um verso
No meio do poema. Imagino o poema sem dormir.248

Numa deriva mística que se densifica agonicamente, Daniel Faria lastima o que não sabe ainda: «Soubesse eu a canção que cantam os mortos para não adormecer»249, «Soubesse eu estilhaçar a noite. Soubesse eu morrer/ Iluminando»250. Sob uma «zumbidora lâmpada azul para não adormecer/ Na morte»251, o poeta segreda para dentro:

Faltam-me apenas os pés feridos dos que peregrinam
Falta-me o chão duro das promessas
Os joelhos
Queria tanto andar em redor, rodear-te, se soubesses como
Queria amar-te tanto252

E faz um diagnóstico da sua existência: «O que desconheço: a casa»253. Numa apneia noturna, entre a transparência e o fogo, guarda a consciência de que «nada do que existe é inteiro»254. O que viu: «Que tudo era igual à ressurreição dos mortos»255. O que procurou: «a claridade da morte»256. O que medita [na cela noturna]: «As diferenças da luz da candeia no homem/ Quando desce»257. O que mais recorda: «os degraus»258.

Neste diálogo íntimo que estabelece consigo próprio nas páginas deste livro, o poeta admite que é a casa o que desconhece, que é a morte o que procura e que são os degraus o que mais recorda. Para isso, convoca o corpo todo, a totalidade desse corpo incompleto: «A casa abre fendas dos pés à cabeça»259. Ainda a casa: «Carrego a casa como um fardo»260. Ainda a intermitência do casulo: «Quem me dera adormecer em frente do teu sono quem me dera/ Bater à porta como se estivesses sempre do lado de dentro»261. Ainda o «eco na distância»262 e «a secreta erupção dos mortos»263. Ainda o poço e a solidão:

Cavo profundamente até ser poço e peço
A rota que avance pelo exato centro
Da solidão264

Daniel Faria quer ganhar a forma da mão «que se abre quando nada tem». Interessa-lhe o corpo, um certo sentido de corpo, «alguns instrumentos de posse». Interessa-lhe a língua [as palavras, a voz, o grito] para o silêncio; interessam-lhe as rótulas, os calcanhares, os rins [instrumentos da prostração]. Interessa-lhe o corpo, o «corpo inteiro, completo/ Para morrer»265. Daniel Faria precisava completar o corpo: ter um corpo completo para a morte.

Conheço a minha morte e enrolo as minhas mãos
A tentação de as pôr sobre os olhos
Quero ver-te mesmo quando sangro266

Há vinte anos, Daniel Faria estava preparado para a morte. Sabia do céu o que poucos homens sabem – «O que sei do céu/ É a mão com que sossegas os ventos»267. Tinha saudades «do calor de uma voz que chama»268. No silêncio não se sentia acompanhado sequer pelos seus passos269. Estava preparado para a morte, com a cabeça entre as mãos, a boca em gemidos, a cabeça fechada, as entranhas comovidas, a boca fechada270 – «A boca mais alta do meu grito»271.Em silêncio – de silêncio em silêncio – Daniel Faria estava já «No interior da morte»272 e resistia. Amarrava «dois degraus para não subir/ Sozinho», meditava sobre o rasto que não cabia no seu destino». Amarrava «dois degraus para não subir», com a consciência de que a sua viagem era mais funda do que os rios273.

Entre a madrugada, a amêndoa, a névoa húmida e o poço, o poeta estava consciente de que os degraus – como a cadeira274 – não serviam o seu repouso:

É verdade que estou muito triste
Na terra […].
Estou sentado nos degraus
Como alguém que parou de subir275

Encontramos – no fim – a magnólia, a magnólia que cresce como um livro entre a mãos, a magnólia que cresce apesar de nós: «eu toco a magnólia como se pegasse na tua mão»276. Guarda a promessa: «Prometo-te a palma da minha mão para a escrita»277. Chora: «é verdade que é pelas lágrimas/ Que começam as visões»278. Espera:

Tenho os olhos fechados para que não os enxugue ninguém Há na ambulância do cérebro fechado um moribundo Que espera no trânsito uma buzina para morrer279.

Dos campos que o poeta cultivou duas sementes restaram: o centro da pedra e as mãos280280. E, assim, o poema desdobra-se em desolação: dentro das mãos cultivou a hora de afastar-se. Não havia ninguém a quem anunciar a partida. Dentro da solidão não há despedida. E esperou, com os braços abertos: «Hora após hora (e depois delas) te esperei»281. E só depois morreu.

CONCLUSÃO

E tu redobrarás a minha vida282

Chegamos ao fim desta deriva, ela própria tão poética quanto possível, através da poesia de Daniel Faria.

O corpo [não apenas nos desdobramentos da sua explicitude] é incontornável nesta poesia – são mais de seiscentas referências explícitas nos três livros: mãos, coração, olhos, sangue, corpo, boca, pés, cabeça, cabelo, rosto e face, punho e pulso, veias e artérias, lábios, carne. No entanto, apesar de tanta explicitude, o corpo não se impõe nesta poesia. É como se apenas mediasse a existência do poeta na transimanência, entre a imanência que lhe pesa e a transcendência que deseja, não tanto como quem pacificamente acalenta, mas sobretudo como quem agonicamente almeja. O corpo é o que mais aparece, mas nem por isso é o que mais se vê. É impressivo e passa desapercebido. É expressão do corpo material, mas é também esse corpo imaterial que é ainda corpo, mas em mutação, metáfora, movimento – surge por isso ocasionalmente desfocado, outra coisa.

O corpo e a morte estão intrinsecamente ligados na poesia de Daniel Faria, juntamente com Deus – que é presença pressentida, ausência sopesada, interrogação. O corpo é a gramática desta poesia, a morte é o seu sistema e Deus desdobra-se implicitamente em complementos circunstanciais – de lugar, de tempo, de companhia, de modo, de fim, de causa e de distância. É Deus que[m] faz esta poesia levedar no âmago da sua disforia: existência histórica, ausência de Deus e inevitabilidade da morte.

Trata-se de uma poesia profundamente dialética e dicotómica: treva e luz, noite e manhã, homem e anjo, chão e céu, peso e leveza, dividido e inteiro, interior e exterior, primeiro e último, pedra e nuvem, queda e ascensão. Trata-se ainda de uma poesia em mutação, que se desdobra em cedências, variáveis, predominâncias. Inicialmente embala-nos o movimento de subir-e-descer, depois o de sair-e-entrar e, finalmente, o de fechar-e-abrir. E na periferia da gramática do corpo, matizando a morte, desdobra-se o seu universo semântico: degrau, grito, casa, mulher, poço, fogo, umbral, silêncio.

Se aceitarmos o desafio de ler esta poesia com o grau de desproteção que lhe consente o poeta e se nos abstrairmos da sua condição de poeta-monge tão precocemente vítima de uma morte acidental, a vertigem suicidária que perpassa a sua poesia torna-se avassaladora. O consentimento à morte, impregnado de uma premente saudade de Deus [ou uma premente saudade de Deus impregnada do consentimento à morte], situa Daniel Faria na companhia fraterna de Antero de Quental – com nenhum outro suscitaria um diálogo tão íntimo sobre a morte.

Se Daniel Faria parece pouco comprometido com a sua existência história em Explicação das árvores e de outros animais, em Dos líquidos a relação com a morte processa-se no presente do indicativo. Apercebemo-nos que morre poucos dias depois de definir o corpus deste seu último livro: o corpo poético estava finalmente preparado [completo] para que a morte pudesse preparar [completar] o corpo finalmente aberto para Deus.

E Deus desempenha na poesia de Daniel Faria aquilo que o fluxo do real desempenha na obra de outros poetas: irrompe de um modo inesperado, gera uma angústia que perturba e consola, é disfuncional porque é silente o estrondo da sua ausência e anestésica a violência da sua epifania breve. Deus é o único corpo que não é um corpo estranho nesta poesia; a sua ausência é a figura mais contrastada na paisagem. O pressentimento de Deus é o modo como o fluxo do real se desdobra na trama, na tessitura do poema.

Não estive presente no funeral do Daniel Faria. Recordo que preparava, então, outra morte. Vivemos tão ocupados com os que vão morrer que às vezes não temos tempo para enterrar os que morrem.

Quando pude ler Dos líquidos, em 2000, segredei a mim mesmo: «O Daniel matou-se». Não que tivesse questionado o contexto acidental da sua morte ou o imaginasse suicida. Segredei a mim mesmo: «O Daniel matou-se», porque senti – escrevi-o há três anos283 – que acelerou, num último fôlego, premiu a planta do pé de apoio sobre as últimas intertextualidades, alavancou o salto e projetou o corpo: a matéria viva das palavras fundiu-se com a luz e silenciou-se.

Apercebo-me agora que viveu em processo de imolação: viveu para imolar-se e explicitou-o poeticamente. Se nos acercarmos dos seus poemas como quem procura o seu corpo no túmulo, parecer-nos-á vazio, com os poemas-sudário espalhados pelo chão, vestígios do casulo onde se imolou a crisálida.

No desamparo próprio de escrever sobre uma poesia assim, reparo agora [dia 2 de março de 2019] que – tal como há três anos284 – termino uma leitura hermenêutica da poesia do Daniel na mesma semana em que a magnólia que habita o meu jardim arrisca a floração.

Referência Bibliográfica

FARIA, Daniel. Poesia, Porto, Assírio & Alvim, 2013

FARIA, Daniel. Dos líquidos, Porto, Fundação Manuel Leão, 2000

FARIA, Daniel. Dos líquidos, Porto, Fundação Manuel Leão, 2000.

PALUMBO, Cecilia Avenatti; BERTOLINI, Alejandro [ed.], El amado en el amante. Figuras, textos y estilos del amor hecho historia, Buenos Aires, Agape Libros, 2016.

HIGINO, Nuno in Daniel Faria, Legenda para uma casa habitada, Marco de Canaveses, Paróquia de Santa Marinha de Fornos, 2000.

COELHO, Alexandra Lucas. «Daniel Faria: o rapaz raro», in Mil Folhas [suplemento literário do jornal Público], 14 de julho de 2001.

TEIXEIRA, José Rui. «Um modo de te amar dentro do tempo. Sobre a saudade de Deus na poesia de Daniel Faria», in Igreja e Missão 232, maio/agosto 2016

Notas

[1]Daniel Faria, Poesia [Explicação das árvores e de outros animais], Porto, Assírio & Alvim, 2013, p. 85.

[2]Ibid. [Homens que são como lugares mal situados], p. 184.

[3]Numa conferência que pronunciei no dia 17 de maio de 2016, em Buenos Aires, no vi Congreso Internacional de Literatura, Estética y Teología: El amado en el amante: figuras, textos y estilos del amor hecho historia, promovido pela Asociación Latinoamericana de Literatura y Teología, na Pontificia Universidad Católica Argentina. O texto foi publicado em espanhol [traduzido por Miriam Reyes]: «Un modo de amarte dentro del tiempo. Sobre la nostalgia de dios en la poesía de Daniel Faria», in Cecilia Avenatti de Palumbo e Alejandro Bertolini [ed.], El amado en el amante. Figuras, textos y estilos del amor hecho historia, Buenos Aires, Agape Libros, 2016, pp. 451-464; e, posteriormente, em português: «Um modo de te amar dentro do tempo. Sobre a saudade de Deus na poesia de Daniel Faria», in Igreja e Missão 232, maio/agosto 2016, pp. 201-217.

[4]Daniel Faria [Daniel Augusto da Cunha Faria], Uma cidade com muralha, in Bibliotheca Portucalensis [Biblioteca Pública Municipal do Porto], ii Série, n.º 6, 1991, pp. 57-77.

[5]Id. [Cérjio Lage], Oxálida, Porto, Associação de Estudantes da Faculdade de Teologia – UCP, 1993.

[6]Id. [Daniel Augusto], A casa dos ceifeiros, Porto, AEFT – UCP, 1993.

[7]Daniel Faria, Explicação das árvores e de outros animais, Porto, Fundação Manuel Leão, 1998.

[8]Id., Homens que são como lugares mal situados, Porto, Fundação Manuel Leão, 1998

[9]Cf. Alexandra Lucas Coelho, «Daniel Faria: o rapaz raro»: «A morte aproximou-se na madrugada de um dia que para os católicos é o do Corpo de Deus, 3 de junho, tinha Daniel 28 anos. Segundo o relato de Dom Abade [D. Luís Aranha]: “Ele levantou-se à uma da manhã para ir à casa de banho. Estava uma grande chuvada, a janela estava aberta, a porta bateu, apanhou-lhe um dedo, ele caiu e bateu com a parte de trás da cabeça. Chamou um colega, que lhe limpou o sangue, e foi-se deitar. Às quatro da manhã telefonou-me para o quarto a dizer que não se sentia bem. Fomos logo para o hospital de Santo Tirso, de onde o mandaram para o São João do Porto. Fizeram-lhe uma TAC, que acusou traumatismo craniano. À cautela, internaram-no em observação. Vim-me embora tranquilo. Às sete da tarde telefonam-me a dizer que tinha entrado em coma”» Alexandra Lucas Coelho, «Daniel Faria: o rapaz raro», in Mil Folhas [suplemento literário do jornal Público], 14 de julho de 2001, p. 10.

[10]Daniel Faria, Dos líquidos, Porto, Fundação Manuel Leão, 2000.

[11]Nuno Higino, in Daniel Faria, Legenda para uma casa habitada, Marco de Canaveses, Paróquia de Santa Marinha de Fornos, 2000, p. 11.

[12]Daniel Faria, Poesia [Explicação das árvores e de outros animais], p. 66.

[13]Ibid., p. 31.

[14]Ibid., p. 38.

[15]A «aranha» só aparece em Explicação das árvores e de outros animais: quando decide o círculo no cadáver [cf. ibid., p. 38], quando o poeta ata e desata o cabelo das aranhas [cf. ibid., p. 104, na explicação da ceifa] e, já no final do livro, quando compara a manhã a uma aranha atarefada [cf. ibid., p. 113, na explicação da casa].

[16]Ibid., p. 32.

[17]Ibid., p. 39.

[18]Cf. ibid., p. 55.

[19]Ibid., p. 56.

[20]Ibid., p. 58.

[21]Cf. ibid., p. 97

[22]Ibid., p. 108.

[23]Cinco vezes ocorre o semantema «morte» [cf. ibid., pp. 31, 42, 47 e 66] e oito vezes se conjuga o verbo «morrer».

[24]Ibid., p. 39.

[25]Ibid., p. 41.

[26]Ibid., p. 39.

[27]Ibid., p. 42.

[28]Ibid.

[29]Ibid., p. 66.

[30]Cf. ibid., p. 51.

[31]Cf. ibid., p. 78.

[32]Ibid., p. 85.

[33]Ibid., p. 79.

[34]Ibid., p. 80.

[35]Ibid., p. 70.

[36]Ibid., p. 76.

[37]Ibid., p. 69.

[38]Cf. ibid., p. 43.

[39]Cf. ibid., p. 78.

[40]Cf. ibid., p. 77.

[41]Cf. ibid., p. 83.

[42]Ibid., p. 66.

[43]Ibid., p. 82.

[44]Ibid., p. 48.

[45]Ibid., p. 49.

[46]Cf. ibid., p. 41.

[47]Cf. ibid., p. 70.

[48]Ibid., p. 47

[49]Ibid., p. 49.

[50]Cf. ibid., p. 50.

[51]ibid., p. 68.

[52]ibid., p. 98.

[53]Cf. ibid., p. 20.

[54]Cf. ibid., p. 39.

[55]Cf. ibid., p. 41.

[56]Cf. ibid., p. 42.

[57]Cf. ibid., p. 47.

[58]Cf. ibid., p. 48.

[59]Cf. ibid., p. 50.

[60]Cf. ibid., p. 67.

[61]Cf. ibid., p. 74.

[62]Cf. ibid., p. 108.

[63]Cf. ibid., p. 111.

[64]Cf. ibid., p. 55.

[65]Cf. ibid., p. 56.

[66]Cf. ibid., p. 76.

[67]Ibid., p. 81.

[68]Ibid., p. 48.

[69]Ibid., p. 81.

[70]Cf. ibid., p. 108.

[71]Ibid., p. 114.

[72]Ibid., p. 86.

[73]Cf. ibid., p. 40.

[74]Ibid., p. 42.

[75]Ibid., p. 78.

[76]Ibid., p. 100.

[77]Ibid., p. 111.

[78]Ibid., p. 110.

[79]Cf. ibid., p. 60.

[80]Cf. ibid., p. 61.

[81]Cf. ibid., p. 96.

[82]Ibid., p. 107.

[83]Cf. ibid., p. 66.

[84]Ibid., p. 105.

[85]Ibid.

[86]Cf. ibid., p. 114.

[87]Ibid. [Homens que são como lugares mal situados], p. 138.

[88]Ibid., p. 119.

[89]Ibid.

[90]Cf. ibid.

[91]Ibid.

[92]Ibid.

[93]Ibid., p. 120.

[94]Ibid., p. 128.

[95]Ibid., p. 136.

[96]Ibid., p. 121.

[97]Ibid., p. 121.

[98]Cf. Ibid., p. 121.

[99]Ibid., p. 122.

[100]Ibid.

[101]Ibid., p. 123.

[102]Cf. ibid., p. 141.

[103]Cf. ibid.

[104]Ibid., p. 143.

[105]Ibid., p. 145.

[106]Cf. Ibid.

[107]Ibid., p. 145.

[108]Ibid.

[109]Ibid., p. 155.

[110]Ibid., p. 161.

[111]Cf. Ibid., p. 164.

[112]Cf. Ibid., p. 160.

[113]Cf. Ibid., p. 158.

[114]Cf. Ibid., p. 150.

[115]Ibid., p. 149.

[116]Ibid., p. 167.

[117]Ibid., p. 123.

[118]Ibid., p. 127.

[119]Cf. Ibid., p. 125.

[120]Ibid., p. 126.

[121]Ibid.

[122]Recordo o verso de Explicação das árvores e de outros animais: «Sei bem que não mereço um dia entrar no céu/ Mas nem por isso escrevo a minha casa sobre a terra» [ibid., p. 62].

[123]Ibid., p. 138.

[124]Cf. ibid., pp. 31, 42 [duas vezes], 47 e 66.

[125]Cf. ibid., pp. 127, 138, 145, 152, 157, 176 e 186.

[126]Ibid., p. 127.

[127]Ibid., p. 177.

[128]Ibid.

[129]Ibid., p. 138.

[130]Ibid., p. 126.

[131]Ibid., p. 128.

[132]Cf. ibid., p. 133.

[133]Ibid., p. 135.

[134]Ibid., p. 137.

[135]Cf. ibid., p. 134.

[136]Cf. ibid., pp. 134, 178, 179 e 193.

[137]Ibid., p. 178.

[138]Ibid., p. 179.

[139]Ibid., p. 132

[140]Ibid., p. 133.

[141]Ibid., p. 135.

[142]Cf. ibid., p. 171.

[143]Cf. ibid., p. 122.

[144]Cf. ibid., p. 149.

[145]Cf. ibid., p. 161.

[146]Ibid., p. 173.

[147]Ibid., p. 183.

[148]Ibid.

[149]Ibid.

[150]Ibid., p. 186.

[151]Ibid.

[152]Cf. ibid.

[153]Cf. ibid., p. 187.

[154]ibid., p. 188.

[155]Ibid., p. 189.

[156]Ibid., p. 190.

[157]Ibid., p. 176.

[158]Ibid., p. 191.

[159]Ibid. [Dos líquidos], p. 259.

[160]Ibid., p. 201.

[161]Ibid., p. 202.

[162]Cf. ibid., p. 203.

[163]Cf. ibid., p. 204.

[164]Cf. ibid., p. 204.

[165]Cf. ibid.

[166]Ibid., p. 209.

[167]Ibid., p. 301.

[168]Ibid.

[169]Ibid., p. 211.

[170]Ibid., p. 209.

[171]Ibid., p. 229.

[172]Cf. ibid., p. 205.

[173]Ibid.

[174]Ibid.

[175]Cf. ibid., p. 205.

[176]Cf. ibid., p. 207.

[177]Cf. ibid.

[178]Ibid., p. 208

[179]Ibid., p. 215

[180]Ibid., p. 218

[181]Ibid.

[182]Ibid.

[183]Ibid., p. 206.

[184]Cf. ibid., p. 206.

[185]Ibid., p. 207.

[186]Ibid., p. 217.

[187]Cf. ibid., p. 294.

[188]Ibid., p. 300.

[189]Ibid.

[190]Ibid., p. 219.

[191]Como se lê em Explicação das árvores e de outros animais: cf. ibid., p. 62.

[192]Como se lê em Homens que são como lugares mal situados: cf. ibid., p. 167.

[193]Ibid., p. 220.

[194]Ibid., p. 226.

[195]Ibid.

[196]Ibid., p. 330.

[197]Ibid.

[198]Ibid., p. 260.

[199]Ibid., p. 276.

[200]Como se lê em Explicação das árvores e de outros animais: cf. ibid., p. 78.

[201]Cf. ibid., p. 282.

[202]Ibid., p. 283.

[203]Ibid., p. 292.

[204]Ibid., p. 293.

[205]Ibid., p. 237.

[206]Ibid.

[207]Duas vezes impressivamente explícito na poesia de Daniel Faria, em Homens que são como lugares mal situados: «A mulher guardo-me no útero» [ibid., p. 145]; e em Dos líquidos: «Desejo o útero de tudo» [ibid., p. 279].

[208]Cf. ibid., pp. 320-323

[209]Ibid., p. 321.

[210]Ibid., p. 322.

[211]Ibid.

[212]Ibid., p. 323

[213]Ibid., p. 217

[214]Ibid., p. 217

[215]Ibid.

[216]Ibid.

[217]Ibid., p. 248.

[218]Ibid., p. 296.

[219]Ibid., p. 309.

[220]Como se lê em Explicação das árvores e de outros animais: cf. ibid., p. 44.

[221]Ibid., p. 303.

[222]Cf. ibid., p. 304.

[223]Ibid., p. 304

[224]Cf. ibid., p. 306

[225]Ibid., p. 307

[226]Ibid., p. 219.

[227]Ibid., p. 221.

[228]Ibid., p. 223.

[229]Ibid., p. 224.

[230]Ibid., p. 225.

[231]Ibid.

[232]Cf. ibid.

[233]Ibid., p. 244.

[234]Doze vezes, em Dos líquidos, se explicita o semantema «morte»: cf. ibid., pp. 210, 229, 235 [duas vezes], 246, 250, 252, 300, 310, 313, 315 e 328; e dezanove vezes de conjuga o verbo morrer.

[235]Cf. ibid., p. 234.

[236]Cf. ibid., p. 228.

[237]Ibid., p. 235.

[238]Ibid., p. 325.

[239]Ibid., p. 331.

[240]Cf. ibid., p. 236.

[241]Ibid., p. 237.

[242]Ibid., p. 245.

[243]Ibid., p. 246.

[244]Ibid., p. 250.

[245]Ibid., p. 259.

[246]Ibid., p. 246.

[247]Ibid., p. 247.

[248]Ibid., p. 302.

[249]Ibid., p. 310.

[250]Ibid.

[251]Ibid.

[252]Ibid., p. 252.

[253]Ibid., p. 313.

[254]Ibid.

[255]Ibid.

[256]Ibid.

[257]Ibid.

[258]Ibid.

[259]Ibid., p. 316.

[260]Ibid.

[261]Ibid., p. 318.

[262]Ibid., p. 319.

[263]Ibid., p. 324.

[264]Ibid., p. 326.

[265]Ibid., p. 248.

[266]Ibid., p. 315.

[267]Ibid., p. 252.

[268]Ibid., p. 302.

[269]Cf. ibid., p. 327.

[270]Cf. ibid., p. 327.

[271]Ibid., p. 255.

[272]Ibid., p. 328.

[273]Cf. ibid., p. 329.

[274]Como se lê em Explicação das árvores e de outros animais [cf. ibid.., p. 57]: «Não tinha nada donde vim. Aqui não encontrei/ O que tive e a cadeira não serve o meu repouso./ Ainda não há lugar no mundo onde possa sossegar de tu não seres/ O vazio que persiste à minha beira».

[275]Ibid., p. 331.

[276]Ibid., p. 337.

[277]Ibid., p. 344.

[278]Ibid., p. 345.

[279]Ibid., p. 327.

[280]Cf. ibid., p. 297.

[281]Ibid., p. 297.

[282]Ibid. [Homens que são como lugares mal situados], p. 184.

[283]cf. José Rui Teixeira, «Um modo de te amar dentro do tempo. Sobre a saudade de Deus na poesia de Daniel Faria», in Igreja e Missão 232, maio/agosto 2016, p. 217

[284]Era, então, abril [cf. ibid.].