Livro de Rute: a narrativa refletindo as questões da mulher e as medidas socioprotetivas1
Book of Ruth: the narrative reflecting women’s issues and socio-protective measures

Cláudia Andréa Prata Ferreira*
* Doutora em Ciência da Literatura (Poética) pela Faculdade de Letras da UFRJ. Docente na UFRJ. Pós-doutoranda em Teologia Bíblica no Programa de Pósgraduação em Teologia da PUC-Rio. Contato: claudiaprata@letras.ufrj.br
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Resumo
De acordo com a Torá, o Livro de Rute reúne três elementos fundamentais sobre as questões sociais, as medidas socioprotetivas e uma tríplice categoria protegida por YHWH: Rute se enquadra na condição de uma mulher estrangeira, pobre e viúva. A narrativa que envolve Rute torna-se uma espécie de resgate da legislação social que objetiva restabelecer procedimentos justos para com a camada social menos favorecida. O predomínio do protagonismo feminino, o ponto de vista da história e a aliança de Noemi e Rute personificam uma parceria sororal e solidária, assegurando o pão, a sobrevivência – mulheres planejando e executando juntas o próprio futuro. O presente estudo apresenta a análise da estrutura e do gênero literário, o pensamento teológico que permeia todo o texto e elucida os aspectos culturais e religiosos. E, por fim, busca perceber como as medidas socioprotetivas, presentes no Livro de Rute, são aplicadas às personagens protagonistas. O diálogo entre Teologia e Literatura no Livro de Rute é chave fundamental, que permite abordar o estudo do protagonismo feminino e as medidas socioprotetivas.

Palavras chave:Livro de Rute. Protagonismo feminino. Medidas socioprotetivas.

 

Abstract
According to the Torah, the Book of Ruth brings together three fundamental elements on social issues, socioprotective measures, and a triple category protected by YHWH: Ruth falls into the condition of a poor, widowed foreign woman. The narrative that surrounds Ruth becomes a kind of rescue of social legislation that aims to restore fair procedures to the underprivileged social strata. The dominance of female protagonism, the point of view of history, and the alliance of Naomi and Ruth embody a sororal and supportive partnership, ensuring bread, survival - women planning and executing their own future together. This study presents the analysis of the structure and literary genre, the theological thinking that permeates the whole text and elucidates the cultural and religious aspects. Finally, it seeks to understand how the socio-protective measures present in the Book of Ruth are applied to the protagonist characters. The dialogue between Theology and Literature in the Book of Ruth is a fundamental key, which allows us to approach the study of female protagonism and socioprotective measures

Keywords:Book of Ruth. Female protagonism. Socioprotective measures.

Introdução

OLivro de Rute faz parte das Cinco Meguilot (“rolos”). Na Bíblia Hebraica estão reunidas no terceiro grupo designado por Ketuvim (“Escritos”) e pertencem ao ciclo de leitura sinagogal (cf. FERREIRA, 2002, p.162-165)2 . As meguilot são lidas na sinagoga nas festividades judaicas de Pessach/Páscoa (Cântico dos Cânticos), Shavuot/Pentecostes (Rute), Tishá BeAv/Memorial pela destruição do Templo e de Jerusalém (Lamentações), Sucot/Festa das Tendas (Eclesiastes) e Purim (Ester).

Na Torá (Pentateuco) encontram-se três categorias de pessoas que recebem particular proteção de YHWH (Deus de Israel) porque são consideradas dependentes: o órfão, a viúva e o estrangeiro (cf. Ex 22,21; Dt 10,18; 14,19; 16,11.14; 24,17-21; 26,12-13), prevendo, inclusive, uma maldição para quem maltratar tais pessoas (cf. Dt 27,19).

A personagem Rute, como protagonista do livro que leva seu nome, destaca a ação da mulher no resgate de sua dignidade e na participação das lutas libertárias do seu povo. O olhar mais detalhado sobre o Livro de Rute desperta questões sobre o protagonismo feminino nas Cinco Meguilot. Tais questões são relevantes para compreender o papel da mulher na Bíblia. Permitem novas interrogações e descobertas e levantam questões sobre a posição da mulher na sociedade da época. No mais, fazem perceber o que significa o texto bíblico para ela (mulher) nessa situação.

Alguns aspectos histórico-literários sobre o Livro de Rute

O Livro de Rute apresenta uma história ambientada no tempo dos Juízes (cf. Rt 1,1 – entre os séculos XII-XI a.E.C). A Tradição Judaica por intermédio do Talmud (Baba Bathra, 14), atribui a autoria do livro de Rute ao juiz e profeta Samuel, mas na realidade a autoria é desconhecida.3 Os especialistas se dividem basicamente em três grupos (NAVARRO PUERTO, 2011, p. 334-335): datação4 textual pré-exílica – entre os séculos X e VIII a.E.C. (GERLEMAN, 1965; HALS, 1969; BEATTIE, 1974, p. 251-267; HUBBARD Jr, 1988), exílica – séculos VII-VI a.E.C.5 e pós- -exílica – séculos V e IV a.E.C. (GORDIS, 1974; LACOQUE, 1979, p. 583-593). A maioria dos estudiosos opta pela datação pós-exílica do livro entre os séculos V e IV a.E.C. (CAMPBELL, 1975, p. 23-28; VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1988 p. 37; LARKIN, 1996, p. 25; LACOQUE, 2004, p. 18-21; MESTERS, 2009, p. 10-12; D. SCAIOLA, 2009, p. 47-49; LAU, 2010, p. 44-45; ZENGER, 2016, p. 184-194).

A percepção sobre o Livro de Rute no presente trabalho segue a datação pós-exílica. O autor do Livro de Rute apresenta costumes em desuso (levirato e goelato) e o pensamento que perpassa o livro, como o universalismo, a concepção da retribuição e o sentido do sofrimento são melhor compreendidos durante o período persa.

Algumas questões textuais e linguísticas são observadas: o autor evoca o tempo dos Juízes como estando muito distante; a língua apresenta indícios de antiguidade e, ainda, um significativo número de palavras de origem mais recente (influência do aramaico e neologismos); as formas verbais arcaicas são especificamente usadas pelos protagonistas mais idosos (Noemi e Booz) demonstrando um artifício literário (SILVA, 2002, p. 11).

(...) o lugar literário de Rute representa uma tentativa consciente de arcaização. A técnica literária de apresentar uma composição literária contemporânea como se fosse antiga, tanto na forma narrativa como na imitação da linguagem mais primitiva, é bem conhecida no período do Segundo Templo. Ela está especialmente associada com o Cronista (LEVINSON, 2011. p.53).

O período linguístico do hebraico no Livro de Rute pode ser classificado como pertencente ao hebraico pós-exílico ou hebraico tardio (séc. VI ao séc. II a.E.C.). Tomam-se como referências os trabalhos dos hebraístas SÁENZ-BADILLOS (1996, p. 52, 68, 112, 130, 171, 203, 267); RABIN (s.d., p. 36, 40, 48, 49, 53, 75, 84) e FRANCISCO (2008, p. 626; 2014, p. 2).

Os textos bíblicos escritos no estágio linguístico do hebraico pós-exílico ou hebraico tardio são: Esdras, Neemias, 1 Crônicas e 2 Crônicas, Ester, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Daniel, Cântico dos Cânticos, Joel, Obadias, Ageu, Malaquias, Zacarias. Em relação às obras escritas em cada estágio da evolução do hebraico bíblico, menciona-se algumas que são relevantes para se estudar o seu processo de desenvolvimento com base nos estudos de SÁENZ-BADILLOS (1996, p. 56-57, 68-69, 115, 130, 166, 205, 219, 267); RABIN (s.d., p. 36, 41, 42, 46, 47, 49, 53, 54, 73, 78, 79, 85, 105).

Depois do exílio babilônico, a língua hebraica sofreu modificações em sua estrutura linguística e os livros que foram escritos na época exílica e pós-exílica refletem este novo estágio da língua. O hebraico pós- -exílico representaria a língua hebraica da maioria dos livros bíblicos (FRANCISCO, 2014, p.8).

J. Prado observa importante aspecto sobre a presença de aramaísmos e neologismos no Livro de Rute: “Os poucos aramaísmos e o relativamente grande número de neologismos, entretanto, fazem os melhores autores atuais pensarem em época pós-exílica” (PRADO, 2008, p.78). B. M. Levinson acrescenta que, “Sem dúvida, muitos estudiosos não consideram a questão da linguagem unicamente como decisiva para datação. Evidências adicionais apontam para o período pós-exílico como a origem mais lógica da composição do texto” (LEVINSON, 2011, p.52).

Além da presença de aramaísmos e neologismos, outro aspecto que chama atenção é o modo como o levirato, a lei que obriga o cunhado a desposar a viúva do irmão (cf. Dt 25,5-10) é abordado no Livro de Rute6 . Por conta da incerteza da datação do texto existe a possibilidade de dois níveis de leitura: 1) como obra que evoca a memória salomônica, conservando recordações sobre os antepassados de Davi (cf. Rt 4,17.18-22); 2) como escrito pós-exílico, que desenvolve a temática deuteronômica do Deutero-Isaías sobre o redentor no levirato (cf. Rt 4,3-10; Ne 5,8-11), sobre o Trito-Isaías no tocante a incorporação dos estrangeiros na comunidade de Israel – o universalismo e abertura da fé em YHWH (cf. Rt 1,16-17; Is 40–66; Jn 1-4) (ALONSO SCHÖKEL, 2006. p. 474) e ainda a reação a Esdras e Neemias sobre o casamento misto (cf. Rt 4,5.13; Ed 9,1-2; 10,2.10; Ne 13,23-27).

Estrutura e gênero literário

H. Gunkel (cf. VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1988, p.31) foi o primeiro a colocar em relevo a composição narrativa de Rute, elaborando uma estrutura textual do livro em quatro grandes cenas principais. Cada cena é precedida de uma introdução e seguida de uma conclusão (NAVARRO PUERTO, 2011, p.336-338.). A primeira cena compreende a relação de Noemi e suas noras (cf. Rt 1,7-18); a segunda cena, Rute no campo de Booz (cf. Rt 2,1-17); a terceira cena, Rute e Booz de noite na eira (cf. Rt 3,1-15) e a quarta cena, o casamento de Rute e Booz (cf. Rt 4,1-12) (VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1988, p.31). A genealogia final, ainda de acordo com H. Gunkel e posteriormente seguida por outros autores, é um acréscimo de caráter secundário. Após H. Gunkel, outros estudiosos inspirados pelo seu trabalho seguiram basicamente o seu esquema estrutural para o livro de Rute (BERTMAN, 1965, p.165-168; WITZENRATH, 1975; BAR-EFRAT, 1980, p.156-15).

Segundo L. A. Fernandes, a estrutura do livro segue basicamente em três partes (FERNANDES, 2012, p.23-25): a) uma introdução (cf. Rt 1,1-5); b) um corpo (cf. Rt 1,6–4,12); c) uma conclusão (cf. Rt 4,13-22). O autor argumenta que: “o corpo do livro transcorre em torno de decisões, de diálogos, de ações e de reações que movimentam a trama narrativa que vai evoluindo, de forma moderada e lenta, nas unidades ou episódios em cada capítulo, até atingir um final desejado” (FERNANDES, 2012, p.23).

No cenário apresentado no Livro de Rute, destacam-se os sentimentos de amor (cf. Rt 1,16-17; 2,3.6), cumplicidade (cf. Rt 2,2), aliança (Cf. Rt 3,1.6), sororidade (cf. Rt 2 e 3) e solidariedade entre duas mulheres (cf. Rt 1,16-17). O predomínio do protagonismo feminino e, sobretudo, o ponto de vista da história, sugerem uma presença feminina na composição do livro: “Na cultura feminina subterrânea, as mulheres redefinem a ‘realidade’ baseadas em suas próprias perspectivas” (BRENNER, 2002, p. 180-181). Outra consideração que chama atenção para o protagonismo feminino considera os aspectos linguísticos (gramaticais) do Livro de Rute

Chama a atenção, a quem está familiarizado apenas com as formas masculinas dos verbos e dos sufixos pronominais, sentir o sabor das formas verbais e pronominais femininas da segunda e da terceira pessoas, já que as personagens principais são as mulheres e elas é que conduzem a narrativa. O texto todo é carregado de sabor feminino (PRADO, 2008, p.81).

A aliança de Noemi e Rute personifica uma parceria sororal e solidária. A aliança é confirmada e assumida no cotidiano, assegurando o pão; é selada na busca da felicidade futura – mulheres planejando e executando juntas o próprio futuro (cf. Rt 1–3; FRIGERIO, 2007).

O fato de Rute ser uma jovem mulher estrangeira que se torna a salvadora da vida da velha judia Noomi e até bisavó do rei David, tão importante para a existência judaica, transforma esse livro num livro de militância feminina. Ele também discute a visão unilateral androcêntrica da história das origens de Israel, que destaca apenas os “patriarcas” como significativos para existência judaica, transforma esse livro num livro de militância feminina. Ele também discute a visão unilateral androcêntrica da história das origens de Israel, que destaca apenas os “patriarcas” como significativos para a existência histórica de Israel. Por causa dessa forte “perspectiva da mulher” não é injustificada a suposição de que o livro resultou de um círculo de autores em que atuaram conjuntamente mulheres e homens (ZENGER, 2003. p. 184-185).

No Livro de Rute deve-se considerar ao final, a costura das questões sociais abordadas com vistas à ideia da futura vinda do Messias. É da casa de David que sairá o Messias, o Redentor de Israel. No período do Talmud já estava consolidado no judaísmo a ideia de um Messias descendente da casa de David (cf. Is 11,1-9). A narrativa cita explicitamente, ao final, David como descendente de Rute (cf. Rt 4,17.18-21). Constatase então, por intermédio da genealogia apresentada, que não apenas uma mulher pagã (Rute), mas sim duas (Tamar e Rute) são ancestrais do rei David. Quando os rabinos do período talmúdico incluem a história de Rute no cânone judaico e a louvam como a prosélita ideal (cf. Dt 10,19), afirmam que a genética não é o fator primordial no judaísmo, mas sim a crença e a prática dos mandamentos (ALANATI, 2008, p.75-76).

Quanto ao gênero literário, o Livro de Rute pode ser definido como uma novela7 , como um relato breve artisticamente elaborado, que desenvolve uma trama em 4 capítulos curtos e 85 versículos – uma novela de alto nível poético, um autêntico modelo de arte narrativa de datação pós-exílica. Após Gunkel, outros autores (VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1988, p. 30) também consideraram Rute como novela. Ao contrário de Rute, outras novelas bíblicas são mais longas como a de José no Egito, Tobias, Judite e Ester, cada uma com suas próprias características estruturais e teológicas. Pode-se admitir o livro de Rute pertencente ao gênero novela, devido à modalidade e ao “tempo” dos verbos (VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1988, p. 30). Logo abaixo são colocadas argumentações sobre o gênero literário do Livro de Rute de dois estudiosos brasileiros, que ampliam a percepção do gênero literário do texto bíblico:

Rute é um típico drama-romance, uma novela, uma historieta igual aos livros de Jonas e de Ester. (...) O estilo literário é considerado novela porque contém múltiplos episódios dentro de um espaço de tempo razoavelmente breve em um enredo cheio de suspense elementos lendários e heroicos. Particularmente, os escritos de Rute são narrativos como forma de novela já que dentro do texto têm-se alguns cortes específicos, que ficam com maior intensidade um determinado assunto em relação ao outro, parecendo que o tempo para nessa questão como assunto primordial nesta perícope (MARINGOLI, 2014, p.27. 96). Seria mais uma alegoria das tradições do período tribal, o tempo ideal do livro, da monarquia, quando morreu o reinado de Deus, do exílio e, se a reconstrução no pós-exílio é a época do livro, estaria sugerindo respostas para as questões atuais (discriminação dos gentios, o modelo de governo centralizado, seja com submissão ao império persa e um bom gerente, ou o sonho de restauração da monarquia davídica com Zorobabel) (PRADO, 2008, p.81).

Uma novela (no caso Livro de Rute) e / ou um texto religioso (no caso, o texto bíblico) não é um documento histórico, mas nem por isso tem ausência de elementos de historicidade como bem observa Castro: “Os textos sagrados, apesar de seu caráter de revelação divina, apresentam dados históricos bem nítidos, resultantes não só do uso da língua, mas também das circunstâncias e do momento em que foram escritos” (CASTRO, 2006, p.6). No Livro de Rute se encontram elementos culturais, religiosos e históricos que apontam para as medidas socioprotetivas. Se não é um documento histórico no stricto sensu também não é pura fantasia, ficção ou deixa de tratar algo de relevância.

Outra possibilidade é considerar o Livro de Rute como um midrash (midrash agadá), gênero comum na literatura rabínica, não no formato de um midrash clássico de comentário pragmático (midrash halachá). O substantivo Midrash no período rabínico toma o sentido preciso de “interpretação e exposição” do texto bíblico.

A literatura rabínica pode ser classificada de várias maneiras. Em primeiro lugar, de acordo com o gênero, se segue o método Midrash, interpretando as Escrituras versículo por versículo, ou o método Mishná, formulando a Orientação Oral tópico por tópico. Segundo, de acordo com o objeto do texto: seja ele Halachá ou Agadá. A Halachá, termo derivado de um verbo hebraico que significa “caminhar”, e geralmente, traduzido como “lei”. Compreende tudo o que regula o comportamento humano e tudo o que é ou pode ser expresso no imperativo, quer seja obrigatório ou não. A Agadá significa “narração” e compreende teologia, história, lenda e parábola. Podemos dizer que a Halachá é prescritiva, caráter normativo e a Agadá é descritiva (FERREIRA, 2002, p.176-177).

O Livro de Rute como midrash agadá – por sua vez não deixa de eventualmente mencionar questões históricas ou legais (ou medidas socioprotetivas como goelato e levirato).

Os darshanim interpretavam a Torah no Templo, através da homilia. A fim de possibilitar uma melhor compreensão dos conceitos abstratos da Torah, da parte da população menos culta, ilustravam-na com elementos mitológicos e folclóricos, que eram mais assimiláveis. Assim, nutrida de ‘aggadah, a lição voltava aos darshanim que a reelaboravam na esteira do texto bíblico, para extrair dele novos ensinamentos, excogitando, concomitantemente, as técnicas mais fantasiosas e caracterizando-as em dois filões, distintos um do outro, ou então complementares um ao outro: o midraxe agadá ilustrativo-narrativo, e o midraxe halacá, da raiz HLKh, “caminhar”, que possui um caráter normativo-jurídico (LIMANTANI, 1998, p.19.).

O termo agadá origina-se do verbo lehagid no sentido de “narrar, explicar, admoestar, informar”. Se entende agadá também como lenda no sentido de “narração escrita”, que precisa, portanto, “ser lida”, de um fato religioso ou histórico. O termo Midrash (plural Midrashim) se origina da raiz drsh que tem como significado “explicar, interpretar, investigar, estudar a fundo”. E os darshanim são aqueles que se utilizam do Midrash para investigar o texto bíblico.

Rute: personagem e livro

O que chama justamente a atenção sobre o texto é a personagem reunir três elementos fundamentais sobre as questões sociais e uma tríplice categoria protegida por Deus: ela é uma mulher estrangeira, pobre e viúva. A leitura do Livro de Rute na festividade de Shavuot, semanas após Pessach, acentua Rute como uma espécie de memória que liga a libertação do cativeiro egípcio a uma legislação de cunho social para proteger os pobres e excluídos (cf. Dt 5,15; 24,20-22) (FERREIRA, 2005, p.22; 2013, p.502).

As duas vertentes de água que vão dar origem ao rio do Deuteronômio (Dt) são Ex 20,24-26, o tipo de altar sobre o qual os israelitas devem oferecer seus sacrifícios a Iahweh nos diversos santuários espalhados pelo país, que é a primeira lei do Código da Aliança (Ex 20,22-23,33), e Ex 34,10-26, prescrições referentes ao culto exclusivo a Iahweh e à observância do calendário litúrgico das festas do povo de Israel. Esses dois textos (Ex 20,24-26 e Ex 34,10-26) são de origem do bloco literário mais antigo do Deuteronômio e subjazem a Dt 12,13-19; 15,19–16,17; 26,1-11. Esses textos mais antigos originadores do Deuteronômio, e os que foram acrescentados mais tarde prescrevem a centralização da liturgia, isto é, dos sacrifícios, das celebrações e festas no templo de Jerusalém. (...) Uma outra vertente de água formadora de um afluente que vai desembocar no rio do Deuteronômio são os temas teológicos, tão básicos e caros ao povo de Israel, como o êxodo dos hebreus do Egito, a estada no Monte Sinai e a caminhada pelo deserto, presentes nas narrações mais antigas do Pentateuco. Esses temas teológicos presentes em outros livros encontram-se agora também em todas as camadas literárias do Deuteronômio (KRAMER, 2006, p.13-14).

Na terra de Israel, as espigas ou os feixes de espigas, os frutos, as uvas e as azeitonas deixados nos campos após a colheita eram destinados ao órfão, à viúva e ao estrangeiro, que assim tinham algo para poder comer (cf. Lv 19,9-10 e Dt 24,19). O proprietário não tinha o direito de raspar suas terras a ponto de nada deixar para os necessitados. A terra de Israel era considerada propriedade exclusiva de Deus (cf. Lv 25,23)8 . Diante de tal contexto, cada “proprietário de terra” deve se lembrar de que o solo não lhe pertence de todo, Deus empresta o solo. O “proprietário” tem direito a usufruir de seu trabalho, mas os pobres devem poder também servir-se do solo para alimentar-se em caso de necessidade.9

Primeiro capítulo

O primeiro capítulo do Livro de Rute inicia com uma alusão a época dos Juízes (cf. Rt 1,1 - יםִ טְ פֹשַּׁה טֹפְ ש ׁיֵ ימִ ב ּיִ הְיַו - Vaiehi bimei shefot haShoftim), que, literalmente, significa “no tempo em que julgavam os juízes”, ou “aconteceu nos dias do julgar dos juízes”. Assim, o autor recorre à tautologia que na retórica, usa um termo ou texto redundante, que repete a mesma ideia mais de uma vez.

A fome, a ausência de bens essenciais e o deslocamento de pessoas em busca de condições de sobrevivência eram situações periódicas de uma cultura agrária num território pouco favorecido pelas chuvas e mananciais capazes de tornar as terras férteis. O cenário inicial tem Belém como ponto de partida e a terra de Moab como ponto de chegada, onde a israelita Noemi seu marido, Elimelech e os filhos do casal Maalon e Quelion, foram durante um período de seca e fome em Judá. A história tem início com a morte em sequência de Elimelech e dos filhos de Noemi. Esta, desolada e sem qualquer provedor para garantir seu sustento e sobrevivência (cf. Rt 1,5)10, decide retornar a Belém pois, tomou conhecimento que YHWH havia escutado seu povo dando-lhe o que comer, a seca havia acabado (cf. Rt 1,3-6).

Noemi tomou o caminho de volta da planície de Moab para voltar a sua terra natal. Noemi pede as suas duas noras que permaneçam em Moab e voltem para casa de suas famílias; curioso é a locução: “casa de sua mãe” (Rt 1,8). Orfa acaba concordando, mas Rute se recusa e permanece firme com sua sogra Noemi e retorna com ela para Belém (cf. Rt 1,7-14).

16Não insistas comigo para que te deixe, pois para onde fores, irei também, onde for tua moradia, será também minha; teu povo, será meu povo e teu Deus será o meu Deus. 17Onde morreres, quero morrer e ser sepultada. Que YHWH me mande este castigo e acrescente mais este se outra coisa, a não ser a morte, me separar de ti! (cf. Rt 1,16-17)11

A entrada de Rute no povo e na religião de sua sogra é o momento culminante do capítulo e fundamental para compreender a história desenvolvida na narrativa do livro de Rute. E vendo Noemi que Rute estava decidida não insistiu mais. E as duas seguiram caminhando até Belém. Embora não fique explícito na narrativa, acredita-se que Noemi tenha uma antiga casa em Belém, local onde então passam a morar. A chegada de Noemi e Rute, em Belém, coincide com o período da colheita de cevada, a base do pão dos pobres, o pão mais barato. Mais tarde, é que será a colheita do trigo, para o pão mais fino e caro (PRADO, 2008, p.79).

Segundo capítulo

No Livro de Rute, parece que os pobres já não podiam catar os restos da colheita, a menos que os donos dos campos o permitissem (cf. Rt 2,2). O que era um direito, transforma-se em um favor (FERREIRA, 2013.p.503). Observa-se no livro de Rute que os costumes legais evidentes ou as medidas socioprotetivas refletem uma situação do período pós-exílico. Hubbard Jr. apresenta duas argumentações para a questão: 1ª) o Livro de Deuteronômio e, portanto, suas instruções sobre o levirato (cf. Dt 25, 5-10), data da reforma do Rei Josias (621 a.E.C.); 2ª) o exílio desorganizou a vida nacional de Israel a tal ponto que muitos costumes antigos caíram em desuso (HUBBARD Jr., 2008, p.46-47).

Rute, estrangeira, viúva e pobre, para poder alimentar a si e a sua sogra idosa, igualmente, viúva e pobre, depende de caridade; afinal ela é menos que uma serva; por isso, ela se considera como uma “estrangeira”, “estranha” sem a proteção da lei (cf. Rt 2,10) (FERREIRA, 2013.p.503). A afirmação de Rute “sou uma estrangeira” (הָיִ ּרְ כָנ יִ כֹנָ א ּanochí nokriá) demonstra sua consciência da vulnerabilidade de ser uma estrangeira e de que sua sobrevivência dependia totalmente da boa vontade dos proprietários de terras do local.

Torna-se relevante desenvolver os termos sobre o estrangeiro, especialmente nokri e nokriá, fundamental para narrativa do Livro de Rute. A palavra הָיִ ּרְ כָנ nokriá (estrangeira) é um termo étnico que designava no texto bíblico “uma pessoa de outro povo, alguém de fora do círculo da própria família daquele indivíduo” (HUBBARD Jr., 2008, p. 223). O nokri (estrangeiro) tinha um status social inferior ao guer (estrangeiro residente) como demonstra o estudo realizado por L. D. Marianno (2007, p. 94-96).

Wilson e Kirst traduzem [nokri] como estrangeiro ou estranho. Shöckel traduz como estranho, estrangeiro, desconhecido, forasteiro, adventício, imigrante, exótico e intruso. A mesma raiz com vocalização diferente também significa desgraça ou fracasso, portanto não seria difícil imaginar que, ao utilizar nokherî ao invés de gér, o redator quisesse fazer dupla associação: estrangeiro = desgraça. O nokherî é o estrangeiro, mas estrangeiro estranho à população local, o estrangeiro que não se adapta, que permanece um estranho (MARIANNO, 2007, p. 94-95).

Rute vai aos campos respigar e acaba no campo pertencente à Booz, que é da família de Elimelech (cf. Rt 2,3), o marido falecido de Noemi, a sogra de Rute (cf. Rt 2,2; 2,6-9; 2,15-16). Booz permite que Rute respigue em seu campo, recomenda que não faça isso em outros campos, não saia dali e fique junto de suas servas. Booz recomenda aos seus servos que Rute colhesse as espigas do seu campo sem que fosse constrangida ou menosprezada por sua condição (FERREIRA, 2013.p.503-504).

Se Booz era um parente próximo não caberia a ele proteger Noemi sem que ela dependesse de Rute para sobreviver, ter o que comer? Afinal, Booz toma tais atitudes de proteção apenas por conta do parentesco com Noemi e sensibilizado pela dedicação de Rute para com a sogra ou havia algum tipo de constrangimento causado aos pobres nos campos ou até mesmo uma violência e abusos em relação às mulheres (FERREIRA, 2013, p.503-504)? Ou ambos os motivos provocam a reação de Booz? Este reconforta Rute e a convida a comer junto com os segadores, isso equivalia a estabelecer laços duradouros (cf. Rt 2,14-17) (FERREIRA, 2013, p.504).

Rute respigou nesse campo até a tarde, juntou o que recolheu, meio almude (23 litros), uma quantidade extraordinária para uma respigadora das sobras dos segadores, e voltou ao encontro da sogra. A quantidade do que foi respigado por Rute chama a atenção de Noemi (cf. Rt 2, 17- 18). Rute desconhece o parentesco de Booz com sua sogra. E Noemi não sabe onde Rute respigou. Quando Rute diz onde foi que respigou é que Noemi se dá conta de que Booz é alguém (parente próximo e pode ser um resgatador, goel) que pode resgatá-las (Rt 2,20).12

This transaction raises legal questions, but more importantly, the proper inheritance of land has special significance in the Bible. Land was not to be alienated from its original owner or from his descendants. This principle lies behind many of the Bible´s laws and narratives – from the Division of property between Lot and Abraham, when Lot chooses the plain of the Jordan River and Abraham remains in the land of Canaan (Genesis 13:9- 12); to the claims of the daughters of Tzelofchad13, who gained the right to inherit the land when their father died without sons (Numbers 27); to the laws of the jubilee years when the land returns to its the original owner (Leviticus 25); and to the judgment that falls on King Ahab and Queen Jezebel for having killed so they could get his vineyard 1 Kings 21) (BERLIN, 2018, p.4).

O desfecho do 2º capítulo chama atenção ao fato de que Noemi e Booz nunca tenham se encontrado, de que não haja um diálogo entre eles e que eles não sejam descritos na narrativa como tendo interagido diretamente, mas ainda assim um sabe sobre o outro (cf. Rt 2,6.11.20; 3,2) (MEYERS, 2002, p.123). O que pode sugerir que apesar de ausente na narrativa, Noemi e Booz tenham interagido e trocado até mesmo de informações sobre Rute.

Terceiro Capítulo

Em troca da lealdade de Rute (cf. Rt 1-2), Noemi protege Rute, e faz com que ela se case com um parente (o goel) que ela tem (cf. Rt 3). Noemi assume a postura de uma guardiã. Isto é evidenciado pela palavra hebraica ḥamot (תומח (para sogra, que vem da raiz hmh que significa “cercar e proteger”. Esta raiz também dá origem à palavra ḥomah (המוח ( que significa “muro da cidade”. O profeta Isaías escreveu: “Coloquei sentinelas em seus muros, ó Jerusalém; jamais descansarão, dia e noite” (Isaías. 62,6). Noemi tornou-se o ḥomah (המוח ,(que busca a proteção de Rute (cf. Rt 3) (cf. ROSENBERG, 2018, p.1).

No contexto do Livro de Rute, a lei do resgate tem estreita ligação com a lei do levirato, que concerne diretamente a Noemi e Rute (FERREIRA, 2013, p.504). A situação de Noemi é grave, pois viúva de Elimelech, ela também perdeu seus dois filhos, que não deixaram descendência. A amizade e solidariedade entre Noemi e Rute fazem com que mudem de tática na luta pela sobrevivência. Já não é mais a luta para respigar e garantir o alimento na época da colheita, mas traçar planos para o futuro, o foco passa a ser a situação da família (cf. Rt 3,1). Noemi traça um plano e Rute segue as suas orientações, pois Noemi tem como ideia levar Booz a cumprir a lei do resgate (cf. Rt 3,2-6) (FERREIRA, 2013, p.503-504). Hubbard Jr comenta que “(...) a história é obviamente sobre duas mulheres em situação desesperadora dentro de uma sociedade dominada por homens. Por isso, parece refletir uma perspectiva feminina” (HUBBARD Jr., 2008, p.45).

Noemi e Rute ao se encontrarem sozinhas, viúvas sem filhos, as mulheres redirecionam a história, redefinem seus interesses, fazem a releitura das leis que garantem o pão, a terra, a descendência, o nome, o futuro. Elas têm a consciência de que precisam conquistar um goel [Booz] que coloque em andamento seu projeto e que leve a ser cumprido (FRIGERIO, 2007, p.8).

Afinal, Booz é o parente que deve cumprir o que manda a lei (cf. Rt 3,8-9). A narrativa não informa sobre a idade, as motivações e o perfil de Booz. Noemi se inspirou na história de Tamar, a esposa do filho mais velho de Judá (cf. Gn 38,1-26) que, ao ficar viúva, se disfarça de prostituta para obrigar seu sogro a cumprir a lei do levirato. Noemi instrui Rute a convencer Booz a cumprir a lei do resgate. Rute, assim como Tamar, se prepara, enfeita-se, vai ao celeiro do campo de Booz e espera Booz dormir, para a execução do plano (cf. Rt 3,4-7) (FERREIRA, 2013, p.505).

No breve diálogo entre Booz e Rute, Rute não pede um favor, mas apela para o direito que a lei lhe concede. Booz compreendeu o sentido das palavras de Rute (cf. Rt 3,8-13).

O texto de Rt 3 é construído (= tecido) de forma que Rute e Booz agem como pares para levar a bom termo o plano de Noemi, demonstrando a bondade, compaixão e generosidade contida no ser humano. Essa paridade que constitui o texto de Rt 3, e aproxima homem e mulher, fazendo-os agirem juntos, bem como a força e a coragem das personagens femininas, análoga à dos personagens masculinos, não é exclusiva do livro de Rute (VIEGAS, 2017, p.32). 14 ... a importância do diálogo neste livro pode ter alguma relevância para seu gênero. Nenhum outro livro na Bíblia Hebraica tem tantos diálogos em um texto narrativo. Uma vez que a história poderia facilmente ter sido contata em alguns poucos versículos, a multiplicação dos diálogos torna-se uma característica fundamental. Os personagens falam por si mesmos, em vez de terem suas ações descritas. Certamente, isso tem o efeito de identificar diretamente cada personagem. (...) Há evidências de que a frequente alternância entre os que falam, uma das características da apresentação dialogal seja mais comum em episódios narrados por mulheres do que por homens (MEYERS, 2002, p.122-123).15

Neste ponto da narrativa [o diálogo entre Rute e Booz] fica a dúvida: Rute quer que Booz cumpra a lei do levirato ou a lei do resgate? Como Booz exercerá o direito de resgate? A lei do resgate não obriga ninguém a se casar (cf. Ne 5, 8-11). Booz cumprirá a lei do levirato (família) ou alei do resgate (terra)? Na narrativa, os dois assuntos estão misturados e intrinsecamente ligados (MARINGOLI, 2014, p.72).

L. Alonso Schökel (2006) destaca duas instituições legais, expressão da solidariedade civil, que amarram o relato da narrativa: o levirato (cf. Dt 25, 5-10) e o goelato (cf. Lv 25, 23-43). O levirato tem por objetivo salvar o nome do falecido e a solidão da viúva. O goelato, por sua vez é o resgate das terras para a família e da liberdade das pessoas. O cenário legal é ainda composto pelo direito dos pobres de respigar (cf. Lv 19, 9-10; Dt 24, 19-22), o matrimônio com mulheres estrangeiras e a incorporação de estrangeiros à comunidade de Israel (ALONSO SCHÖKEL, 2006, p. 473).

O goelato é função obrigatória do parente, e não simples esmola por pura compaixão; é função do rei (Sl 72) e do Senhor (Is 40-55). Noemi toma o termo em sentido amplo. A raiz predomina no relato: verbo: 3, 13; 4,4 três vezes; 4,6 duas vezes particípio; 2,20; 3,9.12 bis; 4, 1.3.6.8.14 – substantivo: 4,6.9 (ALONSO SCHÖKEL, 2006, p. 473).

Outro aspecto comentado por Alonso Schökel (2006, p.473) é que mesmo durante a sua ausência Noemi conservou a propriedade dos terrenos familiares. No seu retorno, talvez forçada pela necessidade os põe à venda. Rute pelo casamento com o falecido Quelion (filho de Noemi), também Rute pertence aos bens familiares. Terra e mulher formam então um lote inseparável: no terreno familiar, o nome do falecido Elimelech (marido de Noemi) se perpetuará.

Sobre a Lei do Levirato observa-se as diferenças significativas entre os textos de Dt e Rt. Deuteronômio 25 limita o dever do levirato a irmãos verdadeiros, Rute ampliou a parentes mais distantes. Por sua vez, em Deuteronômio 25, o dever do levirato é obrigatório enquanto em Rute é voluntário (cf. Rt 3,13; 4,4). O livro de Deuteronômio atribui vergonha à omissão de cumprir o Levirato, enquanto em Rute a questão está ausente.

(...) o modelo segundo o qual o livro de Rute, em cada um de seus capítulos, pode ser compreendido como exegese intrabíblica das leis de Deuteronômio 23-25 sobre comunidade, família e justiça social, aponta para um período pós-exílico como o contexto mais lógico para a composição do livro (LEVINSON, 2011, p.53). Rute é o único exemplo de todo um livro que sujeita sistematicamente as regulamentações do código deuteronômico a uma releitura sociocrítica (Rt 1-2) e sexual- -crítica (Rt 3-4) por meio de alusões de diferentes tipos” (Braulik, “Book of Ruth as Intra-Biblical Critique”, 18). (BRAULIK apud LEVINSON, 2011, nota 27, p.53)

Bernard M. Levinson (2011) tomando como referência o estudo de Georg Braulik demonstra “até que ponto o livro de Rute depende e reinterpreta o material legal do Pentateuco, baseando-se no corpus legal do Deuteronômio em particular” (LEVINSON, 2011, p.52).

Quarto Capítulo

Na passagem Rt 4,5-8 observa-se a afirmação de que só adquire o direito de resgatar a terra de Noemi, aquele que aceitar casar-se com Rute. O tema sobre o resgate é recorrente – foi mencionado no segundo capítulo (cf. Rt 2,15-23), como assunto central e, também, no terceiro capítulo, durante a conversa entre Booz e Rute (cf. Rt 3,8-13). As palavras que predominam na narrativa são “resgatar”, “resgatar o nome”, o que demonstra onde está centralizado o interesse da perícope Rt 4,1-12 (FERREIRA, 2013, p.505). Contudo, em Rt 4, o levirato e o goelato estão juntos como se fossem a mesma coisa. Uma vez garantido o goelato16 (cf. Rt 4,4), se faz necessário tratar a questão do levirato (cf. Rt 4,5) para garantir herdeiros e a perpetuação do nome dos falecidos maridos de Noemi e de Rute, sem contar que sem o levirato as duas mulheres ficam desprotegidas por não terem filhos. De acordo com Alonso Schökel (2006) a vinculação entre a nora (Rute) ao terreno poderia ser um ato de jurisprudência ou lei consuetudinária (ALONSO SCHÖKEL, 2006, p.481; HUBBARD Jr., 2008, p.77-82). Já no plano simbólico é conhecida a vinculação entre terra e esposa (cf. Os 2,23-25; Is 62,4; Eclo 40,19).

Três áreas de costume legal israelita são cruciais à base no livro de Rute: a herança, a redenção (Heb. ge`ullâ) e o novo casamento de uma viúva sem filhos. O AT em outra parte atesta a prática desses costumes tanto em contextos narrativos quanto legais. Especialmente importantes são as instruções legais concernentes ao resgate (Lv 25,23-34,47-55) e o casamento levirato (Dt 25, 5-10) bem como as conhecidas narrativas sobre as filhas de Zelofeade (Nm 27; 36), Judá e Tamar (Gn 38) e a compra que Jeremias fez de um campo (Jr 32). (...) Rute tem todos os três costumes inter-relacionados em apoio de uma trama narrativa. Mais problemático ainda, só Rute combina duas práticas que são normalmente consideradas como separadas, a saber, a redenção de propriedade familiar e a procriação de um herdeiro para um parente falecido (4,3-5). Como resultado, é extremamente difícil relacionar os costumes legais evidentes em Rute com costumes comparáveis em outros textos bíblicos (HUBBARD Jr. 2008, p. 77-78).

Em Rt 4,6, o 1º goel cujo nome nunca é mencionado na narrativa acaba recusando a proposta de Booz. Afinal, o campo comprado ficará no nome de Elimelech e será do filho que nascer do casamento com Rute. Sendo assim, o dinheiro da compra do campo é tirado dos bens hereditários do comprador e de seus filhos obtidos com outra mulher. De acordo com o costume, Booz tira a sua sandália para validar a transação de se tornar o goel e simultaneamente o levir (cf. Rt 4,7)17

9Booz disse aos anciãos e a todo povo: “Sois testemunhas hoje de que comprei da mão de Noemi tudo o que pertencia a Elimelec e tudo o que pertencia a Maalon e a Quelion; 10ao mesmo tempo adquiro por mulher Rute, a moabita, viúva de Maalon, para perpetuar o nome do falecido sobre sua herança e para que o nome do falecido não desapareça do meio dos seus irmãos nem da porta de sua cidade. Disso sois testemunhas hoje.” 11E todo o povo que se achava junto à porta, bem como os anciãos, responderam: “Nós somos testemunhas! Que Iahweh torne essa mulher que entra em tua casa semelhante a Raquel e a Lia, que formaram a casa de Israel. Torna-te poderoso em Éfrata adquire um nome em Belém. (cf. Rt 4,9-11)

Observa-se ao longo da narrativa como Rute, a viúva, estrangeira e pobre cresce na consideração dos que a cercam. Inicialmente, ela foi acolhida por Noemi, sua sogra (cf. Rt 1,18), posteriormente ela foi recebida como filha de Abraão por Booz (cf. Rt 2,11-12); e finalmente, com a união com Booz, agora é “toda a porta do meu povo”18 (cf. Rt 4,11), que vê nela “uma mulher de valor”, título que também é dado a Booz e aos juízes de Israel (cf. Rt 2,1; Jz 6,12; 11,1) (FERREIRA, 2013, p.505).

Rute foi abençoada e reconhecida como sendo parte do povo judeu “Que YHWH torne essa mulher que entra em tua casa semelhante a Raquel e a Lia, que formaram a casa de Israel” (cf. Rt 4,11).

The ancient world had no mechanism for religious conversion or change of citizenship; the very notion was unthinkable. Religion and peoplehood defined one’s ethnic identity, and this could no more be changed than the color of one’s skin. A Moabite was always a Moabite, wherever he or she lived. And indeed, Ruth is referred to throughout the story as “the Moabitess.” But from Ruth’s point of view, she is becoming an Israelite. She is joining herself to Naomi not only on the private family level, but also on the national peoplehood level (BERLIN, 2018, p.4-5).

Os patriarcas e matriarcas têm como elemento comum, um pacto com Deus, no qual se estabelece um compromisso mútuo, que se ratifica a cada geração na transmissão de valores e pela circuncisão. De acordo com o texto bíblico, Abraão, o primeiro hebreu, abandona o lar na Mesopotâmia em cumprimento à ordem divina, na direção de um novo destino (cf. Gn 12,1-2). A circuncisão é a formalização do pacto entre Abraão e Deus por meio de um sinal físico (cf. Gn 17,10-11). O pacto se renova com o filho de Abraão, Isaac (cf. Gn 26,24) e por sua vez, a promessa divina se repete também com Jacó, filho de Isaac e neto de Abraão (cf. Gn 28,13-15) (FERREIRA, 2005, p. 21-22).

A família original se transferiu para a terra do Egito devido a um período de seca em Canaã. Inicialmente, os descendentes de Abraão foram beneficiados pelo posto ocupado por José, filho de Jacó na estrutura política egípcia. No livro de Êxodo, encontramos o relato de que em determinado momento da história egípcia, um novo rei que não conhecera José escravizou os filhos de Israel, que ali permaneceram na condição de escravos durante um período de aproximadamente quatrocentos anos (cf. Ex 1).

Esse episódio constitui motivo de recordação e reflexão que marcam a festividade de Pessach, a Páscoa Judaica, que celebra a libertação do cativeiro egípcio. Esse episódio marca não somente a intervenção divina, agindo histórica e concretamente em benefício dos descendentes dos patriarcas, com os quais tinha um pacto, mas reafirma esse pacto com a revelação do que posteriormente conhecemos como Torá (Pentateuco). Esse pacto cria o judaísmo propriamente dito como uma religião com seu texto de referência, estatutos, normas de conduta de vida revelados coletivamente aos descendestes dos patriarcas, os filhos de Israel, que trazem em seu nome a marca do pacto realizado com seus antepassados. Essa marca continuará no nome Israel, mas terá um novo alcance com o que foi revelado no Monte Sinai.

A Torá estabelece o terceiro elemento do pacto entre Deus e os patriarcas. Se anteriormente a relação pactual era terra-povo, a partir de Moisés e o pacto sinaítico, o pacto se renova com uma tríplice condição: terra-povo-Torá. Terra, povo e Torá são os elementos interdependentes que formam um tripé, que sustentam o judaísmo.A. Berlin sintetiza magistralmente os temas comuns desde o Livro de Gênesis aos Livros de Reis e dos Profetas com o Livro de Rute da seguinte forma: “The Book of Ruth, too, is about exile and return, land and people. (...) Land plays a large role in the Book of Ruth”(BERLIN, 2018, p.3-4).

A narrativa de Rt ao final (cf. Rt 4,17-22) parece ser um apêndice colocado posteriormente com a finalidade de justificar a genealogia e mencionar a questão da ligação entre Rute e Davi.

Por que será que o autor/a de Rute situa os acontecimentos em Belém de Judá e os seus personagens como efrateus? Por causa da genealogia de Davi em 4,17b-22 (Booz gerou Obed, Obed gerou Jessé e Jessé gerou Davi)? Mas seria a genealogia de Davi parte da obra original ou um acréscimo posterior19 usado para “canonizar” o livro? Ora a genealogia tem uma perspectiva exclusivamente androcêntrica, em contraste com o restante do livro que tem uma perspectiva ginocêntrica. Como conciliar as duas coisas? Buscando outra solução, há quem pense que pode ser uma aplicação da profecia de Mq 5,1-3 (5,1a: “E tu, Belém-Éfrata, pequena entre os clãs de Judá, de ti sairá para mim aquele que governará Israel”) ... Porém assim não estamos, mais uma vez, arrumando uma solução “davídica” para o problema? Outros dizem: sim, solução davídica, mas não por causa deste ou daquele texto, mas porque há um “davidismo” forte entre os judaítas que elogiam Belém em contraste com Jerusalém, pois os reis (de Jerusalém) levaram Judá ao exílio, enquanto Davi (de Belém) levou as tribos acuadas e dispersas a grande país... Contudo, pergunta-se ainda: há realmente este “davidismo” no pós-exílio? Como comprová-lo? De qualquer maneira, seria viável a postura que insiste em ler o livro de Rute como uma defesa da restauração da dinastia davídica no pós-exílio? (SILVA, 2008, p.1).

O livro de Rute por afinidade de pensamento e ideias expostas, se aproxima das ideias do Terceiro Isaías, que coloca não judeus (cf. Is 66,21) como sacerdotes e levitas numa postura totalmente oposta ao pensamento de Esdras e Neemias. Neste contexto, a genealogia ligando Rute a Davi e, consequentemente, ao Messias é uma poderosa mensagem de dimensões social, política e religiosa da inclusão dos estrangeiros na comunidade de Israel, como também das ideias universalistas abordadas pelo Segundo Isaías (cf. Is 40–55), em Malaquias e no Terceiro Isaías (cf. Is 56–66).

Shalosh Regalim

A festividade de Pessach é o primeiro dos shalosh regalim, os três festivais de peregrinação (Pessach, Shavuot e Sucot), datas máximas do calendário judaico bíblico, quando os judeus convergiam para Jerusalém, para celebrar e trazer as oferendas ao Templo.

Pessach celebra a libertação do Povo Judeu da escravidão egípcia; Shavuot, a Revelação Divina no Monte Sinai e o recebimento da Torá (Pentateuco) – o principal propósito da saída do Egito; e, Sucot, a proteção Divina com a qual foi agraciada a geração de judeus que foi libertada do Egito após os 40 anos em que percorreu o Deserto do Sinai. Na segunda noite de Pessach, iniciamos a Sefirát HaÔmer20, contando 49 dias entre Pessach e Shavuot, dia em que a Torá foi outorgada ao povo de Israel. Esta contagem foi ordenada por Deus e serve como preparação ao povo para o recebimento da Torá. A palavra hebraica sefirá basicamente significa cálculo ou contagem.21

Pode-se considerar, portanto, Shavuot, de certa forma, como a conclusão da festa de Pessach. Seu próprio nome, que significa “Semanas”, evidencia a ligação entre ambas. A festividade de Shavuot é vista como o feriado que lembra o dia em que YHWH deu ao povo judeu a Torá, logo após a descida de Moisés do Monte Sinai. Contudo, na Torá não há referências que o feriado de Shavuot é de qualquer maneira relacionado com Matan Torá (a outorga da Torá). Na Bíblia, Shavuot é estritamente um festival agrícola, que marcava a transição entre a colheita de cevada - que era trazida ao sacerdote no Templo de Jerusalém em 16 de Nisan (Pessach cai em 14 de Nisan) - e o começo da época de amadurecimento do trigo, que começava na primeira semana do mês de Sivan.

A Torá se refere à Shavuot por várias expressões: 1) como Chag haKatzir, a festa da colheita (cf. Ex. 23,14-19); 2) como Chag haShavuot, o festival das semanas (cf. Nm 28,26); e 3) como Iom haBikurim, o dia dos primeiros frutos, das primícias, quando os lavradores traziam seus produtos ao Templo, como oferenda (cf. Lv 23,9-22). Portanto, sempre significados agrícolas.

A festividade de Shavuot foi ressignificada após e em consequência da destruição do Segundo Templo no ano 70 E.C (cf. KIRSCHBAUM, 2003). Ocorreu uma transformação notável no caráter do festival. Com base no versículo “No terceiro mês de saírem os filhos de Israel da terra do Egito, neste dia chegaram ao deserto do Sinai” (Ex 19,1), o festival tornou-se o aniversário da outorga da Torá (zman matan torateinu, “o tempo da doação de nossa Torá”). A festividade perdeu seu caráter primariamente agrícola e de festa de peregrinação ao Templo para receber um novo significado, uma nova dimensão, a dimensão espiritual. O novo significado da festividade de Shavuot foi intenso e para compensar a inexistência de cerimônias bíblicas conectadas com a outorga da Torá foram criadas: a introdução do tikun leil Shavuot e a leitura do livro de Rute.

De acordo com o Midrash (“Interpretação”), na noite anterior à entrega da Torah no Monte Sinai, os israelitas adormeceram e tiveram que ser acordados por Moisés com trovões e relâmpagos. Para compensar o desrespeito, indiferença e insensibilidade dos “nossos” antepassados, para reparar aquela afronta a Deus, passa- -se a noite em claro, estudando, demonstrando assim que participantes estão plenamente conscientes da importância do evento e é aguardado com grande expectativa a Revelação. O costume tem o nome de tikun leil Shavuot, literalmente “o aprimoramento da noite de Shavuot”. Os mais observantes passam a noite inteira estudando trechos dos livros sagrados – Tanach (Bíblia Hebraica), Mishná (“Aquilo que se repete” - leis, debates e explicações sobre as Mitzvot da Torah e os versículos do Tanach), Talmud (“Aquilo que se ensina” – acréscimos, explicações e debates sobre o que consta na Mishná), Zohar (“Esplendor”, uma das obras mais conhecidas e influentes da Cabalá) - lendo poemas litúrgicos e recitando orações. Nas comunidades mais liberais, realiza-se um Lernen de Shavuot, uma sessão de estudos ou uma discussão em grupo sobre um tema judaico de interesse geral (FERREIRA, 2013, p.501).

Nota-se algumas razões para a leitura do Livro de Rute na festividade de Shavuot: 1) O Livro de Rute descreve detalhadamente a beleza da época da colheita, que coincide com Shavuot – resgate de seu caráter agrícola. Os judeus podem estar espalhados em várias comunidades pelo mundo, mas a liturgia, as festas judaicas e a leitura do livro de Rute fortalecem os laços que os ligam a esta terra especial. 2) No Livro de Rute alguns importantes conceitos são relembrados tais como as leis que tratam de questões sociais que se referem ao pobre, ao estrangeiro, aos órfãos e viúvas, trabalhadores, atitudes de tolerância e benevolência (cf. Lv 19,9-10; 23,22 e Dt 24,20-22).

O conceito de Mitzvah e as Mitzvot socioprotetivas

A Torá está repleta de ensinamentos e regras básicas do Judaísmo. Esses ensinamentos chamados de mitzvot (preceitos) são considerados a espinha dorsal do Judaísmo. As mitzvot mostram os deveres e obrigações que judeus devem observar. São apresentados de duas formas: ordens e proibições. No total há 248 ordens e 365 proibições distribuídas pelos cinco livros (Torá), totalizando 613 mitzvot. A distribuição das mitzvot do quadro abaixo tem como referência os estudos de MAIMÔNIDES (1990; 2000; 2012).

As mitzvot geralmente são divididas em dois grupos: mitzvot que dizem respeito às relações entre o Homem e YHWH (bein adám lamakom) e mitzvot entre o Homem e seu próximo (bein adám l’haveró).

As 613 mitzvot podem ser denominadas de:

Mishpatim (juízos) – De modo geral são as leis que parecem de existência óbvia e mesmo que não existissem, devem ser observadas tipo não matar, não roubar, respeitar o pai e a mãe.

Edut (testemunho) – De modo geral são as leis que são compreendidas e leis que se referem a coisas práticas da vida cotidiana, das festividades etc.

Chukim, chuká (estatuto) – Origina-se de Chakiká, que significa “gravar” (na pedra, por exemplo). De modo geral são as leis que não são compreendidas, mas devem ser respeitadas. Como por exemplo, o de não vestir roupa que contenha mistura de lã e linho (shaatnez).

Assêret Hadibrot
Quando se menciona Assêret Hadibrot, mais comumente conhecida como os Dez Mandamentos, algumas pessoas possuem uma falsa impressão de que existem Dez Mandamentos que foram separados como sendo os mais importantes da Torá. Mas na verdade, a tradução correta de Assêret Hadibrot é “Dez Falas” ou “Dez Ditos”, sendo que estes são dez princípios que incluem toda a Torá e seus 613 preceitos, inclusive estes dez.

Divisão dos mandamentos: As Mitzvot Asê (Mandamentos Positivos 248) e as Mitzvot Lo Taasê (Mandamentos Negativos 365): Talmud Macot 24a – “Interpretou Rabi Simlai: 613 preceitos foram dados a Moisés: 365 proibições – conforme o número de dias do ano solar, e 248 preceitos positivos – conforme o número de ossos do corpo humano”.

O livro de Rute, nesse sentido, é particularmente relevante para o estudo sobre a condição feminina e as medidas socioprotetivas previstas na Bíblia Hebraica. A personagem Rute, como protagonista do livro que leva seu nome, evidência e põe em destaque a ação da mulher no que diz respeito ao seu valor, ao resgate da sua dignidade e à participação da mulher na luta pela execução dos direitos previstos na Torá; condição que mostra como a libertação exodal continua vigorando no antigo Israel. De tal forma, procura-se evidenciar a realidade e o significado da experiência feminina e as questões sociais que o livro reflete.

A narrativa de Rute torna-se, portanto, uma espécie de resgate da legislação social que objetiva reestabelecer procedimentos justos para com a camada social menos favorecida (FERREIRA, 2013, p.502).

Medidas socioprotetivas e sua presença no Livro de Rute

Lei do levirato (cf. Rt 3,7-13; 4,1-13): esta lei estabelecia que se um homem casado morresse sem ter filhos, um de seus irmãos devia casar-se com a viúva, e o primogênito de tal união seria legalmente considerado como filho do falecido (Dt 25,5-10). O objetivo é o de perpetuar a descendência masculina, “o nome”, garantindo assim a continuidade da família e impedir que o patrimônio passe para as mãos de outros. Ver também a história de Tamar (cf. Gn 38,1-26). Quando um homem falece sem deixar filhos, seu irmão deve desposar a viúva, para através de seus filhos preservar seu nome. Este costume era conhecido como “casamento por levirato”.

Booz embora não fosse irmão de Machlon (falecido marido de Rute e filho de Noemi), deveria também preservar seu nome, casando com a viúva, caso aceitasse ser seu redentor/resgatador. Booz reconhece que há outro parente que poderia ser o redentor e o convoca para uma conversa no portão da cidade na presença de dez homens entre os anciões da cidade como testemunhas, para que afirme se aceita ou não assumir esta responsabilidade, lembrando que uma resposta afirmativa acarretaria também a obrigação de casar com Rute, a viúva de Machlon. O parente aceitou comprar o campo (lei do resgate), mas quando foi colocada a questão de que ao comprar o campo de Noemi e da viúva Rute, ela também deveria ser redimida para preservar o nome e a herança do falecido (lei do levirato) a resposta foi negativa. Como este parente não aceitou ser o redentor, Booz ficou livre para assumir esta função. Observava-se que o menino que nascer será o herdeiro legal de Maalon (o falecido marido de Rute) e de Elimelech (falecido marido de Noemi) e é a ele que pertencerá o terreno. Donde a razão provável da recusa do primeiro goel que temia com isso sofrer prejuízos na negociação. Como Noemi não tem mais idade para gerar filhos, apenas Rute fica como alvo da lei do levirato.

Lei de resgate (cf. Rt 2,1.20; 3,9.12-13; 4,1-17): A lei do resgate estabelecia dois pontos principais:

1) Se alguém, por motivo de empobrecimento, fosse obrigado a vender a sua terra, então o parente mais rico tinha a obrigação de “resgatá-la”. Ou seja, ele devia comprá-la não para si mesmo, mas para dá-la ao parente pobre impossibilitado de fazê-lo (cf. Lv 25,23-25).
2) Se alguém, por motivo de empobrecimento, via-se obrigado a vender-se a si mesmo como escravo, o parente mais próximo tinha a obrigação de “resgatá-lo”. Ou seja, ele devia pagar a soma necessária para que seu irmão recobrasse a liberdade (cf. Lv 25,47-49). Esse parente próximo era chamado de “resgatador” (em hebraico, goel). O objetivo da lei do resgate era de defender e fortalecer a família no sentido amplo. A lei também impedia que um pequeno grupo acumulasse propriedades à custa dos mais pobres e impedia que as pessoas pobres viessem a perder a sua liberdade, tornando-se escravos de pessoas com maiores recursos.

Resgate das propriedades (Lv 25,23-34) versus resgate de pessoas (Lv 25,35-55): Estas medidas apresentadas em Lv 25 tinham por finalidade assegurar a estabilidade da sociedade fundada sobre a família e o bem familiar.

Na narrativa de Rt 3–4 encontra-se a união das leis do Resgate e Levirato a partir da experiência de sororidade e fidelidade entre Rute e Noemi. Dessa forma, “o salto que o Livro de Rute dá é algo novo é uma resposta ao projeto de Esdras” (FERREIRA, 2014, p.333). O salto é este:

A “lei do levirato” (cunhado) deverá ser ampliada. Não só o irmão, mas qualquer parente da “grande família” é obrigado a observá-la. Então, o quadro dos defensores dos pobres vai se expandindo. Se a lei anterior contemplava somente a “pequena família” agora irá estar na defesa da “grande família”, isto é, o clã, a comunidade. De familiar, a lei toma uma perspectiva social mais ampla. A preocupação se expande para a sociedade (FERREIRA, 2014, p.333).

No diálogo de Booz e Rute (cf. Rt 3,9-13), esta declara que estava sob o direito de resgate dele. Booz assumiu a nova concepção legal, ou melhor, a revisão legal, mas deixa claro que havia um outro parente que teria o direito de resgate (cf Rt 3,12) e que irá tratar da questão. Quase ao final do capítulo 3, Booz se dirige à Rute pedindo-lhe que estenda o manto. Booz ao encher o manto de sementes reafirma o compromisso com Rute reforçando as conotações matrimoniais entre eles e ao mesmo tempo protege Rute de ser acusada de adultério. Por sua vez, as medidas socioprotetivas listadas logo abaixo ganham importância na narrativa de Rt 2.

Leket (cf. Rt 2): Uma ou duas espigas que caíram da mão durante a ceifa não devem ser recolhidas, e sim deixadas para que os pobres as recolham.

Peá (cf. Rt 2): O dono da terra ao colher no seu campo não deve ceifá-lo todo, e sim deixar um pouco de colheita nas extremidades para os necessitados. A peá também deve ser deixada nos pomares e vinhedos.

Peret e Olelot (cf. Rt 2,1-23): Peret é uma uva ou duas que se desprendem de um cacho na hora da colheita. Olelot são cachos pequenos, cujas uvas são separadas. Deve-se deixar tanto o peret quanto os olelot no vinhedo, sem colhê-los, para que sejam colhidos pelos pobres. Apresenta-se de forma vívida a aplicação das leis referentes à respiga. (cf. Lv 19,9-10; Dt 24,19-22)

Shichechá (Rt 2): Quem esqueceu as espigas ou feixes de espigas no campo durante a colheita, não pode voltar para pegá-los e sim deixar para os pobres. A mesma lei é válida para os pomares e vinhedos.

Os conceitos de Lêket, Peá, Peret, Olelot e Shichechá estão relacionados e fazem parte das chamadas Mitzvot Assê (248 Mandamentos Positivos ou ações positivas):

Mandamento 120 – aborda o conceito de Peá para os pobres (cf. Lv 19,9-10).

Mandamento 121 – aborda a respiga para os pobres (cf. Lv 19,9-10; Lv 23,22).

Mandamento 122 – aborda sobre deixar a gavela esquecida para os pobres (cf. Dt 24,19-20).

Mandamento 123 – aborda sobre deixar as sobras dos cachos de uvas para os pobres (cf. Lv 19,10; Dt 24,19-21).

Mandamento 124 – aborda sobre deixar as uvas caídas para os pobres (cf. Lv 19,10).

Shemitá (Rt 2): A shemitá ocorre a cada sete anos na Terra de Israel. Durante este ano sabático, a Terra de Israel não pode ser cultivada. Quando se inicia este sétimo ano, todos os empréstimos e dívidas são cancelados. Além disso, todos eram obrigados a emprestar ao necessitado, dinheiro e alimentos sem juros. E também, toda a safra agrícola, que cresce naturalmente, não podendo ter sido cultivada, pertence aos pobres, aos estrangeiros e aos animais domesticados. A shemitá lembra ao povo judeu que toda a terra, na realidade, pertence a Deus e não ao homem. (cf. Lv 25,2-10; 25,20-22.35-40; Dt 15,1-2).

Observa-se ainda alguns mandamentos que embora não tenham sido explicitamente citados na narrativa do Livro de Rute são importantes para compreensão e até mesmo complementação do quadro de medidas socioprotetivas:

Mandamento 130 - aborda o dízimo do homem pobre (cf. Dt 14, 26-29).

Mandamento 141 – aborda o cancelamento das dívidas no Ano de Shabat (cf. Dt 15,2).

Considerações finais

Rute, a estrangeira, é a imagem que representa a mulher corajosa do tempo pós-exílico, que colabora na reconstrução de Israel, mas não de um Israel e de um judaísmo organizados e centralizados em torno do Templo, de monarquias e de leis excludentes. O Livro de Rute resgata as leis que garantem os direitos dos pobres e abrem uma perspectiva para a inclusão das mulheres estrangeiras.

Na narrativa de Rute, um dos temas igualmente constante é o respeito ao estrangeiro fazendo Israel lembrar-se que foi estrangeiro e cativo na terra do Egito e sua libertação foi uma ação de YHWH. A lembrança da saída do Egito é fundamental para a compreensão do nascimento do povo e da própria religião. A saída do Egito marca o início do povo judeu como um grupo organizado e regido por suas próprias leis, reveladas ao povo por Moisés, sete semanas após a saída do cativeiro egípcio. Conclui-se que muitas das leis presentes no texto bíblico tenham sido criadas sob o impacto do efeito do cativeiro egípcio sobre o povo judaico. Encontra-se um número expressivo de leis que tratam de questões sociais que se referem ao pobre, ao estrangeiro, aos órfãos e viúvas, trabalhadores, atitudes de tolerância e benevolência, nos quais a lembrança do cativeiro egípcio é frequentemente mencionada através de um leitmotiv que funciona como um imperativo de lembrança “E lembrarás que servo foste na terra do Egito” (Dt 5,15) e que perpassa o texto bíblico em diversas passagens. Essa lembrança justifica todas as orientações da legislação social com o intuito de estabelecer procedimentos justos para com os menos favorecidos.

No livro de Rute, os costumes legais servem de pano de fundo fundamental aos eventos da narrativa. Os exemplos mais evidentes são a prática de respigar (cf. Rt 2), o goelato, o papel a ser desempenhado pelo goel (parente resgatador cf. Rt 2,20; 3,9.12-13; 4,4.6) e ainda o processo legal à porta da cidade (cf. Rt 4, 1-12). O fundo legal especificamente de respigar não apresenta ambiguidade entre o Pentateuco e o Livro de Rute. Em contrapartida, os temas sobre goelato e levirato passam por uma revisão legal ou ressignificação para adequar tais leis com a narrativa de Rute.

Portanto, o Livro de Rute une temas e preocupações presentes e constantes nas três festas judaicas de Pessach, Shavuot e Sucot (Shalosh Regalim) sobre os “direitos humanos” e as medidas socioprotetivas, além de refletir uma corrente universalista dentro do judaísmo pós-exílico.

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Notas

[1]O presente artigo é o resultado da Pesquisa de Pós-doutorado em Teologia Bíblica intitulada “Livro de Rute: o protagonismo feminino e a valorização das medidas socioprotetivas presentes na Torá”, realizada no Departamento de Teologia da PUCRio entre 2017 e 2018. Supervisão do Prof. Dr. Pe. Leonardo Agostini Fernandes.

[2] Ciclo de leitura sinagogal: “A leitura da Torá (Pentateuco) é realizada normalmente nas segundas, quintas e sábados. Este costume é uma forma de liturgia que data desde os tempos do retorno dos judeus do exílio babilônico no século VI a.E.C. A leitura também é parte do sistema integrado na liturgia de oração e estudo. A Torá é dividida em cinquenta e quatro partes chamadas de Parashá (“sessão”), no plural Parashiot. Deste modo, a cada semana é lida uma Parashá e ao final de um ano, a leitura é concluída e reiniciada ano após ano sucessivamente. A leitura da Parashá se inicia sábado à tarde, tem sua continuação às segundas e quintas e continuação, seguida de conclusão, sábado de manhã. A Torá, conjuntamente com outras partes do Tanach (Bíblia Hebraica), também é lida nos dias festivos, sendo os trechos escolhidos para esta leitura de alguma forma relacionados aos temas de cada festa. Os trechos lidos são divididos para que vários participantes possam ser chamados à leitura da Torá (aliá). Após a leitura da Torá (aliá leTorá), uma última pessoa é chamada sob o título de Maftir “aquele que conclui”, “aquele que encerra” para fazer a leitura da Haftará. O sentido literal de Haftará é “conclusão” e refere-se à leitura de trechos selecionados dos livros dos Profetas (Neviim). A Haftará é relacionada ao tema da leitura da Torá, permitindo uma compreensão mais profunda da leitura desta e dos dias festivos.”)

[3]De acordo com o Talmud (Baba Bathra, 14), os livros de Rute, Juízes, I e II Samuel são atribuídos a Samuel.

[4]Citação de datas: Segue a tendência internacional para pesquisas de culturas não cristãs: a.E.C. (antes da Era Comum) = a.C. (antes de Cristo) e E.C. (Era Comum) = d.C. (depois de Cristo).

[5]Datação exílica: Esta hipótese tem por base a abundância de “restos” aramaicos (aramaísmos), no arcaísmo de alguns costumes da história (cf. Rt 4,7), nas discrepâncias com a lei deuteronomista e em sua abertura universalista.

[6]O Levirato como abordado no Livro de Rute difere do texto de Deuteronômio 25. A questão será abordada mais adiante.

[7] H. Gunkel definiu o Livro de Rute como Novelle (cf. VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1988, p. 30). O Livro de Rute se trata do que em língua alemã se denomina de Novelle, e que seria traduzido por “novela curta”, compreendida como um relato breve, de argumento fictício, simples e de poucos personagens (cf. NAVARRO PUERTO. 2011, p. 335).

[8]Cf. Js 22,19; Sl 85,2; Os 9,3; Jr 16,18; Ez 35,5

[9]Cf. Zc 7,9-10: Deus defende a viúva, o órfão, o migrante e o pobre. Sobre a causa da viúva e do órfão: Ex 22,21; Dt 24,21-22; Is 1,17.23; 9,16; Jr 7,6; 22,3; Ez 22,7; Sl 82,3; Zc 7,9. Sobre a causa do estrangeiro ou migrante: Ex 22,20; 23,9; Lv 19,10; 25,35; Dt 15,11; Am 2,6; 5,12; 8,6; Is 3,15; 10,13; 11,4; Zc 7,10. Sobre a causa do pobre: Ex 22,24; 23,11; Lv 19,10; 25,35; Dt 15,11; Am 2,6; 5,12; 8,6; Is 3,15; 10,13; 11,4; Zc 7,10.

[10]Noemi sem marido e sem filhos encontra-se em situação de grande abandono (cf. Is 47,8-9; 51 e Lm).

[11]Os textos bíblicos citados seguem conforme a Bíblia do Peregrino, indicada nas referências bibliográficas.

[12]Sendo da família de Elimelech (marido de Noemi), Booz poderia ser considerado um redentor/resgatador, ou seja, alguém que preserva a propriedade de um parente empobrecido (cf. Lv 25,29).

[13]Observa-se que as filhas não recebiam herança, pois o objetivo era a conservação do patrimônio dentro das famílias do mesmo clã, não permitindo o aumento ou diminuição de propriedade entre elas. No caso de quando o pai só tinha filhas, como as filhas de Salfaad, que morreu sem deixar herdeiro homem, as filhas tomaram a iniciativa e pediram aos chefes da comunidade Moisés e ao sacerdote Eleazar, o direito à herança para que o nome do seu pai não desaparecesse (cf. Nm 27, 1-11). O pedido é aceito pelos chefes (cf. Nm 27,7) decretando que uma filha pode herdar quando o pai morre sem deixar filho homem. Observa-se que em Nm 27 as mulheres tomam a iniciativa e ganham a causa. Trata-se de uma questão de sobrevivência e de identidade.

[14]. Destaca-se o trabalho de A. S. Viegas. Uma heroína chamada Rute: análise narrativa e intertextual de Rt 3. Tese doutoral, um trabalho único e de referência em língua portuguesa sobre o capítulo 3 do Livro de Rute.

[15]C. Meyers cita na nota de referência, os trabalhos de SASSON (1979, p.227) e JOUON (1986, p.12): De acordo com P. Jouon dos 85 dos versículos do Livro de Rute, 55 (isto é, quase dois terços do total) são diálogos.

[16]Trata-se de um terreno familiar – do qual Noemi e Rute herdaram dos seus respetivos maridos que faleceram – e deve ficar dentro da grande família ou clã. O direito e dever do resgate estava estabelecido segundo as relações de parentesco.

[17]A informação envolvendo a sandália revela a distância entre o narrador e os fatos narrados ou a “época fingida”. Na passagem de Dt 25,9, a questão da sandália é explicada em outros termos. Nesse caso era a própria mulher que manifesta seu desprezo pelo homem que não quer desposá-la em nome de seu cunhado falecido. A sandália torna-se desta forma símbolo de propriedade.

[18]A porta (ou portão) da cidade é o lugar onde o povo se reúne para tratar das questões do seu cotidiano (temas sociais, administrativos, comerciais e até mesmo religiosos).

[19]Grifo do autor.

[20]Sefirat Ha’Omer, a contagem de sete semanas entre os dois feriados, nos lembra simbolicamente que, de acordo com o pensamento judaico, o que importa não é libertar- -se de alguma coisa, mas libertar-se para alguma coisa. A liberdade não tem sentido se não for acompanhada do compromisso para com um ideal.

[21]O período que separa Pessach de Shavuot (sete semanas) é o período para que o grupo (judaico) se prepare para o recebimento da Torá (Pentateuco). No grupo cristão é o período de Ascensão que separa a Páscoa cristã de sua próxima data, Pentecostes (a festa de Shavuot ressignificada), que no contexto cristão é a comemoração da descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos.