“Do estrume vieste, para o estrume voltarás!” Religião como símbolo na Graphic Novel Os Malditos
“From the shit you came, you shall return to the shit!” Religion as a symbol in the Graphic Novel The Goddamned

Gustavo Soldati Reis*
*Doutor em Ciências da Religião pela UMESP - Universidade Metodista de São Paulo. Pós-doutorado em Sociologia pela UBI - Universidade da Beira Interior, Covilhã – Portugal. Professor Adjunto I da Universidade do Estado do Pará/UEPA, Departamento de Filosofia e Ciências Sociais. Coordenador da Linha de Pesquisa “Religião e Quadrinhos” no Grupo de Pesquisa ARTEMI - Arte, Religião e Memória, da UEPA
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Resumo:
A proposta desse artigo tem por objetivo interpretar as representações das relações humanas e divinas como tema central de diferentes discursos religiosos, principalmente judaicos e cristãos, na História em Quadrinhos Os Malditos (The Goddamned), em seu primeiro volume intitulado “Antes do Dilúvio”. Essa Novela Gráfica narra a saga da personagem Caim, o pai do homicídio que, paradoxalmente, não pode experimentar a morte. O quadrinho faz a invenção ficcional, através da linguagem simbólica utilizada, de outras narrativas míticas judaicas e cristãs. A Graphic Novel em questão repensa, por hipótese, o lugar da religião como linguagem simbólica de memórias e sentidos sociais e culturais e as relações de poder instituídas. Com isso há uma teologia em ato representada na História em Quadrinhos se a tomarmos como reflexão crítica sobre os símbolos religiosos (HAIGHT, 2004). De forma específica a proposta de análise da representação religiosa que simboliza temas como a violência, a extinção do sentido, o controle dos corpos, a fugacidade do amor nas relações divinas e humanas que formam outras narrativas mítico-simbólicas presentes na História em Quadrinhos abordada.

Palavras chave:1. História em Quadrinhos; 2. Religião; 3. Símbolo; 4. Narrativa mítica; 5. Interpretação

 

Abstract
The purpose of this article is to interpret the representations of human and divine relations as the central theme of different religious discourses, especially Judaic and Christian, in The Goddamned Graphic Novel, in its first volume entitled Before the Flood. This Graphic Novel tells the saga of the character Cain, the father of homicide who, paradoxically, cannot die. Through the symbolic language used, the comic creates the fictional invention of other mythical Jewish and Christian narratives. The Graphic Novel in question rethinks, by hypothesis, the place of religion as a symbolic language of memories and social and cultural meanings and the established relations of power. Thus there is a theology in act represented in it Graphic Novel if we take it as a critical reflection on religious symbols (HAIGHT, 2004). Specifically, the proposal of analysis of religious representation symbolizes themes such as violence, extinction of meaning, control of bodies, the transience of love in divine and human relationships which form other mythic-symbolic narratives present in the Graphic Novel approached.

Keywords:1. Graphic Novels; 2. Religion; 3. Symbol; 4. Mythical narrative; 5. Interpretation

Considerações Iniciais

Quem morre vai descansar na paz de Deus.
Quem vive é arrastado pela guerra de Deus.
Deus é assim: cruel, misericordioso, duplo.
Seus prêmios chegam tarde, em forma imperceptível.
Deus, como entendê-lo?
Ele também não entende suas criaturas, condenadas
previamente sem apelação a sofrimento e morte.
Carlos Drummond de Andrade1
“Eu sou Caim. O homem que inventou o Homicídio. Mas foi Deus que me
inventou. Por isso, perguntem…Quem é o verdadeiro idiota aqui?”2

Esse artigo tem como proposta central apresentar e analisar a História em Quadrinhos “Os Malditos” (The Goddamned), em seu primeiro volume intitulado “Antes do Dilúvio”. Esse quadrinho é uma releitura de narrativas míticas judaicas e cristãs em torno da personagem Caim, o “pai do homicídio”, amaldiçoado por Deus a uma vida de errância por uma terra devastada. Nesse sentido, os artistas que criaram essa Graphic Novel3 releem diferentes narrativas míticas como forma de reposicionar o lugar da religião enquanto construto que simboliza profundos dilemas, conflitos e possibilidades na busca de sentido dos coletivos humanos nas relações construídas com suas potências sagradas e/ou divinas. Se nas narrativas de textos sagrados, como em tradições judaicas e cristãs, não existem humanos como resultado da criação dos dilemas de deus/deuses, na mitologia quadrinística d`Os Malditos parece que não existe deus sem os dilemas humanos, razão de ser das religiões. Como na poesia de Drummond, que também serve de epígrafe para esse artigo, Deus é duplo porque os humanos o são: crueis e misericordiosos. Pacificadores e devastadores. Compreensíveis e incompreensíveis. Como lidar com essas ambiguidades? Eis o que propõe J. Aaron, criador da História em Quadrinhos aludida, ao reler o mito de Caim e sua força simbólica na narrativa gráfica.

A Figura 2 mostra a capa do Livro Um de “Os Malditos” que será analisado nesse artigo. Nela, com a arte de r.m. Guéra, temos a imagem, em primeiro plano, de Caim e, no plano de fundo, a imagem sombreada da personagem Noé. Na Introdução de seu texto “A verdadeira imagem” (2011) o historiador alemão H. Belting afirma que seu principal objetivo, no referido livro, é perguntar-se como falar da religião hoje, em termos de constituição de sentido, através da história das imagens (p. 37). Poderíamos nos perguntar como falar da produção de significados da religião e das discursividades teológicas através de imagens bem específicas, ou melhor, da construção de sentidos narrativos representados pela arte das histórias em quadrinhos5. É o que, ainda que de forma pontual, o presente artigo procura contribuir.

Para tanto, o texto está situado, basicamente, em duas partes: na primeira procuro mostrar, de forma panorâmica, possíveis relações entre o tema da religião e as HQ`s em diferentes contextos de produção. A ideia é situar o leitor e a leitora, minimamente, quanto aos caminhos de pesquisa em uma transversalidade temática que, pelo menos no que diz respeito à área de Ciências da Religião e Teologia, há muito o que caminhar. Na segunda parte foco no objeto propriamente de análise em dois itens específicos. Primeiramente, a partir de uma compreensão mínima da linguagem dos Quadrinhos procuro, com o auxílio da hermenêutica do símbolo religioso, inspirado em R. Haight (2004), analisar em que medida os criadores da HQ “Os Malditos” fazem a releitura de mitos de criação, em torno da trajetória da personagem Caim. Em seguida, faço um exercício interpretativo sobre possíveis sentidos das representações simbólicas em torno de temas religiosos fundamentais: a violência e a dominação dos corpos, a invisibilidade de determinados sujeitos sociais, como mulheres e crianças, e a dialética morte e vida. Como a HQ ativa dispositivos para efetivar essas leituras do religioso? Através, por hipótese, do jogo simbólico operado pela estrutura narrativa, fundamento de toda releitura de mitos religiosos. Como afirma I. Reblin (2015), narrar histórias responde, em boa medida, a necessidade dos seres humanos em estruturar seu universo simbólico de sentido: “Narrar histórias (vividas e ficcionais) é a forma com que o ser humano diz para si mesmo quais são os seus medos, as suas esperanças, como o mundo se apresenta para ele e como interpretá-lo” (2015, p. 101). Seria os “Malditos” o conto, na forma de quadrinhos, sobre a nossa própria condição humana vivida em suas radicais ambiguidades? Não seria isso profundamente religioso e formativo para novas teologias enquanto discurso sobre esse religioso? Sigamos.

Das relações entre Quadrinhos e Religião

Em seu livro sobre a construção das pesquisas sobre histórias em quadrinhos, W. Vergueiro (2017) mostra as lutas para a legitimação cultural e pelo acolhimento da “cidadania científica” dessas pesquisas, tanto na América do Norte, no continente europeu e em nossa América Latina. Ainda que constituam uma linguagem própria, “híbrido” de escrito e imagem desenhada, os fatores que dificultaram a aceitação dos quadrinhos como objeto digno de pesquisa científica passaram, justamente, pelo uso da linguagem imagética, supostamente portadora de uma abertura mais perigosa às incertezas interpretativas do que os textos fixados pela escrita e, também, por serem direcionados para as “massas”, principalmente para o puro entretenimento e alienação das mesmas. Mas Vergueiro termina com uma pontuação mais positiva: “No entanto, os últimos anos parecem ter trazido novos e promissores ventos para as histórias em quadrinhos no que diz respeito à sua inserção no mundo das manifestações artísticas socialmente reconhecidas” (2017, p. 13).

Ora, as manifestações artísticas emergem de processos culturais mais amplos que os coletivos humanos constroem para significar sua realidade. Assim, as relações entre processos artísticos e religião atravessam tempos. E muito tempo, uma vez que a religião é um construto cultural que não está alheio a essas manifestações artísticas das quais as HQ`s são uma das possíveis representações. Com isso, certamente, não estou a dizer que a arte quadrinística é tão antiga quanto a religião mas que as HQ´s “entram” no fluxo da história e, certamente, assumem diversos tipos de relação com a experiência religiosa. Tentativas atuais de mapear essas relações encontramos, por exemplo, no pesquisador brasileiro I. Reblin (2014). Para este teólogo, basicamente quatro são as possíveis intersecções entre religião e quadrinhos: 1. A representação de corpos doutrinários, crenças e fé por parte de instituições religiosas ou designadas por essas a fim de fomentar a doutrinação e catequese; 2. HQ´s com tema reconhecidamente e intencionalmente religiosos, seja para afirmar, ainda que em perspectiva não institucional, seja para satirizar ou criticar personagens, lideranças, mitos e sagas de diferentes tradições religiosas; 3. HQ´s que utilizam a religião como ilustração conceitual, ou seja, a religião não é retratada como objeto primeiro mas como representação simbólica e cultural onde as personagens constroem a narrativa de fundo; 4. Por fim, HQ´s como representação das estruturas simbólicas e religiosas de uma dada experiência da realidade vivida. Para além de sua instrumentalização institucional, seja catequética ou não ou de seu uso secundário a temas em primeiro plano, nesse caso as HQ´s abordam o fenômeno religioso como expressão de sentido radical de situações de busca de significação ou “sacralização” do cotidiano existencial em suas diversas manifestações (REBLIN, 2014, p. 171-74).

O importante, afirma Reblin (2014), é que essas intersecções, enquanto construtos teóricos, podem traduzir HQ`s que não se prendem a uma só dada categoria. Na Figura 3 pode ser dito que a HQ “Bíblia em Ação”, por seu teor de ilustrar as narrativas bíblicas com a finalidade de evangelizar e provocar no leitor e leitora a possível adesão, via conversão, à fé cristã, enquadrar-se-ia no primeiro tipo de intersecção mencionada por Reblin. Já a HQ “Hellblazer” (quadro inferior esquerdo na Figura 3) mostra como a personagem John Constantine, um mago, é construído de forma a satirizar e criticar diferentes tradições religiosas e místicas, principalmente o Cristianismo. Com o uso da linguagem irônica e sarcástica, a HQ poderia ser lida a partir da intersecção 2 proposta por Reblin.

Por outro lado, na primeira imagem, acima e a esquerda, temos uma página da HQ “Castanha do Pará” do artista Gidalti Júnior que retrata, nos quadros, um momento em que o protagonista, o menino-urubu chamado Castanha, entra na Catedral da Sé na cidade de Belém do Pará, durante uma missa. Nesse momento, a religião católica ali representada é secundária à narrativa mais ampla da trajetória do menino que luta para sobreviver nas ruas da cidade. Nesse sentido esta HQ poderia tipificar o modelo 3 de Reblin. Mas, como não perceber na narrativa de Castanha, nos conflitos com a violência urbana, o sentimento de exclusão familiar, os sonhos e esperanças, uma busca de sentido, de ordenamento da existência que poderia ser qualificada por “religiosa”? Algo semelhante ocorre com a HQ “Daytripper”, dos artistas brasileiros e irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá que narra a saga existencial e temporal da personagem Brás de Oliva Domingos. No canto inferior direito da mesma Figura 3 temos uma página da HQ que retrata Oliva Domingos, já idoso, doente, mas que celebra a vida enquanto poder de decisão. Essa celebração abre a possibilidade de uma boa intersecção com questões religiosas mesmo que, ela própria, não trabalhe temas especificamente religiosos. Tanto “Daytripper” quanto “Castanha do Pará” podem, cada uma a seu modo, serem lotadas no tipo 4 de intersecção tratado por Reblin, pois são HQ`s que retratam os dilemas da existência cotidiana como lugar de revelação da percepção solene da vida, de manifestação do sagrado e, assim, objeto do que Reblin, inspirando-se em autores como R. Alves, chama de uma teologia do cotidiano:

A religião é uma das formas mais expressivas do nosso universo simbólico cultural e, enquanto busca por sentido intimamente vinculado à vida humana, ela integra a dinâmica das relações cotidianas, sendo ela expressada, lida, reinterpretada, transformada pelas pessoas em seu dia a dia, gerando um conhecimento teológico cotidiano. Esse conhecimento teológico cotidiano torna-se parte da tessitura das narrativas e está relacionado, portanto, muito aos usos que pessoas fazem das diferentes informações que surgem diante de si, as quais dão forma ao seu discurso religioso, o qual acaba percorrendo os meandros dos traços e as entrelinhas do discurso dos bens culturais6

As HQ`s, enquanto um bem cultural, ao darem forma ao discurso religioso, reproduzem e propõem reflexões sobre práticas discursivas religiosas dos contextos que as formam. Um exemplo é os Estados Unidos: certamente as releituras religiosas nos Comics7 estadunidenses focam, majoritariamente, em releituras (tanto para criticar quanto para afirmar) da religião civil preponderante nesse país: os cristianismos. Textos não faltam para exemplificar isso como Holy Superheroes! Exploring Faith and Spirituality in comic books de Greg Garret (2005) e The Gospel according to the world`s greatest superhero de Stephen Skelton (2006). Ambos focam no gênero quadrinístico da superaventura, do superheroísmo. De acordo com Vergueiro (2015) Garret transforma as narrativas dos super-heróis em um decalque (palavra minha), a todo custo, de elementos religiosos e míticos, notadamente de tradições cristãs, em seu texto. E Skelton, por outro lado, “converte” o Superman ao virtuosismo dos valores e princípios morais judaicos e cristãos8. Outro texto, nesse contexto, é a obra organizada por David Lewis e Christine Kraemer intitulada Graven Images: Religion in Comic Books and Graphic Novels (2010). Os textos nessa coletânea refletem uma perspectiva mais interdisciplinar em torno da experiência do pluralismo religioso. Lewis e Kraemer partem da definição de religião dada pela pesquisadora Catherine Albanese para quem a religião estrutura-se em torno de credos (sistemas de crenças), códigos (padronizadores e comportamentais) e cultos (sistemas de práticas) através dos quais as comunidades orientam-se no mundo com referência a poderes, sentidos e valores ordinários e extraordinários (2010, p. 3).

O texto de Lewis e Kraemer tem o mérito de ler a religião nos quadrinhos, em suas diferentes plataformas, como as Graphic Novels, Mangás e outros, respeitando o lugar mais plural e dialógico que a religião deve ocupar para além das fronteiras cristãs. Além disso o texto contribui para a legitimação acadêmica e científica desse diálogo entre religião e quadrinhos. Mas, ainda é uma obra que emerge de um contexto marcadamente norte-americano e a maioria dos capítulos tem como pano de fundo, para o diálogo crítico, certa compreensão da herança cristã ocidental. É essa herança que “esculpe” a imagem dos divinos nas HQ`s.

No contexto europeu franco-belga, onde as HQ´s (Bandes dessinées ou, simplesmente, BD) tem uma história e um capital cultural bem desenvolvido, inclusive em termos de produção acadêmica, vale à pena mencionar, pelo menos, o texto de René Nouailhat intitulado Les Avatars du Christianisme en Bandes Dessinées (2015). Embora o texto marque as influências das tradições cristãs no referido contexto e como as HQ`s leem essas influências mostra, principalmente, como a religião, ao ser assumida pela arte quadrinística, não foi invisibilizada pelas tradicionais leituras de secularização e desencantamento do mundo. Nouailhat, em perspectiva de análise profundamente interdisciplinar (história, semiótica, análise do discurso, cultura visual) mostra que, no contexto franco-belga, pelo menos dos anos 30 do século XX até o alvorecer do século XXI (ano 2000), seis perspectivas marcaram as relações entre BD e Religião (notadamente, cristianismos): As BD fortemente de representação confessional voltada para o público jovem dos anos 30 a 50; a representação cultural dos catolicismos nos anos 50 e 60; a crítica libertária dos anos 70 e 80; a onda mística e esotérica dos anos 80 e 90; o retorno das grandes narrativas de BD mais autorais dos anos 2000 e, por fim, o influxo de novos movimentos de espiritualidade na atualidade: de BD de religião para a religião nas BD`s. De acordo com Nouailhat (2015):

A distinção entre BD religiosa e BD sobre a religião é importante, ela abre para a consideração de uma realidade muito maior e complexa. Uma BD que desenvolve um assunto relativo ao cristianismo ou que toma emprestado alguns de seus temas, de suas referências ou de suas representações não é necessariamente uma BD cristã. Do mesmo modo que as ciências sobre as religiões não são mais ciências religiosas (…) Ela [a distinção mencionada] introduz uma distância que autoriza múltiplos pontos-de-vista, significativos de novas atitudes em relação as religiões9

Assim, Nouailhat proporciona uma boa porta de entrada para compreender as relações entre religião e quadrinhos, ou melhor, como ler as transformações culturais na Europa francófona a partir das BD`s e, também, proporciona metodologias de análise de quadrinhos em afinidade com as ciências da religião.

No contexto brasileiro a presença da religião nas HQ`s é muito diversificada e complexa. Certamente que, pela presença de forte constituição dos cristianismos no tecido social brasileiro, esse imaginário religioso permeará a circulação e produção de quadrinhos no Brasil em seus mais diferentes gêneros. O Brasil também é um grande consumidor das Comics norte-americanas e, com isso, as relações entre religião e quadrinhos que marcam esse contexto refletem aqui em nosso País. Importante também afirmar que o Brasil é um dos maiores consumidores de Mangás10, gênero de arte sequencial quadrinístico originário em culturas nipônicas. Isso permite reler, em solo brasileiro, possíveis relações entre religião e quadrinhos fora de certa hegemonia dos cristianismos. Para A. Braga Jr. (2015) compreender as relações entre quadrinhos e religião pressupõe compreender o que ele chama de matrizes religiosas do Brasil. Para ele, quatro são essas matrizes: afro-brasileira, kardecista, cristã e esotérica. Como produção artística as HQ`s no Brasil (esse é o foco da análise de Braga Jr.) refletem e releem as transversalidades possíveis entre essas matrizes que não são, certamente, construtos fechados (BRAGA JR, 2015, p. 171ss). Com isso, a produção mais autoral e maior protagonismo de HQ`s produzidas por autores e autoras brasileiras, principalmente nas duas últimas décadas, propicia tratar das relações entre quadrinhos e religião não somente dependente do transfundo de afirmação e crítica dos cristianismos, mas como representação de outras tradições religiosas extremamente importantes nas práticas culturais brasileiras, como as religiões de matriz africana. Um exemplo são as Graphic Novels produzidas pelos artistas brasileiros Marcelo D`Salete e Hugo Canuto. Este com “Contos dos Orixás” (2018). Muito embora siga o gênero dos Comics de super-herois, narra a saga mitológica de importantes entidades divinizadas de matriz afro. Aquele com HQ`s como “Cumbe” (2018) que narra diversos contos africanos, o que inclui importantes mitologias religiosas, como forma de reler o período da escravidão no Brasil11.

A partir dessa aproximação inicial sobre a presença da religião na diversidade dos quadrinhos, passemos para o próximo item do artigo que tratará, mais especificamente, da análise e hermenêutica do simbólico na Graphic Novel “Os Malditos

A construção de uma narrativa gráfica: religião e simbolismo em Os Malditos

2.1 Um breve ponto de partida conceitual

O semiólogo D. Barbieri (2017) afirma que a linguagem não é somente informativa, não é algo que somente utilizamos. Mas, diria, é performativa, uma vez que é o ambiente em que nos formamos a partir do qual formulamos nossas ideias e expressões de sentido. Assim, os quadrinhos, para o semiólogo italiano, possuem características específicas que os definem como uma linguagem própria. Porém, o mais importante, é estabelecer o que são os quadrinhos a partir das relações estabelecidas com outras linguagens artísticas, tais como a literatura, a pintura e o cinema, por exemplo. Os quadrinhos estabelecem relações de inclusão, de geração, de convergência e adequação com outras linguagens. Somente assim é possível compreender os quadrinhos como linguagens de imagens e temporalidades para o entendimento de algo fundamental nas HQ`s: sua constituição como um conjunto de narrativas sequenciais que se estrutura na relação entre texto escrito e imagético (BARBIERI, 2017, p. 17-23). Outro teórico, o belga T. Groensteen (2015) vai além: afirmará que, ao tratar de quadrinhos, existe uma dominância do visual sobre qualquer outro aspecto. Os quadrinhos são uma espécie narrativa própria que compartilha a estrutura da narrativa com outras linguagens. Groensteen chega ao ponto de reconhecer “(…) como único fundamento ontológico dos quadrinhos a conexão de uma pluralidade de imagens solidárias (…) elemento central dos quadrinhos, seu primeiro critério de ordem funcional, é este: a solidariedade icônica” (2015, p. 27)12.

Essas discussões ajudam a posicionar o que me interessa nesse artigo: se a linguagem dos Quadrinhos estrutura-se em torno do gênero narrativo com predominância imagética, por hipótese, os símbolos atuam decisivamente nessa linguagem artística: são os símbolos a categorial formal do pensamento em geral e do artístico em particular na construção desse tipo de narrativa. Os símbolos “carregam” a produção de sentido e organicidade na narrativa quadrinística o que abre, também, espaço privilegiado para o diálogo com o tema da religião e sua forma de estruturação discursiva chamada Teologia. Aqui amparo-me em uma hermenêutica do simbólico do teólogo R. Haight (2004). Para o jesuíta canadense toda e qualquer asserção teológica que medeia à consciência humana o que se chama de fé e revelação, bem como as Escrituras, é simbólica. Em sua própria definição (2014, p. 163-4):

A teologia é o esforço sistemático por compreender a realidade, Deus, o mundo, a existência humana e a história por meio e com base nos símbolos que expressam a fé cristã […] O símbolo concreto é e não é aquilo que medeia. Deus é e não é aquilo que simbolicamente lhe é predicado. Essa estrutura dialética constitui a natureza intrínseca do símbolo. O símbolo é uma coisa (qualquer fragmento da realidade – diria Haight) que torna presente alguma outra dele diversa; aponta para além de si mesmo porque não é aquilo que simboliza e torna presente. Não obstante, aquilo que é simbolizado é mediado e presentificado pelo símbolo, de modo que o símbolo é a presença e a expressão do simbolizado.

Estou mais interessado aqui na questão do símbolo como elemento estruturador da linguagem religiosa. Assim, não se trata de reduzir qualquer HQ a uma espécie de texto teológico e, sim, que as representações ditas religiosas se constituem no plano da narrativa quadrinística como mediadoras de sentido tanto para os artistas que contam a história visualmente quanto, principalmente, para o leitor e leitora dos quadrinhos que os recepciona. Através dos símbolos a narrativa icônica dos quadrinhos abre a possibilidade de construções de sentidos, inclusive contraditórios (o é e não é de Haight), para o entendimento do lugar da religião nesse meio de produção cultural. Inclusive fazendo teologia fora dos ambientes clássicos da mesma (doutrinas, dogmas, dentre outros). É com essa perspectiva que nos aproximamos, agora, da Graphic Novel Os Malditos.

2.2. Uma nova mitologia?

No fim, o início. Assim a personagem Caim narra (em balões de pensamento) sua teologia no fim da Graphic Novel:

Eu sou Caim, Filho de Adão, o homem que inventou o homicídio. O homem que não pode morrer. É a minha maldição. Mas eu não sou o único a ter sido fodido por Deus. Somos as suas criações imperfeitas. Estamos todos destinados a matar-nos uns aos outros. A conspurcar o mundo à nossa volta. Somos os seus monstros condenados. Somos os Malditos de Deus.

Digo “no início” porque esse primeiro volume da Graphic Novel encerra como inicia: Caim, errante por uma terra desolada e violenta busca, através dos tempos, encontrar a morte a todo custo para pôr um fim a essa errância. Mas ele não consegue, marcado ou amaldiçoado por Deus pela imortalidade.

Publicado originalmente pela editora norte-americana Image Comics em 2018 com o título original The Goddamned, a Graphic Novel é roteirizada pelo artista norte americano Jason Aaron, desenhada pelo sérvio r.m. Guéra (Rajko Milosevic) e colorizada pela artista italiana Giulia Brusco. A tradução em português é composta por cinco capítulos que perfazem o Livro Um da Saga intitulado “Antes do Dilúvio” (Before the Flood). Existe a previsão de lançamento de um Livro Dois intitulado “As Noivas Virgens”, ainda sem data definida. Não há edição aqui no Brasil dessa HQ. O trio de artistas têm trabalhos anteriores como, por exemplo, a saga Scalped (“Escalpo”) lançada, em 2007, pelo selo Vertigo da gigante de Quadrinhos norte-americana DC Comics.

Os Malditos são uma releitura ficcional de diferentes mitos religiosos, principalmente de tradições judaicas e cristãs. Cada um dos Cinco Capítulos do Livro Um tem, por epígrafe, um texto bíblico. No caso, Gênesis. Exceção feita ao livro canônico do Novo Testamento chamado “Judas” que empresta a epígrafe ao Capítulo 4. Não sem motivo esse texto neotestamentário faz menção à personagem central da saga: Caim. A HQ Os Malditos narra a estória de Caim, errante por 1600 anos, desde o momento em que vivia no Éden, com seus pais e irmão Abel, até o encontro com Noé no momento da construção do “Barco”, antes do Dilúvio que Deus enviará para eliminar o mal de toda a terra. Na HQ Caim e Noé são antitéticos: ambos sobrevivem tendo a experiência da morte como eixo de sua relação com o divino: Noé se compreende como o abençoado, o enviado por Deus para executar seu juízo, ainda que à custa de muita violência. Caim se considera um amaldiçoado por Deus e, também, lança mão de muita violência para, na realidade, tentar colocar um termo final à sua própria vida. Não consegue. Aquele que cometeu o primeiro homicídio/fratricídio continua a matar muitos. Mas não consegue tirar a própria vida. Não são poucos os quadros na HQ que Caim fica mutilado e tem seus membros regenerados num ciclo sem fim.

A terra retratada por Aaron é desoladora. Melancólica, sem vida, suja, violenta. Nesse aspecto a arte de Guéra e a paleta de cores de Brusco combinam muito bem: o traçado quase rústico, com as imagens em segundo plano “borradas”, a cor negra muito forte na arte-finalização dos desenhos, o foco dos quadros nas expressões faciais das personagens para enfatizar determinados sentimentos como a amargura, o ódio e a desesperança marcam boa parte da narrativa visual de Guéra potencializada pelas cores escuras e sombrias de Brusco. Quando a narrativa se passa durante o dia a paleta de cores privilegia tons pasteis, alaranjados, ocres, principalmente na ambientação, o que reforça a visualidade de uma terra seca, desolada. Exceção feita, no início do Capítulo 3, quando há um flashback a mostrar o Éden, em sua exuberância, e um breve diálogo entre o casal primevo com seus filhos no colo (Figura 4):

Na Figura 4, no quadro inferior direito, temos o primeiro encontro entre Noé e Caim. Este, em busca do confronto com “o gigante” (Nefilim) pois acredita que, finalmente, encontrará a morte em tal combate, é capturado e supliciado, na cruz, por aquele. A antítese entre os dois é representada na fala de Noé para Caim: “É apropriado encontrarmo-nos antes de chegarem as chuvas. Tu és o pecador que amaldiçoou o mundo. E eu sou o escolhido que o vai redimir”. Noé, representado como um homem negro na HQ, é nomeado como o “lenhador, caçador, construtor de navios. Homem de Deus”, aquele que já domina armas de ferro na despedida da idade da pedra. Caim, por sua vez, é o “Filho de Adão. O Homem que inventou o homicídio. O homem que não consegue morrer”. Na representação do desenho, Caim é homem branco, com cabelos que oscilam da cor loira a grisalho, em semelhança a seu pai Adão.

Além de Caim e Noé a narrativa estabelece outras personagens com clara referência a mitologias de textos religiosos sagrados: Adão e Eva – esta nunca nomeada; Deus – nunca se manifesta, sendo representado nas falas das personagens e, por fim, a mulher Aga que passa a acompanhar Caim na busca por seu filho Lodo. Aliás, a presença de crianças ganha protagonismo na saga. Assim, há várias intertextualidades religiosas na HQ. Apresento pelo menos três, conforme a figura a seguir:

Na Figura 5 as intertextualidades operadas simbolizam a recriação mítica realizada pela narrativa escrita e visual. No primeiro quadro à esquerda vemos uma releitura da criação do ser humano. Se no texto bíblico, tanto na Torá judaica quanto no Gênesis cristão, Deus cria o ser humano da “argila do solo”13 e lhe concede o “sopro da vida”, na HQ Caim emerge, literalmente, de um lamaçal de excrementos de animais e humanos ao ser “despertado” pela urina do menino. Caim havia sido brutalmente violentado e jogado nesse lago contaminado. Simbolicamente Caim “vem à existência” a partir do estrume e não do solo fértil porque a vida, na mitologia de Aaron, é violenta, suja e difícil. Quando se lida com poderes ditos religiosos, ao invés de provocar a vida pode-se encontrar o fétido, a morte. Para Aaron, se Adão é o modelo exemplar da vida humana criada, Caim é o modelo exemplar da existência humana criada: dúbia, tateando entre conflitos, a buscar sentido em meio aos “estrumes” da vida. Muito importante aqui é o apoio de uma semiótica da imagem desenhada: nos três quadros em solidariedade icônica (lembrando Groensteen), no canto superior esquerdo da Figura 5, a variação na mão e nos cabelos de Caim são sutis a fim de dar a noção de um vago movimento e criação de uma tensão/expectativa na narrativa. Logo em seguida Caim começa a erguer-se onde o traçado de Guéra é um elemento sígnico que faz confundir a cabeça, cabelos de Caim com a lama de estrume que o encobre. As cores utilizadas, nesse quadro, por Brusco, reforçam esse significado: a continuidade entre o humano e o estrume que o “forma”.

Na segunda página no canto inferior direito da Figura 5, Caim vaga pela terra em busca da morte a fim de por termo final à sua maldição posta por Deus: condenado a uma existência errante indefinida, vivendo toda sorte de sofrimento sem fim. Aquele que cometeu o primeiro homicídio não será alvo da morte. Nessa página da HQ Caim, em balões de pensamento, relembra a relação com seu irmão Abel. Textualmente a narração é (AARON et. al, 2018):

O meu irmão foi sempre um idiota. As duas primeiras crianças nascidas neste mundo, e não nos suportávamos um ao outro. Só isso dá para perceber como a nossa família está fodida. Um dia, o cabrão acabou por me irritar tanto, que fiz uma coisa que ninguém tinha feito antes. Matei-o. Desde então, bem… As coisas por estes lados deram muito para o torto

No momento em que Caim afirma “Matei-o”, o desenho mostra-o pisando e esmagando uma serpente em alusão, possivelmente, ao texto de Gênesis, no Capítulo 3, verso 1514. Na mitologia de “Os Malditos” não parece haver pecado, conforme a semântica cristã e tradicional do termo. Parece que a dor e sofrimento não começaram com a desobediência do casal primordial. Sempre esteve aí. E mais: é com Caim, definitivamente, que a violência passa a acontecer sobre a terra. É difícil estabelecer essas correlações simbólicas pois, nesse caso, a HQ não revela o motivo pelo qual os irmãos se odiavam e porque Caim se sentiu tão irritado a ponto de matar Abel. Talvez isso fique mais claro quando a saga continuar em livros futuros, se é que ocorrerá. Por hora Aaron usa o mito contra o mito. A serpente passa a ser o recurso visual que simboliza a vontade de poder de Caim. Seria a serpente uma releitura de Abel na visão de Caim? O perigo que sempre o espreita, que o provoca, que o irrita? A serpente simboliza o ciclo de violência sem fim? Caim a esmaga (como esmagou a seu irmão) mas,ele próprio não consegue livrar-se desse círculo.

Por fim, o último quadro no canto superior direito da Figura 5. Trata-se de uma página emblemática: mostra Caim crucificado pelo seu opositor, Noé. É inegável que a imagem nos remeta a narrativas neotestamentárias da crucificação de Jesus. Se na mitologia cristã a relação entre crucificação e ressurreição de Jesus pode ser encarada como uma nova criação, uma vez que o Cristo assume e expia os pecados da humanidade (salvação), em Caim não. Sim: as narrativas guardam semelhanças pois ambos, Caim e Jesus, foram crucificados como resultado de processos violentos. Mas nas intertextualidades míticas propostas por Aaron, a ambiguidade das representações simbólicas é proposta: para Noé a morte de Caim é remidora uma vez que, autocompreendendo-se como o escolhido de Deus, ao eliminar Caim - o inventor do homicídio, toda a violência na terra seria extirpada. O dilúvio anunciado viria para completar essa missão. Porém, Caim não morre. Eis o espanto de Noé: “Nove dias. Há nove dias que estás nessa cruz. E continuas vivo. Então é verdade. Tu és o Caim”. Por outro lado, para Caim a crucificação apenas comprovava a vontade de poder, de violência dos seres humanos, criados por um Deus não menos egoísta e que utiliza da própria violência para atingir seus propósitos. Ao responder a pergunta de Aga se Deus ainda ouvia as preces humanas, Caim é categórico: “Não, Ele ouve perfeitamente. Ouve tudo. Cada grito. Cada choro. Cada suspiro. Cada pedido por misericórdia. Pela morte. Ouve tudo. Está-se é completamente a cagar”. Assim, Caim representa o paradoxo: vive a vida, tão intensa a ponto de não morrer. Mas sua vida errante em busca de sua morte acontece às custas da morte de muitos outros. Esse é o drama estruturalmente assentado nas recriações das narrativas míticas de Aaron junto com o desenho de Guéra e a colorização de Brusco.

Após essas análises em torno da estruturação narrativa da HQ em função de recontar apropriações mítico-religiosas, passo ao último ponto do artigo. Ao retomar R. Haight, no que diz respeito a algumas características do que ele chama de “comunicação simbólico-religiosa” (2004, p. 167-84), interpreto possíveis conteúdos de simbolismos na HQ que expressam temas cruciais quando se analisa a religião.

Entre mulheres, crianças e (des)amores: as ambiguidades da religião

Uma característica importante do símbolo religioso para Haight (2004) é a comunicabilidade de questões existenciais efetuadas por essa estrutura de sentido. A comunicação de sentidos religiosos, via linguagem simbólica, pressupõe questões existenciais fundamentais para a religião. Seria, inclusive, o papel das discursividades teológicas dar a inteligibilidade necessária para esses símbolos religiosos (HAIGHT, 2004, p. 169). É possível, hipoteticamente, afirmar que a HQ “Os Malditos”, ao lidar com releituras de mitos religiosos, o faz como forma de compreensão e crítica à própria religião, principalmente ao Cristianismo. Para tanto, como expressão artística e cultural, a HQ movimenta-se em torno de perspectivas simbólicas que representam temas de crucial importância para a existência em busca de sentido. Três desses temas que surgem na HQ, dentre vários outros possíveis, eu proponho para a reflexão. Os dois primeiros intimamente relacionados: o domínio dos corpos e a inviabilização de certos sujeitos sociais. O outro tema é a relação paradoxal entre a vida e a morte. Para tanto, acompanhemos os campos simbólicos na Figura a seguir.

Em uma terra massacrada pela violência e insegurança, chama atenção o protagonismo que a HQ oferece a crianças. Aliás, essa categoria – infância – está ausente na narrativa, uma vez que desde a mais tenra idade todos lutam pela mínima sobrevivência. O menino que aparece logo no início da HQ e urina em Caim (Figura 5), não tem nome. Como várias outras crianças. Há também Lodo, filho de Aga, capturado pelo grupo de Noé. Ele voltará ao final da história… A situação dessas crianças, na HQ, é estarem escravizadas. Transformadas em força de trabalho pelos adultos. Carne animal e humana é a alimentação básica. E as crianças, recorrentemente, viram comida. Há desenhos em que bebês são vendidos como alimentos. Na Figura 6, na página à esquerda, há um quadro forte: crianças escravizadas (várias delas negras) por salteadores são mantidas em cativeiro como animais. E como animais na coleira, padecendo pela fome, são utilizadas para atacar Caim. R. Haight, seguindo o teólogo protestante P. Tillich15, afirma que na comunicação simbólica há um desvelamento tanto de níveis diferenciados de consciência quanto níveis diferenciados da realidade exterior (HAIGHT, 2004, p. 173):

Ademais, o poder efetivo que [os símbolos] têm de comunicar religiosamente depende de sua capacidade de tocar e fomentar uma consciência reflexiva dessas profundidades e atitudes […] a consciência humana transcende os dados empíricos para alcançar uma dimensão mais profunda da realidade. A função dos símbolos é advertir e revelar as dimensões transcendentes que se acham latentes na realidade exterior

Esse “jogo” entre níveis subjetivos e objetivos da consciência humana perfaz a hermenêutica dos símbolos: interpretá-los é compreender níveis cada vez mais profundos da existência individual e, consequentemente, da realidade circundante. O desenho das crianças na narrativa visual da HQ simboliza como discursos religiosos podem ser construídos para a despersonalização dos humanos, a objetificação exploratória, via dominação, que invisibiliza esses mesmos humanos. Diferentemente de Caim, todas as personagens na HQ apresentam corpos marcados e/ou mutilados: a narrativa conduz o leitor ou leitora a uma tomada de consciência sobre essas corporalidades fragilizadas e aviltadas, a uma consciência mais profunda do outro no direito à vida e liberdade e, portanto, a uma consciência de si. Consequentemente, também a uma consciência das estruturas e práticas discursivas em sociedades que eliminam esses direitos. Essa corporalidade dominada fica mais explícita, agora, na atitude simbólica de Caim. Na figura 6, à esquerda, um quadro exemplar na estrutura da narrativa visual: ao avistar salteadores, a fim de proteger a mulher Aga, Caim despe-se totalmente e apresenta, com os braços estendidos, seu corpo nu. Os salteadores, ao mirarem os olhos nele se surpreendem, surpresos e, possivelmente, atemorizados. Fogem. Qual a surpresa? Caim é o único ser humano, na face da terra, que não possui seu corpo visivelmente maculado, marcado pelos signos da violência. Não há um arranhão, uma cicatriz sequer. Como um homem que vive respirando os conflitos e a violência apresenta-se assim? O espanto está na fala, logo no início da HQ, do menino sem nome que, ao contemplar Caim a limpar seu corpo cheio de estrume, afirma: “Não tinhas cicatrizes. Que tipo de homem é que não tem cicatrizes? Até os bebés tem cicatrizes […] És um mágico ou algo assim? Porque é que não tens cicatrizes? E porque é que não estás morto?”

A marca de Caim é a sua não marca. Um corpo que, mesmo mutilado, regenera-se em corpo novo que garante sua imortalidade posta, como maldição, por Deus. Caim simboliza as estruturas religiosas que lançam mão de discursos e práticas de violência e da coerção para afirmarem-se. Caim é marcado por Deus para lembrar a ele, constantemente, que ele não será vítima da violência que imputou a seu irmão. O jogo das representações é paradoxal: o que Caim vê como maldição e os outros veem como um poder mágico, um interdito, a narrativa visual abre a possibilidade do corpo imaculado de Caim não ser tocado e, assim, representar o fim do ciclo de violência. Ainda que através de muita violência. É possível que a HQ chame a atenção para o fato de que práticas fundamentalistas em nome de Deus usem de muita brutalidade para afirmar a paz desse mesmo Deus. Essa teologia em torno dos mitos apresentados parece ser uma das possibilidades que o símbolo convida a pensar em “Os Malditos”: o corpo de Caim simboliza essa estrutura narrativa que atravessa toda a HQ – um corpo sempre na fronteira entre as feridas, as mutilações, as marcas da violência e o corpo limpo, regenerado.

Falávamos, anteriormente, em corpos invisibilizados. Algo que chama a atenção na HQ é a representação de uma determinada mulher: a mãe de Caim. Eva? Não necessariamente. Diferentemente de seu pai Adão, a mãe nunca é nomeada na HQ. Se voltarmos a Figura 4, quando há o flashback sobre o Éden, a mulher segura Abel em seu colo e o pai, Adão, segura o filho Caim. O diálogo entre homem e mulher ocorre assim, no início do Capítulo 3:

Adão: Não é o paraíso, rapazes, mas está bastante perto, e o melhor de tudo… É que é só nossa. Mulher: Sabes que isso não é verdade, Adão. Sabes que Deus nunca nos deixaria… Adão: Rapazes, digam à vossa mãe para calar a boca de puta mentirosa dela, antes que lhe enfie a maçã mais próxima pela goela abaixo. Mulher: Vai-te foder. A serpente era mais homem do que tu, meu eunuco cobarde. Adão: Olha para isto, Caim. É a tua herança. Foste a primeira criança nascida nesta terra

Na Figura 6, na página à direita, no primeiro quadro, a mãe de Caim e Abel aparece pela última vez na HQ (Capítulo 3) e dirige uma palavra/prece a seu filho. Nãos aos filhos. Seria a Abel, a quem carregava no colo? Não é possível afirmar com certeza. “Não havia nada parecido com o amor neste mundo… Até que peguei em ti pela primeira vez. Nunca te esqueças disso meu filho. Deixa que isso seja o teu legado”. Voltarei a esse tema do amor. O que chama a atenção no diálogo anterior entre a mulher e Adão é a representação, por um lado, do poder simbólico masculino sobre o feminino, a ponto de Adão não nomear a mulher. Ou melhor: a nomeia de forma violenta, desqualificadora: “puta mentirosa”. Além disso Adão interrompe a fala da mulher. Por outro lado, a mulher reage. Isso possui, em termos de enfrentamento religioso, um simbolismo marcante. Ela se afirma e confronta-o. E o faz em torno do eixo afetivo-sexual, seguramente um dos eixos mais utilizados pelo discurso religioso para o controle de corpos femininos. Ela teve relações com quem a serpente simboliza. Seria um de seus filhos fruto dessa relação com a serpente? Seria esse um dos motivos dos conflitos familiares? Será que se trata de Eva mesmo ou de, por exemplo, Lilith? É apenas uma hipótese para o fato de que Aaron traz para a HQ o possível diálogo intertextual com textos sagrados não canônicos. Afinal, em algumas mitologias judaicas Lilith é retratada, de fato, como a primeira esposa de Adão. De acordo com R. Laraia (1997, p. 151): “Lilith não se submeteu à dominação masculina. A sua forma de reivindicar igualdade foi a de recusar a forma de relação sexual com o homem por cima. Por isso, fugiu para o Mar Vermelho. […] Lilith foi transformada em um demônio feminino, a rainha da noite, que se tornou a noiva de Samael, o Senhor das forças do mal”. Seria Samael a “serpente” na HQ? Responder mais apropriadamente essas questões vai além dos propósitos desse artigo. O que importa, não percamos isso de vista, é a confrontação simbólica que a narrativa visual da HQ propõe, criticamente, a estruturas masculinas e patriarcais que se apropriam do discurso religioso como forma de dominação e controle dos corpos femininos.

Por último, disse que retornaria, no parágrafo anterior, ao tema do amor, vocábulo quase ausente em “Os Malditos”. Penso que esse tema proporciona um espaço de exercício de hermenêutica do simbolismo religioso muito importante no entendimento das ambiguidades entre vida e morte na narrativa quadrinística em questão. Aaron estrutura a narrativa visual em torno de um recurso muito importante: o uso de balões de pensamento onde a personagem Caim rememora sua história de vida. Nessa rememoração, no Capítulo 2, Caim conhece Aga, desesperada porque levaram cativo seu filho Lodo. Aga não mede palavras para dizer o quanto ama seu filho. Neste momento Caim pensa: “Amor. Já não ouvia essa palavra há tanto tempo, que tinha esquecido que existia. Fujo dela como da lepra”. Antecede a esse pensamento outro, no Primeiro Capítulo da Graphic Novel, onde Caim faz uma reflexão sobre sua própria família. Ressente-se da perda de uma vida pretérita em uma terra imaculada, abundante, com seus pais, ainda que eles vivessem em conflito. E Caim arremata: “E éramos uma família. Tínhamo-nos uns aos outros. Era tudo o que precisávamos. Se ao menos eu tivesse contentado com isso. Se não tivesse ficado tão furioso”. O drama de Caim não é pelo paraíso perdido. Mas pela perda de si mesmo. Pelo esquecimento do amor. Se a sua mãe esperava que o amor fosse o legado que os filhos levassem à diante, Caim marca o seu nome com o legado da violência e da morte. M. Eliade (2000) afirma que uma das características das narrativas míticas é sua dimensão cosmogônica, ou seja, o mito se justifica porque coloca em ordem, em organização, a configuração de sentido de todos os aspectos das realidades criadas. Nesse aspecto o mito e os símbolos representativos dessas realidades são “verdadeiros” “porque a existência do Mundo aí está para prová-lo; o mito da origem da morte é igualmente “verdadeiro” porque é provado pela mortalidade do homem, e assim por diante” (ELIADE, 2000, p. 12). Caim é a representação de que a vida, religiosamente, é marcada por uma radical ambiguidade: de que o sentido da existência encontra-se em poderes absolutos/sagrados, tal como o amor que une, que integra, mas que é limitada pela realidade nua e crua, permeada por insatisfações, frustrações, revoltas e, consequentemente, violências. Caim sente-se rasgado existencialmente: amaldiçoa a Deus porque amaldiçoa a si próprio. É a errância do sentido da vida.

Não sem motivo, uma outra característica da comunicação simbólica, ao voltar a Haight, é que os símbolos transformam. Fazem mediação à consciência humana a possibilidade de abertura à mudança, uma vez que pressupõem o engajamento existencial. Assim os símbolos religiosos convidam à ação: “A consciência de si e a consciência do mundo são assim transformadas; a conversão da própria consciência torna-se conversão do caráter inteiro da pessoa, no âmbito da existência e em face do mundo” (HAIGHT, 2004, p. 177). A narrativa trágica de Caim é o tatear pelo amor esquecido, ou melhor, pelo amor visto como perigo, como desarme das estruturas violentadoras da existência. Caim passa a amar a morte para por fim a essa errância dramática. Ao final da Graphic Novel, Aaron coloca um sopro de esperança em Caim. Marca, pois, a possibilidade de uma trajetória de mudanças na personagem, afinal, os símbolos ali presentes criam essa narrativa da mudança. Ao salvar o menino Lodo e uma série de pessoas escravizadas por Noé, Caim recebe a seguinte proposta de Aga: “E eu sei… que sentes falta da tua família. Podemos ser essa família. Todos nós. Se tu deixares”. Ao que Caim responde: “Sim… Eu…”. Neste momento uma onomatopeia aparece destacada em amarelo no quadro: “Shunk”. A esperança de voltar a viver o amor parece desvanecer-se por completo: o menino Lodo, com uma punhalada certeira, mata a sua própria mãe Aga. Lodo se torna o símbolo de uma existência que, massacrada pela escravidão e violência, leva embora sua sensibilidade, afetos, o amor próprio e o amor para com aquela que mais o amava: sua mãe. Claro que esse é o recurso narrativo utilizado por Aaron para manter a tensão do drama existencial na saga religiosa de Caim, a fim de garantir a possível continuidade da história. Mas isso não nega o que foi afirmado anteriormente sobre as possibilidades dos símbolos de mudança. Caim volta à sua errância amaldiçoada. Mas aí já é outra história.

Considerações finais

Em entrevista ao Jornal espanhol El País (2017) o artista norte-americano Art Spiegelman, criador, dentre outas obras, da clássica Graphic Novel “Maus” (sobre o holocausto), faz algumas afirmações das quais destaco duas:

Poucos meios podem se orgulhar por ter passado por tantas batalhas: entre adultos e crianças, fantasia e realidade, imagens e palavras, arte e negócio, pensamentos autoritários e rebeldes. O fogo cruzado continua, mas agora os quadrinhos são apreciados e não menosprezados como uma estupidez para crianças Para mim os quadrinhos sempre foram uma luta. […] O desastre é minha musa. Meus comics nascem de meu descontentamento, minhas raivas, meus medos. Se me sinto bem, não tendo a desenhar ou escrever. São uma forma de encontrar equilíbrio16

A partir dessas afirmações, o artigo procurou contribuir para posicionar o tema da religião e possíveis discursos teológicos em relação ao meio artístico das Histórias em Quadrinhos, meio este ainda pouco problematizado como lugar legítimo de produção de conhecimento para a área de Ciências da Religião e Teologia, muito embora essa perspectiva vem mudando paulatinamente. Além disso, em relação a HQ “Os Malditos”, parece que Aaron, inspirando-se em Maus, externaliza suas tensões, talvez suas raivas e medos, em suas criações artísticas. Um exemplo é que o tema da violência é muito presente em Graphic Novels produzidas por ele. Assim, o título deste artigo procurou destacar o elemento central no percurso da narrativa visual proposta por Aaron, Guéra e Brusco: os símbolos em função de reler intertextualidades míticas que afirmam as ambiguidades da religião – Caim, nesse caso, é o símbolo maior da vida e da morte, em um circuito trágico que representa a perda e o encontro de si mesmo com o outro nas limitações mais radicais da existência, muitas vezes impostas por estruturas sociais que utilizam a religião para o exercício da violência e dominação. A metáfora “Do estrume vieste, ao estrume voltarás!” remete ao texto bíblico de Gênesis, Capítulo 3, verso 19. Nesse caso, assim como o texto bíblico aponta para a dimensãode limitação e finitude (“do pó vieste ao pó voltarás”), o simbolismo de Caim, na HQ, radicaliza essa finitude “cheia de estrume” no drama da violência, da angústia, do ressentimento. Mas, também, da possibilidade, ainda que tênue, de retomada da esperança e do amor. Basicamente, na segunda parte do texto, a partir de uma breve perspectiva sobre o que são os Quadrinhos enquanto linguagem, procurei mostrar a estrutura narrativa da HQ em torno de intertextualidades míticas para, no momento seguinte, fazer um exercício mais hermenêutico da linguagem simbólica presente na HQ para melhor compreender a estrutura da narrativa sequencial e visual afirmada anteriormente.

Toda essa discussão foi antecedida por uma breve apresentação de possíveis interlocuções entre religião e quadrinhos, na esperança que sirva de estímulo para novas pesquisas. Por exemplo: é possível que Aaron tenha inspirado-se em textos considerados apócrifos e/ou pseudoepigráficos para reler os mitos de Adão, Eva e Caim, por exemplo, o “Livro de Enoque”, “O Livro dos Jubileus”, “Vida de Adão e Eva” e outros. Uma leitura comparativa dessas intertextualidades entre Quadrinhos e Literatura Sagrada é promissora, assim como promissor é o caminho aberto por I. Reblin, por exemplo, em considerar as HQ`s como locus revelationis para leituras mais teológicas. Outra possível aproximação é a leitura comparada entre Quadrinhos e outros meios de produção cultural, tais como a Literatura, as Artes plásticas, filmes, séries e outras, a fim de perceber como um tema específico em religião perpassa essas produções. É possível também desenvolver pesquisas que pensem em um método mais específico de abordagem da religião nas Histórias em Quadrinhos ao levar em conta as especificidades dessa linguagem. Portanto, são perspectivas que podem ajudar a consolidar essa interface de estudos para a área de Ciências da Religião e Teologia. A História em Quadrinhos “Os Malditos” tem a possibilidade de continuar. Oxalá seja feito. Esse artigo não. Que surjam outros capítulos dessa saga científica.

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Histórias em Quadrinhos mencionadas no artigo

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Sites

www.guiadosquadrinhos.com

brasil.elpais.com

Notas

[1]Poesia “Deus e suas Criaturas”. In: ANDRADE, Carlos D. de. Corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 37.

[2]Personagem Caim da Graphic Novel “Os Malditos” (2018). A referida Graphic Novel não apresenta, na edição utilizada, a referência à paginação. Como será utilizada a edição portuguesa, todas as citações dessa Graphic Novel serão mantidas na língua original.

[3]Caracterizo a referente História em Quadrinhos dentro do gênero Graphic Novel sem maiores matizações. Apenas como esclarecimento o termo, que pode ser traduzido por “Novela” ou “Romance Gráfico”, começou a ser utilizado nos anos 60 do século 20. Mas vai firmar-se apenas em fins dos anos 70 e início dos 80 para caracterizar a arte sequencial quadrinística como “livros”, normalmente com histórias completas em volume único ou em série. Basicamente em uma Graphic Novel a qualidade artística é mais elaborada e sofisticada, tanto no desenho quanto do roteiro, voltado para um público mais adulto, com complexidade temática e aprofundamento psicológico mais das personagens e ambientes. Com as Graphic Novels os Quadrinhos ganharam maturidade e, segundo W. Vergueiro, firmaram-se culturalmente e cientificamente como a Nona Arte. Cf. VERGUEIRO, W. Pesquisa Acadêmica em Histórias em Quadrinhos (2015), p. 30.

[4]Cf. Informações obtidas no site https://www.guiadosquadrinhos.com/personagem/ caim-/1563. Acesso em: 15 de junho de 2019.

[5]Em diante, no corpo do texto, a sigla “HQ” será utilizada para “História(s) em Quadrinho(s)”.

[6]Cf. REBLIN, 2014, p. 174-5. Digno de nota que Reblin inspira-se nas tipologias criadas pelo pesquisador Amaro Braga Júnior em seu texto “Configurações da religiosidade nos quadrinhos brasileiros” (2015, p. 171-190), que faz parte da coletânea “Religiosidades nas Histórias em Quadrinhos”. Braga Júnior fala de Quadrinhos brasileiros que se referem a religiões institucionalmente estabelecidas, Quadrinhos que fazer referência muito fragmentada e neutra à experiência religiosa, os Quadrinhos satírico-críticos à religião e os Quadrinhos simbólico-representacionais das experiências religiosas.

[7]O termo Comics no inglês é, literalmente, “cômico”. Em geral é o termo utilizado para qualificar as histórias em quadrinhos produzidas no contexto dos EUA cujo uso foi generalizado.

[8]No Prefácio que Vergueiro escreve ao texto “O Alienígena e o Menino”, originalmente a tese de doutoramento de I. Reblin. Cf. VEGUEIRO, W. Prefácio. In: REBLIN, I. O Alienígena e o Menino. Jundiaí: Paco Editorial, 2015, p. 13.

[9]No original: “La distinction entre BD religieuse et BD sur la religion et importante, ele ouvre à la prise en compte d`une réalité beaucoup plus large et complexe. Une BD qui développe un sujet relatif au christianisme ou qui lui emprunte certaines de ses thématiques, de ses références ou de ses représentation n`est pas nécessairement une BD chrétienne. De même que les sciences sur les religions ne sont pas davantage des sciences religieuses […] Il s`introduit là une distance qui autorise de multiplex point de vue, significatifs des nouvelles attitudes à l`égard des religions”.

[10]O termo, em japonês, pode significar “desenhos involuntários”. Para uma boa introdução ao estudo dos Mangás veja-se o clássico texto de Sonia Luyten (2012) “Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses”.

[11]Para uma visão geral sobre as histórias em quadrinhos no Brasil ver W. VERGUEIRO (2017), “Panorama das Histórias em Quadrinhos”.

[12]Para um estudo sobre a centralidade da estrutura narrativa dos quadrinhos e sua relação com a religião, veja-se o texto de I. Reblin “O Alienígena e o Menino” (2015), em particular o Capítulo 2 “Superaventura: Da narrativa ao gênero”, p. 79-179.

[13]Gênesis, Capítulo 2, verso 7 na edição da Bíblia de Jerusalém.

[14]“Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. Bíblia de Jerusalém.

[15]Um dos textos de Tillich que Haight utiliza é Dynamics of Faith. Existe tradução desse texto para o português: TILLICH, P. Dinâmica da Fé, 1996. Em particular, sobre a linguagem simbólica, o Capítulo 3 – “Os símbolos da fé”, p. 30-9.

[16]KOCH, Tommaso. Art Spiegelman: “Meus quadrinhos nascem de minhas raivas e meus medos”. In: El País. Madrid, 15 de dezembro de 2017. Disponível em: https://brasil. elpais.com/brasil/2017/12/14/cultura/1513274572_771444.html. Acesso em: 15 de junho de 2019.