Batman: O Pai, o Filho e o Detetive!
Batman: The Father, the Son and the Detective!

Emerson Sbardelotti*
*Doutorando e Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Contato: prof. poeta.emerson@gmail.com
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Resumo
Fazer Teologia a partir das Histórias em Quadrinho (HQs) não é tarefa simples. Porém, com o advento da pesquisa da Teologia em diálogo com a Literatura, escrever sobre temas que estão aí para serem discutidos e analisados por um novo viés é desafiador e apaixonante. Gotham City é a cidade criada pela DC Comics, onde atua o Batman. Tanto nas HQs, nos filmes e na série de TV, a cidade apresenta semelhanças com grandes centros do mundo onde existem inúmeros casos de corrupção e estatísticas alarmantes de violência. É uma grande metrópole, com pontiagudos arranha-céus cinzentos. Na maioria das vezes ela surge representada com um aspecto gótico e sombrio, menos realista e mais próxima das HQs do Homem Morcego. Batman é visto como um combatente do crime que possui um rígido princípio moral, suas habilidades na solução de crimes complexos fazem dele o maior detetive do mundo. O objetivo deste artigo é dialogar com a Teologia e com a Literatura, a partir das HQs do Batman: O Cavaleiro das Trevas, publicadas na coleção DC Comics – A Lenda do Batman: Batman e Filho, e, Batman: Detetive. Na conclusão, o artigo apresenta a busca pela justiça enquanto lócus teológico.

Palavras chave: Batman. Teologia. Literatura.

 

Abstract
Doing Theology from Comics is not a simple task. However, with the advent of Theology research in dialogue with Literature, writing about topics that are there to be discussed and analyzed for a new bias is challenging and captivating. Gotham City is the city created by DC Comics, where Batman acts. In Comics, movies and TV series, the city has similarities with major centers around the world where there are countless cases of corruption and alarming statistics on violence. It is a large metropolis, with pointed gray skyscrapers. Most of the time it is represented with a dark and gothic aspect, less realistic and closer to the Batman Comic book. Batman is seen as a crime fighter who has a strict moral principle, his skills in solving complex crimes make him the greatest detective in the world. The objective of this article is to dialogue with Theology and Literature, starting with the Comics of Batman: The Dark Knight, published in the DC Comics collection - Batman’s Legend: Batman and Son, and, Batman: Detective. In conclusion, the article presents the search for justice as theological locus.

Keywords: Batman. Theology. Literature

Introdução

Carlos Caldas em artigo publicado na Revista Teoliterária afirma que as HQs (Histórias em quadrinhos) constituem-se em uma das mais difundidas formas de arte sequencial da contemporaneidade. Os antigos gibis, ainda que possam ser considerados por alguns teóricos como forma inferior de arte ou cultura, têm despertado a atenção e o interesse de estudiosos de diferentes campos do saber, em diferentes latitudes. Neste sentido, observa-se que, por enquanto (no Brasil pelo menos), não tem sido muito expressivo o estudo de HQs da parte de teólogos e estudiosos de religião (CALDAS, 2017).

Não é comum, na sala de aula, falar um assunto a partir das HQs, uma raridade, às vezes, há comentários sobre os filmes, que são derivados de tais revistas, outras vezes, na hora de planejar uma avaliação mais rebuscada, coloca-se ali uma tira de jornal com algum quadrinho, com uma mensagem que tenha a ver com o conteúdo que foi trabalhado até aquele momento; nada mais do que isso. O que demonstra que muitos profissionais da educação não são dinâmicos ao prepararem seus planos de aula. Hoje em dia, com a interdisciplinaridade, todos os assuntos e matérias, em quaisquer ramos do saber, portanto, também na Teologia, devem atentar para o uso das HQs como uso paradidático no ambiente escolar. É uma forma salutar de incentivo à leitura

Paulo Freire já alertava que ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação. É preciso estar disponível ao risco. Todo e qualquer preconceito nega radicalmente a prática do bem comum e do bem viver.

Fazer Teologia a partir das HQs não é tarefa simples. Porém, com o advento da pesquisa da Teologia em diálogo com a Literatura1 , escrever sobre temas que estão aí para serem discutidos e analisados por um novo viés é desafiador e apaixonante.

O objetivo deste artigo é dialogar com a Teologia e com a Literatura, a partir das HQs do Batman: O Cavaleiro das Trevas, publicadas na coleção DC Comics – A Lenda do Batman: Batman e Filho, e, Batman: Detetive; coletâneas das principais histórias do Homem-Morcego, neste ano de 2019. Apresento um pouco da origem do personagem e suas principais motivações na luta contra o crime e como tais motivações se aproximam da Teologia. O artigo apresenta a utilização do personagem como metáfora na Música Popular Brasileira para dirigir uma mensagem de esperança numa época de repressão, violência, desaparecimentos e morte.

Na conclusão, o artigo apresenta a busca pela justiça enquanto lócus teológico.

Cuidado! Há um morcego na porta principal

Em 2019, o herói das HQs, Batman, completa 80 anos de existência. Quando surgiu tinha o nome de Bat-Man, e com o passar dos anos ficou conhecido por outros codinomes: o Homem-Morcego, o Cruzado de Capa, o Maior Detetive do Mundo e o Cavaleiro das Trevas (o mais lembrado atualmente) que foram usados também para dar título a revistas de grande sucesso.

Bruce Wayne é a identidade secreta do Batman. Ele tem 1,88 de altura, 95 quilos, é bilionário, proprietário da Corporação Wayne Enterprises, magnata de negócios, filantropo e playboy. O Batman é o alter ego de Bruce Wayne, um detetive, vigilante mascarado, defensor da lei e líder da Corporação Batman. O Batman não possui poderes como os outros heróis da DC Comics. A inspiração de lutar pela justiça, combatendo a violência e o crime se deu a partir da morte de seus pais quando ainda era criança. Um passeio noturno em família que deu lugar a uma noite de perdas e sofrimentos. Thomas e Martha Wayne foram assassinados por Joe Chill, um ladrão vulgar, quando voltavam para casa, depois de assistir ao clássico filme A Marca do Zorro. Bruce Wayne jurou vingar-se. Quando Batman descobre quem matou seus pais, vai atrás de Joe Chill e revela ser o milionário Bruce Wayne. Ao saberem que Joe é o culpado pelo surgimento de Batman, seus próprios companheiros de crimes o matam, antes dele revelar quem é o herói. Numa história mais recente, é morto pelo vilão Ceifador (sem Joe Chill não existiria o Batman).

Segundo Weldon:

Depois que os pais levaram tiros diante de seus olhos, o pequeno Bruce Wayne fez este juramento à luz de velas: “E juro, pelos espíritos dos meus pais, vingar suas mortes, dedicando o resto da minha vida à guerra contra todos os criminosos”
À primeira vista é um juramento ridículo, tão risivelmente magnânimo e melodramático que somente uma criança poderia fazê-lo.
E é aí que está o seu poder.
O juramento é uma opção, um ato de volição. É uma reação deliberada à injustiça que o arrasou. Mais crucialmente, é um ato de autossalvação. Afinal de contas, são essas vinte e duas palavras que dão propósito à sua vida e direcionam-no a uma existência totalmente dedicada a proteger os outros da sina que o acometeu. É por isso, apesar de todas as apregoadas trevas em torno do personagem, que ele é e sempre foi uma criatura não da ira, mas da esperança. Ele acredita que é um agente da mudança – ele é a encarnação viva da ideia simplória, implacável e otimista do Nunca mais (WELDON, 2017, p. 10)

Para manter-se em forma, Bruce Wayne treina ao máximo seu físico e intelecto, estudando diversas áreas de conhecimento, ajudando-o em sua busca por justiça; habilidoso em todas as formas de combate corpo a corpo, se torna o maior detetive do mundo, mestre em fugas, disfarces, cientista, inventor, piloto e acrobata. Consegue ocultar-se nas sombras e sair de lugares sem ser percebido, no entanto, ele sabe que somente essas habilidades não bastariam na luta diária contra o crime. O Batman não usa armas de fogo, não mata seus inimigos.

Por ser humano, Batman é vulnerável as armas de fogo. Para manter o mistério e o assombro em seus inimigos ele só aparece à noite. É considerado um dos mais fortes super-heróis não meta-humanos de todo o planeta e também um dos mais perigosos; paralisando a atividade dos heróis, ou derrotando estes heróis, se for preciso, com a junção de inteligência, raciocínio rápido, pesquisa, e habilidades desenvolvidas através do árduo treinamento que se submete com frequência. Por se fantasiar de morcego, seus inimigos têm a desculpa para correrem fantasiados por Gotham City. No fundo, Batman é a inspiração para agirem assim. Tudo isso é a ponta do iceberg para os roteiros das histórias do Cavaleiro das Trevas. Grande, interessante e importante é a galeria de vilões: Charada, Mulher-Gato, Hera Venenosa, Coringa, Monge Louco, Cara de Barro, Pinguim, Espantalho, Chapeleiro Louco, Sr. Frio, Morcego Humano, Duas-Caras, Ceifador, Vaga-Lume, Ra’s Al Ghul, Pistoleiro, Dr. Fósforo, Crocodilo, Máscara Negra, Ventríloquo-Scarface, Bane, Arlequina, Silêncio2.

Oficialmente a DC Comics33 adotou a data de 30 de março de 1939 como a data histórica em que, de acordo com o Registro de Marcas, a Detetive Comics número 27 chegou às bancas trazendo a primeira história do Batman. Lançada em março de 1939 (apesar da capa estampar o mês de maio), essa HQ é possivelmente junto coma a primeira revista com as histórias do Superman, uma das mais raras do mundo e também uma das mais caras; traz Batman lutando contra assaltantes. A origem do personagem só seria explicada no número 33 (novembro de 1939). Bob Kane criou Batman, mas o herói usava vermelho e tinha asas. Foi Bill Finger que sugeriu o visual atual, mas ele só recebeu o crédito como criador em 2014, quarenta anos após a sua morte.

Segundo Brian J. Robb:

Kane e Finger trabalharam no desenvolvimento do Batman, deram ao personagem o capuz que funciona como máscara, orelhas parecidas com as de um morcego e uma capa em vez de asas, como sugeriu Finger. Na arte, Kane adotou uma paleta de cores quase monocromática em cinza e preto, e deu olhos em branco à máscara do Batman para preservar o mistério. Finger teve a ideia do nome Bruce Wayne como a identidade civil do Batman e escreveu um resumo do que seria a primeira história. Kane já tinha convencido a DC sobre o personagem antes do envolvimento de Finger: ele considerava Finger seu funcionário. Assim como no primeiro trabalho para a DC, Bob Kane garantiu que apenas ele recebesse o crédito quando a tira estreou em maio de 1939, em Detective Comics número 27. Apesar da falta de crédito, com o tempo Kane reconheceu a importância de Finger na criação e no desenvolvimento do Batman. “Bill Finger foi uma força que contribuiu com o Batman desde o início. Ele escreveu a maioria das grandes histórias e influenciou ao estabelecer o estilo e o gênero que outros escritores emulariam. Eu fiz o Batman um justiceiro super-herói quando o criei. Bill o transformou em um detetive científico” (ROBB, 2017, p. 60-61).

Fonte: Blog ClickGeek4

Trinta anos depois do lançamento da Detective Comics número 27, as aventuras do Batman haviam se solidificado na preferência popular; o Brasil vivia sob a ditadura militar. As liberdades haviam sido reprimidas pela força das armas, das torturas e dos desaparecimentos de pessoas contrárias ao regime imposto. 1969 foi um ano controverso, onde alguns acontecimentos devem ser lembrados para contextualizar nossa reflexão a respeito de como o personagem Batman foi importante, alegoricamente, para a História recente do país: em 26 de fevereiro, o presidente Artur da Costa e Silva edita o AI 7 (Ato Institucional Número Sete), suspendendo as eleições diretas para governadores e prefeitos; nos dias 15, 16 e 17 de agosto, nos Estados Unidos, acontecia o Festival de Woodstock, que foi considerado durante muitos anos, o maior festival de rock and roll do mundo, até a realização do primeiro Rock in Rio, em 1985, no Rio de Janeiro; em 31 de agosto, uma junta militar, composta pelos ministros Aurélio de Lira Tavares – Exército, Augusto Rademaker – Marinha, Marcio de Sousa e Melo – Aeronáutica, substitui Costa e Silva, afastado por doença; em 4 de setembro, o embaixador estadunidense no Brasil, Charles Burke Elbrick, é sequestrado por dois membros armados do grupo revolucionário MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) e ALN (Ação Libertadora Nacional), no Rio de Janeiro; em 7 de setembro, o embaixador estadunidense é libertado pelos membros do MR-8, no Rio de Janeiro, em troca de pessoas que haviam sido presas e torturadas; em 18 de setembro é assinado o decreto-lei que estabelece a Nova Lei de Segurança Nacional, endurecendo ainda mais o regime e aumentando as perseguições e violência contra os opositores; em 25 de outubro, sem eleições diretas, é eleito Emílio Garrastazu Médici, como novo presidente do Brasil, tomando posse no dia 30 de outubro; no dia 04 de novembro, o líder da ALN, Carlos Marighella, é metralhado por agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) em São Paulo; em 19 de novembro a Apollo 12 pousa na Lua. Na área musical, os artistas mais conscientes davam seus recados, driblando a Censura como podiam, usando inclusive HQs para retratar o cenário vigente naquele momento. Numa ditadura, pensar era revolucionário, por isso os Festivais da Canção foram tão importantes naquele contexto, mesmo que a fórmula já começasse a dar sinais de esgotamento.

Seria a bandeira nacional a bandeira de Gotham City?

Gotham City é a cidade criada pela DC Comics, onde atua o Batman. Tanto nas HQs, nos filmes e na série de TV, a cidade apresenta semelhanças com grandes centros do mundo onde existem inúmeros casos de corrupção e estatísticas alarmantes de violência. É uma grande metrópole, com pontiagudos arranha-céus cinzentos. Na maioria das vezes ela surge representada com um aspecto gótico e sombrio, menos realista e mais próxima das HQs do Homem Morcego.

Em 1969 aconteceu o IV Festival Internacional da Canção – FIC5 porém com a imposição do Ato Institucional número 5 (em 13/12/1968), as músicas de protestos, as de cunho sócio-político, não participaram desta edição; havia ainda a ausência de Caetano Veloso e Gilberto Gil, como dissemos antes, foram presos pelo regime militar em São Paulo, 14 dias após o AI-5 entrar em vigor, transferidos para o Rio de Janeiro, depois enviados para Salvador, em prisão domiciliar, não poderiam fazer shows ou dar entrevistas; segundo os militares a saída era o exílio, que aconteceu no segundo semestre daquele ano em direção a Londres, na Inglaterra. Gil e Caetano retornaram definitivamente em 1972 para o Brasil.

Com a ausência dos baianos e de outros grandes nomes da Música Popular Brasileira, coube a Jards Macalé a missão estética de denunciar as mazelas do sistema vigente, anunciar a luz no fim do túnel e ameaçar por meio de uma metáfora: Cuidado! Há um morcego na porta principal... Na canção os compositores afirmam que embaixo do céu alaranjado de Gotham City ele vigia bons e maus, ele enxerga a caça às bruxas, não em qualquer dia, mas no dia da independência nacional; que Deus ajuda a quem cedo madruga; ser livre – liberdade, libertação: palavras proibidas – é sair da cidade e a saída é a porta principal, onde há um morcego e um abismo – dois caminhos, uma escolha; contudo há um sinal no céu e é contra o mal; e chega-se à conclusão de que o amor não dorme nem sonha, não se fala de amor (o próprio Batman poucas vezes fala de amor; no seu itinerário não há tempo para amar) naquela cidade... que poderia ser toda e qualquer cidade brasileira onde o Estado se fazia presente a partir das prisões, torturas, mortes e desaparecimentos promovidos pela ditadura militar. Pela segunda vez, o Cavaleiro das Trevas faz uma dupla dinâmica com a Música Popular Brasileira. O objetivo é o mesmo do ano anterior: manter viva a chama da liberdade, a chama da esperança.

O público presente no Maracanãzinho começou a vaiar o artista, que improvisando em cima das vaias fez com que a frase Cuidado! Há um morcego na porta principal... aparecesse como um grito de alerta. Os censores não entenderam a mensagem nas entrelinhas da letra, e ela entrou no Festival; os jurados também não compreenderam as alegorias utilizadas pelos compositores para retratarem o momento político do Brasil e desclassificaram a canção. Os autores se aproveitaram da imagem da cidade do Batman, da sua violência e corrupção; e da atitude vigilante do Cavaleiro das Trevas para apresentarem o cenário de país naquele ano. Quais são os abismos que ainda hoje encontramos na porta principal? Talvez, a letra de Macalé e Capinan nos dê uma ideia:

Gotham City6


Aos 15 anos eu nasci em Gotham city
Era um céu alaranjado em Gotham city
Caçavam bruxas nos telhados de Gotham city
No dia da independência nacional
Cuidado! Há um morcego na porta principal
Cuidado! Há um abismo na porta principal
Eu fiz um quarto quase azul em Gotham city
Sobre os muros altos da tradição de Gotham city
No cinto de utilidades as verdades Deus ajuda
A quem cedo madruga em Gotham city
Cuidado! Há um morcego na porta principal
Cuidado! Há um abismo na porta principal
Só serei livre se sair de Gotham city
Agora vivo como vivo em Gotham city
Mas vou fugir com meu amor de Gotham city
A saída é a porta principal
Cuidado! Há um morcego na porta principal
Cuidado! Há um abismo na porta principal
No céu de Gotham city há um sinal
Sistema elétrico e nervoso contra o mal
Meu amor não dorme, meu amor não sonha
Não se fala mais de amor em Gotham city
Cuidado! Há um morcego na porta principal
Cuidado! Há um abismo na porta principal

José Roberto Zan afirma que:

(...) A alusão ao universo de Batman, que mal encobria a referência ao Brasil pós-AI, parece ter confundido os censores que não foram capazes de desvendar as ambiguidades do conteúdo da canção. O público parecia confuso: uma pequena parte se mostrou receptiva, mas a maioria explodiu em vaias. E tudo foi incorporado ao grande happening à maneira tropicalista. Os críticos se dividiram entre o apoio ao experimentalismo e à postura de vanguarda do artista e a objeção à sua suposta complacência com gêneros e estilos estrangeiros (ZAN, 2010, p. 156-171)

Para além da fama de “maldito”, a contribuição da canção da dupla Macalé e Capinan é a de manter viva a esperança, atravessando gerações, a canção vai de encontro ao ideal do Batman. Afinal, o HomemMorcego usa seus recursos e conhecimentos na propagação do bem comum; sua luta é para fazer da cidade onde habita um lugar melhor, fazer das pessoas, pessoas melhores; contudo, um desejo impossível de ser totalmente realizado.

Fonte: DC Comics7

Batman: o Pai, o Filho e o Detetive!

Em comemoração aos oitenta anos do Batman, a DC Comics lança uma coletânea das melhores histórias do Cavaleiro das Trevas sob o título A Lenda do Batman; importada e distribuída para todo o Brasil por Editora Planeta DeAgostini do Brasil Ltda. O primeiro volume desta coletânea é Batman e Filho, originalmente publicada em Batman 655- 658 (setembro-dezembro de 2006) e 664-665 (maio-junho de 2007), que tem o roteiro de Grant Morrison, desenhos e arte-final de Andy Kubert, arte-final de Jesse Delperdang, cores de Dave Stewart e Guy Major. O segundo volume desta coletânea é Batman: Detetive, originalmente publicada em Detective Comics 821-826 (setembro de 2006 a fevereiro de 2007), que tem o roteiro de Paul Dini e Royal McGraw, desenhos de J.H. Williams III, Don Kramer, Joe Benitez, Marcos Marz e Simone Bianchi, arte-final de J.H. Williams III, Wayne Faucher, Victor Llamas, Luciana del Negro e Simone Bianchi, cores de John Kalisz.

Fonte: DC Comics8

Nas primeiras páginas de Batman e Filho há a seguinte explicação:

Grant Morrison começou seu período como principal roteirista do Homem-Morcego em Batman 655 (setembro de 2006), no capítulo que abre Batman e Filho. (...) Batman e Filho era sobre a relação de Batman com seu indisciplinado filho, mas também sobre como o homem em si funcionava. A história de Morrison põe a identidade de Bruce Wayne no coração das investidas do Batman. Wayne não era mais um mero traje usado pelo Cavaleiro das Trevas, mas parte integral da mente do herói (DC COMICS, 2019, p.7).

Nas primeiras páginas de Batman: Detetive há a seguinte explicação:

Com a oportunidade de escrever Detective Comics, a partir do número 821 (setembro de 2006), Dini era a pessoa certa para o formato de mistério, pois seu trabalho em animação ficava em episódios completos. Um tema recorrente era a ideia de colocar Batman contra outro detetive – alguém que lutasse de maneira suja e solucionasse crimes por motivos egoístas, como dinheiro e fama. Em vez de criar um novo personagem, Dini percebeu que ele estava pronto no Charada (DC COMICS, 2019, p.7).

Um personagem importante na criação de Bruce Wayne/Batman é o seu mordomo e tutor Alfred Thaddeus Crane Pennyworth, que o acolhe no momento em que seus pais Thomas e Martha Wayne são assassinados, e o aconselha em todos os momentos de sua vida; muitas vezes nas HQs do Batman, o próprio herói chega a citar o mordomo como pai. Alfred possui um passado misterioso que não é citado nas HQs, supõe-se que ele tenha sido um agente secreto e discreto da Scotland Yard, além de ser um ator competente com conhecimentos em medicina, ajudando o Batman nos piores machucados, já que este não pode ser levado para um hospital, e precisa ser tratado na Bat-caverna.

Por acreditar que seus inimigos poderiam cometer todos os tipos de violência com as pessoas que fossem próximas do Batman, Bruce Wayne sempre procurou ser solteiro, sem relações estáveis e duradouras, para preservar a vida das pessoas que com ele entrassem em contato; porém, isso não o impediu de adotar crianças que ele via com qualidades especiais, como filhos do coração; principalmente como parceiros na luta contra o crime e a corrupção de Gotham City. Os filhos do coração de Bruce Wayne/Batman são: Dick Grayson (primeiro Robin), Jason Todd (segundo Robin), Tim Drake (seus pais foram assassinados e Wayne jurou ser um pai para o garoto, além de seu mentor; terceiro Robin, depois Red Robin). Os filhos biológicos de Bruce Wayne/Batman são: Damian Al Ghul Wayne, Helena Kyle Wayne (universo alternativo Terra 2)9 e Terry McGinnis Wayne (Batman do Futuro).

Weldon afirma:

Tal como nos apresentam em Detective Comics, n. 38, os Graysons Voadores são uma trupe de acrobatas de circo que consiste no jovem Dick, sua mãe e seu pai. Uma noite, enquanto eles se exibem no trapézio, as cordas se partem e os pais de Dick desabam à morte. Dick entreouve gângsteres gabando-se ao diretor do circo que o “acidente” não teria acontecido se ele tivesse pagado a cota de proteção ao Chefão Zucco.
Dick está determinado a ir à polícia, mas Batman aparece na sua frente. A figura de capa avisa ao garoto que, se falar com a polícia, os homens de Zucco vão encontrá-lo e, depois, matá-lo. “Vou escondê-lo na minha casa por um tempo”, ele diz.
(...) Batman logo percebe uma afinidade entre si e o garoto órfão: “Meus pais também foram mortos por um criminoso. Por isso que dediquei minha vida a exterminá-los...Tudo bem, vou fazer de você meu assiste [sic]. Mas já vou avisando que levo uma vida perigosa”. “Eu não tenho medo”, diz o jovem Dick, sem saber das múltiplas décadas em que será vítima de seqüestro. A seguir, em uma cena que lembra o juramento de Bruce, Batman e o jovem Dick encaram-se no escuro diante da luz de uma vela. Os dois erguem a mão direita. (...) Começamos a acompanhar no momento em que Batman encerra seu novo juramento. “...e juramos que nós dois lutaremos juntos contra o crime e a corrupção e nunca nos desviaremos dos caminhos da justiça!”. “Eu juro!”, entoa o garoto
(...) Da noite para o dia, o implacável justiceiro lobo solitário tornou-se pai morcego-corujão. Sua marca também mudou: ele trocou o artigo definido por um segundo substantivo e uma conjunção coordenativa: The Batman [O Batman] virou Batman and Robin [Batman e Robin]. O acréscimo de Robin não foi só um ajuste cosmético; foi uma transformação fundamental e permanente, que fixou Batman em nova função: protetor e provedor. (...) Batman é um herói jurado a travar guerra contra o crime. Ele é um detetive. Ele pratica artes marciais. Ele é um milionário. E é também, enfim, um pai.
(...) O Menino Prodígio surgiu em uma época importante e abriu novos potenciais narrativos. A mera presença de Robin na história já aprofunda seu impacto, pois Batman tem algo com que se importar, acima e além de qualquer noção abstrata de justiça (WELDON, 2017, p. 35-37; 39).

Segundo Robb (2017, 65-66), Batman tornou-se mais humano com a chegada de Robin.

Assim como aconteceu com Lois Lane, a chegada do Robin serviu para humanizar o Batman. Ao deixar de ser um justiceiro solitário, ele agora era responsável pela segurança de outra pessoa. (...) Como Bruce Wayne, ele assume a responsabilidade por Dick Grayson e torna-se seu tutor legal.
Esta primeira versão do Robin apareceria ao lado do Batman nos quadrinhos de 1940 até o início da década de 1980, quando se aventuraria por conta própria e adotaria Asa Noturna como identidade de super-herói. Um segundo Robin – Jason Todd – estrearia em 1983, em Batman número 357 (março de 1983). Ele seria assassinado pelo Coringa, o vilão recorrente do Batman, na graphic novel Morte em família (1989, embora Todd viesse a ser ressuscitado depois como o Capuz Vermelho em Batman contra o Capuz Vermelho, 2005- 6). A terceira versão do personagem foi Tim Drake, que assumiu a capa do ajudante do Batman em 1991. Houve brevemente um quarto Robin, como uma figura feminina chamada Stephanie Brown, que depois se tornou a Batmoça (Batgirl), e um quinto herdeiro do título foi apresentado na série de 2009 Batman: A batalha pelo Capuz. Ele era o filho de Bruce Wayne, Damian Wayne (que seria morto em um gibi de 2013 e deixaria o posto vago, embora inevitavelmente viesse a ser ocupado mais uma vez).

Na revista Batman e Filho somos apresentados a Damian Al Ghul Wayne, o filho biológico de Bruce Wayne/Batman com Talia Head (Talia Al Ghul), filha de Ra’s Al Ghul (A Cabeça do Demônio), líder da Liga dos Assassinos, um inimigo diferente de todos que o Cavaleiro das Trevas já havia enfrentado.

Conforme nos mostra Manning:

Durante sua longa vida, Ra’s se dedicou a preservar o planeta e percebeu que a Terra está superpovoada e, portanto, a maior parte da população precisa morrer para garantir o futuro de alguns escolhidos. Ele possui um sentimento doentio de legitimidade, e acredita que sua missão é não apenas “salvar” o planeta, mas que é seu direito governar os sobreviventes.

Já Weldon afirma:

Ra’s era um inimigo diferente de todos que Batman já havia encarado: um homem que dispunha de recursos mais vastos que os de Bruce Wayne e com motivação perfeitamente afinada com a época: restabelecer o equilíbrio ambiental do planeta – só que por meio da erradicação desse vírus pernicioso chamado humanidade.

Batman nutre fortes e verdadeiros sentimentos por Talia, porém, sua lealdade para com o pai e aos seus preceitos perversos sempre os afastou. Numa noite, num deserto, Batman é drogado por Talia, após ter se negado a cooperar em um experimento de eugenia. Durante 10 anos, Talia escondeu de Bruce, o filho que haviam tido. Damian foi criado e treinado pela Liga dos Assassinos para ser o herdeiro de Ra’s Al Ghul. Ao encontrar o seu pai, Damian se mostra bem insolente quando Batman lhe diz que terá que usar todo o seu treinamento em artes marciais na luta contra o crime; logo, o garoto se opõe. Damian foi ensinado a matar. Precisará aprender que o Homem-Morcego e seus aliados não matam. Batman procura ensinar ao filho que a raiva deriva do medo e é imprópria para um estudante de artes marciais, a paciência é uma virtude; algo que o salmista cantará em seu Salmo 1 10:

1 Feliz o homem que não andou conforme o plano dos perversos, não se colocou de pé no caminho dos pecadores e não se sentou no assento dos zombadores.
2 Pelo contrário, seu apreço é pela instrução do SENHOR; dia e noite sussurra a instrução dele.
3 Será como uma árvore plantada junto a canais de água, que dá seu fruto a seu tempo e cuja folhagem não murcha. Tudo o que faz terá êxito.
4 Não são assim os perversos; pelo contrário, são como o debulho que o vento dispersa.
5 Por isso, os perversos não se levantarão no julgamento, nem os pecadores na comunidade dos justos.
6 Porque o SENHOR conhece o caminho dos justos; o caminho dos perversos, porém, perecerá.

Desde a origem, Batman é visto como um combatente do crime que possui um rígido princípio moral, suas habilidades na solução de crimes complexos fazem dele o maior detetive do mundo. Detetive é o profissional responsável por investigar um fato e desmascarar as pessoas e as circunstâncias envolvidas. Nas HQs do Batman, ele é essa pessoa que resolve crimes, ajudando assim a polícia. Não foram muitas HQs que conseguimos encontrar o Batman agindo inteiramente como detetive, sem a interferência direta de seus inimigos, estão presentes, mas não modificam o enredo, a investigação central. No fundo, Batman procura melhorar uma cidade que está muito doente, procura ser uma luz em toda a escuridão de Gotham City, fazê-la uma cidade justa. O grande detetive da cidade resolve os crimes usando seu intelecto, sem fazer uso de armas de fogo, sem precisar matar. Não é um trabalho fácil, rastrear criminosos e resolver os crimes cometidos por eles, mas ele consegue, pois se dedica a combater a injustiça. Ele junta as peças de um misterioso assassinato, por exemplo, apenas com seus instintos aguçados como mestre dos disfarces, adotando inúmeras identidades. O resultado: o assassino iria se revelar. A justiça será feita.

Na Revista Batman: Detetive somos apresentados ao Maior Detetive do Mundo. As histórias contidas na Revista mostram um Batman e um Robin (Tim Drake em início de carreira) mais preocupados em resolver os crimes a partir de investigações a partir do submundo de Gotham City. Vemos o Batman enfrentando o Charada (Edward Nigma), agora enquanto detetive particular; chegando a se unir a ele em um caso de assassinato, onde no final, o Homem-Morcego resolve de fato a situação. Nas histórias que se seguem a Dupla Dinâmica enfrenta Hera Venenosa, Dr. Phosphorus e por último o Coringa. Com paciência, inteligência e astúcia, os heróis conseguem solucionar os problemas causados pelos vilões e derrotá-los.

Fica evidente que Batman se torna o Maior Estrategista do Mundo, atuando com os vários Robins, com o Asa Noturna (Dick Grayson), com os Renegados, com a Liga da Justiça da América, com a Liga da Justiça Sombria, com a Corporação Batman; tornado-se um líder implacável e eficiente, cujos planos de contingência em si mesmos já eram planos de contingência; seriam usados se algo saísse do seu controle. Por isso, o Batman pode ser considerado o mais perigoso dos heróis, pois, apesar de precisar dos aliados, ele não vacila se tiver que usar algum ponto fraco deles. Por sempre estar na defensiva, acaba desconfiando de todos ao seu redor, o que acaba lhe trazendo inúmeros problemas de sociabilidade. Em sua mente, tudo o que faz e como faz, é para que a justiça seja feita, e que não haja mortos nem feridos. O que interessa é a motivação que o faz viver e não os métodos que utiliza.

Em ambas as revistas, encontramos o fio condutor: levar esperança para quem já não a tem.

Weldon retoma um breve discurso que o Cavaleiro das Trevas faz a John Black, criminoso cujos pais foram assassinados e serve como argumento para tudo que refletimos até aqui:

O discurso serve de resumo elegante e destila o que Batman é e quem Batman deve sempre ser, independentemente das vicissitudes do tempo e dos gostos fugazes do público. Ele expressa o que há de mais importante e duradouro no personagem: um tom específico de esperança sofrida, mas não abatida, que o motiva e que o define:
BLACK: Como [você] se resolve?
BATMAN: Você se lembra dos seus pais?
BLACK: Sim.
BATMAN: Lembra-se deles sorrindo?
BLACK: Sim.
BATMAN: Lembra-se de quando eles fizeram você se
sentir seguro?
BLACK: Sim.
BATMAN: É disso que você tem que se lembrar. É isso que você pode fazer pelos outros. Dar essa segurança. Mostrar que eles não estão sozinhos. É assim que você dá sentido ao mundo. E se conseguir... você não deixa que esse mundo crie outros como nós. E ninguém mais vai precisar ter medo.

Fonte: DC Comics11

Considerações Finais

O lócus teológico está na recusa de Bruce Wayne/Batman em relação às armas, o fato de não ceder à corrupção que corrói e adoece Gotham City e, principalmente, fazer o que ninguém mais consegue: buscar justiça.
Falar de justiça e paz exige hoje lucidez! A justiça e a paz são questões de Deus em nosso tempo. A justiça de Deus aparece na história da humanidade como a defesa dos pobres. O significado desse conceito é totalmente determinado pelo caráter salvador de Deus. O significado de justiça é definido pelo fato de ser em tudo justiça de Deus, que é própria de Deus, que ele dá e deve subsistir em sua presença. A justiça de Deus acontece porque Ele protege seu povo fraco, inocente, vítima de adversários; procede do amor12. A justiça, portanto, nas HQs do Batman e para nós em sociedade deve ser um princípio sempre integrador de toda a humanidade.
Para o educador Paulo Freire ensinar exige liberdade e autoridade:

A liberdade sem limite é tão negada quanto a liberdade asfixiada ou castrada.
(...) A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades.
(...) Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, aos vinte e cinco anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade.
Uma coisa que me parece muito clara hoje: jamais tive medo de apostar na liberdade, na seriedade, na amorosidade, na solidariedade, na luta em favor das quais aprendi o valor e a importância da raiva. Jamais receei ser criticado por minha mulher, por minhas filhas, por meus filhos, assim como pelos alunos e alunas com quem tenho trabalhado ao longo dos anos, porque tivesse apostado demasiado na liberdade, na esperança, na palavra do outro, na sua vontade de erguer-se ou reerguer-se, por ter sido mais ingênuo do que crítico (FREIRE, 2014, p. 103-105).

Este ensinar e acreditar passa pela noção de liberdade que emerge das sombras que Bruce Wayne/Batman traz consigo, fazendo-o ser moralmente ético, ligando liberdade, esperança e justiça. Não é um caminhar fácil, porém, não é impossível. Esperar por mudanças sem nada fazer para que aconteçam é passar pela vida sem uma razão de ser. A transformação da sociedade começa acontecer a partir do momento que estamos dispostos a fazer em nós as transformações necessárias. Pode parecer piegas, démodé, mas não há transformação verdadeira de dentro para fora se não há vontade e esperança na mudança. É preciso acreditar que depois de um tombo doloroso, a pessoa irá se levantar, caminhar com dificuldade, mas conseguirá chegar ao local desejado. Esperançar sempre é preciso, viver é preciso!
Para Paul Ricouer:

A nova ética marcará a ligação da liberdade com a esperança – o que Moltmann chama de ética da missão (Sendung); a promissio envolve a missio, na missão, a obrigação que une o presente procede da promessa, abre o futuro. Mais precisamente, a missão significa algo que não ética de obrigação, assim como a paixão para o possível significa algo que não é o arbitrário. A consciência prática de uma “missão” é inseparável do decifrar dos sinais da nova criação. (...) A missão seria assim o equivalente ético da esperança, assim como a paixão para o possível foi seu equivalente psicológico (RICOUER, 2004, p.153).

Não dá para vencer a violência usando a violência. Num país como o Brasil marcado desde os primeiros dias da conquista lusitana, nestas terras, entramos numa espiral da corrupção e da violência que com o passar do tempo só foi se especializando e aumentando. Há criminosos em todos os lugares e seguimentos da sociedade. Nossas instituições que deveriam primar pela excelência dos serviços oferecidos à população, deixam-na a ver navios. Nossa sociedade se entrega à corrupção e está apodrecendo mais a cada dia, criando um número enorme de pessoas fanáticas e fundamentalistas, racistas, machistas, que não conseguem respeitar, nem tentam entender o ponto de vista do outro, fazendo jorrar um ódio sem sentido, muitas vezes causando a morte.
A ponte que a Teologia pode e deve fazer com as HQs do Batman, em especial as que procurei refletir aqui, é construída a partir do olhar do fã, do pesquisador, acima de qualquer coisa, do ser humano, que sabe interpretar a história de um personagem da ficção e onde essa história pode nos levar
Recusar o uso das armas, não ceder à corrupção e buscar a justiça, são pilares que norteiam estes 80 anos do Batman/ Bruce Wayne e compõem a sua personalidade. São pilares que estão desmoronando na sociedade brasileira. A arma guardada não mata ninguém; o problema está em quem a segura, e quem a segura não quer, na maioria das vezes, só assustar. O combate à corrupção começa na atenção que damos aos pequenos detalhes do cotidiano, com as atitudes, com os dizeres, com o nosso comportamento em relação ao outro. Buscar a justiça deveria ser uma regra de ouro. Entenderíamos aquela canção do Barão Vermelho:

Milagres13


Nossas armas estão nas ruas
É um milagre
Elas não matam ninguém
A fome está em toda parte
Mas a gente come
Levando a vida na arte
Todos choram
Mas só há alegria
Me perguntam
O que é que eu faço?
E eu respondo:
“Milagres, milagres”
As crianças brincam
Com a violência
Nesse cinema sem tela
Que passa na cidade
Que tempo mais vagabundo
Esse agora
Que escolheram pra gente viver
Todos choram
Mas só há alegria
Me perguntam
O que é que eu faço
E eu respondo:
“Milagres, milagres”

E talvez algum dia interpretaremos aquelas canção antiga: “Cuidado! Há um morcego na porta principal!”... como se lêssemos uma HQ do Batman, apenas por diversão e entretenimento.

Fonte: DC Comics14

Referências

A BÍBLIA – SALMOS. São Paulo: Paulinas, 2017.

CALDAS, Carlos. Das HQ’s como discurso teológico: análise de X-Men – Deus ama, o homem mata, de Chris Claremont na perspectiva da soteriologia de Paul Tillich. Teoliterária: dezembro. São Paulo: PUC, 2017, v. 7, n.14.
 CALVANI, Carlos Eduardo B. Teologia e MPB. São Paulo: Edições Loyola; UMESP, 1998.
 DC Comics. Batman: Detetive. Coleção A Lenda do Batman. São Paulo: EAGLEMOSS COLLECTIONS, 2019.
 DC Comics. Batman e Filho. Coleção A Lenda do Batman. São Paulo: EAGLEMOSS COLLECTIONS, 2019.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa. 49.ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2014.
 MANNING, Matthew K. Batman: os arquivos secretos do Homem-Morcego. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

 RICOUER, Paul. Interpretação Bíblica. São Paulo: Templus; Fonte Editorial, 2004.

 ROBB, Brian J. A Identidade Secreta dos Super-Heróis: a história e as origens dos maiores sucessos das HQs: do Super-Homem aos Vingadores. Rio de Janeiro: Valentina, 2017.

 SBARDELOTTI, Emerson. A Opção pelos Pobres na Poesia de Patativa do Assaré. Teologias e Literaturas 7. São Paulo: Fonte Editorial, 2018.

 WELDON, Glen. A Cruzada Mascarada – Batman e o nascimento da Cultura Nerd. Rio de Janeiro: Pixel, 2017.

 ZAN, José Roberto. Jards Macalé: desafinando coros em tempos sombrios. REVISTA USP: setembro-novembro. São Paulo: USP, 2010, n.87.

No final de seu texto Temps et Récit1, Paul Ricoeur se defronta com a questão da identidade narrativa e sua reflexão sobre este tema vai ocupar alguns artigos que ele escreveu na sequência2. Não se trata da identidade do narrador ou do gênero literário, mas sim do tipo de “identidade à qual um ser humano acede graças à mediação da função narrativa”3.

Segundo ele, “a constituição da identidade narrativa, seja de uma pessoa individual, seja de uma comunidade histórica, era o lugar procurado desta fusão entre história e ficção”. Afinal, continua ele, “não se tornam as vidas humanas mais legíveis quando são interpretadas em função das histórias que as pessoas contam a seu respeito? E estas “histórias da vida” não se tornam elas, por sua vez, mais inteligíveis, quando lhes são aplicadas modelos narrativos?”. Assim ele se propõe a seguinte sequência de raciocínio: “o conhecimento de si próprio é uma interpretação; a interpretação de si próprio, por sua vez, encontra na narrativa, entre outros signos e símbolos, uma mediação privilegiada; esta última serve-se tanto da história como da ficção, fazendo da história de uma vida uma história fictícia ou, se se preferir, uma ficção histórica, comparáveis às biografias dos grandes homens em que se mistura a história e a ficção”4.

Percebe-se, então, se não de saída a elaboração dos detalhes de sua argumentação, ao menos a direção que seguirá sua reflexão e, se não o ponto de chegada, ao menos o horizonte que se descortina a partir de sua reflexão. O conceito de identidade pessoal será trabalhado, de maneira muito interessante, a partir do viés narrativo, inclusive beirando ou integrando o ficcional.

Anteriormente Ricoeur já havia apresentado um estudo sobre a identidade do texto e a afirmava dinâmica no seguinte encadeamento de raciocínio: “o tecer intriga5 é o paradigma de toda ‘síntese do heterogêneo’ no campo narrativo; a intelegibilidade narrativa possui mais afinidade com a sabedoria prática, ou com o julgamento moral, que com a teórica; o esquematismo narrativo é constituído por uma história que participa de todas as características de uma tradição”; e por fim ele arremata dizendo que “a identidade do texto narrativo não se limita ao que se chama de ‘dentro do texto’, pois como identidade dinâmica emerge para a intersecção do mundo do texto e o mundo do leitor”. Ajunta ele que “nesse ato de leitura a capacidade que tem a intriga de transfigurar a experiência é atualizada”, já que o “ato de leitura pode desempenhar esse papel porque seu dinamismo próprio enxerta-se no do ato configuracional e o conduz a seu acabamento”6. Aqui também está posta, na percepção do caminho, a direção a ser seguida pelo pensamento.

Sua reflexão vai, então, da identidade do texto à afirmação da identidade pessoal, passando pela importância que ele mesmo atribui ao encontro do mundo do texto e do mundo do leitor. De alguma maneira a obra não estará completa sem o trabalho de leitura criativa realizada pelo leitor, possibilitando a interação dos dois mundos: aquele que a obra descortina e aquele onde o leitor se refigura. Não se trata, como ele mesmo destaca, de encontrar o dentro e o fora do texto, pois se trata da interação da história ou de histórias.

Há um caráter ético nestas afirmações que não passaram desapercebidas a estudiosos do pensamento de Ricoeur7. Afinal, sabe-se que se “o símbolo faz pensar”, uma de suas frases mais conhecidas, e que também se pode passar do texto à ação8, outra de suas formulações lapidares. Refigurar-se diante do mundo não é apenas conhecer-se, enquanto consciência de si, mas também situar-se enquanto sujeito de ação que constrói sua vida, decifra comportamentos e toma decisões. A partir do texto o leitor se conhece e situa melhor sua ação no mundo em que vive, em referência àquele de quem se narram histórias. A pergunta pelo “quem?” pode ter um maior esclarecimento pelas narrativas que se fazem sobre ele e que repercutem na vida do leitor.

De alguma maneira isto também se aplica à leitura religiosa que se faz da Escritura. Desde sempre a leitura dos textos sagrados se realiza para ajudar o crente a melhor situar-se em seu mundo e a decidir comportamentos de acordo com aquilo que interpretará dos textos lidos. Foi assim com os oráculos na antiga Grécia, com a profecia em Israel, com as consultas mediúnicas de todos os tempos e com o contato direto com os textos que se referem à fé. Só aqui já teríamos uma interessante aproximação entre a hermenêutica ricoeuriana e a Bíblia.

Que Paul Ricoeur elabora sua filosofia hermenêutica em grande proximidade com textos literários, e também com categorias de análise e estudos literários, é fato sobejamente conhecido. A poesia e os textos de ficção são trabalhados por ele de maneira a poder elaborar e conferir as afirmações que realiza sobre o fato interpretativo, para além dos textos históricos. Aquilo que pode ser afirmado a partir de um texto de ficção pode ser afirmado para todos os textos, nos ensina ele. De alguma maneira talvez se possa dizer que o que pode ser verdade para um “texto falso” com mais razão poderá ser verdade para um “texto verdadeiro”. Teríamos reunido, aqui, três assuntos que, nos últimos anos, vimos considerando importantes e mais ou menos relacionados e que configuram nosso objeto de estudo: a literatura, o pensamento de Ricoeur e a Escritura, alma da teologia.

Da pregação à narração

Mas há ainda um complemento a isso que considero importante e que vem do próprio Ricoeur. Em seu texto “Da proclamação à narrativa”9, ele realiza uma interessante relação entre o anúncio evangélico e a intriga, ou mais especificamente “o tecer intriga”. Este “tecer a intriga”, como dissemos, é mais que simplesmente a intriga porque não diz apenas do argumento da história ou de seu enredo, mas sim, para além disso, dos personagens, do cenário, das situações, da temporalidade, enfim, tudo o que se relaciona com o que são os elementos que compõem o mundo do texto.

A relação que Ricoeur estabelece entre a pregação da comunidade primitiva e a elaboração do texto evangélico segue um itinerário de três passos: a proclamação do Reino de Deus por Jesus, o confronto e a história do sofrimento. O esquema teológico do anúncio parece bastante coerente, e o resultado redacional pode ser encontrado nos textos evangélicos que conhecemos ou, ao menos, estes podem ser lidos segundo essa chave. Afinal, sem querer elaborar propriamente uma teologia, Ricoeur tenta como que uma “engenharia reversa” do texto bíblico, encontrando nele ecos da pregação da Igreja que lhe é anterior, como fazem também os exegetas na aplicação de alguns de seus métodos de análise10.

Segundo sua apresentação, a pregação de Jesus sobre o Reino de Deus não apenas estrutura o texto evangélico, mas parece ser um pressuposto da confissão de fé da comunidade primitiva que atribui a Jesus o título de Messias. Só pode haver confissão messiânica se há concretamente execução da função messiânica, e isso se realiza em relação ao Reino de Deus. Messias é aquele que realiza o Reino, o anuncia e o concretiza. Fora desta situação, a titulação atribuída a Jesus poderia ser simplesmente diferente, de profeta, de rabino ou outra. Se se afirma que ele é o Messias, isto se dá em função da realização do Reino de Deus.

Este Reino, na pregação da Igreja, e talvez como eco da pregação de Jesus, não é simples grandeza apocalíptica, como textos do intertestamento poderiam nos fazer pensar. Reino de Deus não é uma grandeza cosmológica, geográfica ou temporal simplesmente, mas relacional. Não simplesmente um outro mundo em outra época, mas um outro jeito de organizar o mundo que pode ser desta época já: “hoje se cumpriu esta passagem da escritura que acabais de ouvir” (Lc 4,21). Esta nova organização do mundo, capaz de ser compreendida como “novos céus e nova terra” (Ap 21,1), gera novos comportamentos e nova estrutura, de maneira a não haver mais excluídos na sociedade nem fronteiras, religiosas ou sociais, que deixem de fora inúmeros cidadãos. Por isso “a comunidade dos que creram era um só coração e uma só alma” (At 4,32), de tal forma que entre eles não havia “judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher, pois são um em Cristo Jesus” (Gal 3,28). O Reino de Deus, portanto, é a forma de estabelecer o governo de Deus que faz iguais todos os seres humanos: “vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). Que o privilégio dos pobres estruture esta forma de pensar é algo evidente, porque o novo mundo vem exatamente em seu benefício. São eles os excluídos do mundo atual e, por isso, são eles os primeiros beneficiados do mundo reorganizado por Deus e seu Messias.

Disso se segue, inevitavelmente, o confronto, que Ricoeur caracteriza como controvérsia. Não é simples nem é consensual a instalação da forma de organização do mundo e de sociedade proposto pelo conceito de Reino de Deus. Em primeiro lugar, claro, porque os privilegiados não vão admitir outro mundo onde eles não mantenham os mesmos privilégios. E ainda muitos dos que foram subjugados gostarão de uma revanche, fazendo com que os subjugados de hoje sejam os privilegiados de depois. O “entre vós não será assim” (Mc 10,26) encontra aqui seu eco. O anúncio do Reino conhece, então, rejeição e recusa, aliás desde o início. É esta recusa que está na base da crucificação e morte de Jesus. A recusa da mensagem vai de par com a recusa do mensageiro. Um e outro são identificados, inclusive porque há unidade entre eles, e por isso um e outro recebem negação e rejeição. O Messias não é reconhecido e seu Reino não é aceito, e isto transparece nos relatos da paixão.

Não se estranha, pois, que os evangelhos sejam estruturados como “história do sofrimento” ou da recusa. “Ele veio para os seus e os seus não o receberam” (Jo 1,11) são palavras colocadas no início do evangelho de João, assim como o “não havia lugar para eles na casa”, de Lucas (Lc 2,7). A recusa de Jesus e de sua pregação atravessa todo o texto evangélico de tal forma que as controvérsias se sucedem e as autoridades apenas procuram o melhor momento para prender e calar Jesus, decisão já tomada no início da história, como relatada em Marcos (Mc 3,6). Os textos da paixão e morte de Jesus se inserem dentro da mesma lógica, a da recusa de sua pregação e de seu reconhecimento como Messias. Segundo Ricoeur, a história não poderia ser contada de outra forma a não ser como história do sofrimento, a intriga correspondendo à identidade do personagem. A identidade narrativa de Jesus transparece no texto tal como ele é elaborado, e não poderia ser de outra forma.

Identidade narrativa entre fé e história

Adolphe Gesché, fecundo leitor de Ricoeur, publicou em 1999 um interessante estudo intitulado “Pour une identité narrative de Jésus”11. Ali o que preocupava o autor era a intermediação apontada e realizada pelo texto evangélico entre a história de Jesus e a profissão de fé da Igreja. Para Gesché, o texto evangélico revela um Jesus que não é propriamente aquele histórico que caminhou pelas estradas da Palestina no século I da era cristã, nem exatamente aquele que a teologia da Igreja apresenta na riqueza de sua doutrina. Entre a história e a doutrina, há uma passagem obrigatória pelo texto evangélico, que não é relato historiogáfico nem compêndio de doutrina teológica, mas obra elaborada realçando uma intriga, tal qual a elaboração de uma obra literária.

Ressalta Gesché12 que esta intermediação é voluntária e, ao menos em certos aspectos, definidora da identidade de Jesus. Não se trata de simples ponte que liga os dois elementos importantes, a figura histórica e a doutrinal. Há a construção, pelo texto, de uma identidade própria de Jesus que, por isso mesmo, é chamada de identidade narrativa. Ela não é oposta à identidade histórica, mas lhe seria posterior. Contam-se histórias a respeito de Jesus depois de sua existência histórica. Ela também não é simples continuação da história de Jesus, agora em forma de relatos, pois pode haver múltiplas formas de contar a história de um personagem, e temos isto, inclusive, no número plural de evangelhos que conhecemos. Ela busca, sim, responder à questão “quem”?, que, segundo a elaboração do pensamento de Ricoeur, só poderá ser respondida pela narrativa. Por outro lado, a tradição eclesial sempre compreendeu que os textos evangélicos visavam suscitar no leitor a resposta a esta pergunta. “Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8,27) é a pergunta central do evangelho e, no texto de Marcos, se encontra exatamente no meio da obra.

Por outro lado, se pode ajuntar à reflexão de Gesché que, mesmo não sendo relato historiográfico sobre Jesus, o texto narrativo possui elementos de história e a ela não é impermeável, assim como não é impermeável a elementos teológicos que já estão presentes em sua elaboração. A narrativa sobre Jesus não é um texto doutrinal, em sentido estrito, é certo, mas encaminha para a construção teológica. Neste sentido, ela é ponte entre a história de Jesus e a proclamação de fé da Igreja. Mas, se ela desabrochará em reflexões teológicas e elaborações doutrinais na sequência, ela já é portadora de uma experiência de fé e, por isso, já há elementos de teologia que ajudam em sua estruturação, da mesma maneira que ela se refere a elementos de história efetivamente acontecidos. Sua elaboração não é estritamente teológica nem histórica, mas narrativa, ou seja, literária. O autor não pensa uma teologia e depois a preenche criptograficamente com narrativas sobre Jesus, nem apenas dá conta da sequência histórica de acontecimentos que compuseram sua existência. A composição narrativa segue o princípio de “contar uma história” de maneira atraente e com coerência e por isso, indiscutivelmente, visa o leitor. Não apenas o leitor imediato da comunidade que compõe o texto, mas simplesmente “o leitor”, que tomará, mais tarde, contato com o texto e procurará responder à questão da identidade do personagem da narração: “quem é ele?”.

O Jesus Histórico e o Cristo da Fé

Quando Bultmann faz sua crítica radical das pesquisas sobre a história de Jesus13 e aponta a proclamação de fé da Igreja como a única afirmação importante sobre ele, os estudos bíblicos viveram certo abalo. Como poderia ser possível referir-se aos evangelhos se não como história de Jesus? É verdade que Bultmann é prisioneiro de certo positivismo histórico14 que não lhe permite outra saída. Se, durante muito tempo, os evangelhos foram tomados como histórias “verídicas” a respeito de Jesus, a demitologização da Escritura realizada por Bultmann mostrava que tudo não era tão histórico assim na elaboração dos textos sagrados15.

O avanço das pesquisas históricas do mundo bíblico mostrava certas incongruências de dados em alguns textos e mesmo livros inteiros, como o de Jonas, careciam de comprovação histórica. Algo semelhante se passava com Jesus pois, fora os textos evangélicos, não havia documentação histórica que sequer assegurasse sua existência. Para o positivismo histórico, que exigia comprovações documentais ou arqueológicas, a existência de Jesus poderia ser uma fábula, talvez uma criação literária mítica como a de outros personagens conhecidos da antiguidade. A negativa da historicidade de Jesus parecia fazer ruir todo o edifício da proclamação da fé eclesial, e os positivistas mais ferrenhos não escondiam sua alegria por isto.

O caminho encontrado por Bultmann parece bastante interessante16. Não foi ele quem criou a distinção entre o Jesus Histórico e o Cristo da Fé, mas ele explorou esta distinção e pode realizar uma reflexão teológica que salvaguarda a fé mesmo diante da eventual impossibilidade de comprovar a existência histórica de Jesus. Segundo ele, o Jesus Histórico é aquele que caminhou pelas estradas da Palestina no Século I e a quem se referem os textos evangélicos. Este personagem não deixou nada escrito e não há registros de suas palavras, de suas ações ou mesmo de sua existência fora dos círculos cristãos. Parece ter sido um personagem sem importância de forma que não há registros sobre sua passagem na história humana. Como acontece com todo ser humano, nasceu, viveu e morreu, se é que existiu. Mas mesmo tendo existido, ele não é o objeto da afirmação da fé da Igreja. A reconstituição total dos acontecimentos de sua vida, ainda que isso fosse possível, não ajuntaria nada à fé eclesial, e mesmo se não se pode dizer nada sobre sua existência histórica, ainda assim é possível que a Igreja professe sua fé no Verbo Encarnado.

A fé da Igreja, insiste Bultmann, é a afirmação do Cristo Ressuscitado17. Ora, a Ressurreição é absolutamente incomprovável por caminhos de história e só pode ser afirmada na fé. Todo ser humano é convidado a fazer ou não sua decisão de vida diante do Cristo. Os atos da vida de Jesus podem ajudar na compreensão da fé, mas esta não carece de comprovação histórica para ter sentido e a historicidade concreta de Jesus não é decisiva para a proclamação da fé enquanto tal. Os nomes de seus apóstolos, os lugares que frequentou, as histórias que narrou, nada disso precisa ser comprovado historicamente para dar sustentação ao ato de fé. O que é necessário é, diante do Cristo, cada pessoa fazer sua opção de vida e aceita-lo ou não como Salvador. O princípio da teologia protestante ajuda muito aqui, pois afirma que o essencial é cada cristão definir-se pessoalmente diante do crucificado, confessando-o como seu Salvador: “Se você confessar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo” (Rm 10,9). O essencial será, então, a proclamação da fé eclesial. Se não é possível dizer nenhuma palavra comprovada sobre a história de Jesus, ele só poderá ser conhecido pela proclamação da fé da Igreja. Cremos porque a Igreja crê em Jesus Cristo e no-lo anunciou. Cremos, então, o que a Igreja crê, em uma articulação necessária entre o “eu creio” e o “nós cremos”. A fé, neste sentido, é eclesial e sua confissão pessoal integra no ambiente de Igreja. A história de Jesus não é passível de anúncio pela Igreja, mas sim a fé em Cristo. Não é relevante a comprovação do lugar ou data de seu nascimento para que seja possível a afirmação de fé que o reconhece como Salvador. A fé é possível ainda que sem comprovação histórica dos dados que afirma.

Depois de Bultmann, porém, vários de seus alunos assumiram postura mais matizada do que a crítica radical do mestre18. Ainda que admitindo que o centro da fé eclesial seja a afirmação do Cristo da Fé, estes teólogos passaram a admitir, também com a evolução dos estudos históricos e sua libertação dos quadros positivistas, que algo a respeito da vida de Jesus poderia ser conhecido com segurança histórica. Ainda que se admita a impossibilidade de precisão sobre datas, lugares e pessoas, os acontecimentos relacionados a Jesus tiveram tal impacto na história do mundo que, ao menos indiretamente, algo de sua existência pode ser afirmada com força de “verdade histórica”. Ao menos sua existência pode sê-lo: é tal a insistência em sua morte de cruz que isso se impõe como evento real; se morreu, é porque viveu, porque nasceu. E aqui já temos a comprovação histórica de sua existência. O essencial da fé continua sendo aquilo mesmo, a proclamação que Jesus Cristo é o Salvador e a consequente adesão à sua pessoa. O fato de poder dizer de sua existência dá mais segurança à possibilidade de fé do crente, mas não muda essencialmente sua proclamação ou as exigências éticas e religiosas que dela decorrem.

Nos tempos atuais vive-se nova busca pela história de Jesus conhecida agora como “third quest”, a terceira busca do Jesus Histórico19. Corresponde ao avanço das pesquisas científicas no campo da história, auxiliada pela arqueologia mas também pela antropologia cultural, pela linguística, pelos estudos do meio social onde Jesus teria vivido e onde nasceram os evangelhos. Há toda uma gama de ciências que aportam seus conhecimentos específicos para estudar, comprovar ou ao menos verificar a possibilidade dos fatos narrados a respeito dele nos evangelhos. E muito já se chegou a admitir, como as datas referenciais de sua existência, o meio que frequentava, o tipo de movimento que suscitou, o porquê da oposição que lhe custou a vida e mais outros detalhes referentes à sua existência20.

Tais conhecimentos, que permitem sob certos aspectos uma reconstrução da vida de Jesus, não fazem apelo à fé e por isso podem ser realizados por cientistas sem envolvimento de sua confissão de fé ou sem que signifiquem exigência de estudos teológicos21. Foi exatamente isso que motivou a crítica de Bento XVI à forma de execução da pesquisa e o levou à publicação de sua obra em três volumes sobre a vida de Jesus22. O fato é que aqui, ainda uma vez, os conhecimentos históricos sobre Jesus darão maior segurança ao crente para fazer sua profissão de fé, mas não vão nem proibir nem obrigar à realização de sua confissão. As pesquisas pela história de Jesus não comprovarão sua ressurreição ou que ele é o Filho de Deus, mas também não proibirão que tais afirmações sejam feitas na fé, pois não comprovarão que Jesus não tenha ressuscitado ou não seja o Verbo Encarnado.

Isto porque fé e ciência tratam de conhecimentos distintos, ou de diferentes formas de acesso ao conhecimento da verdade. As ciências descrevem os fenômenos, e isso é de sua competência; não cabe à fé ou à teologia a descrição do fenômeno da chuva, por exemplo, porque é a ciência quem tem propriedade de falar da evaporação, da condensação, das condições de precipitação, etc. Por outro lado, o sentido dos fenômenos não será afirmado pela ciência. A ausência ou presença da chuva, por mais que se descrevam as suas condições de possibilidade, poderá ser atribuída à divindade por conta do sentido do fenômeno, e por isso visto como ação divina que permite ou impede a chuva. Ainda que falando da mesma realidade, a uma compete a descrição e à outra a atribuição de significado. Se há problemas quando a ciência se atreve a fazer o que não é de sua competência, dizendo, por exemplo, que se o universo nasceu do Big Bang não há ato criador, porque uma coisa não impede a outra já que o Big Bang diz do “como” enquanto o ato criador diz “o quê”, pois Deus pode criar através do Big Bang, por outro lado também há problemas quando a fé ou a teologia querem sair de sua competência e descrever fenômenos, como por exemplo dizendo qual o corpo celeste que é centro do universo. Se uma e outra erram ao sair de seu campo específico de atuação, por outro lado uma e outra podem colaborar no processo do conhecimento humano, cada qual segundo sua competência e maneira de ser.

O Messias do texto

Se a ciência não impede a fé e esta não atravanca a evolução do conhecimento científico, o literário não precisa ficar alheio a esta relação. A literatura não é ciência, mas pode conhecer e aludir à verdade; também não é afirmação de fé, mas pode dizer do sentido das coisas e dos acontecimentos23. Ela pode exercer como que um papel mediador entre um e outro, ao menos naquilo que nos ocupa. O Jesus Histórico não é o objeto da fé, e o Cristo da Fé não é passível de ser conhecido pelas investigações históricas. Um e outro não estão em oposição, mas se completam como uma única realidade e uma única pessoa. Entre um e outro, como ponte a ligar a história e a fé, temos então o texto literário. Como vimos, para Gesché, o texto liga a história que lhe antecede à confissão de fé que o sucede, agindo como ponte que permite a união de um e outro.

Cabe ressaltar aqui, como já lembrava Paul Ricoeur, que uma vida não pode ser contada de qualquer maneira, mas que os fatos a serem narrados, independentemente de sua veracidade histórica, encaminhame de certa forma determinam sua maneira de apresentação. Assim, fatos históricos se enquadram mais na narração, normas nos textos legislativos, e assim na sequência. A história de Jesus de Nazaré cabe bem nas narrações evangélicas, apresentadas como história de sofrimento por conta da controvérsia originada pela pregação sobre o Reino de Deus. Note-se bem aqui a ponte que une estas realidades, juntando história, texto literário e teologia, exatamente pelos elementos destacados.

As pesquisas sobre a história de Jesus afirmam que sua pregação se referia fundamentalmente ao Reino de Deus24. Sob certos aspectos se pode mesmo caracterizar seu movimento como Movimento do Reino, no sentido de que sua proposta de renovação da fé de Israel25 centra-se na categoria de Reino de Deus e é expressa por este símbolo. O Primeiro Testamento conhece a ideia de que Deus é Rei (Salmo), que Deus governa seu povo, através dos juízes, do rei ou por outros meios (1Sm 8). No entanto a expressão Reino de Deus não se encontra ali presente. A ideia de um mundo de Deus, onde ele governa, que vem para substituir o mundo presente parece datar do intertestamento ou, ao menos, da apocalíptica26. E se a pregação de Jesus tem características apocalípticas, elas não são únicas em seu ensinamento.

O anúncio da chegada do Reino de Deus não precisa ser entendido apenas como a notícia do fim do mundo físico, em um grande evento cosmológico que decreta o fim da história. A apocalíptica apresenta realidades físicas como símbolos do religioso que, por sua vez, refere-se à forma de vida das pessoas no mundo e na sociedade27. Dito de outra maneira, o anúncio do final do mundo físico refere-se ao final do mundo de pecado, dominado por Satã; o fim do reinado do pecado implica em final da opressão estabelecida sobre o povo pelos dominantes estrangeiros. Assim, o que é proposto é o final da opressão social, significando o final do domínio do pecado simbolizado pela substituição do mundo onde reina Satã pelo mundo onde Deus governa, onde não haverá opressão, pecado nem sofrimento, mas fraternidade e paz.

Na pregação de Jesus, se o Reino não apenas está se aproximando mas já chegou, então não será preciso esperar uma mudança de espaço para viver sob o governo de Deus. Pode-se viver assim desde já, mas não apenas em disposições interiores, senão em práticas que estruturem um novo modo de o mundo se organizar em justiça, paz e fraternidade: “veja como os chefes das nações as dominam e as tiranizam... entre vós não deverá ser assim” (Mt 20,25-26). Por isso sua atenção aos pobres, aos fracos e aos doentes, pois são aqueles que mais sofrem opressão por conta da organização social e religiosa. Visto desta maneira, o Reino de Deus é, em verdade, um novo mundo, pois uma nova maneira de ser, uma nova maneira de viver, onde os pobres não serão os últimos, mas os primeiros, já que destinatários da atenção e do amor especial de Deus. Este Reino será finalmente estabelecido por ação Deus, aliás, está sendo estabelecido por Deus através de seu Cristo, e aqui o papel fundamental que Jesus percebe em sua proposta de Reino, donde o título messiânico que lhe é atribuído pelos textos e pela comunidade crente.

Que Jesus seja o Messias é a clara profissão de fé do grupo apostólico, entendendo o Messias não apenas como aquele que vem de Deus, mas como aquele que tem a função de estabelecer o Reino de Deus. O Messias, assim, é lugar tenente de Deus para organizar e estabelecer o governo de Deus. Foi assim que Jesus foi entendido por seus contemporâneos, mas que talvez enxergassem o estabelecimento deste Reino não como um mundo novo, mas como um outro governo entre tantos outros, mais nacionalista mas, ainda assim, como os outros. Esta não é a proposta de Jesus, e seu grupo de seguidores parece ter tido dificuldade para compreender o alcance maior de sua proposta. Porém, parece que seus adversários não tiveram as mesmas dificuldades. Para eles, a proposta do estabelecimento de um governo diferente daquele de César, fosse ele nacionalista ou universal, deveria ser combatido. Em jogo não apenas suas convicções, mas seus privilégios. Também os chefes da religião oficial de Israel se colocavam desta maneira, pois se tinham logrado privilégios no governo de César, isto talvez não fosse garantido em um governo diferente. E seria melhor que Deus governasse através deles do que através de alguma outra pessoa.

A oposição que se desenha ao movimento de Jesus eclode rapidamente, ele é preso, executado e seus seguidores perseguidos. Havia que alijar do horizonte um movimento assim perigoso e ainda impossibilitar que ele reapareça em qualquer outra parte. Por isso a execução exemplar de Jesus, na cruz reservada àqueles que atentavam contra o império. Não contavam com a notícia da ressurreição daquele que havia sido morto e do anúncio de que ele vivia novamente. Tal anúncio significaria o início dos eventos escatológicos, pois a ressurreição dos mortos, segundo a apocalíptica, aconteceria no “último dia”. Ora, se os eventos escatológicos estavam se sucedendo, o governo de Deus estava definitivamente instalado, o Reino estava realizado e o Messias seria conhecido e aclamado por todos. Este é o anúncio apostólico que se situa na continuação do evento Jesus.

Que a vida de Jesus possa ser resumida desta forma, talvez a história já pudesse dizê-lo, excluída, claro, a questão da ressurreição. O fato é que os textos que narram Jesus apresentam este enredo fundamental e, neste sentido, encaminham sua identidade narrativa. Não é um acontecimento ou outro que caracteriza sua vida ou o próprio personagem Jesus, mas o conjunto de sua prática colocada sob a luz de sua messianidade. Profetas podem falar do desígnio ou das palavras de Deus; sacerdotes e teólogos podem falar da natureza de Deus e de seu relacionamento com os seres humanos; apenas o Messias pode instaurar o Reino de Deus. Que as narrativas sobre Jesus encaminhem nesta direção será perfeitamente compreensível, tendo sido isto ou não o que tenha marcado a existência histórica de Jesus.

Note-se, ainda, que este é o encadeamento teológico que se sucede, que se constrói a partir do texto ou que tenha influenciado sua organização. A teologia, que evolui na direção da elaboração da doutrina, parte da afirmação de fé que Jesus “foi constituído Senhor e Cristo” (At 2, 36) por ação de Deus. Significa que a confissão de fé inicial da Igreja, seu kerygma primeiro, é a proclamação da messianidade de Jesus: ele é o Cristo, ele é o Ungido, ele é o Messias28. Novamente é bom lembrar que Messias se relaciona com o Reino de Deus: sim, alguém que procede do mundo de Deus e que por ele é investido em função messiânica. A pergunta sobre a natureza do Verbo e suas relações com o Pai será colocada mais tarde na história da Igreja. Em primeiro lugar vem a proclamação de sua função messiânica.

A afirmação da identidade narrativa

“Quem dizem os homens que eu sou? (...) e vós, quem dizeis que eu sou? (...) Tu és o Cristo” (Mc 8, 27-29). O evento pode ser histórico ou não, a declaração de Pedro pode ser textual ou não. Está assim narrada, é perfeitamente verossímil e, com o que se conta a respeito do personagem, é a definição de sua identidade no texto: ele é o Messias. É o que o texto procura afirmar, se pudéssemos falar de uma intencionalidade do texto. Mais que isso, o que se diz é que a identidade messiânica de Jesus é definida pelas narrativas feitas a seu respeito. O texto como que vai estabelecendo este caminho de leitura para que os leitores não se percam na paisagem e possam, no final, compreender e afirmar que Jesus é o Cristo, e engajar sua vida e sua identidade pessoal a partir daí. Donde a teologia que reflete sobre o significado da afirmação de fé. Aquele que a afirma em liberdade, com estas ou outras palavras, como aquelas do centurião ao pé da cruz (Mc 15,39), por exemplo, ou outras que serão formuladas mais tarde na Igreja, engaja sua vida e define sua forma de viver no mundo, ao menos enquanto horizonte de possibilidades. O texto evangélico não é uma relação historiográfica de eventos da vida de Jesus. Também não é um tratado de teologia ou um compêndio de doutrina. É uma narrativa sobre Jesus, aliás uma narrativa plural, pois são textos evangélicos. A história ou histórias que se contam sobre ele, pois, apontam para a sua identidade narrativa, configuram sua identidade pela narração. Não definem para o Jesus Histórico, cuja pesquisa pertence à ciência e cuja identidade pode não ser nunca definida, na medida em que personagens do passado são inalcançáveis. Não definem o Cristo da Fé, na medida em que a proclamação da Igreja será feita, sim, a partir de tais narrativas mas se desdobrando em doutrina que se tornará vivência de quem crê. Elas apontam para o Messias do texto, edificam a identidade narrativa de Jesus a partir de sua messianidade e afirmam, assim, um espaço que une os três elementos, o Jesus, o Cristo e o Messias. Ou a história, a teologia e a literatura, três irmãs reunidas em um esforço que lhes permite aceder, por caminhos diversos ou similares, ao conhecimento da verdade do Reino edificado por Deus através de seu Ungido.

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Notas

[1] RICOEUR, P. Temps et récit III, Le temps raconté, Paris: Seuil, 1985.

[2] Em 03 de novembro de 1986 Ricoeur pronunciou na Faculdade de Teologia da Universidade de Neuchâtel uma conferência que está na base de dois artigos que ele pubicou em seguida, ambos com o título de “Identidade Narrativa”, e ambos publicados em 1988. Um foi publicado na revista Esprit, 7/8 (1988) 295-304 e o outro foi publicado na obra coletiva La narration. Quand le récit devient communication, Genebra: Labor et Fides, 1988, 287-300.

[3] RICOEUR, P. “L’identité narrative”, Esprit 7/8 (1988), 295-304. A tradução aqui apresentada é de CORREIA, J. C. “A Identidade Narrativa e o Problema da Identidade Pessoal”, tradução comentada de “L’identité narrative” de Paul Ricoeur”, publicado em Arquipélago 7 (2000) 177-194.

[4] RICOEUR, P. “L’identité narrative”, Esprit 7/8 (1988), 295-304. A tradução aqui apresentada é de CARLOS, J. C. “A Identidade Narrativa e o Problema da Identidade Pessoal”, tradução comentada de “L’identité narrative” de Paul Ricoeur”, publicado em Arquipélago 7 (2000) 177-194.

[5] Segundo o próprio Ricoeur, este termo “tecer intriga” é mais amplo que a simples “intriga” pois a engloba e ainda ajunta outros elementos presentes na narrativa como os personagens, os temas, a temporalidade, etc.

[6] RICOEUR, P. “O texto como identidade dinâmica”, in RICOEUR, P. A hermenêutica bíblica, São Paulo: Loyola, 2006, p. 117-129.

[7] Veja-se, por exemplo, LISBOA, J. M. A. O conceito de identidade narrativa e a alteridade na obra de Paul Ricoeur: aproximações In Impulso, 23(56), 2013, 99-112.

[8] RICOEUR, P. Du texte à l’action. Essais d’herméneutique II, Paris: Seuil, 1986.

[9] RICOEUR, P. A hermenêutica bíblica, São Paulo: Loyola, 2006, p. 267-278.

[10] Há uma proximidade aqui com a proposta do método exegético histórico-crítico, como aparece em LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. Também BAENA, Gustavo. El Método Histórico Crítico In Theologica Javeriana, 122, p. 155-179.

[11] Adolphe Gesché, « Pour une identité narrative de Jésus », RTL 30/2 (1999) 153-179 – completado pela publicação da segunda parte do artigo no número seguinte da mesma revista: RTL 30/3 (1999) 336-356. Tais artigos foram por ele retomados em 2001, quando da publicação do sexto volume da coleção “Dieu por penser” (Le Christ. Paris: Cerf, 2001 – sua publicação no Brasil é de 2004.)

[12] Veja-se com proveito a compreensão de exegese literária apresentada por Adolphe Gesché, O Cristo São Paulo: Paulinas, 2004, especialmente p. 112-113.

[13] BULTMANN, Rudolf. Jesus Christ and Mythology. New Jersey: Prentice Hall, 1997.

[14] Positivismo histórico é aquele procedimento de estudo da história que quer manter-se adstrito aos dados das fontes, sem nenhum envolvimento do cientista que possa ser visto como interpretação. Efetivamente, no século XIX, com a afirmação dos nacionalismos europeus e a necessidade de criar bases sólidas para a união nacional, surge a preocupação de fazer da história uma ciência a mais exata possível, o que acabou por exigir a comprovação documental de tudo o que se afirmava em seu âmbito. A eventual carência de documentação ou seu comprometimento pelo envolvimento das fontes, significaria a impossibilidade de afirmação do evento histórico e mesmo de sua existência histórica. Veja-se BORGES, Pacheco Vavy. O que é história, São Paulo: Brasiliense, 2006.

[15] Veja-se BULTMANN, Rudolf. Existence and Faith. Shorter Writings of Rudolf Bultmann, edited and translated by S. M. Ogden, London, 1961.

[16] BULTMANN, Rudolf. Jesus Christ and Mythology. New Jersey: Prentice Hall, 1997.

[17] Idem.

[18] Por exemplo, BORNKAMM, Gunther. Jesus de Nazaré, Petrópolis: Vozes, 1976.

[19] A terceira busca do Jesus histórico, evidentemente, supõe duas buscas anteriores. A primeira, conhecida como busca liberal, data do final do séc. XVIII e tratou-se de diferentes tentativas de reconstituir uma vida de Jesus que não se iniciasse com as afirmações dogmáticas e que fosse encaminhada a partir da harmonização dos diferentes textos evangélicos; tais textos são confessionais, no sentido de terem o compromisso de testemunhar a fé das primeiras comunidades crentes, o que impossibilitou o avanço de tal busca. Uma segunda busca nasce na metade do século passado e liga-se ao método histórico-crítico e à situação vivida por Bultmann, por exemplo, como foi dito; distingue, pelo próprio método exegético empregado, o que poderia ser atribuído a Jesus e o que seria produção da comunidade redatora do texto evangélico; em última análise, tudo será produto da comunidade redatora, já que se trata de texto redigido, e ela conhece seu limite prático que é o mesmo limite do método histórico-crítico. A terceira busca à qual se alude, começa por volta dos anos 1980 e visa recolocar Jesus no contexto religioso, social e político de seu tempo; várias disciplinas, como as citadas, fornecem informações sobre Jesus e seu ambiente de vida, de tal forma que se pode conhecer melhor o personagem em relação ao ambiente onde viveu.

[20] Para os estudos da terceira busca do Jesus Histórico veja-se CROSSAN, John D. O Jesus histórico, Rio de Janeiro: Imago, 1994; MEIER, John. Um judeu marginal, 5 vols., Rio de Janeiro: Imago, 1993-2003; PAGOLA, Jose Antonio. Jesus, aproximação histórica, Petrópolis: Vozes, 2010.

[21] Por exemplo, Reza Aslam, Zelota: a vida e a época de Jesus de Nazaré, Rio de Janeiro: Zahar, 2013; André Leonardo Chevitareze e Gabriele Cornelli, A descoberta do Jesus histórico, São Paulo: Paulinas, 2009.

[22] Bento XVI, Jesus de Nazaré, 3 vols., São Paulo: Planeta, 2007; Principia, 2011, 2012.

[23] Por exemplo Antonio Manzatto, Teologia e Literatura, São Paulo: Loyola, 1994; também Alberto Toutin, Teologia y literatura, hitos para um diálogo; Anales de la Facultad de Teologia 3; Suplementos a Teología y Vida; Santiago: Pontifícia Universidad Católica de Chile, 2011.

[24] CROSSAN, John D. O Jesus histórico, Rio de Janeiro: Imago, 1994; PAGOLA, Jose Antonio. Jesus, aproximação histórica, Petrópolis: Vozes, 2010.

[25] Adolphe Gesché, O Cristo São Paulo: Paulinas, 2004.

[26] Veja-se Pierre Grelot, A esperança judaica no tempo de Jesus, São Paulo: Loyola, 1996; Vários, Apocalipsismo, Porto Alegre: Sinodal, 1983; e os clássicos Harold Henry Rowley, A importância da literatura apocalíptica, São Paulo: Paulinas, 1980; Leonard Rost, Introdução aos livros apócrifos e pseudepígrafos do Antigo Testamento e aos manuscritos de Qumran, São Paulo: Paulus, 1980.

[27] Cf. Gottfried Brakemeier, Reino de Deus e esperança apocalíptica, São Leopoldo: Sinodal, 1984; também Pierre Grelot, A esperança judaica no tempo de Jesus, São Paulo: Loyola, 1996.

[28] Cf. Antonio Manzatto, “O Messias do texto”, Ciberteologia, v. 36, 2011, p. 5-22.