A sátira do antiprofeta: ironia na narrativa de Jonas    
The satire of the anti-prophet: irony in Jonah’s narrative  

Lucas Alamino Iglesias Martins
*Doutor em Estudos Judaicos (Bíblia Hebraica) pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo. Contato: lucasigle@gmail.com  

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Resumo:

O livro de Jonas tem sido amplamente conhecido como uma obra prima literária. Nas últimas décadas, estudiosos tem explorado os recursos narrativos do livro como um todo enfatizando sua relação entre forma e conteúdo. Contudo, dentre essas análises literárias, poucas exploram um fenômeno chave para se compreender o livro: a presença de ironia. No livro de Jonas, a ironia é central para revelar os múltiplos fatores de interconexão entre as diversas partes do livro. Essencial para a caracterização, a ironia joga com as expectativas do leitor; todos os personagens atuam de forma oposta à esperada. A ironia também aparece relacionada ao ponto de vista; o narrador a explora através das palavras inseridas na boca dos personagens. Finalmente, há ironia na maneira como essas palavras ecoam outros textos do cânon; o discurso do rei de Nínive, por exemplo, reproduz as palavras de Moisés em Êx. 32 e 34. Por meio da crítica narrativa, este artigo tem o objetivo de explorar como a ironia opera no livro tornando-o a sátira de um antiprofeta.   

Palavras chave: Jonas; ironia; sátira 

Abstract

The book of Jonah has been widely known as a literary masterpiece. Over the last decades, scholars have explored narrative features of the book as a whole emphasizing its form and content. However, among these literary analyses, few have mentioned a key phenomenon to comprehend the book: the presence of irony. In the book o Jonah, irony is a key to disclose the multiple levels of interconnection between the various parts of the book. Essential to the characterization, it plays with the reader’s expectations; all characters act opposed to the expected. Irony is also related with point of view; the narrator explores it through the words he puts into the mouth of the characters. Finally there is irony in the way these words echo other texts form the canon; the king of Nineveh’s speech, for example, reproduce the words of Moses in Ex. 32 and 34. Through a narrative criticism analysis, this article aims to explore how irony operates making this book the satire of a anti-prophet.    

Keywords: Jonah; irony; satire 

Introdução 

Jonas é o livro profético mais imerso em tensão irônica1 . De acordo com Sweeney (2000, p. 304), “[...] a narrativa é permeada com elementos de ironia e paródia”2 . A história dissemina sua ironia, com exceção de sua oração, no capítulo 2, em prosa, e não em poesia. 

Embora sejam apresentadas declarações proferidas por Jonas, a ironia que se manifesta na história é sobre o profeta. Por meio de uma narrativa artisticamente elaborada, o leitor encontra um profeta que, ironicamente, procura lutar contra o comissionamento divino. Jonas não é o ironista, mas sim a vítima da ironia. 

De acordo com C. J. Ryu (2016, p. 226-227), as últimas quatro décadas têm testemunhado uma evolução nos estudos literários do livro de Jonas3 . Essa evolução não aparenta ser casual, tendo em vista a sofisticação literária distinta da obra, somada ao crescente progresso dos estudos literários na Bíblia Hebraica de maneira geral.  

Para Sharp (2009, p. 177), embora intérpretes insistam em leituras mais diretas, leitores de diversas tradições admitem um caráter abertamente satírico do livro. Debates com respeito aos propósitos das ironias no livro tendem a enfatizar a questão da misericórdia divina conforme apresentada em tradições pós-exílicas. 

Muitos argumentam que o grande número de ironias presente na narrativa é empregado em defesa de uma misericórdia divina estendida aos gentios, ou em defesa de uma misericórdia divina concebida de forma abrangente. Contudo, outra leitura possível das ironias do livro tem sido proposta: a de que o foco principal de alojamento dessa ironia esteja no profeta. Essa leitura situa o profeta e, aparentemente, o ofício profético como alvos principais de toda sátira irônica. 

Uriel Simon é cauteloso em identificar o livro com essa severa sátira irônica sobre o profeta. Apesar de considerar que a ironia possui papel importante no relato, para ele esse papel é mais gentil e bondoso do que muitos leitores supõem. 

Simon (1999, p. xxii) vê em Jonas uma ironia compassiva de caráter puramente pedagógico. Para ele, a história não é irônica no sentido negativo de uma sátira irônica, mas na acepção de mostrar um profeta completamente exposto em suas falhas para, junto à pedagogia das falhas, apresentar o perdão. Simon (1999, p. xxii) afirma que a narrativa “[...] posiciona o herói em seu lugar adequado sem humilhá-lo e restaura- -o à sua dignidade sem rebaixá-lo”4

Contudo, supor que a calmaria de Jonas durante a tempestade, sua petulância quanto à sua missão e sua indignação cômica com a planta não eram vistas como algo humilhante aos olhos dos leitores implícitos do livro é algo difícil de se conceber. 

Simon (1999, p. xxii) ainda argumenta a favor de uma função gentilmente didática para as ironias do livro afirmando: 

[...] a ironia efetivamente intensifica o pathos. [...] Jonas se permite desafiar a ordem do Senhor e agarra-se à sua oposição mesmo após ser compelido a executá-la, tudo por conta de sua inabalável fidelidade à justiça estrita e sua presciência de que o Senhor certamente se arrependerá de Sua intenção fatal. Ele sofre de autojustiça e presunção; esses são os traços dos quais a ironia divina o vem apartar. A ironia misericordiosa que elimina sua presunção e justiça leva Jonas a reconhecer a mão pesada, mas amável, do Senhor, que anseia por também trazê-lo de volta ao Seu seio5

Aparentemente, com Simon surge questão apresentada por Sternberg (1987, p. 86-95) sobre o narrador bíblico reforçar as aparentes oposições do texto e não buscar engrandecer figuras por meio de um anseio à imposição de coerência. O risco de se ajustar a narrativa em termos de história doutrinal para que incongruências e impossibilidades fossem anuladas deve ser ponderado. Apesar de, tradicionalmente, se esperar dos profetas bíblicos uma postura em harmonia com a divina, conforme já se viu, nem sempre essa expectativa se concretiza. 

Além disso, a forma como a narrativa termina não parece concordar com a suposição de que Jonas reconhece qualquer anseio divino de trazê-lo de volta ao seu seio. O livro termina com uma pergunta retórica divina sem resposta da parte do profeta. 

De qualquer modo, é importante frisar que nenhuma das abordagens quanto à interpretação da ironia na história tem figurado predominante entre os estudiosos6 . Por outro lado, a ironia como dispositivo literário característico do livro tem sido constatada pela maioria dos estudos (SHARP, 2009, p. 177). Além disso, segundo aponta David Marcus (1995, p. 104), “[..] ironia é, talvez, a arma mais sofisticada de um satirista, e é encontrada em abundância no livro de Jonas”7 . Assim, antes de analisar a ironia na narrativa de Jonas, deve-se ponderar sobre alguns detalhes a respeito de sua relação com a sátira. 

1. Características de sátira em Jonas 

Apesar de Jonas ser basicamente todo escrito em prosa, sua ironia é militante. Desde o início, depara-se com o alvo da sátira: o profeta Jonas. O profeta é o anti-herói principalmente por conta da relação entre seu nome e suas ações. Jonas é identificado, no início da história, como “Jonas, filho de Amitai” [יַ ּתִ מֲן־אֶ ב הָונֹי ;yônâ ben-ʾămitay], que, literalmente, significa “pombo, filho da fidelidade” (ACKERMAN, 1987 p. 234). Amitai [יַ ּתִ מֲא ;ʾămitay], além do possível nome de um parente próximo de Jonas, é uma forma abreviada da palavra hebraica תֶ מֱא] ʾĕmet; “verdade”] (HALOT, p. 69)8

De acordo com Good (1981, p. 42), em algumas situações no texto bíblico a expressão “filho de” expressa uma categoria, uma espécie de qualificação. Por exemplo, em 1 Samuel 14:52 se encontra a expressão לִיַ ן־חֶ ּב] ben-ḥayil; “filho de capacidade”] em referência a homens valentes, e em Salmos 89:22 (heb. v. 23) se encontra הָ לְוַ ן־עֶ ב] ben-ʿawlâ; “filho da perversidade”] em referência a homens perversos. Assim, o narrador, ao apresentar o nome do personagem inicial da história, cria uma expectativa no leitor (HOLBERT, 1981, p. 63). Do filho da fidelidade não se esperaria mais nada além de fidelidade. Contudo, logo na sequência a expectativa é quebrada pela atitude completamente opositora do profeta9

Além da peculiaridade literária acima, percebe-se em Jonas a presença de situações fantásticas de distorção, ridicularização, paródia e humor. É fundamental apreender que todas essas características contribuem fortemente para a feição irônica do livro. Afinal, de acordo com John C. Holbert, em seu artigo ‘Deliverance belongs to Yahweh!’: satire in the book of Jonah (1981, p. 60), esses ingredientes figuram-se elementares na composição de uma sátira em prosa10

É possível identificar no livro de Jonas algumas situações fantásticas que, racionalmente, aparentam ser impossíveis ou irreais11: o fato de Jonas ter sido engolido por um grande peixe; o fato de o peixe responder ao comando divino e vomitar Jonas ainda com vida na praia; a planta que surge e cobre a cabeça de Jonas do sol; o verme que surge e destrói a planta; e até mesmo a conversão de toda a cidade, isso somado à atitude, inclusive dos animais, de vestirem-se em panos de saco.

Todas essas situações proporcionam uma atmosfera fantástica ou miraculosa à história principalmente devido à forma como são narradas. Tudo ocorre numa sequência praticamente instantânea na narrativa, e o leitor não tem tempo sequer para respirar. A única exceção é quando, ironicamente, Jonas está no ventre do peixe e ora, construção que provoca um ralentando na narrativa. Além disso, todos os eventos são narrados com naturalidade e sem espanto, como se fosse algo recorrente alguém ser engolido por um peixe e ser vomitado na praia. 

Em Jonas, encontram-se também distorções. Noutras palavras, há minimização e exagero em abundância no livro. Em Jonas, tudo é muito grande ou muito pequeno (MARCUS, 1995, p. 101). Para alcançar seus propósitos, Deus usa tanto um peixe grande quanto um pequeno verme. 

O exagero se dá, em grande parte, por intermédio da palavra-chave ולֹדָּג] gādôl; “grande”]. O adjetivo é associado, na narrativa, com a cidade (1:2; 3:2; 3:3; 4:11), o vento (1:4), a tempestade (1:4, 12), o medo dos marinheiros (1:10, 16), o peixe (2:1) e, por fim, tanto a ira quanto a alegria de Jonas (4:1, 6). Em Jonas 3:5-7, a palavra aparece como substantivo, e em Jonas 4:10, como verbo, quando, em resposta à ira de Jonas, em seu discurso final, Deus relembra ao profeta que ele não tinha feito nada para “tornar grande” [וֹתְ ּלַ ּדִ ג ;gidaltô] a planta. Especificamente quanto à cidade, usa-se o epíteto “grande cidade” [הָ ולֹדְ ּיר־גִ ע ;ʿîr-gĕdôlâ] quatro vezes, sendo que em Jonas 3:3 se usa uma forma de superlativo que parece indicar, literalmente, que ela era uma “cidade divinamente .[lēʾlōhîm gĕdôlâ-ʿîr; עִ יר־גְ ּדֹולָ ה לֵ אֹלהִ ים] “grande 

Por outro lado, o discurso que Jonas profere na cidade é um dos mais curtos de toda a Bíblia: somente cinco palavras em hebraico. Em Jonas 3:4b, lê-se: 

עֹוד אַ רְ בָ ּעִ ים יֹום וְנִינְוֵה נֶהְ פָ ּכֶת 
Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida. 

E aqui, ironicamente, o efeito do discurso demonstra ser inversamente proporcional ao seu tamanho, pois os ninivitas creram e toda a cidade foi poupada. 

Outro componente encontrado no livro de Jonas é a ridicularização. Jonas é ridicularizado quando retratado dormindo durante a tempestade. Marcus (1995, p. 119-120) observa que na Septuaginta o ridículo do sono é intensificado pelo fato de se declarar que Jonas não só dormia, mas também roncava enquanto ocorria a tempestade. O profeta é ridicularizado quando é vomitado pelo peixe, logo após proferir que a salvação pertence a Deus. Inclusive muitos têm identificado humor nessa situação de ser vomitado. 

De acordo com Terence Fretheim (1977, p. 96), “[...] o peixe não pode suportar esse personagem Jonas. Ele é aliviado dos incômodos do estômago somente quando se livra de Jonas. Três dias do indigesto Jonas!”12. Jonathan Magonet (1983, p. 52) observa: “[...] há uma sugestão de humor malicioso nessa cena do profeta sendo regurgitado de forma tão indigna”13. Para Trible (1994, p. 172), ao invés de um termo neutro para expelir o profeta, o verbo קיא] qîʾ; “vomitar”], em Jonas 2:10 (11), sublinha a repugnância que as palavras do profeta suscitaram. Ironicamente, o peixe, instrumento potencial de morte, salvou Jonas do mar. Mas Jonas, salvo da morte, não é liberto do comando divino. Inclusive seu retorno à terra seca implica que o leitor ainda está preso ao profeta. 

Jonas também é ridicularizado pelas agudas mudanças de humor. Quando está infeliz, ele deseja morrer; quando está feliz, devido à planta que o protege, ele se mostra radiante de alegria. Contudo, quando a planta morre, ele deseja novamente morrer. Essa mudança constante, fruto da visão autocentrada, irritabilidade e desconforto do profeta, salienta sua ridicularização. 

Por fim, no livro de Jonas se encontram paródias. As paródias se referem ao caráter evocativo do texto, à capacidade deste de citar outros textos comuns aos ouvintes e leitores. A paródia ataca o alvo por meio do contraste. Distorcendo textos tradicionais, indivíduos conhecidos ou padrões de comportamento esperados, o narrador forja o personagem da maneira mais apropriada para suas intenções (MAGONET, 1983, p. 101). 

1.1 Paralelos com as narrativas de Elias e Eliseu

Para James S. Ackerman (1987, p. 234), além de Jonas se destacar na literatura profética por ser uma narrativa, “[...] a história preferencialmente lembra as sagas proféticas em 1 e 2 Reis que focalizam Elias, Eliseu e outros”14. Apesar das singularidades do livro de Jonas dentre os profetas, narrativas na terceira pessoa também ocorrem em outros livros proféticos (ver Is 36-39; Jr 26:1-19; 28; 36-44; 52; Os 1:1-9; Am 7:10-17). Todavia, convém ressaltar que uma quantidade considerável dessas narrativas figura nos livros devido à sua relação com os oráculos incorporados a elas (GOOD, 1981, p. 40). Ademais, apesar de Jonas constituir uma narrativa profética que apresenta paralelos com as narrativas proféticas dos livros de 1 e 2 Reis, percebe-se uma diferença significativa entre elas: nas narrativas de 1 e 2 Reis, sempre se enfatiza a fidelidade do profeta ao chamado divino, ao passo que em Jonas o profeta é retratado como aquele que foge de sua comissão (STUART, 2002, p. 435). 

Sobre a relação entre Jonas e Elias, Holbert (1981, p. 64) observa que a fuga silenciosa de um profeta não possui precedentes no texto bíblico. “Elias foge, mas é em direção ao monte de Deus, não para longe dele.”15 Nessa associação, identifica-se a intenção de fazer ecoar outra narrativa de forma a distorcer uma figura familiar. 

De acordo com Marcus (1995, p. 131-132): 

[...] há tantos paralelos irônicos entre o episódio em que Elias fugiu de Jezabel para salvar sua vida (1 Reis 19) e partes da história de Jonas que se pode argumentar que as ações de Jonas são simplesmente uma paródia das de Elias16.  

Por exemplo, ambos os profetas se sentam à sombra de algo: Jonas de uma planta [וןֹיָ יקִ ק ;qîqāyôn (Jn 4:6)] e Elias de um zimbro [םֶ תֹר ;rōtem (1Rs 19:4-5)]. Ambos se deitam e dormem: Elias sob o zimbro (1Rs 19:5) e Jonas no porão do navio (Jn 1:5). 

Além disso, em ambas as narrativas há um diálogo entre o profeta e Deus composto de perguntas e respostas (1Rs 19:9-14; Jn 4:4-11). Somado a isso, a pergunta de Deus a Elias em 1 Reis 19:9 – “Que fazes à contraponto faz] – ʾēlîāhû pōh lĕḳā-ma; מַ ה־לְ ָּך פֹה אֵ לִ יָּהּו] “?Elias, aqui pergunta do capitão do navio a Jonas (Jn 1:6): “Que fazes dormindo?” [םָ ּדְ רִנ ךְ ָּה־לַ מ ;mâ-lĕḳā nirdām]. Afinal, de acordo com Magonet (1983, p. 102), o sono de Jonas vai muito além do sono de exaustão do profeta Elias (1Rs 19:9). 

Por fim, ambos solicitam a morte em linguagem similar. Enquanto Elias diz, em 1 Reis 19:4: “[...] toma agora, ó Senhor, a minha alma [...]” ,Senhor ó: “[...] diz) 3:4 (Jonas], nafšî qaḥ YHWH ʿatâ; עַ תָ ּה יְהוָה קַ ח נַפְ שִ ׁי] tira-me a vida [...]” [יִ ׁשְ פַת־נֶ א אָח־נַ ק הָהוְי הָ ּתַ עְו ;wĕʿatâ YHWH qaḥ-nāʾ ʾetnafšî]. E em relação ao pedido de morte, Jonas afirma, na sequência, no mesmo verso: “[...] porque melhor me é morrer do que viver” [יִ ותֹמ ובֹט יִּכ .[mēḥayāy môtî ṭôḇ kî mimenî; מֵ חַ יָּי מִ מֶ ּנִּי ]

Embora a linguagem seja sutilmente diferente, em 1 Reis 19:4, também na sequência do pedido de morte é usada a mesma estrutura de expressão na fala de Elias: “[...] porque melhor me é [...] do que [...]” [יןִ מ ובֹט יִּכ - ]...[kî ṭôḇ [...] mîn]. Em 1 Reis 19:4, lê-se: “[...] pois não sou melhor do que meus pais” [יָ תֹבֲאֵ מ יִכֹנָ א ובֹא־טֹי־לִּכ ;kî-lōʾ-ṭôḇ ʾānōkî mēʾăbōtāy]. Contudo, as reclamações de Jonas são paródicas. Elias pede a morte por ter aparentemente falhado em sua pregação. Por outro lado, ironicamente, Jonas pede a morte por ter obtido êxito em sua pregação (GOOD, 1981, p. 51). 

Dessa forma, a narrativa também evoca, por meio de contraste, um padrão de comportamento esperado por parte de um profeta. John A. Miles Jr. (1975, p. 170-180) elenca cinco situações em que o livro subverte o padrão expectável: (1) no chamado para profetizar; (2) no comportamento dos marinheiros; (3) no salmo de ação de graças; (4) na aceitação bem acolhida da mensagem por parte do rei; e (5) no desejo do profeta pela morte. Além disso, assume-se que o leitor esteja familiarizado com as fórmulas e os estilos da literatura profética em que padrões comportamentais esperados devem ocorrer. Tanto os pontos destacados por Miles quanto outros padrões esperados serão analisados na sequência em um tópico específico sobre a construção fundamentalmente irônica da obra17

1.2 Resistência

É importante observar que em um texto satírico nem sempre todos os componentes estarão presentes de forma clara e distinta. As fronteiras entre eles são ofuscadas, e muitas vezes o efeito provocado é intercambiável. Contudo, a mescla de recursos é uma das concepções fundamentais da sátira. O próprio termo, oriundo do latim satura, significa “mistura” ou “mistura completa de coisas diferentes” (MARCUS, 1995, p. 9). Sendo, originalmente, parte do vocabulário alimentício, a palavra satura estava relacionada a uma receita em que a mistura se destacava como principal característica: uma espécie de salada, ensopado ou picadinho (JEMIELITY, 1992, p. 58). Sendo assim, a sátira se caracteriza por mesclar estilos e características para conceber o efeito desejado18.  

Além de classificá-lo como sátira, ao longo dos anos outras diversas tentativas de categorizar o livro foram propostas por diferentes estudiosos19. Em Studies in the Book of Jonah, por exemplo, Phyllis L. Trible (1963, p. 177) sugere categorizar o livro como um midrash, muito embora em sua obra posterior, Rhetorical Criticism: context, method, and the book of Jonah (1994), ela não desenvolva essa ideia. Essa visão é confrontada por Douglas Stuart (2002, p. 436), que afirma que a história de Jonas claramente não é um midrash. Para ele (2002, p. 436), uma vez que o midrash é caracterizado como um comentário sobre um texto bíblico em particular e inclui explanação proposicional, “[...] para que Jonas fosse convincentemente identificado como um midrash, deveria ser demonstrado que a história foi composta para servir de explanação ilustrativa de algo ensinado em algum outro lugar do AT”20

Miles (1975, p. 168-181) considera Jonas como uma paródia. Aqui, o autor se refere à paródia não como uma característica evocativa que compõe a sátira irônica, mas sim como um gênero literário. Sem desenvolver muito sobre o termo, Miles (1975, p. 168) apresenta a paródia como uma “espécie de sátira”21 em que o comportamento ou estilo literário padronizado é exposto. 

De acordo com Adele Berlin (1976, p. 229), em um artigo que critica a proposta de Miles, o rastreio frustrado para encontrar uma categoria adequada para o livro de Jonas não ocorre devido às várias interpretações possíveis, mas por conta da natureza da interrogação primordial. Para Berlin (1976, p. 229), a pergunta crucial que deveria ser feita é: “[...] há algum sistema israelita nativo de categorização de literatura?”22. Berlin não responde à pergunta que, segundo ela mesma afirma, mereceria um artigo exclusivo, e decide categorizar Jonas de acordo com a subdivisão bíblica: literatura profética. 

Aparentemente, o receio de Berlin em examinar a narrativa como paródia se deve a dois fatores. O primeiro, ideológico, envolve um questionamento feito no início do artigo em que ela afirma que não faria sentido Jonas ser considerado como uma paródia pelo fato de ter sido escolhido como o livro de leitura do Yom Kippur, um dia marcado pela extrema reverência. E o segundo fator tem a ver com a preocupação de que o sistema de classificação literária de obras por seus gêneros, segundo ela (1976, p. 229), originou-se em Aristóteles. E, tendo-se em conta que o sistema surgiu em um contexto literário grego e ocidental, a literatura bíblica não poderia ser enquadrada em tal contexto. 

Aparentemente, Berlin vê desarmonia na relação entre reverência e humor, visão contrária à realidade bíblica. Sobre o segundo, nenhum dos autores supracitados parece apontar que o autor de Jonas tinha em mente produzir uma paródia segundo os moldes clássicos do gênero. Simplesmente, encontram-se, no livro, os mesmos componentes do gênero – paródia, comédia, sátira e outros. 

Assim, é importante observar que, ao denominar o relato como sátira, a intenção desta pesquisa não reside em informar as influências literárias do autor do livro, inferindo qualquer dependência ou presciência de estilos e gêneros. Tem-se, sim, como objetivo simplesmente pontuar que o livro em si possui os mesmos componentes do que, após Aristóteles, se denominou sátira. 

Na sequência, avaliar-se-ão outras situações em que se encontram ironias na história. Inevitavelmente, em alguns casos, as situações dialogarão com as características supracitadas. A intenção é examiná-las à medida que ocorrem na narrativa para um vislumbre de como tal recurso é fundamental para a assimilação do efeito retórico que finaliza o livro. Para isso, antes de se analisar a ironia na narrativa, examinar-se-ão alguns detalhes básicos com respeito à estrutura do livro. 

2. Estrutura do livro 

Basicamente, a narrativa inclui dois episódios paralelos designados para sublinhar o contraste entre os dois comissionamentos divinos a Jonas. Em cada metade, Deus comissiona Jonas a proferir palavras contra Nínive, mas algo completamente inesperado acontece: na primeira metade, Jonas procura fugir de Deus (capítulos 1 e 2), e na segunda metade Deus garante misericórdia a Nínive e não a destrói (capítulos 3 e 4). Além disso, os paralelos temáticos entre as duas partes produzem uma espécie de padrão geral: chamado, resposta, conversão de pagãos, sofrimento e oração de Jonas, e resposta de Deus (MARCUS, 1995, p. 138). Ademais, os dois primeiros capítulos acontecem no mar, enquanto os dois últimos, em terra seca. 

Contudo, identificam-se, ainda, outras simetrias possíveis e não excludentes na estrutura do livro. A simetria entre os capítulos 1 e 3, e entre os capítulos 2 e 4, é clara. Os capítulos 1 e 3 têm início com a resposta de Jonas à comissão divina e, em seguida, salientam a reação de estrangeiros à revelação divina – marinheiros e ninivitas. Nos capítulos 2 e 4, percebe-se uma espécie de diálogo ou oração de Jonas a Deus, e logo depois uma ênfase à reação do profeta diante da intervenção divina. Lembrando, contudo, que há um importante contraste entre o capítulo 2, no qual Jonas agradece a Deus sua libertação, e o capítulo 4, no qual o profeta se opõe à misericórdia divina provida aos habitantes de Nínive (CHISHOLM, 2002, p. 409). 

3. Ironia na sátira do antiprofeta 

Conforme se mencionou anteriormente, a sátira tem como essência a ironia (GOOD, 1981, p. 41). A proeminência da ironia na sátira ocorre a ponto de outros componentes da sátira – como a ridicularização, o exagero e a paródia – também apontarem para o teor irônico de um texto. Assim, mesmo que alguns traços de ironia já tenham sido notados acima, na sequência examinar-se-ão outras características fundamentais para o crescente irônico do livro. Obviamente, o propósito não é exaurir nem listar todas as ironias presentes em Jonas, mas discutir outros exemplos não mencionados de acordo com a ordem em que aparecem na narrativa. Lembrando que, inevitavelmente, demais componentes da sátira serão evocados ao longo da análise. 

3.1 Jonas 1

Na primeira parte do livro, Jonas 1 e 2, encontram-se basicamente três episódios, cada um deles se iniciando com um ato de Deus que serve como base de ação para outros protagonistas da narrativa. O primeiro episódio (Jn 1:1-3) apresenta a comissão inicial a Jonas e sua tentativa de fuga. 

A narrativa carece de um cabeçalho formal, contudo a comissão divina é expressa por meio de um exemplo típico de fórmula da palavra profética: “[...] veio a palavra do Senhor a [...]” (1:1). A fórmula combina “palavra de Deus” [הָהוְר־יַ בְ ּד ;dĕbar-YHWH] com o verbo הָיָ ה] hāyâ; “vir, ocorrer”] e a preposição לֶ א] ʾel; “para; a”]. De acordo com Sweeney (2000, p. 208-209), normalmente essa fórmula desponta com a intenção de: apresentar a recepção de uma palavra divina pelo profeta em um contexto narrativo (1Sm 15:10; 1Rs 6:11); introduzir a citação de um oráculo profético na sequência (Jr 7:1; 11:1); indicar uma declaração na primeira pessoa por um profeta (Jr 1:4, 11; Ez 6:1); e atuar como cabeçalho de um livro profético (Os 1:1; Jl 1:1; Mq 1:1; Sf 1:1). Contudo, no livro de Jonas essa frase inicial não funciona como cabeçalho, pois serve para iniciar a ação narrativa dentro do contexto literário do livro. 

Para Stuart (2002, p. 445), o “e veio” [יִ הְיַו ;wayĕhî] inicial é o equivalente funcional do “era uma vez”, uma forma estilizada de se iniciar uma narrativa. Booth (1975, p. 53) acrescenta que comumente nomes, títulos e epítetos dados a personagens podem indicar a feição irônica da obra. Conforme já visto acima, no livro de Jonas o nome do profeta é fundamental para o início irônico da história. Contudo, a ironia parece não estar somente relacionada ao epíteto “filho da fidelidade”, segundo também já mencionado acima, mas também ao significado de “pombo”. 

Dos vários traços bíblicos de uma pomba23, um específico, quando aplicado Jonas, carrega uma conotação irônica (MARCUS, 1995, p. 105). Enquanto um pombo voa para o alto no céu, Jonas, no decorrer da narrativa, só desce. O verbo דַ רָי] yārad; “descer”] figura como uma palavra-guia no início do livro. Jonas desce para Jope (1:3), desce para o porão do navio (1:5), deita-se e dorme profundamente24. Além disso, no ventre do grande peixe Jonas desce às profundezas do mar (2:2, 7), chegando às bases da terra, o extremo oposto do voo de um pombo. 

Após a ordem divina ךֵ ְל וםּק] qûm lēḳ; “dispõe-te e vai”], no verso 2, vê-se o mesmo verbo inicial וםּק] qûm] repetido no verso 3. É dito, aqui, que Jonas “se dispôs” [םָ קָּיַו ;wayāqām], mas para fugir da presença do Senhor. Jonas faz exatamente o oposto do que se espera dele. Em outros quatro relatos bíblicos de chamados proféticos (Moisés [Êx 4]; Gideão [Jz 6:15]; Isaías [Is 6]; e Jeremias [Jr 1]), não é estranho encontrar relutância por parte do escolhido: Moisés afirma ser inarticulado (Êx 4:10); Gideão se considera pouco importante; Isaías se considera indigno (Is 6:5); e Jeremias, muito jovem (Jr 1:6). Contudo, nesses casos, quando o profeta tenta resistir ao chamado, há em discurso uma autodeclaração de indignidade diante da tarefa. Os escolhidos se sentem incapazes de executar a incumbência. 

Segundo David M. Gunn e Danna N. Fewell (1993, p. 129), “Jonas, no entanto, não espera nem para argumentar o ponto”25. Ele simplesmente foge sem que o narrador inclua qualquer declaração por parte do profeta. Em Jonas 4:2, o profeta argumenta que, ainda na terra dele, se empenhou em um diálogo com Deus. Contudo, o leitor não sabe disso no início do livro. Para o leitor que espera dele alguma resposta, seu silêncio produz um efeito irônico. De acordo com Miles (1975, p. 172), “[...] o silêncio de Jonas tem o impacto paródico do silêncio após a pergunta ‘Você aceita tomar esta mulher como sua legítima esposa?’”26

Enquanto, segundo Ackerman (1987, p. 235), os profetas eram conhecidos por atenderem a corte divina perante a face de Deus (1Rs 17:1), tais quais servos diante da presença do seu rei, Jonas é descrito como tentando fugir para longe “da face de Deus” [הָהוְי יֵנְ פִ ּלִ מ ;milipnê YHWH], em Jonas 1:3. Fugir da face de Deus, no contexto profético, implica rejeição do chamado, assim como permanecer diante da face indica receptividade ao chamado – Elias (1Rs 17:1; 18:15), Eliseu (2Rs 3:14; 5:16) e Jeremias (Jr 15:19). Ironicamente, Jonas foge da mesma face a que chegou a malícia de Nínive27, e que ocasionou seu chamado. 

Ademais, os pontos cardeais auxiliam na ironia dessa viagem precipitada. Enquanto Nínive está ao leste de Jonas, Társis está ao oeste. Tivesse Jonas saído em direção ao norte ou ao sul, o efeito irônico não seria tão marcante e efetivo. 

O absurdo da situação é sublinhado pelo retrato feito de Jonas a bordo do navio no segundo episódio do primeiro capítulo (Jonas 1:4-16). Tanto a palavra “lançar” quanto a expressão “sobre o mar” merecem destaque nesse bloco. No verso 4, é dito que o Senhor “lançou” [ילִ טֵ ה ; hētîl] “sobre o mar” [םָּיַ ל־הֶ א ;ʿel-hayām] uma grande tempestade, e em resposta (v. 5) os marinheiros “lançavam” [וּלִ טָּיַו ;wayātilû] suas cargas “ao mar” [םָּיַ ל־הֶ א ;ʿel-hayām]. No verso 12, Jonas sugere: “lançai-me ao mar” [םָּיַ ל־הֶ א יִנֻילִ טֲ הַו ;wahătîlûnî ʿel-hayām], e no verso 15, após se esforçarem evitando lançá-lo, lê-se que os marinheiros levantaram a Jonas e ,Ironicamente]. hayām-ʿel wayĕtilūhû; וַיְטִ לֻהּו אֶ ל־הַ יָּם] “mar ao lançaram “o a resposta dos marinheiros ao dilema da tempestade ecoa a linguagem da origem dela (a tempestade). 

Em contraste com o profeta, as forças da natureza executam sua missão pontualmente de acordo com a ordem divina. Além disso, curiosamente, os marinheiros são rápidos ao identificarem que a tempestade está relacionada a algum tipo de ação divina, e não o contrário, sua ausência. Seguindo o padrão de vários salmos (29; 77:16; 97:2-5; 107:23; 148:7-8) e da oração de Habacuque (Hb 3), os marinheiros pagãos reconhecem a presença divina no fenômeno. Ironicamente, Deus responde ao aparente silêncio de Jonas em sua própria linguagem. Se a reação de Jonas é fugir para o mar, Deus responde com uma tempestade no mar. 

Enquanto os marinheiros temem e se esforçam para que o navio não afunde, Jonas dorme profundamente em seu porão. Curiosamente, o verbo םַ דָ ר] rādam; “dormir profundamente”], em qualquer outro lugar na Bíblia, é utilizado em relação a um sono involuntário, durante o qual ações divinas são realizadas (ver Gn 2:21; 15:12; Jz 4:21) (HOLBERT, 1981, p. 65). 

Além disso, segundo Ackerman (1987, p. 235), a expressão para literalmente; hasĕpînâ yarkĕtê [יַרְ כְּתֵ י הַ סְ ּפִ ינָה navio do porão ao referir se “as partes mais fundas do navio”] parece ser um jogo de palavra com a expressão וןֹפָצ יֵ תְּכְ רַי] yarkĕtê ṣāpôn; “lados do Norte”], em Salmos 48:2 (heb. v. 3) e em Isaías 14. No salmo, a expressão faz referência ao monte Sião, cidade do grande rei e refúgio para Israel contra o ataque de outras nações. Em Isaías 14:12-19, a expressão está relacionada ao lugar de habitação de Deus nos céus. Assim, Ackerman (1987, p. 235-236) indaga: “Porque o escritor nos convida a pensar em Sião, a morada de Deus, à medida que lemos sobre a descida de Jonas ao porão do navio? É o navio tanto um (mini) Sheol quanto uma (mini)Sião, ou há aqui uma relação antitética?”28

No verso 6, introduz-se um novo personagem na história: o capitão do navio. Assim como os marinheiros que oram aos seus deuses lançam as cargas e se esforçam para preservar o navio e a tribulação, o capitão é descrito de forma positiva. De início, ele encontra Jonas no porão e lhe diz (v. 6): “Levanta-te e invoca o teu deus” [ךָיֶ להֱֹל־אֶ א אָ רְ ק וםּק ;qûm qĕrāʾ ʾel-ʾĕlōhêḳā]. As palavras do capitão ecoam diretamente a ordem divina ao profeta, em Jonas 1:2, que o exortava a se dispor [וםּק ;qûm] e a clamar [אָ רָ ק ;qārāʾ]. Para Holbert (1981, p. 66), a repetição dessas palavras provoca, nesse ponto da história, três efeitos: (1) reitera o imenso abismo entre os clementes marinheiros e o desobediente profeta; (2) informa ao leitor que Jonas não escapou de Deus e de sua ordem; e (3) indica que o capitão pagão está comandando Jonas a cumprir com sua tarefa divina, embora o capitão não tenha consciência disso. 

Os leitores conscientes – assim como Jonas o era das palavras divinas – captam a ironia nas palavras do capitão. O comandante pagão reitera o chamado de Deus ao profeta fugitivo. Além disso, no início do verso 7 se ouve dos marinheiros: וּכְ ל] lĕḳû; “vinde”], o mesmo verbo “ir” presente na ordem divina do verso 2. Agora em sua totalidade, os três comandos divinos iniciais a Jonas [ךֵ ְל, וםּק ,e אָ רָ ק [são repetidos, porém, ironicamente, por marinheiros pagãos. 

A sorte é lançada (v. 7) para que se descubra por causa de quem sobreveio o “mal” [הָ עָ ר ;rāʿâ] sobre a tripulação. O profeta que não obedeceu ao comando divino de proclamar contra a malícia [םָ תָ עָ ר ;rāʿātām (v. 2) – mesma palavra com a adição de um sufixo da terceira m. s.] – de Nínive, e agora traz mal a uma tripulação inocente, é interrogado (v. 8). Porém, as respostas de Jonas (v. 9) à tempestade de perguntas dos marinheiros parecem não responder ao que foi perguntado. Primeiro, Jonas se identifica como hebreu entre não hebreus. Segundo, reivindica ser adorador do Senhor, Criador do céu, do mar e da terra. Os marinheiros, compreendendo o motivo de tudo estar acontecendo (v. 10), parecem não acreditar estarem acompanhados, no mar, de um homem ao mesmo tempo adorador e fugitivo do Deus que criou o mar. 

Em vez de pular, Jonas sugere que o lancem ao mar (v. 12). Ainda assim, os marinheiros buscam uma alternativa, que é logo descartada por conta da crescente força do mar (v. 13). 

No verso 14, é dito que os marinheiros “clamaram ao Senhor” [וּאְ רְ קִּיַו הָהוְל־יֶ א ;wayiqrĕʾû ʾel-YHWH] Criador do Mar, suplicando que não perecessem por causa do profeta e que o sangue dele não recaísse sobre eles. Novamente, vê-se o verbo qārā, que aparece, inicialmente, na ordem dada a Jonas para clamar contra Nínive. Após o relato do lançamento de Jonas e da cessação da fúria do mar, é dito que os marinheiros pagãos temeram ao Senhor e fizeram sacrifícios e votos (v. 16). 

Enquanto isso, Deus deparou [ןַ מְיַו ;wayĕman] um grande peixe para tragar o profeta, o qual desce ainda mais fundo que o porão do navio. Também é importante observar que o verbo עַ לָ ּב] bālaʿ; “tragar”] nunca possui uma conotação positiva na Bíblia Hebraica (ACKERMAN, 1987, p. 237)29

3.2 Jonas 2

A ironia que permeia toda a narrativa se avoluma no segundo capítulo do livro. Logo de início, o profeta Jonas, que aparentemente prefere morrer a pregar em Nínive, não morre. Após o narrador informar que o profeta passa três dias e três noites no ventre do peixe, a narrativa é interrompida por uma espécie de oração. 

Muito se tem discutido sobre a possibilidade de essa oração, um salmo de ação de graças, não ter sido escrita nem incluída nesse ponto do livro pelo autor dos blocos narrativos (TRIBLE, 1994, p. 160). Contudo, não é o foco desta pesquisa fazer um exame diacrônico das possíveis interpolações nem de redações impostas ao livro. A questão apropriada para o exame da ironia é: Qual é o papel do salmo no funcionamento da história em sua forma final? Afinal, independentemente de adições, percebe-se que o segundo capítulo do livro é abundante em ironias. 

A oração de Jonas é baseada no gênero dos salmos de ação de graças (SWEENEY, 2000, p. 319), nos quais ela é organizada da seguinte forma: (1) breve introdução expressando o motivo da gratidão (v. 2); (2) exposição da experiência do salmista (v. 4-6a); (3) garantia de a oração ter sido ouvida e declaração de libertação (v. 6b-8); e (4) voto de oferecer ofertas e sacrifícios (v. 9) (MARCUS, 1995, p. 110). De maneira geral, a oração enfatiza a pessoa do profeta em relação às suas perspectivas sobre a situação, e as respostas de Deus a ela (oração). 

É perceptível que alguns detalhes dessa oração aparentemente não correspondem com a condição presente de Jonas. Por exemplo, a oração descreve alguém que escapou de afundar nas águas, e não alguém encarcerado dentro de um peixe. Dessa forma, por meio de um uso inapropriado do agradecimento pela libertação, Jonas estaria manipulando uma oração de ação de graças para elevar sua miséria e piedade (TRIBLE, 1994, p. 171). 

Berlin (1976, p. 228) avalia de forma diferente a presença dessa oração de ação de graças, a qual lhe parece estar no lugar correto e apropriado. Ela argumenta que o salmo está no lugar correto, afinal, segundo ela, Jonas precisava ser salvo da tempestade, e não do peixe. O peixe é o meio de resgate. 

Contudo, é no mínimo complexo considerar que alguém, que aparentemente desejava a morte, esteja há três dias e três noites dentro do ventre de um peixe e se considere agradecido por estar “salvo”. Sharp (2009, p. 178) é precisa ao afirmar que, mesmo que no capítulo 2 a intenção seja apresentar o profeta como pio e sincero, primeiramente, tal ideia não concorda com o retrato feito dele em nenhum outro lugar do livro. Kenneth M. Craig (1993, p. 87) adiciona: 

Se a interpretação de que Jonas vê o peixe como veículo divino de resgate está correta, parece que o autor incluiu esse tema para realçar a má compreensão de Jonas quanto à deglutição. O autor dá a impressão de se deleitar na criação da discrepância de consciência tanto entre personagens, por um lado, como entre personagens e audiência por outro30

Assim como outros aspectos de enredo e caracterização em Jonas, aqui a ironia se desdobra em câmera lenta. A oração, que inicialmente aparenta ser positiva, começa a ser apreendida pelo leitor a partir de outra perspectiva. Em um nível primário, a deglutição de Jonas e sua oração realmente aparentam congruentes: um “resgate” seguido de um agradecimento. 

Contudo, em um nível mais aprofundado, a oração demonstra constituir um estratagema irônico em busca de uma libertação aparentemente insustentável à medida que se passam três dias e três noites, e o leitor começa a considerar o aprisionamento de Jonas como prolongado. 

Além disso, a oração não é o que parece. Ou melhor, não termina sendo aquilo que se esperava no início de sua leitura. Por exemplo, em Jonas 2:3 (heb. v. 4) Deus é acusado de ter lançado Jonas ao mar [יִנֵיכִ לְ ׁשַ ּתַו ;watašĕlîkēnî; “me lançaste”], e em Jonas 2:4 (heb. v. 5) Jonas afirma: “lançado estou” [יִ ּתְ ׁשַ רְ גִנ ;nigĕrašĕtî]. Tais afirmações proporcionam uma noção de passividade no ocorrido, sendo que em Jonas 1:5 é ele quem sugere que o joguem ao mar. 

A oração é irônica por parodiar, por meio de um exagero cômico, algumas imagens utilizadas nos salmos (SHARP, 2009, p. 180). Por exemplo, Jonas afirma nas profundezas do mar: “[...] a corrente das águas me cercou; todas as tuas ondas e tuas vagas passaram por cima de mim” (Jn 2:3). Aqui, o que torna irônica a fala do profeta é simplesmente o fato de que a linguagem metafórica do salmo não parece mais metafórica. A imagética proporcionada pela fala do profeta propõe uma situação concreta. Enquanto o tema de descida ao Sheol, ou de ter sido lançado nas profundezas do mar, foi empregado metaforicamente para o sofrimento humano e para o sentimento de solidão e fraqueza (ver Sl 69, 88, 130), aqui ele é empregado em um contexto interpretado de forma literal (MARCUS, 1995, p. 123-124). A situação do profeta não é “como” a de um homem engolido por um grande monstro: a situação do profeta é a de um homem engolido por um grande monstro. 

Ademais, a primeira palavra de Jonas na oração é יִ אתָ רָ ק] qārāʾtî; “clamei”], exatamente a mesma que no capítulo 1 é proferida por Deus em seu comissionamento (v. 2) e, posteriormente, relembrada pelo capitão (v. 6) em meio à tempestade. Contudo, a questão central é que, na situação de Jonas, a mensagem é distorcida: até o final do capítulo 2, único momento em que Jonas clama, ele o faz em benefício próprio. Ao clamar, Jonas deturpa a situação, porque não foi Deus quem o lançou ao mar nem o distanciou de sua face. A relação entre a oração de Jonas e o salmo sublinha sua percepção distorcida da realidade. A pretensa piedade do profeta que fugiu, exemplificada por meio do desejo de ver o templo (v. 4 [heb. v. 5]), é destacada pela incongruência de sua própria fala.  

A manipulação do salmo com a intenção de exaltar a própria piedade atinge o ápice quando Jonas contrasta a si mesmo favoravelmente em relação àqueles que se entregam à idolatria vã (v. 8 [heb. v. 9]). No verso 8 (heb. v. 9), as palavras de Jonas são: 

מְ שַ ׁמְ ּרִ ים הַ בְ לֵ י־שָ ׁוְא חַ סְ דָ ּם יַעֲזֹבּו׃ 
Os que se entregam à idolatria vã abandonam aquele que lhes é misericordioso.

Inevitavelmente, sua fala convida o leitor a se recordar dos marinheiros e o prepara para o encontro com os ninivitas (capítulo 3). Diferentemente de Jonas, esses são modelos de verdadeira piedade. Foi Jonas aquele que tentou fugir de Deus e que, logo em seguida, repreenderá Deus. Os marinheiros apresentam-se tão louváveis, que oferecem sacrifícios e fazem votos ao Senhor. Enquanto isso, no ventre do peixe, sem saber da atitude dos marinheiros, Jonas promete sacrifício e cumprimento de votos (v. 9 [heb. v. 10]) e com um detalhe importante: em nenhum lugar do livro é dito que ele cumpriu com o prometido. Os ninivitas, humanos e animais ouvem a palavra do profeta e mudam de atitude humilhando-se perante Deus. Assim, o julgamento de Jonas contra os idólatras na oração (v. 8 [v. 9]) termina por se tornar um julgamento contra ele mesmo. 

A última sentença do verso 9 (heb. v. 10) opera como arremate ao capítulo. O profeta afirma: “Ao Senhor pertence a salvação”. Essa afirmação eleva o tom satírico do texto. Embora essas palavras resumam o cerne do livro, quando proferidas por Jonas possuem um efeito nauseante, tanto que, imediatamente, Deus fala ao peixe, que vomita o profeta. Essa ação acentua a ojeriza provocada pelas palavras do profeta. 

Sobre toda essa distorção manipuladora que Jonas promove no capítulo 2, Magonet (1983, p. 91-92, grifo do autor) afirma: 

Ele conhece sua tradição, e a recita em três pontos significativos (ao responder os marinheiros, em sua oração da barriga de um peixe, e na sua autojustificação perante Deus no capítulo 4). [...] a ironia reside aqui no fato de que o que ele cita possui uma relação paradoxal com o que ele realmente executa, sua própria desobediência, ilustrando a distância entre seu conhecimento formal da tradição e seu conhecimento experimental31.  

3.3 Jonas 3

No início da segunda parte, no capítulo 3, mais uma vez se lê que “veio a palavra do Senhor” (v. 1, ecoando 1:1). E mais uma vez, no verso 2, Deus ordena a Jonas: “dispõe-te e vai [...]” [ךֵ ְל וםּק ;qûm lēḳ]. Dessa vez, diferentemente do que aconteceu antes, Jonas se levantou e foi .certa direção na] wayēleḳ wayāqām; וַיָּקָ ם וַיֵּלֶ ְך] Em apenas um dia de pregação do profeta (v. 4), os ninivitas creem nas palavras de Deus e proclamam um jejum, vestindo-se de panos de saco (v. 5). O contraste irônico entre a rápida e pronta mudança da cidade em relação à hesitação do profeta realça o fato de que, com exceção de Jonas, tudo e todos na história respondem rapidamente à palavra de Deus32.

Além da questão já abordada, de que o sermão de Jonas é um dos mais curtos já proferidos por um profeta bíblico, há um detalhe curioso em relação à palavra ךַ ְפָ ה] hāpaḳ; “subverter”], no verso 4. Embora o verbo possua conotação negativa de destruição, em uma grande quantidade de textos bíblicos33 se pode também encontrar o verbo com a conotação positiva de conversão34. Desse modo, estaria Jonas anunciando a destruição? ou a conversão dos ninivitas?  

De acordo com Good (1981, p. 49), certamente a segunda opção não estava na mente do profeta. E é justamente nesse ponto que se sustenta a ambiguidade irônica de sua pregação. Ao selecionar essa palavra, com seu duplo e contrastante sentido, o autor evidencia que para Jonas Nínive só merece a destruição, ao passo que, na condição de profeta, Jonas deveria compreender que inclusive o anúncio de juízo figura-se como oportunidade de arrependimento. 

Ao contrário de Jonas, os ninivitas divisam a iminente destruição como oportunidade para a conversão. Segundo Miles (1975, p. 175), esse fato pode ser percebido pela não rejeição do profeta por parte do rei. Conforme o mesmo autor (1975, p. 175), o que se espera de um rei diante dessas palavras, carregadas de pathos, é rejeição, punição ou desprezo35. Walter Brueggemann (2001, p. 21-39) argumenta que o profeta deve ser aquele que provoca uma ruptura no que ele denomina “consciência real” (royal consciousness). 

Contudo, no capítulo 3 se nota uma reversão da tensão entre o profeta e o rei. Jonas prega de maneira aparentemente apática, proferindo uma única frase, sem fazer nenhuma menção a alguém em particular, nem a crime específico algum do rei nem da cidade, e uma reposta inesperada surge. O rei se levanta de seu trono, tira suas vestes, cobre-se com pano de saco e proclama jejum para todos, inclusive para os animais. De acordo com Good (1981, p. 49-50): 

Isso é uma sátira, e o autor deliberadamente exagera sua cena para sublinhar a ironia do sucesso totalmente inesperado do profeta rabugento. Espera-se o riso diante deste retrato ridículo pelo fato de Jonas ficar tão consternado36

O profeta não sugere que o rei imponha um jejum, inclusive de água, para toda a cidade. Assim, o caráter exagerado da descrição da reação do rei refina a ironia no capítulo. Por fim, a fala do rei contribui para a aura intencionada. No verso 9, é dito: 

מִ י־יֹודֵ עַ יָׁשּוב וְנִחַ ם הָ אֱֹלהִ ים וְשָ ׁב מֵ חֲ רֹון אַ פֹּו וְלֹא נֹאבֵ ד׃ 
Quem sabe se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos? 

A fala do rei sobre o arrependimento divino ecoa diretamente a história narrada em Êxodo 32. No verso 9, ao relatar as palavras do rei “[...] se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos [...]”, o autor transporta o leitor para o episódio da intercessão de Moisés por Israel (Êx 32:12). Nessa ocasião, Moisés diz a Deus: “[...] torna-te do furor da tua ira e arrepende-te deste mal contra o teu povo” os são esses), 130. p, 1995 (Marcus com acordo De]. lĕʿameḳā hārāʿāʿal wĕhināḥēm ʾapeḳā mēḥărôn šûbׁ; שּוב מֵ חֲ רֹון אַ פֶ ָּך וְהִ נָּחֵ ם עַ ל־הָ רָ עָ ה לְ עַ מֶ ָּך] dois únicos textos que combinam as duas fórmulas: Deus tornando da sua ira e se arrependendo37

Além disso, ao relatar que Deus se arrependeu do mal que havia feito, no verso 10, o narrador conecta mais uma vez o episódio de Nínive com o do bezerro de ouro. Dessa vez, o texto ecoa Êxodo 32:14, no qual se lê: “Então, se arrependeu o Senhor do mal que dissera havia de fazer da objeto o que é diferença única A]. lĕʿamô laʿăśôt diber ʾăšer hārāʿāʿal YHWH waynāḥem; וַּינָּחֶ ם יְהוָה עַ ל־הָ רָ עָ ה אֲשֶ ׁר דִ ּבֶ ּר לַ עֲׂשֹות לְ עַ מֹּו׃] “povo ao má intensão, naquele episódio, é Israel, e não Nínive (GUNN; FEWELL, 1993, p. 138). E de maneira contrastante, aqui, a mesma misericórdia fornecida a Israel agora é, inesperadamente, proporcionada a uma nação idólatra. 

No episódio do bezerro de ouro, é Moisés quem intercede pelo povo, mas aqui em Jonas quem executa esse papel é o rei pagão (DAVIDSON, 2016, p. 522). Segundo o rei, em situação de humilhação e arrependimento cada um se converteria do seu mau caminho (v. 8), ideia constantemente repetida em Jeremias com relação a Israel (Jr 18:11; 23:14, 22; 25:5; 26:3; 35:15; 36:3, 7). Contudo, além de argumentar a favor da humilhação, ao ponderar sobre um possível arrependimento divino, na boca do rei são colocadas as mesmas palavras encontradas em Joel 2:14: “Quem sabe se voltará?” [ובּשָׁיַ עֵ ודֹי יִ מ ;mî yôdēʿa yāšûb]. De maneira irônica, o autor fomenta a impressão de que o rei ninivita parece conhecer muito mais sobre o Deus de Israel e suas tradições do que o próprio profeta que, quando cita o texto bíblico, o distorce. 

3.4 Jonas 4 

No momento em que Deus se aparta de sua ira, Jonas manifesta a dele (Jn 4:1). Em Jonas 4:2, o profeta finalmente afirma os motivos de sua tentativa de fuga: 

אָ נָּה יְהוָה הֲ לֹוא־זֶה דְ בָ רִ י עַ ד־הֱ יֹותִ י עַ ל־אַ דְ מָ תִ י עַ ל־כֵּן קִ דַ ּמְ תִ ּי לִ בְ רֹחַ תַ ּרְ שִ ׁישָ ׁה כִּי יָדַ עְ תִ ּי כִּי אַ תָ ּה אֵ ל־חַ ּנּון וְרַ חּום אֶ רֶ ְך אַ פַ ּיִם וְרַ ב־חֶ סֶ ד וְנִחָ ם עַ ל־הָ רָ עָ ה׃ 
Ah! Senhor! Não foi isso que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal. 

Nesse ponto, o profeta cita os atributos divinos proferidos em Êxodo 34:6-738. Contudo, ironicamente, Jonas profere essas palavras com intenção completamente alheia à do Pentateuco. Em Êxodo, esses atributos estão envoltos em uma atmosfera positiva, mas Jonas tem a intenção de elencá-los contra o próprio Deus, criticando-o. 

Quando estava no ventre do peixe, Jonas afirmou que a salvação pertencia a Deus, porém não admite, em momento algum, que essa misericórdia salvadora possa alcançar os ninivitas. Com essa afirmação e essa omissão, o narrador cria uma situação absurda na qual um profeta hebreu está irado com a misericórdia divina a ponto de desejar a morte por ter obtido sucesso em sua pregação (v. 3). 

Em vez de abandonar a cidade à qual, até então, relutou em ir, o profeta agora não quer deixá-la (v. 5). Diferentemente do rei que se assenta sobre cinzas, Jonas se assenta em um lugar confortável e espera para ver o que acontecerá à cidade. 

Os diálogos seguintes, somados aos do início do capítulo 4, alcançam o ápice irônico de todo o livro. Da mesma forma que Deus enviou uma tempestade, no capítulo 1, agora Deus envia uma planta para cobrir a cabeça de Jonas. Contudo, logo em seguida Deus envia um verme que destrói a planta e um vento calmoso oriental para acabar com o conforto do profeta. 

Aqui, como no capítulo 1, tudo obedece ao comando divino de forma instantânea. Na verdade, essa é uma ironia que permeia toda a narrativa. O narrador apresenta a terra e seus habitantes não humanos como testemunhas divinamente designadas e como agentes de juízo ao profeta. Criaturas e componentes da natureza são identificados como designados [o mesmo verbo ןַ מְיַו ;wayĕman] por Deus: o peixe (Jn 2:1), a planta (Jn 4:6), o verme (Jn 4:7) e o vento (Jn 4:8). É como se criaturas não humanas servissem de profeta para ele, o profeta (DAVIS, 2014, p. 100-104). 

Jonas, mais uma vez irado com sua situação, deseja a morte. Segundo afirma Good (1981, p. 53), pela primeira vez Jonas está comprometido com algo. Irado com a misericórdia oferecida aos ninivitas, o profeta se alegra em extremo quando a planta nasce (Jn 4:6). Ironicamente, quando esta não é poupada, Jonas deseja a morte. 

Antes, o profeta desejava morrer por causa do que percebeu ser uma falta de justiça com os ninivitas (Jn 4:2), afinal eles não merecem a misericórdia. Ironicamente, agora deseja morrer pelo que percebe ser uma falta de misericórdia da parte de Deus com a planta (Jn 4:8). 

As respostas de Jonas às perguntas de Deus realçam a incongruência do profeta. Nota-se a desproporção de sentimentos do profeta em relação a Nínive (Jn 4:4) e em relação à planta (Jn 4:9). 

A sequência irônica de diálogo se inicia com uma reversão da fórmula de 1:1 e 3:1. Aqui, é a palavra de Jonas que vem a Deus, contudo a palavra de destaque que compõe grande parte do teor do diálogo é ובֹט] ṭôḇ; “bom”, “melhor”]. A maneira como esse termo é empregado por Deus salienta a incoerência da atitude do profeta. Em 4:3, Jonas afirma que melhor lhe é morrer do que viver, pelo fato de Deus ter poupado Nínive. Na sequência, no verso 4, utilizando a raiz de ובֹט ,Deus pergunta: “É razoável [בֵ יטֵ הַ ה ;hahêṭēḇ] essa tua ira?”. A resposta óbvia para a audiência à pergunta retórica de Deus seria “Não!”, mas a alternância irônica continua no verso 9. Visto que a planta havia sido destruída e o profeta ficara irado novamente, Deus pergunta: “É razoável [בֵ יטֵ הַ ה ; hahêṭēḇ] essa tua ira por causa da planta?”, ao que o profeta responde: “É razoável [בֵ יטֵ ה ;hêṭēḇ] a minha ira até à morte”. 

A inquirição divina reiterada parece questionar: Que direito você tem a se irar? As respostas exageradas do profeta conduzem o leitor de encontro com a palavra final divina (Jn 4:10-11). De acordo com Gunn e Fewell (1993, p. 143), a frase final é o coup de grâce: Jonas, que lamenta a morte da planta, sendo que não fez nenhum esforço para que ela crescesse, não compreende a misericórdia divina para com uma cidade inteira que iria ser destruída, mas que mudou seus caminhos. 

Curiosamente, essa indagação final é feita por meio de uma pergunta retórica, que encerra o livro. E este acaba sem que se saiba a resposta do profeta. É facultada ao leitor essa reflexão. De acordo com Muecke (1969, p. 69), uma pergunta retórica pode ser usada de maneira irônica desde que, enquanto exista somente uma resposta, sua forma, a forma de uma questão, implique a possibilidade de mais de uma. É exatamente isso que acontece ao final do livro. A resposta óbvia para a audiência à pergunta é: É verdade! O Senhor está correto em ter compaixão. 

O livro todo é construído de maneira que essa resposta se torne incontestável. Contudo, pelo simples fato de ser uma pergunta, o texto indica que talvez Jonas pense diferentemente. Também como personagem do livro, Deus assume o papel do ironista. Apesar de conhecer a tradição, Jonas parece não enxergar sua situação. Assim, indagando o profeta por meio de perguntas e meios intermediários, Deus procura abrir os olhos dele para que possa voltar a ver como realmente vê um profeta. 

Aqui, a relação entre ironia e conhecimento é retomada por meio do dispositivo narrativo da antecipação. Inicialmente, o meio de se expor esse recurso parece estar relacionado a esta questão: Por que o narrador espera para apresentar os motivos da fuga de Jonas somente no capítulo 4? 

Sem nenhuma indicação introdutória, o leitor, por si mesmo, procura pistas para compreender o motivo da fuga em todos os episódios relatados. Contudo, além da investigação individual, começando pelas perguntas expostas no episódio da tempestade, o leitor é direcionado a se identificar com as indagações dos marinheiros, os quais também buscam explicações para o comportamento do profeta. 

A pitada de humor proporcionada pela ironia presente no livro de Jonas, além de nitidamente constatável, é toda direcionada ao profeta. O profeta é ironizado. Toda ironia e todo o riso recaem sobre ele. 

Conclusão 

A ironia funciona como uma chave hermenêutica para examinar os múltiplos níveis de interconexão no livro de Jonas. Essencial para a caracterização dos personagens, e desenvolvimento do enredo, a ironia apresenta o tom do livro: satírico. Enquanto os marinheiros e os ninivitas são caracterizados como obedientes e fiéis, Jonas, o profeta, foge de Deus. Enquanto o peixe, a planta, o verme e o vento respondem prontamente à ordem divina, Jonas não. 

O tom satírico decorre principalmente pela descrição de um alvo específico da ironia, e por conter descrições fantasiosas e desproporcionais. De acordo com Frye (2014, p. 370), essa é uma das características primordiais da sátira: 

Duas coisas, então, são essenciais para a sátira; uma é o engenho ou humor fundado na fantasia ou uma percepção do grotesco ou absurdo, a outra é o objeto de ataque. O ataque sem humor, ou denúncia pura, forma um dos limites da sátira. 

Essa “ironia militante”, maneira que Frye define a sátira, é caracterizada pela clareza em relação à normas morais da narrativa (2014, p. 369). Notamos em Jonas que a ironia não repousa somente no aspecto dramático e situacional da composição narrativa. Ela é corporificada no personagem divino sendo essencial na elaboração dos diálogos do livro. No diálogo final, Deus executa o papel de ironista expondo o profeta ao absurdo de seu comportamento. 

Segundo Thomas Jemielity (1992, p. 90): 

Nos profetas hebreus, como o texto de sua mensagem chegou até nós, há uma imaginação artística funcionando com propósito moral. A arte da linguagem trabalhando coerentemente com intuito moral provê o distanciamento necessário para tornar a crítica satírica39

Essa crítica tem êxito porque toda comunicação irônica ocorre tendo em vista assunções, visões, preconceitos, experiências e fragmentos de conhecimento adotados. Sem um horizonte de percepção, seria difícil para a audiência captar a ironia do orador. Afinal, a ironia é essencialmente um procedimento intertextual (BRAIT, 2008, p. 16). Há, aqui, um processo de diálogos capaz de provocar efeitos de sentido como a dessacralização do discurso oficial ou o desmascaramento de uma pretensa objetividade em discursos tidos como neutros. 

Tendo como alvos o profeta Jonas e o ofício profético de forma geral, a ironia militante do livro, é essencial para a compreensão dos personagens, da trama e seus ecos intertextuais. Essa ironia nos permite cognominar o livro como uma sátira do antiprofeta. 

Referências

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Notas

[1]  O presente artigo adotará as definições de sátira e ironia propostas por Northrop Frye na obra Anatomia da Crítica (2014). Para Frye (2014, p. 154), encontramos a concepção de ironia na Ética de Aristóteles, no qual o eiron é o homem que se autocensura, em oposição ao alazon [Ética a Nicômaco, 1108a.21]. Tal homem torna a si mesmo invulnerável, e, embora Aristóteles o desaprove, não há dúvida de que ele é um artista predestinado, do mesmo modo que o alazon é uma de suas vítimas predestinadas. O termo “ironia”, então, indica uma técnica de aparentar-se ser menos do que se é, que em literatura, torna-se mais comumente uma técnica de dizer o mínimo possível e significar o máximo possível, ou, de modo mais geral, um padrão de palavras que se distancia da declaração direta ou de seu próprio sentido óbvio. O escritor de ficção irônico, então, censura a si mesmo e, como Sócrates, finge não saber nada, até mesmo que é irônico. A objetividade completa e a supressão de todos os juízos morais explícitos são essenciais para seu método. Frye afirma que a principal distinção entre a ironia e a sátira é que a sátira é uma ironia militante: suas normas morais são relativamente claras e ela pressupõe padrões contra os quais o grotesco e o absurdo são medidos.    

[2]  “The narrative is permeated with elements of irony and parody.”  

[3] Dentre os quais se destacam, por exemplo, as obras de Magonet (1983), Sasson (1990), Trible (1994) e Craig (1993) por evidenciarem a relação entre forma e conteúdo no livro. Além dessas, merecem proeminência a obra de Gunn e Fewell (1993), por focar aspectos narrativos do livro, o trabalho de Good (1981), por abordar especificamente a ironia em Jonas, e os escritos de Ackerman (1987) e Marcus (1995), por tratarem do livro em relação à sátira. 

[4] “[…] sets the hero in his proper place without humiliating him and restores him to his dignity without abasing him.”  

[5] […] the irony actually intensifies the pathos. […] Jonah permits himself to defy the Lord’s command and hold fast to his opposition even after being compelled to execute it, all on account of his unwavering fidelity strict justice and his foreknowledge that the Lord will indeed repent of His fatal intent. He suffers from self-righteousness and conceit; these are the traits of which the divine irony comes to wean him. […] The merciful irony that undercuts his conceit and righteousness leads Jonah to recognize the heavy but loving hand of the Lord, who wishes to return him, too, to His bosom.” 

[6] Alguns estudiosos proveem históricos oportunos sobre diferentes interpretações de Jonas que emergiram ao longo da história da interpretação do livro. Merecem destaque as obras: A Biblical Text and Its Afterlives: the survival of Jonah in western culture (2000), de Yvone Sherwood; From Balaam to Jonah: anti-prophetic satire in the Hebrew Bible (1995, p. 143-159), de David Marcus; e Jonah (1990, p. 323-351), de Jack M. Sasson.        

[7] “[…] irony is perhaps the most sophisticated weapon at the disposal of a satirist, and it’s found in abundance in the book of Jonah”.   

[8] Deste ponto em diante, a sigla HALOT será adotada em referência a KÖEHLER, L. et al. The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament. Leiden: E. J. Brill, 1994-2000. Electronic edition.  

[9] Logo na sequência, ao tratar sobre a ironia no livro de Jonas, desenvolver-se-á melhor a importância do nome do profeta para o livro.  

[10] Burrows (1970), Good (1981), Ackerman (1987) e Marcus (1995) harmonizam-se com Holbert quanto a essa categorização. Outro ingrediente fundamental à sátira irônica que não se encontra no livro de Jonas, mas que será abordado nos capítulos seguintes, é a presença do grotesco. 

[11] De acordo com Marcus (1995, p. 10-11), por conta da desnaturalidade desses eventos, alguns leitores os denominam de milagres ou fantasias. Nota-se, comumente, a presença de animais ou objetos inanimados – tais como árvores – dialogando com algum ser humano. 

[12] “[...] the fish can’t put up with this character Jonah. He is relieved of his stomach troubles only when he gets rid of Jonah. Three days of undigested Jonah!”    

[13] “[…] there is also a suggestion of malicious humour in this picture of the prophet being disgorged in a so undignified fashion […]”. 

[14] “The story rather recalls the prophetic legends in 1 and 2 Kings that focus on Elijah, Elisha, and others.” 

[15] “Elijah flees, but is toward the mount of God, not away from it.” 

[16] “[…] there are so many ironic parallels between the episode of Elijah when he fled for his life from Jezebel (1Kgs. 19) and parts of the story of Jonah that a good case can be made that Jonah´s actions are but a parody of Elijah´s”. Paralelos não irônicos entre as duas narrativas também podem ser encontrados: os dois profetas parecem perturbados e buscam solidão (Elias em Berseba [1Rs 19:3] e Jonas fora de Nínive [4:5]). Os dois profetas esperam (Elias entra em uma caverna e espera [1Rs 19:9]; Jonas se assenta ao leste da cidade sob uma tenda e espera [4:5]). Em ambas as narrativas, Deus instrui seus profetas por meio da natureza (vento, terremoto e fogo em 1Rs 19:11-12; e vento, tempestade, mar, peixe, planta e verme no livro de Jonas).    

[17] Para mais detalhes de possíveis relações entre o livro de Jonas e outros textos, vale mencionar o artigo de Hyun Chul Paul Kim. Em Jonah Read Intertextually, Kim (2007, p. 497-528) explora possíveis diálogos intertextuais entre Jonas e narrativas sobre Noé e Jeroboão II, além de relações com os livros de Naum e Joel. 

[18] O mesmo se aplica à ironia, tendo em vista a definição de sátira como uma ironia militante.  

[19] O artigo intitulado “The Literary Category of the book of Jonah”, de Burrows (1970), demonstra, de forma abrangente, os resultados da tentativa de categorização do livro. 

[20] “For Jonah to be convincingly identified as midrash, it would need to be demonstrated that the story was composed to serve as an illustrative explanation of something taught elsewhere in the OT.” 

[21] “breed of satire” 

[22] “Is there any native Israelite system for the categorization of literature?”    

[23] De acordo com Ackerman (1987, p. 234), as principais características de um pombo na Bíblia Hebraica são: voar facilmente e procurar refúgio nas montanhas (Ez 7:16; Sl 55:6-8) e a capacidade de se queixar e lamentar quando em angústia (Na 2:7; Is 38:14; 59:11). Além desses, Marcus (1995, p. 105) adiciona: passividade (Os 11:11), ingenuidade (Os 7:11), lealdade ao seu parceiro e beleza (Ct 2:14; 5:2; 6:9). Em Salmos 55:6, Jeremias 48:28 e Ezequiel 7:16, o pombo aparece com conotação de um voo de fuga do adversário e do perigo. Para mais discussões, ver Lacocque; Lacocque (1981, p. 6-7). 

[24] O verbo que descreve Jonas dormindo é wayērādam [םַ דָ רֵּיַו” ,[e dormia”, um possível .[יָרַ ד] yārad com trocadilho. 

[25] “Jonah, however, does not wait even to argue the point.” 

[26] “Jonah’s silence has the parodic impact of silence after the question, ‘Do you take this woman to be your lawfully wedded wife?’”.  

[27] A expressão em Jonas 1:2 é יָנָ פְ ל] lepānāy], literalmente “até minha face” ou “diante da minha face”. 

[28] “Why is the writer asking us to think of Zion, God’s dwelling place, as we read of Jonah’s descent into the hold of the ship? Is the ship both a mini-Sheol and a mini-Zion, or is there an antithetical relationship?”     

[29] O verbo aparece, por exemplo, em referência a Corá e seus seguidores quando tragados pela terra (Nm 16:28-34) e em relação a Faraó e seu exército quando tragados pelo mar ao perseguirem Israel (Êx 15:12). 

[30] “If the interpretation that Jonah views the fish as a vehicle of divine rescue is correct, it appears the author has included this motif to highlight Jonah’s misunderstanding of the swallowing. The author seems to delight in creating discrepancy in awareness both among characters on the one hand and characters and audience on the other.”  

[31] “He knows his tradition, and recites it at three significant points (in answering the sailors, in his prayer form the belly of the fish, and in his self-justification before God in Chapter 4). […] the irony lies here in the fact that what he quotes has a paradoxical relationship to what he actually does, his very disobedience illustrating the distance between his formal knowledge of tradition and his experienced knowledge.” 

[32]   O mesmo se aplicará aos componentes da natureza no capítulo 4.   

[33]   Cf. Gênesis 19:25, 29; Amós 4:11; Isaías 1:7.  

[34] Exemplos: No Qal, Sofonias 3:9, 1 Samuel 10:9, Jeremias 31:13 e Neemias 13:2. No Nifal, o tronco em que aparece o verbo de Jonas 3:4, encontram-se Oseias 11:8, Êxodo 14:5 e Esdras 9:22.   

[35] Cenas-padrão desse tipo de reação da parte do rei são: Moisés e Faraó, Isaías e Manassés, e Jeremias e Zedequias, dentre outras. 

[36] “This is a satire, and the author deliberately overdraws his scene to highlight the irony of the peevish prophet’s totally unexpected success. We are supposed to laugh at the ludicrous picture, because Jonah becomes so upset.”  

[37] A ideia de Deus tornando de sua ira [ובּש + ׁוֹפַ א וןֹרֲ ח [ocorre duas vezes no livro de Jeremias, eוֹּפַ א וןֹרֲ ח sem ובּש ׁpode ser encontrado em: Jeremias 4:26; 12:13; 25:37, 38; 49:37; 51:45.  

[38] Com algumas variações, componentes desse credo ocorrem em: Salmos 86:15; 103:8; 145:8; Neemias 9:17; Joel 2:14. 

[39] “In the Hebrew prophets, as the text of their message has come down to us, is a shaping artistic imagination working together with moral purpose. The art of language working coherently with moral aim provide the detachment necessary to render criticism satiric […]”.