Diante da Arte: O pensamento de Martin Buber como caminho para uma hermenêutica espiritual  
In face of Art: Martin Buber’s thought as path to spiritual hermeneutics 

Katia Marly Leite Mendonça * 
*Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Professora Titular da UFPAUniversidade Federal do Pará. Contato: guadalupelourdes@hotmail.com 

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Resumo:

Este ensaio pretende discutir a questão da hermenêutica de Martin Buber em sua relação a arte. Nosso ponto de partida é a relação Eu-Tu como caminho para uma hermenêutica espiritual. A seguir discutiremos a questão da relação entre hermenêutica e arte no pensamento de Buber e, por extensão, a questão da relação dialógica com as esferas da natureza e dos objetos. Será abordada, ainda, a questão do que Buber designa por “a graça da unidade”, momento de encontro da alma com de Deus e, o seu inverso, o momento do caos experienciado pela alma. Para tal se escutarão as vozes de Czeslaw Milosz, Simone Weill, Paul Tillich, Milan Kundera e também de Dostoievski, interpretadas sob o viés buberiano. Concluímos com a hipótese de que é possível, a partir do horizonte hermenêutico fornecido pelo pensamento buberiano, se pensar acerca de uma concepção de hermenêutica espiritual de caráter dialógico.  

Palavras chave: Martin Buber, hermenêutica espiritual, unidade, diálogo, arte. 

Abstract

This essay aims to discuss the issue of Martin Buber’s hermeneutics and his relationship with art. Our starting point is the I-Thou relationship as a path to spiritual hermeneutics. Next, we will discuss the question of the relationship between hermeneutics and art in Buber’s thought and, by extension, the question of the dialogical relationship with the spheres of nature and objects. The question of what Buber calls “the grace of unity”, the moment of the soul’s intimate encounter with God, will also be addressed. For this, the voices of Czeslaw Milosz, Simone Weill, Paul Tillich, Milan Kundera and Dostoyevsky will be heard, interpreted from the Buberian perspective. We conclude with the hypothesis that it is possible, from the hermeneutical horizon given by Buber thought, to think about a conception of spiritual hermeneutics with a dialogical character. 

Keywords: Martin Buber, spiritual hermeneutics, unity, dialogue, art. 

Introdução 

Milan Kundera descreve uma experiência de êxtase que teve em sua infância em que a música o levou a um estado em que presente e passado se fundiram. 

Pois a música pode agitar poderosamente sentimentos sem que haja nenhuma arte musical. Lembro-me da minha infância: sentado ao piano, eu me lançava a improvisações apaixonadas, para as quais não precisava de nada além de um acorde G menor e o subdominante F menor, tocado fortíssimo repetidamente. Os dois acordes e o motivo melódico primitivo, infinitamente repetido, me fizeram experimentar uma emoção mais intensa do que qualquer Chopin, qualquer Beethoven, já me deu. [...] O que eu estava experimentando durante essas improvisações foi um êxtase. O que é o êxtase? O garoto que bate no teclado sente um entusiasmo (ou uma tristeza ou uma alegria), e a emoção aumenta a tal intensidade que se torna insuportável: o menino foge para um estado de cegueira e surdez onde tudo é esquecido, até a si mesmo. Através do êxtase, a emoção atinge seu clímax e, ao mesmo tempo, sua negação (seu esquecimento). (KUNDERA, 1993, p.56, tradução nossa). 

Não estamos diante da obra de arte, mas em seu umbral, no terreno onde ela pode vir, ou não, a surgir, na soleira da fusão dos sentidos com a emoção quebrando as experiências de tempo e espaço. Esse umbral pode ser, no campo estético ou no campo religioso, um canal privilegiado para experiências dialógicas, sejam elas extáticas ou não. No caso específico das obras de arte lembremos o seu potencial de destruição e desestruturação do eu mencionado por George Steiner (STEINER, 2006, p.1) para quem elas “nos arrebatam como tempestades, escancarando as portas de nossa percepção, pressionando a arquitetura de nossas crenças com seus poderes transformadores”. Transformadoras e destruidoras das convicções e das ilusões internas, mas também evocadoras do melhor da alma humana, como ocorreu com Paul Tillich diante da Madonna, a Criança e Oito Anjos, de Sandro Botticelli. 

Estranhamente, eu primeiro encontrei a existência da beleza nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial. Para tirar minha mente da lama, do sangue e da morte da frente ocidental, eu folheava revistas de fotos nas livrarias do campo. Em algumas delas, eu encontrei reproduções das grandes e comoventes pinturas das eras. Em acampamentos de repouso e nas calmarias nas amargas batalhas, eu me aconcheguei em abrigos estudando esse “novo mundo” com a luz de velas e lanternas. Mas no final da guerra eu nunca tinha visto as pinturas originais em toda a sua glória. Indo para Berlim, corri para o Museu Kaiser Friedrich. Ali na parede havia uma tela que me confortara em batalha: Madonna com Anjos Cantando, pintada por Sandro Botticelli no século XV. Olhando para o alto, eu senti se aproximar um estado êxtase. Na beleza da pintura havia a Beleza em si mesma. Ela brilhou através das cores da pintura como a luz do dia brilha através das janelas com vitrais de uma igreja medieval. Enquanto eu estava lá, banhado pela beleza que seu pintor havia imaginado há muito tempo, algo da divina fonte de todas as coisas veio através de mim. Eu me afastei abalado. Aquele momento afetou toda a minha vida, deu-me as chaves para a interpretação da existência humana, trouxe a alegria vital e a verdade espiritual. Eu o comparo ao que geralmente é chamado de revelação na linguagem da religião. (TILLICH, 1957, p.12, tradução nossa). 

Sob a perspectiva da filosofia de Martin Buber experiências como as de Milan Kundera e de Paul Tillich são experiências de unidade, nas quais a alma sai do estado de multiplicidade, de desassossego e de inquietação, para atingir a união com o Absoluto. Para Buber (1964, 1989, 2003b), contudo, não só através da arte isso pode ocorrer, mas em quaisquer circunstâncias. Estamos diante de narrativas de difícil expressão e, mais difícil ainda, compreensão, pois emergem das “esferas obscuras” da alma, para usar a sua expressão em Confessions Extatiques (BUBER, 1989, p.24), onde, a partir de uma reflexão sobre as experiências místicas, ele inicia o seu percurso hermenêutico dando voz àqueles que passaram pela experiência de unidade com o Tu eterno. Experiências difíceis de verbalizar que Buber não busca explicar, mas apenas reconhece que “o essencial é o que fica para além da explicação: o evento tal como foi vivido” (BUBER, 1989, p.9). Criticando aqueles que querem colocar essas experiências sob o manto de “conceitos abstratos”, ou explicá-las seja de modo psicológico, seja fisiológico ou patológico, Buber (1989, p.9) postula que apenas “escutemos um homem ou uma mulher falar acerca dos segredos mais inefáveis de sua alma”. Não pretende ele declará-los doentes ou sãos, verdadeiros ou falsos, simplesmente os quer escutar: “eu sei que estou lá para escutar a voz desses homens” (BUBER, 1989, p.10). Isso não é um “estetismo”, ele o diz, pois não lhe interessam os vocábulos do que é dito, mas a palavra, “a voz do ser humano que ressoa em meus ouvidos” (BUBER, 1989, p.10), pois “eles estão lá juntos, misturados, formando a comunidade daqueles que ousaram falar do abismo e eu vivo com eles, eu escuto suas vozes, sua voz, a voz do homem” (BUBER, 1989, p.10). 

Na tarefa hermenêutica que Buber empreende em Confessions Extatiques (BUBER, 1989) ele descartou todos os discursos não subjetivos sobre o êxtase, todas as descrições não subjetivas nas quais não está representado o sofrimento ou ação do visionário, todas as descrições de caráter retórico ou escolástico, ou seja, não imediatas, todas as comunicações de caráter curioso, analítico, psicologizante ou poético. Ora, a característica do êxtase é precisamente a inefabilidade, o fato de ser uma situação que se encontra para além da linguagem (BUBER, 1964 e 1989). A unidade entre o homem e Deus vivida no êxtase separa o extático da linguagem que “é impotente para segui-lo” (BUBER, 1989, p.20) e incapaz de penetrar o reino da unidade, pois a linguagem é reconhecimento e o experienciado no êxtase não é passível de reconhecimento. Além disso, a linguagem é própria da comunidade e a experiência do extático é de pura solidão - a solidão da união do eu com o Outro (BUBER, 1989, p.20). O êxtase está para além da experiência coletiva, “ele é unidade, ele é solidão, ele é unicidade, é o que não pode ser transmitido: Ele é o abismo sem fundo: o inefável” (BUBER, 1989, p.20). As narrativas então recolhidas por Buber mostram seres humanos que precisaram falar, que não aguentaram a solidão do êxtase, da sua relação com o absoluto e que falando voltaram da experiência silenciosa da unidade para a da fervilhante multiplicidade. “Assim que eles falaram, eles caíram de novo na linguagem, que é capaz de expressar tudo, mas não a substância do evento vivido: a unidade” (BUBER, 1989, p.21). Ao hermeneuta coube apenas a escuta e a abertura para o diálogo. Deste modo, Buber nos dá as pistas para empreendermos uma hermenêutica que ultrapasse o sensível, que alcance o espiritual, que se aproxime da alma do outro. 

Para Buber o termo espírito, além de ser utilizado no sentido da visão tradicional da filosofia alemã, como cultura, indicado mais abaixo, o é no sentido da visão hassídica da presença de Deus em todas as coisas, o que envolve também a concepção da presença do espírito maligno, do “falso espírito”1 . Neste sentido, para Buber a palavra espiritual, para além de um estado de consciência, individual e coletiva, diz respeito a um estado de consciência dialógico, no qual o ser humano é partner de Deus2 e que envolve a santificação do cotidiano, a sacralização da vida como um todo e uma atitude sacramental diante do mundo. Ou como diz Kramer: 

A palavra “espiritual”, para Buber, não aponta simplesmente para um domínio especial da existência, ou para um modo intensificado de consciência, e não pode ser totalmente contida em um ensinamento ou em uma prática, não importa o quão profundamente compreendida, não importa o quão intensamente executada. Pelo contrário, a espiritualidade hassídica de Buber se refere simplesmente, e de forma significativa, a santificar o cotidiano deixando Deus entrar no mundo ao se relacionar com toda a vida como algo santo. O mundo criado não é uma ilusão, não é algo que deva ser dominado. Ele é criado para ser santificado. (KRAMER, 2012, p.18, tradução nossa).

Correlato a isso temos que o conceito de espiritualidade em Buber certamente tem, em sua base, o sentido presente no judaísmo, ou seja, “uma luta pela presença de Deus e pela formação de uma vida de santidade apropriada a tal esforço” (GREEN,1987, p. 903). Nesse esforço Buber busca novos caminhos em relação ao judaísmo tradicional e seu encontro com o hassidismo irá moldar sua concepção de espiritualidade que diz respeito, sobretudo, a uma posição dialógica do ser humano em sua relação com Deus. A espiritualidade buberiana poderia ser resumida em uma frase: “Deus pode ser visto em cada coisa e alcançado por meio cada ação pura” (kavana) (BUBER, 1958, p. 49, tradução nossa). 

Neste sentido, proponho neste ensaio vislumbrar, e essa é a melhor expressão para aquele que busca abrir novos horizontes hermenêuticos, como o pensamento buberiano abre as portas para uma hermenêutica espiritual, portanto, dialógica e como podemos, através dele, nos aproximar da compreensão de narrativas dos que tiveram a experiência da unidade com o Tu Eterno, aqui, em particular, pelas vias da arte. 

1. A relação Eu-Tu: caminho para uma hermenêutica espiritual

Em todas as fases de seu pensamento Martin Buber sempre teve o que von Zuben chama de uma “religiosidade do espírito” (VON ZUBEN, 2015, p.966) que orienta a sua busca por respostas às questões fundamentais “o que é o homem?” e “qual o sentido de sua vida na terra?” 

Assim é que na antropologia filosófica de Buber o ser humano é portador de um espírito e sua vida se encontra sob as tensões existentes entre o material e o espiritual. Antes de tudo, sua condição existencial é caracterizada fundamentalmente pela relação primordial com Deus. Nessa condição ele estabelece tanto relações de caráter dialógico quanto de caráter racional instrumental com as esferas da vida. No primeiro tipo de relação, configurada como relação Eu-Tu, há a presença de reciprocidade, sendo um encontro em que as partes não se fundem uma na outra, mas, mantendo sua liberdade e sua autonomia, entram em diálogo. É inegável, contudo, como aponta Buber, a efemeridade da relação Eu-Tu que será distinta da atitude Eu-Isso a qual, marcada pelo cálculo, permite ao ser humano se relacionar de maneira ordenada e coerente com o mundo, sendo responsável pelas aquisições científicas e tecnológicas da humanidade. Porém, na medida em que o ser humano se deixe subjugar pela atitude Eu-Isso, a constituição de sua própria humanidade, que é sempre realizada através do Outro, será bloqueada: “o homem não pode viver sem o isso, mas aquele que vive somente com o isso não é homem” (BUBER, 2003b, p.33). A integralidade da vida humana envolve, contudo, os dois tipos de relações primordiais que conformam a personalidade humana a qual, para Buber, não é uma realidade em si, mas uma existência que se constrói na relação com a alteridade e envolve a dupla dimensão do material e do espiritual. 

Podemos colocar Buber junto ao personalismo ético no qual o ser humano, como portador de uma dimensão ético-espiritual, é pessoa que se constrói no relacionamento com o Outro, primordialmente com Deus, com os outros homens e com a natureza. Mas, atenção! O ser humano aqui está longe do ser lançado no mundo, como proposto por Heidegger (2012). Buber (1980 e 2007), assim como Levinas (1995, 1994, 1982 e 1988), o faz sob outra perspectiva, critica fortemente a ausência de ética do pensamento heideggeriano e, no caso de Buber, estas críticas, ao fim e ao cabo, se orientam contra uma visão na qual “Deus está ausente como horizonte da interpretação da existência humana” (LAPIDOT, BRUMLIK & REISNER, 2008, p.266). O ser concebido por Heidegger é, para Buber (BUBER, 1980; FRIEDMAN, 2011; LAPIDOT, BRUMLIK & REISNER, 2008) fechado em si mesmo e monológico sendo o pensamento de Heidegger uma secularização da filosofia de Kierkegaard a qual restringe a relação com Deus ao postular o isolamento do ser humano como necessário para essa mesma relação. Heidegger é a conclusão perfeita de um processo que culmina com a eliminação de Deus do horizonte de compreensão e de vida do ser humano: 

quando estudei Kierkegaard, na minha juventude, o seu homem me deu a impressão do homem à borda. Mas o homem de Heidegger é um grande passo, a partir de Kierkegaard, na direção do abismo, onde começa o nada (BUBER, 1980, p. 87, tradução nossa).

Sob esta perspectiva central na antropologia de Buber, a presença de Deus, temos que a relação dialógica está longe da “solicitude” do ser, presente na filosofia heideggeriana: 

Ora, uma relação de pura solicitude não pode ser essencial; em uma relação essencial que comporta a solicitude, o caráter essencial provém de um outro domínio, que falta em Heidegger. Uma relação essencial ao olhar de seres humanos tomados individualmente será apenas uma relação direta de ser a ser no seio da qual o estado fechado do homem se quebra e as barreiras de seu ser são rompidas. (BUBER, 1980, p.83, tradução nossa).  

Deste modo, a relação dialógica não é uma concessão do ser ao outro, mas uma relação de reciprocidade diante do apelo dialógico. A resposta, ou não, ao apelo engendra, então, dois tipos de movimentos da existência humana: a existência monológica, que não sai de si mesma, “nem na mais terna comunhão” (BUBER 1982, p.55) e a existência dialógica, que “recebe, mesmo em extremo abandono, uma sensação áspera e revigorante da reciprocidade” (BUBER 1982, p.55). Em ambos os estados a liberdade de escolha se faz presente, pois o diálogo é, antes de tudo, assentado na liberdade, “não é imposto a ninguém. Responder não é um dever, mas é um poder. (...) Aqui não há dotados e não dotados, existem apenas aqueles que se dão e os que se retraem” (BUBER, 1982, p.71). As pessoas e os tempos estão abertos. Não há prévia determinação: aquele que hoje se retrai pode se abrir amanhã e vice-versa. A imprevisibilidade e a liberdade são marcas da relação dialógica. Nela encontramos a reciprocidade como sendo fruto da liberdade e, logo, um poder, seja do ser humano no relacionamento com Deus, com a natureza ou no relacionamento com outro humano. Sob essa perspectiva sempre haverá a possibilidade do ser humano sair de si mesmo, mesmo em meio a situações difíceis, dependerá da escolha de cada um. 

A relação dialógica pode ocorrer no cotidiano e em quaisquer circunstâncias. Ela se dá em um movimento de mão dupla entre Deus e o ser humano ou, como destaca Buber, pela graça e pela vontade3 . Portanto em um duplo eixo: o transcendente (a graça) e o imanente (a vontade do homem). 

Essa existência desdobrada entre as relações Eu-Tu e Eu-Isso, envolve a eterna tensão entre a matéria e o espírito que atravessa as três esferas de relações com o mundo que se apresentam ao ser humano: a natureza, o inter-humano e o mundo espiritual (envolvendo Deus e os seres espirituais)4 . O certo é que na religiosidade de Buber “a relação do homem com o Tu Eterno se inscreve em filigranas, em todas as relações Eu-Tu que o homem mantém em sua existência” (VON ZUBEN, 2015, p.965). As relações Eu-Tu envolvem o inter-humano (as relações entre os homens), as relações com a natureza e também com a dimensão espiritual. Essas relações, porém, como reconhece Buber em sua última fase, não são idênticas. Acerca disso Maurice Friedman relata: 

Isso não significa que ele rejeite a relação Eu – Tu com a natureza e com a arte, mas como ele me falou, se ele fosse escrever novamente Eu e Tu, buscaria diferentes categorias para fazer mais claras as distinções entre essas relações Eu-Tu e o diálogo do homem -com -ohomem (FRIEDMAN, 1965, p.27).

A relação Eu-Tu é de ordem espiritual e todas suas linhas convergem para o Tu eterno. Embora Buber também empregue espírito no sentido diltheyano de geist como cultura (DILTHEY, 2000; LEVINAS, 1998), no sentido da filosofia do diálogo ele o utiliza em relação à realidade divina que é, ao mesmo tempo, transcendente e imanente: 

As referências de Buber a Geist em Eu e Tu vão desde as noções transcendentes de espírito “no seu próprio reino”, o “celestial” e o “profundamente misterioso”, à designação religiosa, o “Verbo”, às noções mais imanentes de espírito como abrangendo a natureza, às noções humanas e culturais: “linguagem, arte e ação. (KEPNES, 1988, p.203, tradução nossa) 

 Deste modo, como um movimento do espírito em direção ao desconhecido, a compreensão, no sentido buberiano, é dialógica e, portanto, espiritual, pois diz respeito não só à busca de um sentido, de uma orientação, por trás e adiante da vida humana, mas também, e antes de tudo, diz respeito à percepção por parte do próprio Buber de que convivendo com um mundo visível existe, para além dos sentidos, para além da linguagem, um mundo misterioso e invisível aos olhos. No mundo do visível, abrindo portas para o invisível, também se encontra a arte. 

2. Arte e hermenêutica

O interesse de Buber pela arte se inicia na juventude em artigos onde, em meio à preocupação com os rumos religiosos e culturais dos judeus, buscava influenciar o florescimento das artes (FRIEDMAN, 1955, MENDES-FLOHR, 2019). Essa preocupação estava vinculada ao renascimento judeu que ele buscava no hassidismo mais do que no sionismo. Assim é que a visão de Buber acerca das características dialógicas da arte visual têm por fonte principal a mística dos hassidim mas também, segundo Margaret Olin, recebe a influência de sua convivência na juventude com professores como Alois Riegl que postulava a existência de uma atmosfera mística em determinadas formas de arte pictórica5  

Em Eu e Tu a abordagem da questão da arte, que se situa entre o objetual e o espiritual, se faz sob a perspectiva dialógica, envolvendo tanto a relação por parte do artista quanto por parte do receptor. A arte é o “Espírito tornado verbo, espírito tornado forma” (BUBER, 2003b, p.148). Isso não tem a ver com as ideias platônicas, antes é “o encontro com o Espírito, que nos envolve e que penetra em nós” (BUBER, 2003b, p.148). No caso do artista a arte tem sua origem no momento em que a forma se defronta com o ser humano e, dialogicamente, a relação entre artista e matéria se realiza. Diante da forma o artista profere a palavra princípio Eu-Tu fazendo surgir a obra de arte. 

Eis a eterna origem da arte; uma forma defronta-se com o homem e anseia tornar-se uma obra por meio dele. Ela não é um produto de seu espírito, mas uma aparição que se lhe apresenta exigindo dele um poder eficaz. Trata-se de um ato essencial do homem; se ele a realiza, proferindo de todo o seu ser a palavra-princípio EU-TU à forma que lhe aparece, aí então brota a força eficaz e a obra surge (BUBER, 2003b, p.11).

Buber antecipa Gadamer que, em sua hermenêutica sobre a relação com obra de arte, retoma o princípio dialógico de Buber: 

Não é a experiência da arte, entre tudo o que encontramos na natureza e na história, aquilo que nos fala da forma mais imediata e respira uma familiaridade enigmática que atinge todo o nosso ser, como se não houvesse, afinal, distância entre ela e nós e cada encontro com uma obra de arte significa um encontro consigo mesmo? (GADAMER, 1964, p.5, tradução nossa).

Como Buber, Gadamer também não procura um sentido original ou a intenção primeira do autor como o faz a hermenêutica romântica. Antes ele procura a relação de compreensão, a conversação, entre espectador e obra: “A obra de arte que diz algo nos confronta com nós mesmos. Ou seja, ela exprime algo de tal forma que o que é dito é como uma descoberta, uma revelação de algo anteriormente escondido” (GADAMER, 1964, p. 8, tradução nossa). 

Mas, o pensamento de Buber é marcado pela presença do Tu eterno. Isso é decisivo e faz com que a sua hermenêutica se diferencie da hermenêutica de Gadamer em alguns aspectos: a) em Gadamer a hermenêutica é marcada pela linguisticidade; já em Buber ela tem um caráter mais amplo pois expressões faciais, gestos, silêncio, etc, são parte da relação6 ; b) para Gadamer, como para Heidegger, a linguagem é a casa do ser, para o humanismo de Buber o ser humano é a morada da linguagem7 ; c) Gadamer, como herdeiro de Heidegger, elimina Deus do seu horizonte de compreensão e logo, de sua hermenêutica e de sua concepção de diálogo, o que não ocorre com Buber para quem a relação Eu-Tu envolve primordialmente a relação com o Tu Eterno.  

Assim podemos dizer que Buber abre as vias para uma compreensão mais ampla de texto do que a desenvolvida posteriormente por Gadamer e Ricoeur, pois embora nestes o texto se liberte de seu caráter unicamente escritural e tudo o que suscita a nossa interrogação passe a ser um texto (o mundo como texto), em Buber a presença permanente do Tu eterno permite efetivamente que tenhamos uma compreensão espiritual das esferas da relação dialógica. 

A arte, contudo, tem a característica de se situar entre o material e o espiritual. Isso levanta a questão da reciprocidade na relação Eu-Tu, questão que foi abordada por Buber não só na relação entre pessoas, mas em relação às esferas não humanas como a arte e a natureza, deixando que seus comentaristas aceitem um escopo mais amplo da relação dialógica, da reciprocidade nas relações, para além daquelas exclusivamente com humanos. É claro que para Buber há vários níveis de reciprocidade não necessariamente totais como na relação Eu-Tu, mas “é errado catalogar todos os outros modos de Eu-Tu, que não conhecem a total reciprocidade, como modos de Eu-Isso” (VON ZUBEN, 2008, p. 105)8 . É o caso da coluna dórica em Eu eTu: 

Trata-se da coluna dórica, onde ela se revela a um homem capaz de se entregar à sua contemplação e disposto a dedicar-se a isto. A mim ela se apresentou pela primeira vez em Siracusa, em um muro de uma Igreja, onde, outrora, fora incrustrada. Misteriosa medida originária revelando-se de um modo tão sóbrio e tão desprendido, que nela não havia sequer detalhes a serem considerados ou objeto de prazer. Eu era capaz de realizar aquilo que deveria ser feito, a saber, tomar posição e manter esta atitude em face da forma espiritual, desta realidade que, passada pelo sentido e pelas mãos do homem, encarnou-se graças a eles. O conceito de mutualidade desaparece aqui? Ou ele mergulha novamente nas trevas, ou então ele se transforma em um estado concreto de coisas, um estado que recusa terminantemente a conceitualização, mas que é claro e autêntico. [...]. Nesta perspectiva, poderemos também considerar a outra região, aquela daquilo que ‘‘não está à mão”, aquela do contato com os ‘‘seres espirituais”, a da origem da palavra e da Forma. Espírito tornado verbo, espírito tornado forma. Aquele que foi tocado pelo espírito e não se impermeabiliza à sua presença, sabe, em um ou outro grau sobre o fato fundamental. (BUBER, 2003b, p.147-148).

Em Eu e Tu Buber fala da troca dialógica possível do ser humano com as três esferas da relação, como diz von Zuben (2015, p.958), “as três esferas são vias que nos levam à presença do Verbo”: com a natureza a relação “realiza-se numa penumbra como que aquém da linguagem. As criaturas movem-se diante de nós sem possibilidade de vir até nós e o TU que lhes endereçamos depara-se com o limiar da palavra”. Com os homens a relação “é manifesta e explícita: podemos endereçar e receber o TU” (BUBER, 2003b, p. 7). Por fim, a relação com os seres espirituais, onde “ainda que envolta em nuvens, se revela, silenciosa mas gerando a linguagem” (BUBER, 2003b, pps.6-7). “Penumbra” e “nuvens” envolvem as esferas não humanas. Nelas apenas “vislumbramos”, ficamos à beira da “orla do Tu eterno”. Experiências dessa natureza inefável, que caracteriza tais relações, são particularmente elaboradas por Buber em sua fase inicial. Em Daniel ele descreve a experiência com um pedaço de mica: 

Numa manhã sombria, eu caminhava pela estrada e vi um pedaço de mica no chão, levantei-o e olhei para ele durante muito tempo; o dia já não era mais sombrio, tanta era a luz era capturada pela pedra. E de repente, enquanto eu levantava meus olhos a partir dela, percebi que enquanto a olhava eu não estava consciente do “objeto” e do “sujeito”; no meu olhar a mica e “Eu” éramos um; no meu olhar nós tínhamos experienciado a unidade. Eu olhei para ela mais uma vez, a unidade não retornou. Mas ali ardeu em mim como se quisesse criar. Fechei os olhos, juntei minhas forças, me liguei com meu objeto, eu ergui a mica para o reino dos existentes. (BUBER, 1964, p.140, tradução nossa).  

Em Eu e Tu ele retoma a experiência, desta vez, como diz Friedman (1965), com um novo olhar, pois sabe a que mica não pode estabelecer uma conversação com ele. A relação Eu-Tu existe, porém, é mais explicitada a distinção em relação ao inter-humano: 

Tantas coisas nunca chegam a romper a crosta da realidade material. Oh! débil pedaço de mica cuja visão me deu certa vez, por primeiro, a entender que o Eu não é algo que existe “em mim’ — e todavia, é somente em mim que me uni a ti; foi somente em mim e não entre ti e mim que o evento se sucedeu outrora. Porém, quando um ente vivo surge dentre as coisas e se torna um ser para mim e se volta para mim na proximidade e na palavra, quão inevitavelmente breve o instante no qual este ser nada mais é do que um Tu! Não é a relação que necessariamente se debilita, mas a atualidade de sua imediatez. O próprio amor não pode persistir na imediatez da relação; ele dura, porém numa alternância de atualidade e de latência. Cada Tu no mundo é obrigado por sua própria natureza, a se tornar uma coisa para nós ou de voltar sempre ao estado de coisa. (BUBER, 2003b, p.114).

Esta relação, como toda relação Eu-Tu, se mantém sob permanente ameaça da fugacidade, da queda na relação Eu-Isso. No caso da arte a forma vem ao encontro do artista e o domina. Invariavelmente ela acaba no mundo do isso, podendo ser depois revivida como relação Eu-tu quando surge diante do espectador. 

O artista é alguém que vê além do objeto, além da matéria, extraindo dele toda a sua plenitude espiritual. O escultor comprime o mundo na esfera espacial e material que se lhe apresenta, o músico faz o mesmo com o som e o poeta com a palavra. Todos vão além dos sentidos mínimos requeridos para o contato com a forma que se lhes apresenta9 . Ora, uma obra de arte é uma forma material, mas é também uma forma do espírito que se torna um Tu na relação com o artista que a produz e também na relação com o receptor. Ambos, artista e receptor, podem estabelecer uma relação dialógica com a obra e, como diz Kepnes (1992, p.25), encontrar uma forma do espírito como um Tu é encontrar a nós mesmos. A obra nos confronta e nos diz algo sobre nossa própria vida. Na relação com a obra como um Tu, esta e o receptor têm preservadas suas integridades o que é central na relação dialógica. Logo a hermenêutica que aí se tem é uma relação com outro ser que se nos apresenta através da audição e da visão. Ele fala e pede uma resposta. O Tu entra em relação conosco e nossa escolha será manter-nos ativos ou passivos. Na relação dialógica a obra, como uma forma do espírito, estabelece uma conversação, como diz Friedman (1965, p. 53). Assim é que 

Interpretar uma forma de espírito exige que nos coloquemos face à obra como nos colocamos face a outro ser. Abrimos-lhe os nossos sentidos, às suas particularidades e à sua gestualidade total. Permitimos que nos mova, que nos confronte, que nos fale. Procuramos perceber a sua mensagem especial e a sua revelação da realidade. E nós também respondemos a ela. Apresentamos as nossas reações, espelhamos a nossa leitura e olhamos para ver se a obra a confirma. (KEPNES, 1992,p.25, tradução nossa).  

Espírito, Geist, em Buber remete a uma realidade transempírica (Kepnes, 1992) que vem ao nosso encontro e que nos pede uma resposta, a qual dependerá de nossa relação com a obra: como um Isso, ou como um Tu. Em Diálogo (BUBER, 1982), texto de 1930, Buber destaca esse elemento específico de sua hermenêutica: a abertura para a resposta dialógica que se dá não apenas na relação com os humanos, com a natureza ou com o mundo dos seres espirituais, mas também com o mundo objetual: é quando o ser humano entra em uma experiência que Buber nomeia de conhecimento íntimo: 

Aquilo de que tomo conhecimento íntimo não precisa ser, de forma alguma, um homem; pode ser um animal, uma planta, uma pedra. Nenhuma espécie de fenômeno, nenhuma espécie de acontecimento é fundamentalmente excluído do rol das coisas através das quais algo me é dito todas as vezes. Nada pode se recusar a servir de recipiente à palavra. Os limites de possibilidades do dialógico são limites de possibilidade da tomada de conhecimento íntimo. (BUBER, 1982, p.43, grifos nossos).

Levinas via com preocupação as características estéticas do pensamento de Buber, pensando, equivocadamente, que isso poderia separá- -lo da ética, chegando a dizer que “se criticamos Buber por estender a relação Eu-Tu às coisas, então, não é porque ele seja um animista no que diz respeito às nossas relações com o mundo físico, mas porque ele é demasiado artista nas suas relações com o homem” (LEVINAS, 1967, p.148, tradução nossa)10. Contudo, Buber nunca se afastou da ética ou sobrepôs a questão estética a ela. Apenas procurava vislumbrar a unidade do mundo material com o espiritual. A relação que o artista tem com o mundo material pode se tornar uma relação Eu-Tu com a matéria que a ele chega e se transforma por suas mãos em arte. Após o processo criativo, a obra torna-se um objeto entre os demais, um objeto no mundo, mas eis que a relação Eu-Tu pode ressurgir com aquele que se defronta com ela receptivamente: 

Fazer é criar, inventar é encontrar. Dar forma é descobrir. Ao realizar eu descubro. Eu conduzo a forma para o mundo do isso. A obra criada é uma coisa entre coisas, experienciável e descritível como uma soma de qualidades. Porém àquele que contempla com receptividade ela pode amiúde tornar-se presente em pessoa. (BUBER, 2003b, p. 11).  

3. A graça da unidade

A obra exige nossa resposta, nos interpela. A partir disso experiências espirituais profundas e inefáveis podem ocorrer, como o que aconteceu com Simone Weil que na primavera de 1937 visita Assis e vai à capela na qual São Francisco esteve, viveu, rezou e morreu, a Porciúncula. Naquele universo arquitetural de “pureza” ela mergulha na graça: 

Em 1937, tive dois dias maravilhosos em Assis. Ali, sozinha na pequena capela românica do século XII de Santa Maria degli Angeli, uma incomparável maravilha de pureza onde São Francisco costumava rezar muitas vezes, algo mais forte do que eu me obrigava, pela primeira vez, a ajoelhar-me. (PÉTREMENT, 1976, p.307, tradução nossa).  

Simone experiencia naquele momento a “graça da unidade” de que fala Buber (1989, p.16), tema que seria posteriormente por ela abordado e publicado somente em 1947, após sua morte, em La Pesanteur et la Grâce (WEIL, 2002, p. 1), obra que se inicia com a seguinte afirmação: “todos os movimentos naturais da alma são controlados por leis análogas aos da gravidade física. A Graça é a única exceção” (WEIL, 2002, p.1). Para recebê-la o ser humano deve se despojar da gravidade da criação, ter consciência do vazio interior que possui e abrir-se, assim, para o encontro com Deus, como ela o teve na Porciúncula. 

A experiência de Simone Weil mostra que, para além do valor estético da obra, conferido pelos experts ou críticos, a arte pode ser uma das vias de encontro com o Tu eterno. Assim ocorreu também com Czeslaw Milosz cujo “arrebatamento”, como diz, diante de uma simples estampa da Virgem Maria se repetiu, muitos anos mais tarde, diante das palavras de Blake, envolvendo duas experiências dialógicas através da arte: com a imagem visual e com a imagem literária: 

Mais tarde, em minha nativa Niewiaza, descobri escondidas dentro de um missal lituano - provavelmente de Bárbara, a esposa do mordomo ou de Anusia, a cozinheira - algumas figuras sacras, uma das quais que me fisgou com a flecha do amor. Era uma imagem da Mãe de Deus, vestida de azul, em um campo de ouro – estrelas douradas- em tons quentes de ferrugem [...]. A continuação veio muito depois – no ‘meio da minha vida’. Eu adquiri meu inglês em Varsóvia durante a guerra – como autodidata, mas o suficiente para ler os poetas. Em uma antologia, eu cheguei a alguns dos poemas de Blake, e imediatamente eu reconheci que os poemas evocavam exatamente a mesma coisa que aquela imagem santa, tinham quase a mesma tonalidade. Até então eu não estava a par da arte de Blake, nem poderia estar, assim como as reproduções de seu trabalho me vieram muito mais tarde. Olhando para elas hoje, eu percebo o quão forte foi a minha intuição. Naqueles tempos e naquela paisagem tão inóspita para o espanto de uma criança diante do milagroso, Blake devolveu-me aos meus primeiros arrebatamentos, talvez à minha verdadeira vocação, a de amante. (MILOSZ, 1984, p.30-31, tradução nossa).

Como a experiência de Paul Tillich diante da Madonna, momento que, como ele disse, afetou toda a sua vida e deu-lhe “as chaves para a interpretação da existência humana, trouxe a alegria vital e a verdade espiritual” (TILLICH, 1957, p.12, tradução nossa), as experiências de Simone Weil e de Czeslaw Milosz evocam o mesmo sentimento de revelação, de maravilhamento, de união e de percepção de que algo “milagroso” ocorrera. O que as caracteriza é a união com o Tu eterno mediada pela arte que lhes abriu os portais para uma compreensão dialógica do mundo. Não são experiências místicas tradicionais como as criticadas por Buber, nas quais o Eu se dissolve no Tu, antes parecem ser experiências em que eles mantêm o seu Eu unificado diante do Tu, com “a concentração de todas as forças da alma num mesmo foco” (ZUBEN, 2015, p.955). 

Mas, além de ser fugaz, a inefável experiência Eu-Tu não garante nada, a não ser o abismo do insondável, pois diante da obra de arte o receptor pode abrir as portas tanto para a experiência de unidade quanto para a experiência do caos (BUBER, 1989). Buber, em Confissões Extáticas, fala da unidade alcançada quando a alma se liberta da agitação. Nesse momento seja diante de um ser humano ou de um “monte de rochas” a unidade do eu e entre o eu e o mundo pode surgir. Mas a agitação interior da alma está sempre à espreita e facilmente pode levar à ruptura desse estado a partir de um simples e brevíssimo acontecimento que ocorra, seja um olhar de relance do ser humano, seja uma sombra sobre as pedras, enfim, qualquer coisa pode abalar essa experiência e fazer surgir a separação e “em vez da unidade existem dois mundos, e o abismo, com a mais instável das pontes sobre ele; ou o caos, repleto de trevas que não conhece a unidade”.(BUBER, 1989, p. 16). Terá sido essa a experiência de Dostoievski diante do Cristo de Holbein? Sua esposa Anna Grigorievna relata que “o quadro deprimiu Fiodor Mikhailovitch, que se sentiu derrotado diante dele”. Paralisado diante do quadro, Dostoievski ficou vários minutos diante dele, “como se estivesse preso” (DOSTOIEVSKAIA, 1999, p.133). Ao retornar à sala Anna o encontra ainda diante da tela e “a expressão de seu rosto era de preocupação e susto, a mesma que vi, várias vezes, nos primeiros minutos de um ataque de epilepsia” (DOSTOIEVSKAIA, 1999, p.133). O evento será retomado pelo escritor em O Idiota: 

- Eu acho - observou o príncipe como a desvendar um pensamento que lhe adviera do assunto do quadro - quer que lhe fale com franqueza?... Esse quadro... esse quadro só serve para fazer muita gente perder a fé. - Nem mais nem menos! - afirmou logo Rogójin. Estavam justamente na porta principal, que dava para as escadas. (...) Quão sinistramente não dissera Rogójin, aquela manhã, que estava “perdendo a fé”! Esse homem devia estar sofrendo terrivelmente! Ele dissera que “gostava de olhar aquele quadro”. Não que o apreciasse; sentia se arrastado, atraído a isso. Rogójin não era simplesmente uma alma apaixonada; era um lutador, fosse como fosse. Queria retomar, à força, a fé perdida. Tinha uma angustiosa necessidade dela agora... Sim, acreditar em alguma coisa! Acreditar em alguém! Ah! Quão estranha não era aquela pintura de Holbein!... (DOSTOÉVSKI, 2002, p. 242 e 256).  

A unidade do eu e do mundo por que passa a alma inquieta quando se esforça para romper com a agitação está sempre ameaçada pelo caos, neste sentido a alma permanece à borda de uma “estreita aresta” (BUBER, 2002, p. 64), à beira do abismo, e para Buber, nesta situação existencial, ela é portadora de uma “sagrada insegurança”. Para ele a unidade é o tema central da consciência humana e para enfatizar isto que Buber (1967, p.66) cita o conselho de Jesus à Marta: “no entanto, uma só coisa é necessária” (Lc 10,42)11. Na relação dialógica pode ocorrer a experiência da unidade, mas a sua característica é, marcadamente, a fugacidade e nada garante que a alma não caia no abismo do caos oposto à unidade, como pode ter experienciado Dostoievski. 

A leitura das experiências acima remete às possibilidades abertas pelo pensamento de Buber acerca do relacionamento dialógico do ser humano com o mundo não humano que o cerca. O que se apresenta diante do ser humano diz algo para ele, endereça-lhe uma mensagem, pede-lhe uma resposta e deste modo, entra em sua vida, transmite-lhe algo que pode ser relativo à própria vida do homem. A mensagem é para ele. Esse o sentido da relação dialógica: ela ocorre entre humanos ou entre estes e outros seres e elementos do mundo. 

Estes elementos do mundo podem exercer um efeito para além de emocional sobre alguém. Tillich (1957) diz tratar-se de uma revelação que se deu para ele através da obra de arte. Uma iluminação que vem ao encontro do ser humano, que entra em diálogo com ele, uma relação onde ele não é mais um “observador” ou um “contemplador”, mas um “receptor”, como diz Buber, que recebe o que a obra tem a lhe dizer, simplesmente a aceita e entra em relação com ela. A forma aqui não importa, o que importa é, segundo Buber, que 

a palavra de Deus baixa diante dos meus olhos como uma estrela cadente, de cujo fogo servirá de testemunha o meteoro, sem fazê-lo iluminar-se para mim, e eu próprio só posso testemunhar a luz, mas não posso produzir a pedra e dizer ‘é esta aqui’ (BUBER, 1982, p.40).

Com exceção de Dostoievski, as narrativas anteriores revelam a “graça da unidade”, que possui mão dupla, comportando, como diz von Zuben, “o escolher e o ser escolhido. Da parte de Deus, há a graça; de nossa parte é a vontade” (VON ZUBEN, 2015, p. 950). Ao mesmo tempo que exige a abertura do ser humano para ocorrer, o diálogo é também uma graça, ou seja, algo dado por Deus independente do merecimento de quem o recebe, pois, a graça se inscreve no princípio dialogal existente entre o homem e Deus. A palavra primordial é de Deus, mas a resposta (ou não) é do ser humano condicionado por sua liberdade. Deus não se deixa conjurar, mas tampouco obrigará, diz Buber. Ele é por si mesmo e permite que o que existe seja por si mesmo. O ser humano na relação pode aceder ou negar o diálogo, tendo como resposta a relação com o divino ou o seu ocultamento. A antropologia buberiana assume que sempre houve guardadas no coração do homem, as “imagens do Absoluto”. Estas entram em decadência de maneira que “a pupila espiritual já não pode perceber sequer um flash da aparição do Absoluto” (BUBER, 1993, p.155). Perceber a graça é atributo espiritual, pois 

a graça não é um presente de alguns acima. não há acima como não há abaixo. e os dons estão em toda parte. a graça está entre o eu e tu. se ouvirmos bem, a graça fala em linguagem humana: é uma graça imperfeita, mas ainda assim maravilhosa. tal como deus. tal como eu e tu. para que serve uma graça vazia? (MARGULIES, 2017, p. 17, ipsis litteris, tradução nossa).  

4.Hermenêutica espiritual

Reconhecer a graça é um ato de compreensão. Ao abordar esta questão Buber (1989 e 2003b) abre as portas da hermenêutica para a questão do diálogo com Deus ou com a esfera espiritual invisível. A partir dele se pode pensar em uma hermenêutica espiritual capaz avançar rumo à melhor compreensão da relação do ser humano com o mundo, incluindo com a arte: 

Martin Buber distinguiu entre forma e objeto em relação às obras de cultura, distinção que é uma subespécie daquelas envolvendo as relações Eu-Tu e Eu-Isso. O objeto aparece dentro de redes de identificação e uso que constituem a aparência cotidiana das coisas; a forma aparece quando o objeto é assombrado por um senso de mistério envolvente e transforma nossa relação com tudo. Uma obra de arte pode ser objeto de análise artística-histórica, exposição da psicologia de seu autor ou da sociologia da situação geral do autor; mas seu trabalho fundamental é abordar o espectador como uma presença significativa além de toda objetivação. (WOOD, 1999, p. 188, tradução nossa).  

Ou seja, abordar a questão da relação com a arte, como aqui proposto, diz respeito às relações entre e o ser humano e o Absoluto e envolve a aceitação da presença de mundos visíveis e invisíveis com os quais a existência humana se conecta12. Recentemente o termo espiritualidade vem sendo recebido, não sem dificuldades, pelo âmbito acadêmico em uma abordagem transdisciplinar, envolvendo diversas dimensões do conhecimento humano, como aponta Kees Waaijman: 

A espiritualidade, tal como a definimos, toca o âmago da nossa existência humana: a nossa relação com o Absoluto. Esta relação é descrita de forma variada nas tradições espirituais. É chamada: emanação do Um; criação pelo Deus Todo-Poderoso; aceitação na Graça; vestir-se com o caminho do Amor; o caminho da Iluminação; libertação última. As Tradições biblicamente consagradas expressam-na dizendo: o homem foi criado à imagem de Deus a fim de crescer em conformidade com Deus. Em nossa vida diária, como regra, a espiritualidade está, de modo latente, presente como uma força silenciosa no fundo de nós, uma inspiração e uma orientação. Às vezes, porém, ela força a sua entrada na nossa consciência como uma Presença inescapável, uma presença que exige uma formação e uma reflexão profundas. (WAAIJMAN, 2002, p.2, tradução nossa).

Assim ao se falar de “hermenêutica espiritual” se está, antes de tudo, tratando de processos de compreensão envolvendo as dimensões da relação do ser humano com o Absoluto como acima mencionado. A expressão se aplica ao ta’wil, o método de interpretação do sentido profundo do Corão, presente no movimento que vai do mundo da aparência (zahir) ao mundo interior (batin), ou seja, do sentido exotérico do texto sagrado para o sentido esotérico. A etimologia árabe da palavra awl significa retornar. É um método que revela sempre novos sentidos espirituais ocultos, que traz à luz o invisível, movendo-se das presenças visíveis para as invisíveis, presente na imaginação criadora através de uma hermenêutica esotérica que conduz à realidade suprassensível, ao mundo das coisas invisíveis aos sentidos humanos. Esse é o sentido que se encontra na tradição do Islã e que foi divulgado no Ocidente por Henry Corbin13.  

À parte as controvérsias entre Buber e membros do Círculo de Eranos14, ao qual Corbin pertencia, questão que não será abordada aqui, o pensamento buberiano também elabora uma hermenêutica espiritual, porém de natureza distinta. Os caminhos de Buber e os de Corbin são em muitos pontos distintos. Corbin acaba por enveredar pela gnose e pelo esoterismo, típicos do Círculo de Eranos. Buber, ao contrário, tenta trazer o ensinamento dos tzadikim, se afastando da gnose em favor do que é a base da tradição judaica e do seu próprio pensamento: a relação. 

Seu panenteísmo15 favorece uma hermenêutica a um só tempo ética e espiritual e neste sentido Buber também difere de Corbin o qual, embora tente desvendar novos horizontes, nunca rompeu, como ele mesmo afirmou, com a chave hermenêutica de Heidegger (CORBIN,1998, p. 83). Buber, pelo contrário, como vimos acima, critica Heidegger e, diferentemente deste, marca o seu horizonte hermenêutico pela presença do Tu eterno. 

Situando-se para além do dualismo e do monismo, a antropologia buberiana concebe o ser humano como um ser que no qual habita a “força divina”. A concepção de Deus em Buber é, em larga medida, marcada pelo hassidismo: “a absoluta transcendência de Deus combinada com a sua condicionada imanência” (BUBER, 1995, p.5). Ou seja, o dualismo carne e espírito desaparece em favor de uma visão de integração entre matéria e espírito, aquilo que Shonkoff (2018) chama de monismo dialógico. A palavra espírito em Buber não diz respeito à alma separada do corpo, mas ao ser humano inteiro, real e como tal dotado da capacidade de dizer sim ou não, de atender, ou não, ao apelo dialógico, ao convite para a unidade com Deus. O espiritual diz respeito ao mistério que cerca a existência humana e do qual ela faz parte e assim, não isola o ser humano do mundo, antes busca compreendê-lo no mundo e em relação com Deus. Compreender a relação do ser humano com o mistério manifestado na matéria é tarefa de uma hermenêutica espiritual como a de Buber, que pode promover reflexões sobre novas formas de interpretação que caminhem “para além dos binários sufocantes guardados pela cultura burguesa, um mundo em que as fronteiras entre a realidade interior e exterior, masculina e feminina, espiritual e material, foram transpostas” (URBAN, 2008, p.35). 

Conclusão

Introduzimos este ensaio com a narrativa de Milan Kundera sobre a experiência de êxtase através da música que tivera na infância. Ele descreve o êxtase como uma situação de “estar fora de si” correspondendo a 

uma identidade absoluta com o instante presente, com o esquecimento total do passado e do futuro. Se destruirmos o futuro e o passado, o momento presente permanece no espaço vazio, fora da vida e de sua cronologia, fora do tempo e independente dele (é por isso que pode ser comparado à eternidade, que também é a negação do tempo). (KUNDERA, 1993, p.56, tradução nossa).

Em 1907, Martin Buber ao recontar as lendas hassídicas descreveria algo muito próximo ao relato de Kundera, a hitlahavut (o abrasamento, o ardor do êxtase): 

No êxtase tudo o que é passado e o que é futuro se aproxima do presente. O tempo encolhe, a linha entre as eternidades desaparece, só o momento vive e o momento é eterno. Em sua luz indivisa aparece tudo o que é e tudo o que será, simples e composto. Está ali como uma batida do coração ali está e torna-se, como ele, perceptível. (BUBER, 2003a, p.25)

A hitlahavut, o abrasamento envolvendo a relação de união entre o ser humano e Deus, pode surgir em tempos e espaços inesperados e através de diversos elementos, entre eles, como vimos aqui, a arte: “nada pode contrapor-se-lhe nem rebaixá-la; nada pode lutar contra o seu poder que eleva todos os corpos ao seu espírito” (BUBER, 2003a, p.23). Buber, através do universo dos hassidins, traz a percepção do Tu Eterno, sempre presente, mas nem sempre visível; o Tu com o qual o tzadik (homem justo) entra em relação. É fundamentalmente a partir desse horizonte que ele elabora sua hermenêutica e sua antropologia filosófica, apontando para um ser humano que possui em sua alma as “raízes do céu”, para parafrasear Romain Gary (2008). Buber sempre levou isso em conta; seu pensamento é dotado de profunda religiosidade, o que marca sua concepção de compreensão que, vai muito além do que lhe foi transmitido por seu mestre Dilthey, conduzindo o problema da hermenêutica para um campo que, seguramente, abre dimensões muito ricas, ultrapassando tanto da hermenêutica romântica quanto do giro hermenêutico heideggeriano e gadameriano, isso porque traz consigo a questão do Tu Eterno e ela é simplesmente decisiva para a compreensão espiritual do movimento da vida, incluindo a presença diante da arte e também, mediada por ela, a recepção da graça divina. 

A hermenêutica de Buber em relação ao mundo natural e ao objetual, incluindo a arte, tem um viés que é aceitação do mistério do mundo invisível. Não será isso que ele quis dizer em Eu e Tu? 

A árvore não é uma impressão, um jogo de minha representação ou um valor emotivo. Ela se apresenta “em pessoa” diante de mim e tem algo a ver comigo e, eu, se bem que de modo diferente, tenho algo a ver com ela. Que ninguém tente debilitar o sentido da relação; relação é reciprocidade. Teria então a árvore uma consciência semelhante à nossa? Não posso experienciar isso. Mas quereis novamente decompor o indecomponível só porque a experiência parece ter sido bem-sucedida convosco? Não é a alma da árvore ou sua dríade que se apresenta a mim, é ela mesma. (BUBER, 2003b, p.9)  

Sua hermenêutica é espiritual pois caminha sempre em direção ao Tu Eterno, e, neste sentido, se afasta da hermenêutica corbiniana. A partir de Buber a infinda tarefa hermenêutica da existência humana pode ser vista como sendo formada de peças, como um “patchwork” (BUBER, 1995, p.21), como se apresenta o caminho do ser humano para o hassidismo. Em Man and his Image-Work (BUBER, 1965) há uma culminação de seu pensamento sobre a arte que, segundo ele, só existe enquanto uma relação Eu-Tu entre o artista e a matéria e que volta, enquanto forma, para o mundo do Isso, mas que, de tempos em tempos, pode regressar à relação Eu-Tu, desta feita com o observador. A arte não é nem a impressão da objetividade natural, nem a expressão de uma subjetividade espiritual, a arte é o reino do entre que se torna forma; é o testemunho da relação entre a substância humana e a substância das coisas (BUBER, 1965 e 1957). O encontro entre o artista e o mundo “não é um encontro, como diz Friedman, entre percepção-sentidos e objeto, mas entre o ser do artista e o ser do x” (BUBER, 1965, p.56). E este ser do artista, destaque-se, não é, certamente, o ser de Heidegger, mas sim o ser do tzadik. 

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WAAIJMAN, Kees. Spirituality: Forms, Foundations, Methods. Leuven: Peeters, 2002.  

WASSERSTROM, Steven M. A Religião além da Religião: Diálogos entre Gershom Scholem, Mircea Eliade e Henry Corbin em Eranos. São Paulo: Centro de Estudos Marina e Martin Harvey Editorial e Comercial, 2003. 

WEIL, Simone Weil. La Pesanteur et la Grâce. Paris: Librairie Plon, 1988. 

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WOLFE Judith. Heidegger and Theology. London: Bloomsbury, 2014. 

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WOOD, Robert E. Placing aesthetics: reflections on the philosophic tradition. Athens, Ohio: Ohio University Press, 1999. 

Notas

[1]  Buber, em um discurso de 1937, diante do nazismo, se angustiava com a perda de fé no “espírito” por parte da juventude judaica e com seu “preconceito contra a espiritualidade”, provocado pela presença da mentira, do espírito maligno. Assim, conta ele a seguinte parábola: “Um dia aconteceu que o rei foi destronado e levado para o deserto. No trono sentou-se um demônio que usava as vestes reais e era tão parecido com o rei em aparência e comportamento que ninguém duvidava que fosse o rei ele mesmo. Mas não importa a forma que o demônio assuma, ele não pode deixar de ser um demônio e os súditos achavam cada vez mais difícil e cada vez mais doloroso testemunhar as ações de seu rei. Por fim, eles se rebelaram e se recusaram a obedecê-lo. Mas não ocorreu a qualquer um deles pensar que quem fez tais coisas poderia, possivelmente, não ser o rei, e que eles deveriam partir e procurar o verdadeiro rei que, durante todo esse tempo, estava no deserto e não tinha onde reclinar a cabeça. Obviamente, não é fácil pensar na coisa certa a fazer em uma situação deste tipo; mas é assim com o espírito também. As ações atribuídas ao espírito eram executadas por um falso espírito, que se parecia com o espírito verdadeiro e conseguia enganar muitas pessoas. A aplicação prática do conto não é negar o espírito, mas passar do falso para o verdadeiro Rei. Se ele não puder ser encontrado, vá para o deserto e procure por ele” (BUBER, 1963, p.44, tradução nossa). 

[2] Buber dirá: “Eu acredito que o homem é criado como um parceiro de Deus; o que significa que eu acredito em uma cooperação entre a ação do homem mortal e a graça da eternidade incompreensível para a mente humana” (FRIEDMAN, 1964, p. 74, tradução nossa).    

[3] “Entretanto pode acontecer que simultaneamente, por vontade própria e por uma graça, ao observar a árvore, eu seja levado a entrar - em relação com ela; ela já não é mais um isso. A força de sua exclusividade apoderou-se de mim” (BUBER, 2003, p. 8).  

[4] Com relação à expressão “seres espirituais” cf. Eu e Tu nas traduções de Von Zuben (BUBER, 2003, pps.7,118 e 148) e de Kaufmann (BUBER, 1970, pps. 57, 150, 176). Ver também Kepnes (1992, p. 23). 

[5] Vide a esse respeito Olin (2001, p. 123 e 1992, p. 115). 

[6]  “A noção de linguagem de Buber é mais ampla do que a de Gadamer. A linguagem, para Buber, inclui expressões supra ou sublinguísticas como gestos, expressões faciais, a capacidade comunicativa dos animais, o silêncio. As obras de arte ‘falam’, mas fazem- -no “na sua própria língua”. A nossa relação com as obras de arte, afirma Buber, está no limiar da fala”. (KEPNES, 1988, p. 211).    

[7] Vide sobre isso Kepnes (1992, p. 62).      

[8] Ver também Berry (1985, p.3).   

[9] Vide Hammer (1967, p.610). 

[10] Ver também Scott (2018, p.152). 

[11] Estando Jesus em viagem, entrou numa aldeia, onde uma mulher, chamada Marta, o recebeu em sua casa. Tinha ela uma irmã por nome Maria, que se assentou aos pés do Senhor para ouvi-lo falar. Marta, toda preocupada na lida da casa, veio a Jesus e disse: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe só a servir? Dize-lhe que me ajude”. Respondeu-lhe o Senhor: “Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada. (Lc, 10,38-42). BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: Ave Maria. 

[12] Vide discussão sobre a relação entre a dimensão invisível e a imagem em MENDONÇA (2018).  

[13] Ver discussão em Cheetham (2012), Cromberg (2017) e Corbin (1993, 2005 e 1998).  

[14] O Círculo de Eranos foi composto por um grupo de intelectuais que se encontraram a partir de 1933 na Suíça tendo como elementos principais de discussão questões em torno do imaginário, da hermenêutica e da religião. Dele, entre outros, fizeram parte, entre outros, Rudolf Otto, Gershom Scholem, Mircea Eliade, Carl Jung e Gilbert Durand. Martin Buber participou do colóquio de 1934, antes de sua partida para a Palestina. As teorias que brotaram de Eranos têm como fio condutor, por um lado, a crítica ao racionalismo, incluindo aquele que se imiscuiu na Igreja ocidental, e, por outro, a busca de um conhecimento esotérico e gnóstico a partir do diálogo com as religiões e místicas orientais, em um esforço para alcançar outras dimensões da espiritualidade humana além do cristianismo. Buber se envolveu em duas fortes controvérsias com dois dos principais membros do grupo: Carl Jung e Gershom Scholem. Vide acerca disso Shonkoff (2018) e Wasserstrom (2003). 

[15] Buber de sua fase mística à fase do existencialismo dialógico foi marcado por uma perspectiva panenteísta do mundo, ou seja, de que “tudo está em Deus”, diferindo do panteísmo espinosiano no qual “tudo é Deus”. Sem dúvida, o hassidismo teve um papel considerável nessa visão. Em um texto de 1914 ele dirá: “Não podemos penetrar atrás do múltiplo para encontrar a unidade viva. Mas podemos criar a unidade viva a partir do múltiplo” (BUBER, 1957, p. 19, tradução nossa). Acerca disso vide também JACOB, 1987 e FRIEDMAN, 1991.