Filosofia em zona de confronto: máscaras securitárias, desejos coloniais
Philosophy in confrontation zone: security masks, colonial desires

Diego dos Santos Reis*
*Pós-Doutorando na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Professor Substituto de Filosofia da Educação na Faculdade de Educação da UFRJ. Professor Colaborador III da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Contato: diegoreis.br@gmail.com
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Resumo
O ensaio busca traçar algumas considerações críticas sobre a necropolítica racial de segurança pública em voga nos modos de operar do “governo da emergência”. Pretendese rastrear nessas políticas de Estado os direcionamentos que, historicamente, justificam o genocídio anti-negro na diáspora, bem como as violações estruturais aos direitos humanos de segmentos reiteradamente desumanizados e lançados na zona do não-ser. A constatação que orienta o ensaio baseia-se no fato de que a produção do inimigo racializado tem operado de modo a legitimar as narrativas de subjugação e o assassinato sumário de sujeitos marcados por estereótipos racistas e criminalizantes. Para isso, parte-se do arsenal analítico forjado por pensadoras/es comprometidas/os com a luta antirracista e que problematizam os impactos da colonialidade racista no padrão mórbido das relações raciais, sustentado pelo sistema de justiça criminal.

Palavras chave:Necropolítica; Colonialidade; Genocídio; Racismo; Sistema de justiça criminal.

 

Abstract
This essay aims to develop some critical considerations about racial necropolitics of public security ongoing in “emergency government” policies. It seeks to identify the directions that historically justify the diasporic anti-black genocide in these State policies, as well as the structural violations to the human rights of groups repeatedly dehumanized and exposure to the zone of non-being. The finding that guides the essay is based on the fact that the production of the racialized enemy has operated in such a way that legitimize the subjugation and summary murder of individuals marked by racist and criminalizing stereotypes. Therefore, it starts from the analytical keys forged by thinkers committed to the anti-racist struggle and whom problematize the impacts of racist coloniality in the morbid pattern of racial relations supported by the criminal justice system.

Keywords:Necropolitics; Coloniality; Genocide; Racism; Criminal justice system.

“A brutalidade dos processos de colonização nos tornou incapazes de pronunciar a dor em corpos negros”.
Ana Luiza Flauzina
“O general da intervenção disse que o Rio de Janeiro é um laboratório para o Brasil. E nós somos as cobaias?”
Marielle Franco

Estados democráticos de emergência

Era uma quarta-feira, 14 de maio de 2014, 16h30. Policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) realizavam uma incursão na favela de Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Suspensão de aulas às pressas, interrupção dos ramais de trem, toque de recolher, estampidos e rajadas sucessivas de tiros ouvidos a longa distância. Na Escola Politécnica de Saúde da FIOCRUZ, onde eu dava aulas de filosofia à ocasião, o pânico instaura-se nas salas do ensino médio. “Filosofia em zona de confronto”, grita alguém. Nessa mesma tarde, Johnatha de Oliveira Lima, de 19 anos, foi assassinado com um tiro de fuzil nas costas pela Polícia Militar. De acordo com a assessoria das UPPs1, os policiais estavam em patrulhamento pelo local, quando se depararam com “criminosos armados e iniciaram o confronto”. Em sua defesa, os policiais alegaram se tratar de um traficante.

Sabe-se que, nesse discurso, o traficante, o terrorista ou o criminoso são as figuras que materializam o mal radical e, consequentemente, em razão de “estado de necessidade”, a legítima defesa é acionada como recurso para o pleito do excludente de ilicitude2 . Pois, diante do “inimigo”, afirmam, que ameaça a vida de todos, a violência de Estado encontra sua justificação última. Assim, não haveria crime, sequer assassinato.

Cabe destacar, logo de saída, como o processo de desumanização e a tentativa de criminalizar as vítimas do terror de Estado, por meio de uma dessas figurações do “mal”, como “traficante”, operam para que, nesses casos, a investigação subsequente, em vez de estar centrada na dinâmica do crime e nos fatos processuais, recaia sobre a vida pregressa da vítima, que deve ter a sua inocência provada para impedir uma segunda morte: a versão do assassinato legitimado nos autos do processo e a tendência natural para seu arquivamento. Deste modo, a justificativa do homicídio em decorrência do suposto “envolvimento” da vítima com atividades ilícitas passa a ser uma “prova” de que a circunstância da morte estaria ligada à resistência, logo, de sua culpabilidade.

É com base na “incriminação preventiva de determinados tipos sociais potencialmente criminosos” que Misse, Grillo e Neri (2015, p. 68) propõem a noção de sujeição criminal post mortem, cuja rotulação é deslocada para o sujeito em questão, tendo por consequência a compreensão dos crimes policiais como resultado irremediável de sua rotina de trabalho. Naquela quarta-feira, a “rotina de trabalho” chamava-se Johnatha, o filho da Ana Paula, que viria a se tornar uma das ativistas mais aguerridas do Movimento das Mães de Manguinhos3 . O que as vozes desse Movimento destacam, em consonância com as reivindicações de outros movimentos sociais, é que o projétil de arma de fogo disparado contra o corpo suspeito não o encontra por acaso. Mas é parte do projeto de extermínio necropolítico (MBEMBE, 2018) em curso, cuja agenda genocida aponta para o caráter estrutural do racismo no Brasil:

Neste sentido, sinalizar efetivamente para a existência de um sistema penal formatado pelo racismo que se movimenta num primeiro plano para promoção da morte dos negros no Brasil, significa, em última instância, a possibilidade de abalar as estruturas em que repousam os termos do pacto social vigente (FLAUZINA, 2006, p. 92).

Daí, para uma análise crítica do sistema penal brasileiro, ser preciso problematizar o governo da emergência e as implicações políticojurídicas advindas do discurso da guerra permanente às drogas, ao terror e ao crime (REIS, 2020), que pavimenta o pacto racial vigente. Para levar a cabo tal empreitada, adota-se aqui uma perspectiva de análise decolonial e racializada, que reconhece os efeitos persistentes da colonialidade nas sociedades subalternizadas, na interface entre a luta por direitos sociais e a anomia; entre a proteção da vida humana e seu extermínio sumário. São as consequências, portanto, de uma racionalidade de governo racista e colonial que esse ensaio pretende discutir.

Se a lógica da produção do inimigo desumanizado articula-se à eliminação sistemática dos corpos inferiorizados e à “exclusão de ilicitude” dos atos, é fundamental racializar o debate para politizar um conjunto de práticas interventivas, nas quais é possível rastrear os nexos entre discurso necropolítico e os dispositivos de racialidade. Tal como propõe a filósofa Sueli Carneiro (2005, p. 74), é a partir dos atributos raciais que a “produção de condições de vida diferenciadas” ou mais próximas ao espectro da “matabilidade” irá funcionar como fator determinante de estratificação social e de extermínio, segundo estereótipos racistas e criminalizantes.

É preciso destacar como o racismo institucional está na base de políticas públicas de segurança militarizadas, que atingem de modo diferenciado as populações periféricas, com notável virulência orientada aos corpos negros. Assim, “apesar da intensidade e profundidade de seus efeitos deletérios, o racismo produz a naturalização das iniquidades produzidas, o que ajuda a explicar a forma como muitos o descrevem, como sutil ou invisível” (WERNECK, 2016, p. 541). Não à toa, Achille Mbembe (2018) irá remarcar o quanto a base normativa do exercício de morte estará ligada à subjugação racial e à sua identificação ao inimigo ficcionalizado.

Nesse contexto, os corpos subalternizados são transmutados em expressões materiais do terror e da suspeição generalizada, disseminadas não apenas no imaginário coletivo, mas constituídos como alvos privilegiados do direito soberano de matar. Na contenção beligerante do inimigo, a violência de Estado irá funcionar como mecanismo seletivo de controle social, baseado na expansão do discurso punitivo, das práticas criminalizantes, além da alta letalidade nas ações policiais. Esse necropoder estatal não cessa, por conseguinte, de apagar os nomes e as possibilidades de existência de seus alvos, reificados e depositados no fundo dos cárceres e covas rasas, ou tombados nas quebradas, becos e vielas das topografias da violência metropolitana (ALVES, 2011b).

A morte, sim, nos iguala a todos/as. Mas a matabilidade potencial nos separa. Ela estratifica riscos e distribui desigualmente a economia da violência, as oportunidades de vida e de morte. Pois se as balas se perdem no meio do caminho, são encontradas, quase sempre, nos corpos pretos e pobres, marcados para morrer. Para os que desejam o fim do terror, o terror até o fim é a solução. O fim é que a bala reencontre a sua trajetória e, lançada de um drone ou saída de um fuzil apontado para as costas de jovens negros, é preciso que elas se alojem no interior do mal nomeado. Não uma, mas centenas de vezes: 70, 80, 111... Perseguidos, abatidos, neutralizados

Ora, quem serão os indivíduos suspeitos, construídos como monstros perigosos por conta de sua potencial ameaça à segurança pública? Naturalizado sem muita contestação, o perfil desse indivíduo perverso é jovem, pobre, negro, do sexo masculino. Logo, um recorte interseccionalizado de classe, de raça e de gênero, na medida em que, como afirma Nilo Batista (2006, p. 25), “a seleção criminalizante opera através de estereótipos: é entre os ‘suspeitos’ que se procurará a conduta que fundamente a criminalização”. Não estranha que a expressão “atitude suspeita” tenha se tornado suficiente para que agentes públicos encarcerem e justifiquem o assassínio de jovens negros e periféricos: “Mas, o que é uma atitude suspeita? “Não é apenas ‘uma atitude’, mas um corpo, uma pele, uma região” (BENTO, 2018, p. 12).

Para que sejam gerados efeitos intimidatórios, desigualmente distribuídos nesses estados, a produção do pânico e do medo desempenha um papel fundamental. Disso resulta o cheque em branco que o Estado detém para que seus agentes realizem e assegurem a limpeza étnico-racial, sem expressiva comoção pública. Pelo contrário, ela é endereçada à satisfação do público, desejoso dos espetáculos de violência suscitados pelas operações policiais e pelas chacinas que reforçam o sentimento coletivo de segurança em igual proporção ao número de “criminosos” assassinados. Pois, do contrário, por que governos insistem em reproduzir as mesmas práticas malogradas de segurança pública, na ficção – e na fixação – de obter resultados diferentes?

O cheque em branco, sem fundo, apresenta-se, então, como garantia do exercício da violência de Estado e do controle social pelo terror. Política institucional de desaparecimento, emprego de tortura ilimitada, extração de informações e assassínio adquirem a aparência da legalidade burocrática, enquanto intensificam-se arbitrariedades e o recurso ao terror irrestrito. Daí a vizinhança entre as medidas de combate ao crime e seu reverso sombrio, a espelhar exatamente o que se propõe a combater e ao que há de mais assustador no uso desproporcional da força: a presunção de criminalidade, que autoriza o uso indiscriminado da força letal para neutralizar o perigo. Nesse intervalo cinzento de indistinção e anomia, instaura-se o terror soberano, na turva interface entre prerrogativas de urgência e as ilegalidades: na fronteira indiscernível entre a norma jurídica e a emergência política, a cobrar sua fatura.

Espólio de guerra ou “dano colateral” de medidas securitárias? O pacto racial genocida continua a produzir cadáveres de modo acelerado: Johnatha, Ágátha, Marcus Vinícius, Kauan, João Pedro e tantos outros assassinado/as pelos braços armados do Estado. Até outubro de 2019, pelo menos dezesseis crianças haviam sido baleadas no Rio de Janeiro e outras cinco letalmente atingidas. Mas, estamos em pleno estado democrático de emergência. Essa “democracia sem cidadania”, como caracteriza Paulo Sérgio Pinheiro (2000), marcada por um “autoritarismo socialmente implantado”, transpassa o funcionamento das agências e das instituições estatais, como espectros de nossa história política.

Por isso, pensar a atualidade do nosso presente histórico requer confrontar perspectivas e tensionar os enunciados forjados no seio de regimes que, historicamente, hierarquizam e classificam humanidades, aliando racismo, colonialidade e dominação. Racializar as lentes de análise da teoria política e da filosofia significa pensar os cortes necrobiopolíticos operados nesta hierarquização, com a consequente autorização para que se instaurem os “mundos de morte”, como analisa Mbembe (2018), não apenas física, mas de práticas de morte-em-vida de sujeitos que têm a sua humanidade e agência sustadas.

O que aponta para outro confronto, na teoria e nas práticas políticas: a necessária descolonização e racialização dos debates, para enfrentamento do pacto racial que privilegia determinadas corporalidades e narrativas políticas, enquanto expropria sujeitos racializados do acesso a direitos fundamentais e nega o reconhecimento de sua humanidade. Eis o front de batalha: a recorrência das práticas violentas de emergência, que não contradiz a norma. Em 2018, de acordo com os dados divulgados pelo 13º. Anuário Brasileiro da Segurança Pública (2019), foram registradas 57.341 mortes violentas intencionais no país. No que diz respeito a mortes causadas por policiais, o número é expressivo: em média, 17 mortes por dia. O que representa, em comparação com 2017, um aumento de 19%. Dentre as pessoas assassinadas, 99,3% são homens; 77,9% tinham entre 15 e 29 anos; e 75,4% eram negras. Os homicídios, portanto, têm alvos bem definidos e prefigurados, com recorte de gênero, raça e classe social, que deslindam “a articulação perversa entre padrões de vulnerabilidade social, controle territorial e padrões de morbimortalidade” (ALVES, 2011, p. 111).

Mas, repetem, estamos em guerra. Entre “nós” e “eles”, não há nenhuma similitude. O que constitui, nos tristes trópicos, aliás, o paradigma histórico da dominação colonial e do exercício de uma polícia necropolítica, que operacionaliza, hoje, a guerra social de extermínio das humanidades desconsideradas e dos indesejáveis: “ecos indeléveis e deletérios da violência” (FBSP, 2019, p. 8).

Soma-se a isso outros modos de exclusão e de controle que perpetuam lógica similar de modulação racista, como o regime de encarceramento massivo da população pobre e negra, que evidencia a administração penal da vida em “zonas inteiras das cidades, onde os poderes públicos só aparecem para reprimir, [e] são invadidas a qualquer momento, sob qualquer pretexto, por uma polícia que pratica extorsões, falsifica flagrantes, tortura e mata” (KOLKER, 2002, p. 42). Terror racial naturalizado: para que(m) serve o sistema penal, quando não temos dúvidas de que “a gestão penal da insegurança social alimenta-se de seu próprio fracasso programado” (WACQUANT, 2001, p. 145)?

Fracasso, mas nem tanto, na medida em que “a máquina mortífera de terror contra a ralé livre”, como define Vera Malaguti Batista (2003, p. 145), é exitosa no que se propõe: criar a arquitetura legal e institucional de exclusão e de extermínio operada pelas forças policiais e pelo sistema de justiça criminal. E isso sob a ordem democrática, com os braços militarizados do Estado mobilizados para a garantia da paz, da segurança e da ordem públicas. No que concerne a esse tema, na última aula do curso Segurança, território, população, de 1978, Foucault (2008, p. 457) é categórico: “a polícia é a governamentalidade direta do soberano como soberano. Digamos ainda que a polícia é o golpe de Estado permanente”.

O fato é que “alguns corpos e alguns territórios racializados recebem a preferência na distribuição das chances de vida e morte” (ALVES, 2011b, p. 117-118). A política de morte e de silenciamento no espaço urbano é sustentada por um padrão mórbido das relações raciais e de governamentalidade espacial, que determina quais geografias e corpos serão alvos privilegiados da intervenção violenta. De outro lado, para além da dimensão do extermínio físico, o dispositivo de racialidade (CARNEIRO, 2005) justifica “o genocídio em suas dimensões epistemológicas, representativas, estéticas, materiais e simbólicas” (PIRES, 2018b, p. 11). Por meio desse processo, fabrica-se a “manifestação de subjetividades forjadas na diferença colonial” (MIGNOLO, 2005, p. 38) e de sujeitos lançados na zona do não-ser (FANON, 2008), onde experimentam maior vulnerabilidade e vitimização.

Necrobiopolítica

Não é novidade. Vivemos em tempos de emergência. Em tempo de emergências, no plural. De ameaças plurais, perigos extraordinários, violência espetacular e inimigos difusos. Contra as ameaças, todas as formas de urgência são declaradas, seja por conta de crises econômicas, geopolíticas ou ambientais, seja devido a atentados terroristas, desordens urbanas ou pandemias. Decretam-se os vereditos kafkianos em um tempo no qual o medo e o pânico convertem-se na instauração preventiva dos estados de exceção. Da exceção como regra, em todos os estados.

Proliferam-se os espaços de violência e as guerras supostamente justas. Entre a exceção e a regra, multiplicam-se os espaços de anomia, o urbanicídio, a gentrificação, as missões libertadoras e em nome da paz que, em contrapartida, transfiguram-se nas ocupações mais violentas. Ou, ainda, nas longas intervenções4 militarizadas, com recordes de mortes e violações de direitos, em territórios onde o Direito Penal do Inimigo vigora.

Se, de um lado, “o medo da emergência é usado para eliminar qualquer obstáculo ao poder punitivo, que se apresenta como a única solução para neutralizá-lo”, de outro, “é evidente que o poder punitivo não se dedica a eliminar o perigo da emergência” (ZAFFARONI, 2013, p. 22), pois a emergência é o elemento discursivo que legitima as suas ações. Ela é o componente que possibilita a criação de um estado coletivo de paranoia, que serve para que os operadores do poder punitivo possam exercê-lo sem peias contra aqueles que o importunam. O discurso da emergência, assim, assegura as bases normativas do direito de matar.

A consequência última da estrutura inquisitorial (ZAFFARONI, 2013) desse discurso é a compreensão da política como guerra permanente, com vistas a debelar a emergência. E, evidentemente, a proliferação dos genocídios, chacinas e massacres que, paradoxalmente, segundo Foucault (1976, p. 180), “tornaram-se vitais” no horizonte de “defesa da sociedade”, de restruturação da ordem e dos valores democráticos. Do complexo de favelas da Maré a Aleppo, da villas miserias colombianas às montanhas de Tora Bola, no Afeganistão, as marés de sangue se sucedem.

Ora, onde há a suspensão da lei em razão de emergência, não haveria crime. A linguagem bélica passa a nomear as ações de legítima defesa e recorre ao Direito Penal do inimigo quando se trata de desumanizá- -lo, defini-lo como inferior e como raça degenerada, retraçando os limites das “fronteiras dos fluxos de sangue” (NEGRI; COCCO, 2005, p. 143). É a inferioridade racial do inimigo que lhes autoriza a fazer isso. O suspeito torna-se previamente culpado, sem recurso à ampla defesa. Ou, pelo menos, “envolvido” – logo, culpado. E o mal prolonga-se indefinidamente tomando a forma dos corpos não-brancos, precários. Nesse sentido, as razões de emergência autorizam que se proceda a limpeza étnico-racial, sem maior comoção pública. O massacre deve ser radical e absoluto. Questiona, contudo, Achille Mbembe (2018, p. 6), “sob quais condições práticas se exerce o poder de matar, deixar viver ou expor à morte?”. E “qual é, nesses sistemas, a relação entre política e morte que só pode funcionar em um estado de emergência?” (MBEMBE, 2018, p. 17).

Diante do assombro do terror, a racionalidade de governo da emergência estará assentada em um discurso político que produz as figuras opositivas que se propõe a combater, bem como no discurso do ódio marcado por uma herança colonial, racista e conservadora. Em contextos de desdemocratização acelerada, a militarização da política e da vida tornam-se cada vez mais patentes, nas trilhas da produção do desejo pela segurança e da gestão do medo social como tecnologia de controle. No inacessível do poder que reinventa, de tempos em tempos, seus modos de produzir cadáveres é consentido que o terror de Estado prossiga em seu excesso. E a justiça criminal, premida entre os apelos punitivos e a cegueira dos massacres administrativos, reitera, em suas decisões, a lógica que reforça as políticas de extermínio dos indesejados, transmutados em delinquentes, criminosos ou terroristas.

O que autoriza, por exemplo, que, em pronunciamento público de 26 de janeiro de 2019, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, possa afirmar sem o menor constrangimento: “esses terroristas vão continuar a ser abatidos”5 . Alguns dias depois, em 8 de fevereiro, em uma intervenção da Polícia Militar no Morro do Fallet/Fogueteiro, o resultado seria a morte de 15 jovens. Mas, declararia o governador, “nossa Polícia Militar agiu para defender o cidadão de bem”6 . Seria preciso elaborar medidas energéticas para dar fim ao narcoterrorismo, prossegue Witzel, bem como “aumentar o regime integralmente fechado por toda a pena, sem visitas, estabelecimentos prisionais fechados, longe da civilização... Nós precisamos ter o nosso Guantánamo. É preciso colocar os terroristas em locais em que a sociedade se livre definitivamente deles”.7

O uso da categoria terrorista nessa fala não é fortuito. Em Guantánamo, os “combatentes ilegais” – como são classificadas as pessoas privadas de liberdade, de modo a burlar o direito dos prisioneiros de guerra – são excluídos das proteções legais garantidas pelas Convenções de Genebra, permitindo a sua detenção de forma indefinida, sem recurso legal ou legítima defesa, e sua submissão a todo tipo de tortura física, moral e psicológica (BUTLER, 2015).

Mas as práticas violatórias de direitos não são exclusivas a territórios prisionais como o de Guantánamo. Em todos os continentes e, de modo especial, na América Latina, práticas sistemáticas de violações aos direitos humanos não cessaram de se multiplicar, com encarceramento em massa, alto índice de letalidade estatal e medidas profiláticas de “combate ao terror”. Segundo o Instituto de Segurança Pública (2020), somente no Estado no Rio de Janeiro, em 2018, o número de mortes por agentes públicos atingiu a maior letalidade policial desde 1998, com 1.534 assassinatos por intervenção policial violenta.

A construção discursiva do terrorista racializado funciona como extensão do velho biologismo criminal, que tem como filiação genética o criminoso nato, o sangue perverso, o delinquente de berço, consagrados pelo racismo científico do século XIX. Assim, a frenologia, as teorias bioantropológicas e a estigmatização do negro como delinquente, fundadas no biotipo racial e na sua propensão ao crime, pretenderam dar conta da razão natural de sua inclinação para o mal e maior vulnerabilidade à criminalidade. O impacto desse pensamento, da esteriotipização racista e criminalizante e das estruturas fundadas na colonialidade do ser, hoje, não são menos notáveis.

O que torna-se evidente, obscenamente explícito, por exemplo, na decisão de uma juíza criminal de Campinas quando, em 2016, registra na sentença que: “vale anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido”.8 Isto porque, segundo o imaginário criminalizante, crime tem cor, bem como os indivíduos suspeitos – até que se prove o contrário. O argumento da juíza não é excepcional. Ele evidencia as engrenagens do racismo institucional que funcionam nos tribunais penais, no acesso à justiça, no encarceramento em massa e na guerra de combate ao inimigo racializado que mobiliza as polícias urbanas. Daí Pedro Gonzaga, jovem negro assassinado no supermercado Extra, no Rio de Janeiro, ou os árabes magrebinos em trânsito pela Europa, serem “facilmente confundidos” com criminosos/delinquentes/terroristas em potencial. Como aponta Thula Pires (2018, p. 1063), “a militarização da polícia e a banalização de direitos e garantias fundamentais em nome da segurança nacional fortaleceram a verve punitiva do Estado e, a despeito das narrativas hegemônicas, recaíram desproporcionalmente sobre corpos não-brancos”.

Tematizar criticamente a violência de Estado decorrente das ações de guerra ao terror, às drogas e ao crime requer rastrear a ligação entre o discurso da guerra, o racismo e a letalidade estatal e seus impactos na vitimização de segmentos populacionais racialmente subjugados. Pois, do estado de terror espetacularizado aos terrorismos de Estado autorizados, a passagem é rápida. Há um projeto político de extermínio em curso que, apoiado nessa geografia da diferença colonial, nessa inferiorização epistêmica, epidérmica e ontológica dos corpos não-brancos, afirma que o preço do conforto de alguns é o confronto como a realidade de muitos.

A necrobiopolítica (BENTO, 2018) é, nas trilhas de Mbembe e Foucault, o paradigma de governo que figura na raiz da manutenção do racismo estatal. E que revela a permanência das estruturas autoritárias e racistas da colonialidade do ser, do saber e do poder nos diversos âmbitos das políticas públicas, das relações institucionais, militares e policiais. Na economia do necrobiopoder, a função do racismo será a de regular a distribuição da morte; de gerir e proteger a vida dos capitais humanos de maior valor, nos termos oferecidos pelo neoliberalismo; e de organizar o assassínio dos inimigos públicos, ou, pelo menos, garantir a sua morte-em-vida – esvaziando de valor jurídico-político as suas existências.

Lançados na zona do não-ser (FANON, 2008), os corpos racializados são alvos diletos da “doutrina da força esmagadora”, quando for necessário forçar o inimigo à submissão, independente dos “danos colaterais” das ações militares. “Danos” que têm nome, corporalidade e rosto bem definidos também. Do povo sírio à juventude negra, dos afegãos aos favelados, a realidade é o mundo de morte gerido pelas necropolíticas urbanas, que submetem as populações subalternizadas ao estatuto de “mortos-viventes” (MBEMBE, 2018) e reforçam os padrões mórbidos de relações raciais.

Bem, um aparente paradoxo se apresenta aí. Governos neoliberais e militaristas; recrudescimento de intervenções restritivas e em nome da liberdade; ampla defesa dos direitos individuais, mas que invade e nega o direito à privacidade. Aparente, pois não há, realmente, uma contradição real nesse programa de governamentalidade. No modo de governo pela emergência, de corte necroliberal, o terror/crime “não é algo que se combate, ele é algo que se gerencia”, já que “o ideal do neoliberalismo é transformar a prática de governo na gestão de um gabinete infinito de crise” (SAFATLE, 2016, p. 9), que multiplica os gabinetes de intervenção.

Porque o neoliberalismo não é somente uma doutrina econômica. É um discurso moralizante, do risco socializado e da culpa individualizada. A razão criminalizante que embasa essa tecnologia de governo não deixa espaço para dúvida: o estado neoliberal é um estado penal, por excelência. Estado que gere os ilegalismos e as ilegalidades; que opera pela (re)produção de diferenças, quando rentáveis elas forem; e que fomenta o discurso e a percepção da insegurança, para vender... segurança: seguros, câmeras, biometrias, poupanças, armas de fogo.

Por outro lado, a violência generalizada se expressa, de modo ostensivo, em atos xenófobos, racistas, sexistas. Apátridas, exilados, imigrantes ilegais, transfigurados em “novos bárbaros”, passam a ser considerados como ameaças permanentes ligadas ao terror (REIS, 2019). E os dispositivos de segurança, que são intrínsecos aos estados de emergência (da intervenção militar à suspensão das garantias de liberdades civis em prol da segurança interna), adquirem a forma dos dispositivos de racialidade.

O intolerável: à guisa de conclusão

Questionar as políticas públicas mobilizadas pelas guerras ao crime, às drogas e ao terror exige analisar as figuras que são forjadas como antagonistas de suas formulações e que sintetizam, como exposto, o “mal radical” contra o qual elas se voltam. Trata-se, então, de problematizar como esses alvos são construídos pela via da diferença colonial e de uma série de “hierarquias raciais, binárias e essencialistas do fundamentalismo [anglo/]eurocêntrico hegemônico” (GROSFOGUEL, 2011, p. 346). É preciso tensionar a perspectiva hegemônica do campo de análise dos estudos da segurança pública, para pensar a violência racial e o terror como produzidos e gestados pelas próprias instituições e agências do Estado. Pois, se o terrorismo, no singular, é enquadrado pelo Estado enquanto designação da violência perpetrada pelo adversário, o emprego terrorista do poder punitivo estatal parece “se reciclar no próprio terror que produz” (BATISTA, 2006, p. 26). E que converge para o uso da violência política, naturalizada em uma cadeia de violência sistêmica e estrutural, vinculada à legitimação das formas de dominação vigentes.

O terrorismo de Estado reacomoda, assim, os racismos nas práticas seletivas de seus sistemas penais e nos controles punitivos. A cisura biológica, continuamente introduzida entre “o que deve viver e o que deve morrer” (FOUCAULT, 2000, p. 304), tem êxito na tarefa para a qual é mobilizada: a consolidação da arquitetura jurídico-política da exclusão e de extermínio operada pelas instituições do Estado, sob a ordem democrática. Pacificar e punir se traduz, portanto, no reforço à lógica dos massacres e do padrão de poder colonial/capitalista. Fronteiras raciais do genocídio retraçadas, como aponta Ana Flauzina (2014), as estratégias de combate ao terror, ao crime organizado e às drogas partilham uma economia penal similar: ao acionar práticas de tortura e de execução sumária, arbitrária e extrajudicial, miram nos corpos racialmente marcados dos inimigos, enunciam padrões de identificação e de desumanização de sujeitos, além da aceitabilidade do fazer morrer, “como se nunca houvesse existido uma vida ali, e, portanto, nunca tivesse acontecido nenhum homicídio” (BUTLER, 2011, p. 29).

Ser e não-ser: eis a questão desse tempo de emergências, no qual o imperativo categórico do terror é alçado à lei de segurança universal. Talvez o espectro da violência exija-nos encarar no espelho trincado da atualidade o reflexo narcísico de um mundo assombrado por velhos fantasmas, alienados de seus próprios corpos, que retornam para nos lembrar de feridas históricas não suturadas. Diante do confronto de perspectivas analíticas e das disputas de narrativas em curso na hora histórica, é urgente a tarefa de forjar os modos de subversão das estruturas intoleráveis do tempo presente.

Aqui, os deveres de justiça, de reparação e de memória emergem como armas diante do que se repete compulsivamente na cena da violência de Estado, como tragédia ou como farsa. Armas que não nos deixam esquecer também do papel imprescindível desempenhado pelos movimentos de resistência e de insurgência, como as mencionadas organizações de mães e familiares vítimas do terror de Estado (STANCHI, 2019). Delineiam-se, deste modo, pela via da luta – em todos os fronts –, uma série de estratégias de resistência contra o racismo institucional, estrutural e militarizado, que tensionam a agenda genocida dos Estados, em confronto direto com suas agências e institutos. É nesse contexto de racialização das lutas, que dão seguimento a uma tradição de reivindicações pautadas pelo Movimento Negro e pelo movimento de mulheres, que tem despontado as críticas mais radicais ao expediente civilizatório, assassino e brutal dos Estados modernos. E que permitem entrever, por trás das novas máscaras securitárias, os velhos desejos coloniais.

REFERÊNCIAS

ALVES, Jaime Amparo. Necropolítica racial: a produção espacial da morte na cidade de São Paulo. Revista da ABPN, vol. 1, n. 3, nov. 2010 – fev. 2011, p. 89-114.

ALVES, Jaime Amparo. Topografias da violência: necropoder e governamentalidade espacial em São Paulo. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, USP, vol. 22, p. 108-134, 2011b. p. 117-118.

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Notas

[1]Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/05/homem-morre-apos-participar-de-protesto- -em-manguinhos.html Acesso em: 13 ago. 2019.

[2]O “excludente de ilicitude”, previsto no artigo 23 do Código Penal brasileiro, é uma previsão de exclusão da culpabilidade de condutas ilegais em hipóteses nas quais o agente pratica o fato em estado de necessidade, legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito. Contudo, o agente da conduta, em qualquer das hipóteses citadas anteriormente, poderá responder pelo excesso do ato praticado, culposo ou doloso.

[3]O Movimento das Mães de Manguinhos – favela localizada na zona norte do Rio de Janeiro – é formado por mães cujos filhos foram assassinados pelas instituições militares do estado ou estão encarcerados no sistema penitenciário brasileiro. O Movimento, que luta pelo fim da violência policial nas comunidades cariocas, surge no contexto de assassinatos e violações sistemáticas aos direitos humanos de populações negras e periféricas, em operações realizadas pela Unidade de Polícia Pacificadora de Manguinhos, mas se estende a outras localidades afetadas pela militarização. Cf. NITAHARA, 2016.

[4]Lembre-se, por exemplo, como o envio de tropas do Exército brasileiro ao Haiti, a partir de 2004, teve por objetivo a preparação para futuras intervenções urbanas no Brasil, especialmente devido à realização dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, de 2007. Cf. “Haiti é treino para ação no Rio, diz Exército”. In: Folha de São Paulo, Mundo,16 de maio de 2004. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1605200415. htm Acesso em: 19 set. 2019.

[5]Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/02/26/esses-terroristas-vao-continuar-a- -ser-abatidos-diz-witzel-em-cerimonia-de-entrega-de-viaturas-a-pm.ghtml Acesso em: 05 mar. 2019.

[6]Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/02/14/no-rio-policia-e-mp-investigam-acao- -da-pm-com-15-mortos-no-morro-do-fallet.ghtml Acesso em: 05 mar. 2019.

[7]Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/01/03/nos-precisamos-ter-o-nosso-guantanamo-diz-witzel.ghtml Acesso em: 5 mar. 2019. Grifos meus.

[8]Disponível em: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2019/03/01/decisao-onde-juiza-de-campinas-diz-que-reu-nao-tem-estereotipo-padrao-de-bandido-viraliza.ghtml Acesso em: 05 mar. 2019. Ou, num caso ainda mais recente, no qual uma juíza do Paraná condena um homem negro, Natan Vieira da Paz, alegando que sua raça o creditava como criminoso. Ver: https://noticias.uol.com. br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/08/13/decisao-de-juiza-no-pr-e-reflexo-de-racismo-no-judiciario-avaliam-juristas. htm Acesso em: 13 ago. 2020.