O Verbo se fez poesia: a Revelação de Deus na abordagem poética de José Tolentino Mendonça
The Verb became poetry: the Revelation of God in the poetic approach of José Tolentino Mendonça

Pedro Rubens Ferreira Oliveira*
*Doutor pelas Facultés Jésuites de Paris. Professor e pesquisador do PPG de Teologia da Universidade Católica de Pernambuco. Contato: pedro.rubens@unicap.br
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Resumo
A partir do conceito-chave da Revelação, o autor faz uma releitura das obras de José Tolentino Mendonça, editadas no Brasil neste decênio. Primeiro, em A Leitura Infinita (2015), aparece, explicitamente, a dinâmica fundamental da fé entre “escondimento e revelação”. A construção de Jesus (2018), segunda obra estudada, apresenta como a dinâmica narrativa de Lucas está a serviço da revelação do profeta de Nazaré. Em terceiro lugar, o livro Nenhum Caminho será longo: Para uma teologia da amizade (2013), constatando o desgaste da palavra amor, mostra, nas Escrituras, um Deus que se revela como amigo da humanidade. Em quarto lugar, caberá falar da revelação de Deus e do ser humano a partir da sede e da falta, tema da obra Elogio da sede (2018). Enfim, o artigo indica, em conclusão, nas filigranas de outros livros do autor, como o tema da revelação não é menos presente. Eis um guia de leitura deste grande literato, exegeta e teólogo.

Palavras chave:Teologia e literatura; discernimento; experiência; poesia.

 

Abstract
Based on the key concept of Revelation, the author reinterprets the works of José Tolentino Mendonça, published in Brazil in this decade. First, in A leitura infinita (2015) [The infinite reading], the fundamental dynamics of faith between “hiding and revelation” explicitly appears. A construção de Jesus (2018) [The construction of Jesus], the second work studied, presents how the dynamic narrative of Luke serves to the revelation of the prophet from Nazareth. Thirdly, the book Nenhum Caminho será longo (2013) [No Way will be long], by showing the wear and tear of the word “love”, demonstrates in the Scriptures a God who reveals himself as a “friend” of humanity. Fourthly, it will be necessary to speak of the revelation of God and the human being according to the idea of thirst and lacking, in Elogio da sede (2018) [Praise of thirst]). Finally, the article concludes, in the filigree of other books by the author, how the theme of revelation is no less present. Here is a reading guide for this great literary, exegete and theologian.

Keywords:Theology and literature; discernment; experience; poetry.

Abertura: a poesia, o presente e o Dom

“Tu és a poesia”: assim o Papa Francisco justificou a escolha de Dom José Tolentino Mendonça como um dos treze novos cardeais da Igreja Católica1 . O poeta luso-madeirense, exegeta e teólogo, padre e professor universitário, ficou conhecido pelo Santo Padre no retiro à Cúria Romana, em fevereiro de 2018. Naquele mesmo ano, foi designado como bibliotecário do Vaticano, motivo pelo qual foi ordenado bispo, em 28 de julho, na emblemática Igreja do Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa. Escolhendo o lema bíblico e poético, “olhai os lírios do campo” (Mt 6, 28), Dom José, vestido de sabedoria e simplicidade, fez seu rito de passagem à nova missão. E, no exercício do ministério episcopal, em 5 de outubro de 2019, o Dom poeta entrou para o grupo dos cardeais.

Cabe recordar a primavera de 2008, quando, além de conhecermos pessoalmente o autor, recebemos o presente de uma nova e preciosa Bíblia Ilustrada e, como cartão de apresentação, um de seus livros, A Leitura Infinita: Bíblia e Interpretação (MENDONÇA, 2008). O livro foi saboreado na travessia do Atlântico de Lisboa ao Brasil, mas, na bagagem, a Bíblia guardava outros tesouros, revelados da apresentação ao posfácio, ambos de nosso autor:

[Pois] nenhuma outra obra literária, vertida ou criada em português, haveria de chegar ao presente envolta em tamanho enigma: por um lado, os seus mais de 60 milhões de exemplares vendidos colocam-na num plano sem paralelo entre nós; por outro, esse feito é obtido numa completa clandestinidade cultural, longe do reconhecimento e do prestígio que lhe são devidos. O seu tradutor, João Ferreira Annes d’Almeida, praticamente um desconhecido, é, no entanto, um dos nomes cimeiros da língua portuguesa e um clássico de excelência (MENDONÇA, 2006, p. 9).

Naquele mesmo ano, professor Tolentino aportou no Recife dos poetas e rebeliões libertárias2 e, em 2015, esgotada a edição portuguesa de A leitura infinita, o autor aceitou fazer uma turnê pelo país para lançar a versão brasileira dessa obra-prima, uma coedição Paulinas e Unicap3 . A relação teologia e literatura faz parte da agenda de pesquisas do Brasil, mas importa, com Tolentino incluir a Bíblia, para além de uma relação extrínseca, buscando, como veremos, considerar as Escrituras como código cultural4.

A partir do conceito-chave da Revelação, faremos uma releitura das principais obras de nosso autor editadas no Brasil neste último decênio: primeiro, partirei de A Leitura infinita, no qual o autor trabalha, explicitamente, a dinâmica “escondimento e revelação” (MENDONÇA, 2015, p. 75); segundo, em A construção de Jesus (MENDONÇA, 2018a), baseado em sua tese doutoral, veremos como ele mostra a situação inusitada de uma mulher intrusa e inominada, conhecida como pecadora pública, que não diz uma só palavra, mas rouba a cena e suscita a revelação máxima de Jesus; em terceiro lugar, leremos Nenhum Caminho será longo (MENDONÇA, 2013a), obra em que o autor propõe uma teologia da amizade; em quarto lugar, Elogio da sede (MENDONÇA, 2018b) tematiza a falta e a sede, revelando muito de nós mesmos e de Deus. Em quinto lugar, importa considerar algumas obras em que o autor propõe uma busca e manifestação de Deus no quotidiano da experiência humana. Enfim, à guisa de conclusão, veremos, nas filigranas de outros livros para o grande público, como o tema da revelação não é menos presente.

A revelação bíblica e sua leitura infinita

Scriptura cum legente crescit – a Escritura cresce com quem a lê: inspirado neste axioma de São Gregório Magno e em uma vasta literatura, Tolentino (2015) abre novos horizontes de interpretação da Bíblia em sua obra A leitura infinita. Em seus textos assimétricos e poéticos, o livro está dividido em cinco temáticas abertas. Sem a preocupação de sistematizar um tratado da revelação, o tema é abordado, explicitamente, em apenas um capítulo, mas a dinâmica reveladora está presente em cada parte: antes de tudo, o autor redimensiona o papel do leitor na recepção da revelação consignada nas Escrituras; em segundo lugar, ele define a natureza da revelação em sua relação com o escondimento; em terceiro lugar, em um capítulo central, o autor mostra que o amor está no coração da revelação divina e, por isso, está presente na parte e no todo das Escrituras; em quarto, falando da refeição, explicita-se a hospitalidade como marca da missão de Jesus e do cristianismo; e, finalmente, na quinta seção, trata da questão do Verbo que saiu de seu silêncio em Jesus Cristo5 .

“O elogio à leitura” (cap. 1) é uma reabilitação do leitor, segundo os passos da história recente da hermenêutica: a arte de interpretar, antes centrada na questão do autor, depois focou na centralidade do texto e, ultimamente, assiste ao advento do leitor. Assim, o literato madeirense convida o leitor a entrar, com ele, no universo do texto da Bíblia,

um livro sempre por ler”, frase inspirada em Ítalo Calvino que intitula a seção. Todo aquele que se dispõe a redescobrir a dimensão literária das Escrituras judaico-cristãs, pode, em princípio, experimentar a infinidade de leituras possíveis desse grande clássico, um livro que não “acabou de dizer o que tem a dizer (CALVINO, 2007, p. 11).

A condição teológica da Bíblia é, portanto, “inseparável da sua natureza propriamente cultural e literária” (MENDONÇA, 2015, p. 59). E, assim, baseado em William Blake, Tolentino Mendonça considera a Bíblia como “o grande código” da cultura ocidental, portanto, muito além do campo propriamente religioso (MENDONÇA, 2015, p. 58).

Nosso autor não ignora os riscos de uma abordagem apenas cultural ou simplesmente religiosa da Bíblia: pois “as Escrituras judaico-cristãs não podem perder o seu enraizamento original”, nem “o cristianismo pode aceitar ser simplesmente encontrado no anuário religioso mundial, reinterpretado em função dos fantasmas e da agenda do momento” (MENDONÇA, 2015, p. 63). Isso porque existe “um poder contestador, chamemos-lhe assim, que é inerente à experiência cristã e que ela é chamada a exercer face às construções de cada presente, suas derivas imaginárias, suas satisfações mitológicas” (MENDONÇA, 2015, p. 64).

Por conseguinte, a cultura representa uma mediação, e uma mediação a descobrir e a privilegiar, e não um absoluto. E se a violência está presente no texto sagrado é porque ela faz parte da realidade: rejeitar o sagrado em nome de um ideal de recusa da violência, apontando as religiões como bodes expiatórios6 , é ocultar a chaga das sociedades, marcadas pela violência, em suas novas facetas que não cessam de nos surpreender. Assim, o texto não é apenas uma janela, mas um inesperado e fundamental espelho (MENDONÇA, 2015, p. 69). Entrar no texto é adentrar em nós mesmos, “num processo de autodecifração” (MENDONÇA, 2015, p. 39). À luz de Paul Ricoeur, Tolentino conclui que “compreender a Bíblia é compreender-se” (p. 58); claro, “não se trata de impor ao texto a nossa capacidade finita de compreensão, mas de se expor ao texto e de receber dele um eu mais vasto” (MENDONÇA, 2015, p. 69).

Em um segundo momento, A leitura infinita apresenta, de forma narrativa, os dois grandes temas de uma teologia fundamental, revelação e fé (cap. 2). De uma parte, a manifestação de Deus acontece dentro de uma dinâmica de revelação e escondimento; de outra, a resposta crente entre a sombra do carvalho de Mambré e a sombra da árvore da cruz.

Quatro eixos temáticos são interpostos para falar da revelação: a narrativa do paraíso em correlação com a esperança; a paternidade de Deus entre providência e história; uma pista de teologia do Espírito e, por fim, uma reflexão sobre os anjos, representação rica e complexa, na religiosidade popular assim como na tradição bíblica. Propondo uma “biografia do paraíso” (MENDONÇA, 2015, p. 77), o autor distancia-se de todo saudosismo de um “lugar” perdido para propor uma “gramática da esperança” (MENDONÇA, 2015, p. 80). Ao recorrer à natureza simbólica e teológica do relato da expulsão do homem e da mulher do paraíso, acentua: “o homem descobre que está fora do paraíso para que possa encaminhar-se para ele” (MENDONÇA, 2015, p. 77). A expulsão deixa assim de ser perda, para tornar-se o primeiro e misterioso passo para a promessa.

Ao constatar a ausência do conceito de Providência na Bíblia, o que se justifica pela natureza menos conceitual das Escrituras e pelo seu estilo mais narrativo e experiencial, Tolentino identifica a experiência de um Deus Providencial no âmago da fé bíblica: a chamada “Providência” é expressão de um Deus Pessoal e a história é o lugar decisivo de sua manifestação (MENDONÇA, 2015, p. 81-89). E entre a imprevisibilidade divina – “o Espírito sopra onde quer” – e a sua discrição– “ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai” – o autor posiciona-se diante de duas possíveis interpretações de João 3,8 para esboçar uma teologia do Espírito (MENDONÇA, 2015, p. 91). Conclui que todo discurso teológico que pretenda eliminar a imprevisibilidade corre o risco de tornar-se ideológico e vão, pois, o “enigma do Espírito”, segundo a bela expressão de C. Duquoc, não é, propriamente, para ser decifrado, mas para salvaguardar a liberdade: o Espírito é, retoma ele de J. Moingt, “liberdade e não quer ferir a nossa liberdade, mas fazê-la crer” (MENDONÇA, 2015, p. 10). Nessa sessão, nosso hermeneuta faz uma releitura das figuras de Anjos na tradição bíblica judeu-cristã.

A teologia da fé é traçada pelo autor entre dois paradigmas: o carvalho de Mambré e a árvore da cruz. Chamado por Deus, Abraão parte e torna-se pai da fé, revelando que “o homem é esse ser a caminho, que no espelho do inacabado e da incompletude se mira e se reconhece” (MENDONÇA, 2015, p. 121). Continua ele:

O existir-em-construção é o lugar onde a fé se inscreve. Por isso, o nomadismo de Abraão não é apenas uma referência sociológica: é uma exigência da fé, essa itinerância, esse desejo de que a transportemos pelo corpo do mundo para que ela se torne o nosso próprio corpo. É aqui que Abraão irá constituir um modelo de crença (MENDONÇA, 2015, p. 122).

No entanto, é à sombra da árvore da cruz que a fé se torna radical, atinge a sua raiz e plenitude: Jesus, crente perfeito, tornou-se também objeto e critério da fé de todo aquele que crê. E, na fé, tornamo- -nos companheiros de Jesus, métocoi, segundo a carta aos Hebreus (MENDONÇA, 2015, p. 123).

Presente, em filigrana, no tecido das Sagradas Escrituras, o amor é abordado pelo poeta português (cap. 3), a partir de um texto dos mais difíceis e, como ele diz, perigoso e transparente: o Cântico dos Cânticos (MENDONÇA, 2015, p. 127). Trata-se de um poema que irrompe inesperadamente dentro do cenário bíblico: a palavra “Deus” aparece em uma única passagem (Ct 8,6) e, no entanto, esse livro em suas imagens, sonoridade (texto original) e sensualidade, “acaba por ser uma metáfora por excelência do amor que une o céu e a terra” (MENDONÇA, 2015, p. 144). Evidencia-se, assim, um princípio de leitura ou um critério de interpretação fundamental de qualquer texto bíblico: “o Biblos (livro) requer o horizonte da Biblia (livros), donde recebe a sua iluminação” (MENDONÇA, 2015, p. 129). No Cântico dos Cânticos, Tolentino Mendonça encontra pistas para repensar a sexualidade a partir da pessoa e da ética e, sobretudo, para “pensar a sexualidade humana como metáfora de Deus” (MENDONÇA, 2015, p. 143). Além da centralidade da reflexão, o autor nos leva a experimentar um clímax na própria leitura:

As mãos ardem folheando este livro que pede para ser lido por dentro dos olhos, este livro humano e sagrado, este cântico anônimo que todos sentem seu, este relato de um sucesso e de um naufrágio ao mesmo tempo manifestos e secretos, esta ferida inocente, esta mistura de busca e de fuga, este rapto onde tudo afinal se declara, esta cartografia incerta, este estado de sítio, este estado de graça, este único sigilo gravado ao fogo, este estandarte da alegria, este dia e noite enlaçados, esta prece ininterrupta onde Deus se toca (MENDONÇA, 2015, p. 133-134).

Antes de entrar no quarto capítulo, à luz da perícope de Lucas 7,36- 50, que será objeto de outro livro a ser estudado na sessão seguinte, o poeta arremata, dizendo que “o amor é a forma mais radical de hospitalidade” (MENDONÇA, 2015, p. 157). E, na sequência, o autor hospitaleiro nos convida à mesa7 , depois de nos ter dado o apetite pela leitura. Inclusive, em nossa cultura, não há maior hospitalidade e familiaridade do que convidar alguém para comer na cozinha... Se a leitura prepara o encontro, agora eis que estamos diante de um “Deus (que) anda pela cozinha”, “entre caçarolas e tachos” (MENDONÇA, 2015, p. 161), sem esquecer que o livro é o prato principal do cardápio: “Aproximei-me do anjo e pedi-lhe que me desse o livro. Ele disse-me: “toma-o e devora-o” (Ap 10,9). E nosso amigo exegeta conclui: “literalmente, a Bíblia é para comer” e a sua “leitura é devorante” (MENDONÇA, 2015, p. 161).

Atestando a alimentação como um dos códigos mais intrínsecos das culturas (MENDONÇA, 2015, p. 162), nosso autor gourmet passa pelos “movimentos religiosos que parecem gastronômicos” (MENDONÇA, 2015, p. 167) e chega ao ponto crucial da morte de Jesus, condenado pela forma como comia. O problema maior, portanto, era que “Jesus comesse de qualquer maneira e com toda espécie de pessoas, fazendo da cozinha e da mesa um encontro para lá das fronteiras que a Lei estabelecia” (MENDONÇA, 2015, p. 171). E, já na perspectiva da ressurreição, Tolentino recorda “quando Jesus cozinhou ao amanhecer” (MENDONÇA, 2015, p. 172), acolhendo na praia os discípulos com pão e peixe sobre brasas. E conclui o capítulo com o sabor da mesa de Deus (MENDONÇA, 2015, p. 187) e a hospitalidade aberta a todos, uma característica própria do cristianismo8.

No último capítulo (cap. 5), Tolentino começa declarando que “a crise da consciência moderna é também uma crise de palavra” (MENDONÇA, 2015, p. 203); mas, os crentes, não podem ficar indiferentes porque, ao longo da história, “Deus toma a palavra” (MENDONÇA, 2015, p. 206) e, em Jesus, essa palavra atinge a plenitude dos tempos: “A maneira como Jesus atuava, a importância que Ele dava à palavra, a força simbólica que atribuía ao espaço, a estratégia do seu silêncio e da sua oralidade são chaves indispensáveis de acesso ao que Ele representa” (MENDONÇA, 2015, p. 207).

Para falar da “Identidade e enigma”, o autor convida um elenco de personagens lucanos, figuras que Jesus encontrou e a quem ele revelou sua identidade e missão (MENDONÇA, 2015, p. 223). No entanto, quem, no início, reunia maiores condições para reconhecer Jesus (Israel), torna- -se incapaz de o reconhecer; os pecadores, por sua vez, identificam Deus em Jesus e deixam-se transformar por ele (MENDONÇA, 2015, p. 233). Mediante algumas “aproximações ao mistério de Jesus” (MENDONÇA, 2015, p. 235), o exegeta luso analisa a parábola do fariseu e do publicano (Lc 18,9-14), com a seguinte chave hermenêutica: é “o outro que me torna Justo” (MENDONÇA, 2015, p. 243). Assim, “três homens subiram ao templo para rezar: um era fariseu, outro publicano e o outro era o leitor” (MENDONÇA, 2015, p. 262). Uma última seção encerra o capítulo retomando uma fórmula temporal do primeiro Evangelho: “O tempo (kairòs) alcançou plenitude: o Reino de Deus está próximo” (Mc 1,15). Mas, se o tempo do cumprimento começou, prosseguem os seus efeitos e repercussões de seu significado no futuro, notadamente na passagem do chronós (quantitativo) ao kairòs (qualitativo).

O livro termina com três entrevistas, uma espécie de conversa do autor com o leitor, que retomaremos no final deste estudo. Importa, porém, antecipar uma passagem, à guisa de conclusão parcial e transição:

A repulsa que [o pecado] causa hoje não é diferente da que causava há dois mil anos. Os pecadores não são uma categoria moral, mas social, eram os párias na sociedade do tempo de Jesus. Hoje guardamos lugar para outros párias, porque as sociedades articulam-se sempre numa dialética: há as pessoas convenientes e as inconvenientes – que econômica, social, política e culturalmente são relegadas para uma posição de menoridade (MENDONÇA, 2015, p. 304).

Para além das palavras: a revelação no silêncio perfumado da inominada

Em A construção de Jesus9 , Tolentino não somente faz-nos o convite a ler e interpretar a perícope de Lc 7,36-50, mas a entrar em cena. Dentro de uma pedagogia hospitaleira, ele oferece pistas para o convidado entrar no texto lucano e no Evangelho com o seu olhar de leitor e ir ao encontro do protagonista principal, Jesus. Trata-se, claramente, de um escrito de revelação a ser lido na perspectiva de uma contemplação, como nos é dito: “Num texto que é, profundamente, como veremos, um texto de revelação, a análise dos pontos de vista em jogo sublinha essa dialética entre o exterior contemplado e o interior de quem contempla, entre o ver e o ser visto, entre o que se via antes e o que se vê depois do Verbo de Deus falar” (MENDONÇA, 2018a, p. 37).

Para nos ajudar a entrar em cena (cap. 1), o autor apresenta as personagens, desvelando, igualmente, o papel que elas representam: um dos fariseus de nome Simão, o hóspede chamado Jesus, uma intrusa sem nome e os outros comensais. Além dessas, evidencia-se o próprio leitor como personagem: silencioso como a mulher intrusa, o leitor é chamado a fazer uma experiência de fé e salvação, mediante a leitura do livro proposto e a releitura do Evangelho.

Inicia-se uma análise literária (cap. 2), comparando o episódio narrativo a uma montagem cinematográfica, três quadros são apresentados. No primeiro (v. 36-38), Jesus é o objeto de uma dupla ação: “o convite do fariseu e o estranho comportamento de uma intrusa” (MENDONÇA, 2018a, p. 40). No segundo quadro (v. 39-47), narra-se aquilo que se viu dentro do cenário, sendo o fariseu anfitrião aquele que orienta o olhar, inclusive do leitor: a mulher é pecadora e, se Jesus fosse profeta, perceberia isso. Nesse ambiente, inicia-se um “diálogo na contramão” (MENDONÇA, 2018a, p. 49), no qual Jesus assume o papel de sujeito de uma ação verbal, contando uma parábola que modifica o relato, corrigindo o olhar do fariseu e revelando-se como verdadeiro hermeneuta. Ele postula, assim, que sejam os gestos a falar (tanto as não-ações de Simão como as ações daquela mulher), concluindo com o perdão da intrusa inominada que é identificada como pecadora na cidade (cap. 3). A questão inicial posta pelo fariseu (se Jesus era ou não profeta) desloca- -se para um questionamento fundamental, agora, no dizer dos comensais: “Quem é este que perdoa pecados?” (p. 81). Esse tema preside o terceiro quadro (vv. 48-50), no qual a mulher e os comensais colocam-se perante Jesus e este, por sua vez, dirigindo-se a ela, conclui sua ação verbal em caráter performativo. Explicita-se a tese do autor: no texto lucano, tanto nesta perícope como no macrorrelato, tudo está a serviço da construção narrativa de Jesus (cap. 4). Nesse ponto da obra, nosso biblista realiza uma virada hermenêutica na qual ele apresenta traços de uma teologia fundamental e lança as novas perspectivas de sua interpretação: as antigas categorias abstratas entram em crise para dar lugar ao encontro e à misericórdia, aspectos esses decisivos para a revelação cristã de Deus e para a fé experiencial.

Na sequência, nosso teólogo situa a dinâmica da revelação e da fé no espaço (cap. 5) e no tempo (cap. 6). No primeiro momento, ele mostra o que tem de revelador o espaço: além de um “cenário onde a ação das personagens se desenrola” (MENDONÇA, 2018a, p. 93), o espaço é também um lugar semântico. O autor nos faz perceber as marcas textuais de organização do espaço, assim como ajuda a compreender e a completar os seus silêncios. E, ao fazer uma leitura do espaço através das preposições, o literato evoca o lugar e o (pré) posicionamento das personagens: “o espaço, quando habitado pelo homem, deixa de ser espaço apenas, para tornar-se espaço humano” (MENDONÇA, 2018a, p. 96). Impressionante salto semântico acontece quando o perfume assume o lugar de espaço biográfico e revelador, da mulher silenciosa e do hóspede principal: a dinâmica da revelação deixa o espaço cognitivo, passa pelo campo visual, interpreta o toque e, agora, mobiliza o olfato e tudo o que um perfume pode despertar de sensibilidade10. No sexto capítulo, enfim, a temática temporal é tratada como passagem que vai da crise do tempo histórico ao tempo da salvação: “o tempo de Jesus não é cronológico, mas o tempo da Revelação” (MENDONÇA, 2018a, p. 109). Trata-se, consequentemente, de um tempo construído por códigos semânticos: nesse tempo salvífico, a mulher passa a ser “figura de todos aqueles que acreditarão” (MENDONÇA, 2018a, p. 111). Essa mulher inominada abre espaço, enfim, para inscrever o nosso nome de leitor, ouvinte ou destinatário na cena evangélica, inserindo-nos assim no tempo da salvação.

Impressionante “como por um só capítulo se relê o Evangelho”, segundo o título sugestivo do 7º capítulo (MENDONÇA, 2018a, p. 113), no qual o autor aplica o princípio hermenêutico da compreensão da parte pelo todo. O que se pretende, no entanto, é evidenciar as perspectivas da cristologia narrativa que Lucas propõe, a qual será definida em torno da questão da autoridade. Questão que divide o público entre os que seguiam Jesus e aqueles que o acusavam de utilizar um poder demoníaco. A revelação evidencia uma ambiguidade vital e, portanto, supõe um discernimento fundamental, o que não acontece sem assumir o risco da fé.

A questão respondida negativamente pelo fariseu, no início do relato, volta à pauta (cap. 8): “Jesus é ou não um profeta?” (MENDONÇA, 2018a, p. 121). O autor confirma sua hipótese de construção narrativa da identidade de Jesus no texto lucano, não sem evidenciar uma crise do paradigma profético (MENDONÇA, 2018a, p. 137). E, para deixar o leitor ser guiado pelo narrador do Terceiro Evangelho, outra questão emerge: até que ponto o título de profeta abarca a novidade de Jesus?

O enigma de Jesus desvela-se, progressivamente, na narrativa de Lucas 7, e o episódio da intrusa que vai, silenciosamente, ao encontro de Jesus, revela o cerne da novidade de sua missão salvífica, a saber, o encontro com os pecadores (cap. 9). Dito de outra forma, retomando algumas belas formulações do autor: “uma pecadora (que) nos leva a Jesus” (MENDONÇA, 2018a, p. 143) e Ele “revela-se não apenas o hermeneuta do coração humano, [...] mas também o intérprete competente do desígnio de Deus nas circunstâncias da história” (MENDONÇA, 2018, p. 152). Jesus manifesta, diante daquela mulher inominada, que seu ministério é a salvação, intrinsecamente relacionada à fé, como Ele atesta de forma lapidar: “a tua fé te salvou” (Lc 7, 36).

Depois de evocar e aprofundar a importância dos três belos cânticos da salvação pronunciados, respectivamente, por Maria, Zacarias e Simeão, nosso autor destaca (cap. 10) o sentido teológico da forma verbal de “salvar” que aparece, pela primeira vez, na perícope de Lc 7, 36- 50: uma construção lucana para manifestar como, em Jesus, a salvação torna-se efetiva e, ao mesmo tempo, traduz sua identidade e missão, do início (Lc 2,21) ao fim (Lc 23, 35.37.39) do Evangelho.

Finalmente, inspirado pela dinâmica do próprio Evangelho, que “não aposta na apresentação de conclusão acabada acerca de Jesus” (MENDONÇA, 2018a, p. 180), a reflexão conclusiva (cap. 11) enlaça os diversos fios do texto em sua trama, sob o título “arte de construir Jesus”. De maneira sintética e magistral, o autor evidencia o lugar fundamental de Lc 7 na revelação de Jesus, situando a perícope estudada no conjunto desse capítulo e do próprio Evangelho. A essa altura do percurso, o leitor compreende melhor como a “caracterização incorreta é um dos modos de caracterização de Jesus” (MENDONÇA, 2018a, p. 177), ou seja, no seio de incompreensões e paradoxos, a identidade de Jesus vai sendo construída pelo evangelista. E, antes de encerrar o seu texto, Tolentino presta uma homenagem ao leitor, outorgando-lhe um estatuto ímpar e uma responsabilidade apaixonante, segundo a sentença que intitula a última sessão: “o Evangelho constrói o leitor/o leitor constrói o Evangelho” (MENDONÇA, 2018a, p. 179).

Ao termo do estudo, temos uma melhor compreensão deste texto e do Evangelho, mas também uma maior familiaridade com Deus, semelhante à experiência antecipada pelo nosso poeta e profeta, no início do livro: “o convívio com esse texto mudou completamente o meu olhar sobre Jesus e, com isso, posso dizê-lo, mudou também a minha vida” (MENDONÇA, 2018a, p. 13). Afinal, “a arte de ler não é senão a arte de amar” (MENDONÇA, 2018a, p. 18). Paradoxalmente, porém, vivemos em um tempo de crise de leitura e não menor do uso da palavra amor...

Deus revela-se como amigo da humanidade

Encontramos, nas Escrituras da Revelação, entre uma infinidade de imagens para falar de Deus, a experiência amorosa: “Amados, amemo- -nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1 João 4, 7-8). Entretanto, a centralidade do amor no livro A Leitura Infinita (MENDONÇA, 2015, p. 125-157) encontra seu contraponto na teologia da amizade de Tolentino. Ele postula, por um lado, que “a Bíblia insiste, pedagogicamente, na pluralidade de acessos” (MENDONÇA, 2013a, p. 15) e, por outro, faz a constatação de uma saturação, em nossos dias, da palavra amor e “cada vez menos se sabe menos a que nos referimos quando falamos de amor” (MENDONÇA, 2013a, p. 11). Nesse contexto, importa revisitar as Escrituras para redescobrir a revelação de Deus como amigo da humanidade.

De entrada, vale dizer que não se trata propriamente de uma oposição nem muito menos de uma substituição, pois, como bem diz a Constituição dogmática Dei Verbum do Concílio Vaticano II:

Mediante esta revelação, portanto, o Deus invisível (Cl 1,15; 1 Tm 1,17), levado por Seu grande amor, fala aos homens como a amigos (Ex 33,11; Jo 15,14-15), e com eles se entretém (Br 3,38) para os convidar à comunhão consigo e nela os receber.” (DV, n.2).

Assim, na busca de abrir novos caminhos de encontro com Deus, o autor e poeta nos adverte que essa revelação acontece também no silêncio e que a nossa relação com Deus passa pelas mãos vazias, pois “o fundamental é o encontro, aquilo que, misteriosa e gratuitamente, se comunica de coração a coração” (MENDONÇA, 2013a, p. 23). Face ao providencialismo – Deus me acuda, Deus faça isto, faça aquilo –, o mais importante é “a experiência fundamental de saber que Ele está conosco e nos tem por amigos” (MENDONÇA, 2013, p. 22).

Aplicando o tema da revelação à relação entre as pessoas, Tolentino expressa bem uma diferença entre amor e amizade:

No amor, a revelação tem de ser total, tem de ser uma: uma na fraqueza, na abertura, no conhecimento sem dobras, nem reservas. Na amizade aceitamos de forma mais natural a diferença, uma certa distância que não é considerada obstáculo à confiança, mas, ao contrário, é condição da revelação de si (MENDONÇA, 2013a, p. 16).

Nesse passo, o autor propõe “estabelecermos a nossa relação com Deus em termos de amizade” (MENDONÇA, 2013a, p. 17), para que se possa construir uma relação na base da liberdade, “deixando Deus ser Deus e sentindo que Deus me deixa ser eu” (MENDONÇA, 2013a, p. 18).

A fé em Deus como resposta à revelação, reinterpretada a partir da amizade, tem Moisés como exemplo primeiro, pois ele fala com Deus face a face, como um amigo diante de outro amigo. Mas essa proximidade não é incompatível com a transcendência divina, uma vez que ela assume o modo de passagem: “Moisés, vou passar diante de ti, vou mostrar minha Beleza, mas tu não poderás ver a minha face. Só pelas costas vais olhar a minha Beleza” (Ex 33,11). Esse paradoxo do ver face a face, mas não completamente, define bem, segundo o autor, a amizade. Da mesma ordem é a fé pascal: “passagem, trânsito, tráfego de beleza, epifania, revelação que não se toca” (MENDONÇA, 2013a, p. 21-22). Semelhante à experiência da ressurreição, na qual não se pode deter o ressuscitado (Jo 20,17), assim “estamos diante de Deus como amigo, na gratuidade de uma relação” (MENDONÇA, 2013a, p. 22).

O autor nos faz viajar pelas veredas das Escrituras visitando figuras bíblicas da amizade (MENDONÇA, 2013a, p. 27-40), desde o amigo de fé Abraão, passando por Moisés, recordando Rute e Noemi, Jônatas e Davi, Davi e Berzelai, Eliseu e Sulamita, os amigos de Jó, até chegar a Jesus e Lázaro, concluindo com Paulo e o casal Prisca e Áquila. Tolentino faz, ainda, uma distinção entre a manifestação de Deus no Antigo e no Novo Testamento: no Antigo, “quando o Espírito de Deus aparece, evidencia-se de uma forma espetacular”, acontecendo uma agitação na natureza – terremotos, vulcões, ventania –, introduzindo um novo ciclo, uma nova experiência; por sua vez, no Novo Testamento, tudo está depurado.

A experiência de contato com Deus, através do acolhimento amigável do Espírito Santo, continua a ser uma experiência de fusão, mas expressa de modo mais íntimo e despojado. Quando os discípulos recebem o Espírito estão numa casa anônima da cidade (cf. At 2, 1); não diante de um monte em chamas (cf. Ex 19, 16.18); O Espírito Santo desce sobre eles sem que tenha acontecido um fenômeno natural fora do comum. O Espírito agora é dado no cotidiano, na nossa humanidade; é dado de forma sutil, interior e escondida (MENDONÇA, 2013a, p. 57).

E, em Pentecostes, a imagem é que “todos ficaram cheios do Espírito Santo” (At 2,1-4), portanto, o Espírito de Deus, o Paráclito que nos ensinará toda a verdade, não somente está “perto de nós”, mas está “em nós” (Jo 14,16-17). Enfim, “esta é uma experiência de amizade em Deus que brota como intimidade espiritual” (MENDONÇA, 2013a, p. 58).

No entanto, além da experiência de fusão, a amizade com o Espírito de Deus acontece em nossa vida mediante uma experiência oposta, a da diferenciação (MENDONÇA, 2013a, p. 59). O fato de o Espírito agir em cada um de nós não significa que Ele não possa estar em outra parte, destaca Tolentino: “o Espírito de Deus não nos abandona, mas também não se fixa” (MENDONÇA, 2013a, p. 59). E, partindo da noção do Espírito Santo como o terceiro na ordem da Trindade, o autor atribui- -lhe uma função importante: “o terceiro obriga-nos a uma relação aberta, descentrada” (MENDONÇA, 2013a, p. 60). Afinal, nós “não temos Deus por adquirido”: “Deus é uma pergunta, Deus é um assombro; Deus é um desconhecido” (MENDONÇA, 2013a, p. 61). Tomando emprestado aquilo que João Batista diz de Jesus: “No meio de vós está aquele que não conheceis” (Jo 1,26), arremata o bispo poeta: “O nosso amigo é sempre um desconhecido” (MENDONÇA, 2013a, p. 61).

Por sua vez, Jesus não somente teve amigos, mas a amizade foi um marco na construção de seu caminho. De fato, ele desempenhou sua missão à margem do espaço sagrado tradicional, em outros espaços de encontro com as pessoas, aparecendo como “um profeta da relação e da amizade” (MENDONÇA, 2013a, p. 64). E, no evangelho segundo João11, o discípulo amado de Jesus, a linguagem muda, traz algo novo, a partir de uma distinção: o ágape é o amor da caridade, um amor divinizado, oblativo e assimétrico; por sua vez, a philia é o amor dos amigos, necessariamente simétrico e recíproco (MENDONÇA, 2013a, p. 64). Segundo o relato do discípulo amigo, no lava-pés acontece uma virada importante, em gestos e palavras: “É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. [...] Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Eu vos chamo amigos porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,12-15). Se por um lado, essas palavras constituem uma verdadeira teologia da amizade, por outro, a passagem da servidão à amizade se dá mediante a revelação: “[...] vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai”.

Nesse sentido, no desfecho do quarto evangelho, a tríplice pergunta de Jesus a Pedro, mostra a distinção entre amor ágape e amizade, segundo uma tradução literal. Jesus começa por perguntar ao discípulo que o havia negado: “Simão... tu me amas com um amor total?” (Jo 21,15). E Pedro responde humildemente: “Senhor, tu sabes que sou teu amigo”. Mas, na terceira vez, o próprio Jesus muda a pergunta: “Tu és deveras meu amigo?”. Pedro compreende, finalmente, que Jesus não pede o que ele não poderia dar... Assim, conclui Tolentino: “Ele aceita a nossa amizade que fraqueja, os nossos sins ainda incipientes, os passos que damos vacilantes. Para fazer-nos subir até ele, Jesus desce até nós” (MENDONÇA, 2013a, p. 68).

Na teologia da presente obra, o poeta amigo segue sua pista e vai entrelaçando vários textos e autores a partir do fio condutor da amizade. No entanto, creio que para o tema da revelação, poderíamos concluir com a parte intitulada “a amizade é uma teofania” (MENDONÇA, 2013a, p. 113). Inspirando-se no cisterciense Aelredo de Rievaulx, nosso autor afasta-se de uma visão instrumental da amizade para situá-la no coração de uma verdadeira mistagogia:

A amizade não é simplesmente um instrumento ou uma mediação entre o homem e Deus. A amizade é o próprio lugar do encontro entre o humano e o divino, o lugar onde os amigos podem participar de Deus, podem mergulhar no seu mistério. A amizade vem percepcionada, assim como um ‘lugar teofânico’. A amizade nos coloca dentro de Deus” (MENDONÇA, 2013a, p. 113).

E, surpreendentemente, esse lugar da amizade onde Deus acontece é aberto a todos os nossos amigos, como explicita a citação do cisterciense supracitado: “Basta que um ser humano se torne amigo de outro para tornar-se imediatamente amigo de Deus” (MENDONÇA, 2013a, p. 113). Mas a mistagogia da amizade divina não dispensa uma pedagogia do desejo humano de Deus...

A poética da sede: a dimensão reveladora do desejo

O Papa Francisco registrou o seu agradecimento ao Padre Tolentino, pelo retiro espiritual pregado aos membros da Cúria Romana, em fevereiro de 2018, conforme o prefácio do livro publicado com o título Elogio da Sede:

Redescobrimos que Deus não é apenas uma invisibilidade, mas que, em Jesus, Deus tornou-se próximo de nós: é a nós que cabe agora nos abrirmos a esta proximidade. Experimentamos, além disso, que os braços de Deus permanecem abertos, que a sua paciência espera por nós sempre, para curar-nos com o seu perdão e alimentar-nos com a sua bondade e a sua graça (PAPA FRANCISCO, in MENDONÇA, 2018b, p. 9-10).

Mas o que a sede revela?

A partir do episódio em que Jesus, cansado, senta-se à borda de um poço e pede à samaritana “Dá-me de beber” (Jo 4,6), o exegeta místico desenvolve sua reflexão sobre a sede reveladora de Deus e de nós mesmos. E, à maneira do discípulo amado, nosso autor propõe uma pedagogia de aprofundamento da fé fundada no encontro com Jesus. João propõe à comunidade cristã um itinerário de encontro que transforma a vida, cuja dinâmica do diálogo parte das necessidades básicas e atinge as questões mais fundamentais: a sede e o pedido de água a uma samaritana permitiram a Jesus revelar outras sedes e a fonte de água viva; a falta de vinho em uma festa levou Jesus a realizar um sinal do Reino e da festa que nunca se acaba; a fome e a multiplicação dos pães indicam a fome de Deus e o pão descido dos céus; a cura de um cego de nascença revelou a cegueira dos que não queriam enxergar a Palavra de Deus em Jesus; a morte de Lázaro e sua polêmica são primícias da morte e da ressureição do Cristo Jesus. Assim, essa pedagogia dos sinais, na dinâmica joanina, desemboca em uma verdadeira mistagogia: o mistério pascal revela que a Palavra se fez carne e o crucificado é glorificado.

Tolentino, citando Santo Agostinho, mostra como o próprio cansaço de Jesus, à beira do poço, é revelador: “O Verbo fez-se carne e habitou entre nós (Jo 1,13-14). A força de Cristo criou-te, a fragilidade de Cristo te recriou. A força de Cristo chamou à existência o que não existia, a fragilidade de Cristo impediu que se perdesse aquilo que existia. Com a sua força criou-nos, com a sua fragilidade veio socorrer-nos” (MENDONÇA, 2018b, p. 16). A fragilidade de Deus, revelada em Jesus, manifesta-se até no próprio ato de sentar-se à beira do poço e pedir: “não é só o homem que é mendigo de Deus. Em Jesus, Deus também se apresenta como mendigo do homem. Este é um ícone a desvelar ao nosso coração” (MENDONÇA, 2018b, p. 17). Trata-se, evidentemente, de converter ou purificar as nossas imagens de Deus “que, em Jesus, vem procurar- -nos não espetaculares provas assertivas, mas na quenose tatuada na vulnerabilidade da nossa carne” (MENDONÇA, 2018b, p. 19).

É, portanto, de Deus a iniciativa de vir ao encontro de nossa fraqueza, fazendo-se um de nós: “Com a sua fragilidade ele veio procurar-nos” (MENDONÇA, 2018b, p. 20), pois, “por maior que seja o nosso desejo, maior ainda é o desejo de Deus”. Revela-se assim a face misericordiosa do Deus de Jesus Cristo (Ele, que se volta para nossa miséria), conforme o Papa Francisco recordou em sua carta Misericordia et Misera, trecho citado pelo autor: “Deus é misericordioso (Ex 34,6), a sua misericórdia é eterna (Salmos 136/135), de geração em geração abraça cada pessoa que confia nele e transforma-a, dando-lhe a sua própria vida” (MENDONÇA, 2018b, p. 22). Entre o abraço misericordioso, de um lado, e a oração que sobe para junto de Deus, de outro, “precisamos aprender a desaprender” (MENDONÇA, 2018b, p. 25), pois somente assim estaremos abertos ao encontro com o Senhor.

A última frase, pronunciada por Jesus no Apocalipse, único livro bíblico que traz como título a palavra revelação, é um convite para aprender a “ciência da sede”, a saber: “O que tem sede aproxime-se; e o que deseja beba gratuitamente da água da vida” (Ap 22,17). De fato, precisamos admitir o quanto estamos sedentos e desiderantes. Mas se, como dizia a poeta Emily Dickinson, “a água é ensinada pela sede” (MENDONÇA, 2018b, p. 30), resta-nos perguntar: “Será que fazemos da nossa sede uma escola de verdadeiro conhecimento, nosso e de Deus?”. Evidentemente que não se trata somente da sede de água, assim como não temos fome somente de comida, porque nos alimentamos da relação com os outros: “Temos uma verdadeira necessidade da presença, da hospitalidade, da palavra, do cuidado e do afeto dos outros” (MENDONÇA, 2018b, p. 39). Por um lado, precisamos constatar e admitir a nossa própria sede (MENDONÇA, 2018b, p. 44-45) e, por outro, aprender a escutar a sede como interpretação do desejo que há em nós (MENDONÇA, 2018b, p. 46). Afinal, “o desejo é uma aspiração que nos transcende e que não determina, como a necessidade, um termo e um fim”. [...] “O infinito do desejo é desejo do infinito” (MENDONÇA, 2018b, p. 47). No entanto, como diz Simone Weil, mencionada pelo autor, “não é o nosso desejo que alcança Deus: se permanecermos sedentos e desiderantes, é o próprio Deus que desce à nossa humanidade para encher de plenitude o nosso desejo” (MENDONÇA, 2018b, p. 48).

Não somente nós estamos desejosos e sedentos, mas a própria criação encontra-se em expectativa ansiosa, aguardando a revelação (Rm 8,19): verdadeiramente, pode-se fazer uma experiência da “espiritualidade da sede” (MENDONÇA, 2018b, p. 51), abraçando, de um lado, a nossa própria vulnerabilidade (MENDONÇA, 2018b, p. 52) e, de outro, aprendendo a contemplar o mundo com amor e, assim, descobrir “que ele é um livro de imagens sobre a sede de Deus” (MENDONÇA, 2018b, p. 50).

A sede revela, igualmente, o seu contrário, isto é, a acédia ou tibieza, presente tanto na vida das pessoas, inclusive dos pastores, como em nossas instituições (MENDONÇA, 2018b, p. 57). O risco do “esgotamento emocional” (burnout), segundo uma pesquisa sintomática da Diocese de Pádua, está bem presente nos pastores, sobretudo entre os mais jovens (entre os 25 e os 29 anos) e os que estão com mais de 70 anos de idade (MENDONÇA, 2018b, p. 59), evoca JTM. Ele encontra, nas Escrituras, no entanto, duas figuras paradigmáticas do desejo: primeiro, Jonas é exemplo de um profeta sem desejo, marcado pelo esgotamento e que prefere a morte; segundo, Jacó que, cheio de desejo de vida, luta com Deus a noite inteira (cf. MENDONÇA, 2018b, p. 60-63). De fato, “não se pode ser cristão sem luta” (MENDONÇA, 2018b, p. 65). Aprendemos isso do próprio Jesus, pedagogo do coração que nos ensina, inclusive, a aprender dele: “aprendei de mim” (Mt 11, 29).

A partir de uma das últimas palavras de Jesus, “Tenho sede” (Jo 19, 28-30), nosso autor propõe uma hermenêutica da sede: além dessa passagem, ao longo do seu relato, João emprega cinco vezes o verbo “ter sede”: em Jo 4,13-15, na passagem da samaritana, o verbo aparece três vezes; depois, no discurso do pão da vida, em Jo 6, 37 e, por fim, no pronunciamento de Jesus no templo, em Jo 7, 37. Note-se que, além de a declaração da sede de Jesus ser no presente, o quarto evangelista a coloca dentro de uma dinâmica de revelação que inclui mal-entendidos: “mesmo no calvário constatamos este esquema de revelação – incompreensão – e nova revelação” (MENDONÇA, 2018b, p. 70). Na passagem de João 7, 37-39, fala-se da sede dos crentes, mas, “ao revelar-se publicamente de forma tão manifesta no templo, Jesus mostra-se habitado por uma verdadeira sede espiritual”, como uma verdadeira “antecipação” da sede manifesta na cruz (MENDONÇA, 2018b, p. 72). No entanto, há um verdadeiro alinhamento entre ter sede e acreditar em Jesus, o que nos remete a uma centralidade cristológica. Ao mesmo tempo, a água viva que sai de seu lado aberto é um símbolo do Espírito. Assim, “para os crentes, a sede de água viva é uma sede de aprofundamento da fé, a sede de penetrar no mistério de Jesus, a sede do Espírito” (MENDONÇA, 2018b, p.74). Jesus, portanto, diz à Igreja que tem sede e o Espírito continua a fazer ouvir-nos a voz de Jesus, que nos diz: “Tenho sede!” (MENDONÇA, 2018b, p. 76). E, por isso, essa “sede de Jesus na cruz tem uma dimensão reveladora: ela permite-nos compreender a sede que se aloja no interior do coração humano e nos dispormos a servi-la” (MENDONÇA, 2018b, p. 74). Conclui com uma alusão à exortação de Pedro, carta magna da teologia fundamental: “Estai sempre prontos a dar razões da vossa esperança perante aqueles que dela vos pedir conta” (1 Pd 3,15).

Se com o Elogio da Sede o autor trata da revelação a partir da “falta”, o que dizer das lágrimas abundantes de uma mulher inominada e silenciosa? Na pista da dinâmica narrativa de Lucas, cujo relato é o que mais guarda a memória da presença de mulheres, Tolentino afirma que “as lágrimas contam uma sede” (MENDONÇA, 2018b, p. 79), sede de tanta gente e as nossas muitas sedes, lágrimas presentes nas experiências místicas e também na religiosidade popular (MENDONÇA, 2018b, p. 88-89). O paradigma, porém, do poder revelador das lágrimas é a passagem, narrada por Lucas, da mulher inominada que, sem dizer uma palavra, permite a revelação máxima de Jesus, conforme vimos supra.

Importa, também, falar de uma espiritualidade coletiva, como tão bem sugere a bela obra de Gustavo Gutiérrez, resgatada por Tolentino, “Beber no próprio poço: itinerário espiritual de um povo” (MENDONÇA, 2018b, p. 95). Encontra-se, diz ele, na própria caminhada histórica e na experiência de fé, “o poço onde se dessedenta a nossa sede”: “A vida espiritual concreta, esta vida ferida por contingências e escassez, dolorosamente limitada, é o poço onde a manifestação de Deus se dá” (MENDONÇA, 2018b, p. 96). Radicalizando mais ainda, chega-se à manifestação de Deus na própria fraqueza, como nos recorda o exegeta, referindo-se a Paulo (cf. 2 Cor 4,7; 12,9). Concluindo esse capítulo, o autor faz uma releitura das três tentações de Jesus como emblemáticas de nossas sedes e da sede de Deus (MENDONÇA, 2018b, p. 102).

“A parábola do filho pródigo não é só uma parábola: é um espelho que Jesus nos oferece” (MENDONÇA, 2018b, p. 109). No espelho do texto, revela-se a imagem de nós mesmos e da nossa relação com os outros, a partir do universo familiar. Por um lado, o filho mais novo reflete o desejo de autonomia, mas muito autocentrado; por outro, o filho mais velho padece de um desejo estéril e do risco da inveja. O primeiro entra na “aprendizagem do desejo” (MENDONÇA, 2018b, p. 112); o segundo, para livrar-se da inveja (MENDONÇA, 2018b, p. 115), precisa aprender a liberdade e a gratidão. Ambos entram na escola da misericórdia do pai: “este excesso de amor espelha a misericórdia” (MENDONÇA, 2018b, p. 119). Esse amor e a desmesura dos gestos do pai preenchem, inclusive, a figura de uma mãe – beijos, cuidado com o vestir e o comer –, como bem recorda o famoso quadro de Rembrandt. E, como nos demais capítulos dessa obra, Tolentino não conclui sem fazer uma alusão à Igreja e ao Papa Francisco, no caso, referindo-se ao Ano Santo da Misericórdia: “a primeira verdade da Igreja é o anúncio da misericórdia de Deus. A misericórdia é um evangelho por descobrir” (MENDONÇA, 2018b, p. 125).

Na mesma linha do atual pontificado, está o capítulo seguinte: “Escutar a sede das periferias” (MENDONÇA, 2018b, p. 127) para que “a espiritualidade não se torne uma bolha de conforto ou uma forma de escapismo”. Assim, entre a pergunta feita no início das Escrituras – “Onde está o teu irmão?” (Gn 4,9) – e a parábola do Reino, de Mateus 25, o teólogo bíblico traça, habilmente, o percurso de uma igreja em saída para as periferias, em sintonia com o Papa Francisco12. Primeiro, mostra como “Jesus é um periférico” (MENDONÇA, 2018b, p. 130), um nazareno do qual não se esperava nada (Jo 1,46) e que vai ao encontro daqueles que estavam fora do perímetro estabelecido pela sociedade e pela religião da época: doentes, endemoninhados, pobres, estrangeiros... (MENDONÇA, 2018b, p. 131). Segundo, o autor desafia-nos a corrigir a nossa sociologia de um cristianismo a partir do centro, pois se trata mais de uma realidade periférica: “A Igreja do século XXI será certamente mais periférica e desafiar-nos-á a descobrir que as periferias não são um vazio do religioso, mas são novos endereços de Deus” (MENDONÇA, 2018b, p. 134). Citando o poema de primo Levi e o escritor colombiano Andrés Filipe Solano, bem como São João Crisóstomo e o nosso Dom Helder, Tolentino conclui com um apelo às periferias existenciais: para além dos espaços físicos, as periferias são lugares da alma humana (MENDONÇA, 2018b, p. 139).

Com Mateus, o autor retoma o paralelismo entre Moisés e Jesus, entre o Decálogo e o sermão da montanha, entre a antiga lei e a nova, tematizando as bem-aventuranças. E, numa perspectiva da máxima revelação de Deus em Jesus, Tolentino afirma: “as bem-aventuranças são também, e provavelmente, o mais exato e fascinante autorretrato de Jesus” (MENDONÇA, 2018b, p. 141). De fato, em cada uma das bem- -aventuranças, “o poeta da sede” nos convida a contemplar um traço do rosto de Jesus, pois nelas Ele não apenas proclamou palavras, mas ofereceu chaves para ler sua vida toda: “Essas palavras (das bem-aventuranças) são, antes de tudo, para nós, cristãos, o autorretrato daquele que as pronunciou, a imagem de si que incessantemente ele revela e imprime em nosso coração” (MENDONÇA, 2018b, p. 143). Jesus não nos apresentou uma lista de encargos, mas, manifestou o desejo de seu Pai: “Deus tem sede de que a vida das suas criaturas se torne bem-aventurada” (MENDONÇA, 2018b, p. 144). A aposta é que, “no meio da rocha do que somos, pode nascer uma improvável flor: e no meio do deserto sequioso que trazemos, correr um rio...” (MENDONÇA, 2018b, p. 145), pois “a experiência da fé não é para resolver a sede, mas para ampliá-la, para dilatar o nosso desejo de Deus”. Enfim, talvez, tenhamos de dizer mais vezes: “a minha sede é a minha bem-aventurança” (MENDONÇA, 2018b, p. 146). O autor místico encerra a obra com uma oração da sede, evocando a figura de Maria e o estilo mariano evangelizador da Igreja: “a coisa no mundo mais parecida com os olhos de Deus são os olhos de uma mãe” (MENDONÇA, 2018b, p. 152).

A epifania de Deus na mística do quotidiano

Tolentino não apenas visitou o Brasil várias vezes, mas brindou o público brasileiro com outros belos livros, os quais mencionaremos nesta seção e onde podemos descobrir, em filigrana, o tema da revelação no seio da experiência mística quotidiana.

Em Pai Nosso que estás na terra (MENDONÇA, 2013b), como ressalta E. Bianchi em sua apresentação, Tolentino Mendonça enfrenta o desafio de dirigir-se a crentes e não crentes com as palavras da oração cristã por excelência, enxergando aí uma luz para o ser humano enquanto tal, “antes de suas crenças e das suas pertenças confessionais” (MENDONÇA, 2013b, p. 5). Trata-se de uma reconstrução dos fundamentos do humano (MENDONÇA, 2013b, p. 7): “A gramática do viver, na sua singularidade, solicita uma qualquer forma de incorporação da mãe e do pai” (MENDONÇA, 2013b, p. 23), sobretudo em sociedades em que o fenômeno da “evaporação do pai” está evidenciado (MENDONÇA, 2013b, p. 29). Evidentemente, a concepção de oração do autor é bem vasta, deixando o limite do religioso para inscrever-se no coração humano e traduzir-se, essencialmente, como relação: “Rezamos porque somos uma oração” (MENDONÇA, 2013b, p. 20). E, ao longo do livro, cada parte da oração que o Senhor nos ensinou vai sendo reinterpretada, a partir de uma chave não apenas religiosa, mas antropológica, experiencial e sapiencial.

Nosso autor abre novas janelas de compreensão da familiaridade com Deus quando nos ajuda a redescobrir a sensibilidade divina, movendo os nossos próprios sentidos, com poesia e oração, em praticamente toda a sua obra, mas, se no livro sobre o Pai Nosso ele ressalta a nossa íntima relação com Deus, segundo a fórmula usada por Jesus Abbá significa, como sabemos, paizinho, em Um Deus que dança (MENDONÇA, 2016), revela-se o rosto sensível do divino Pai: nesses “itinerários para a oração” (subtítulo), nos quais Jesus partilha a própria oração, desvela- -se a imagem de um “Deus que não se isenta do devir nem permanece neutro em relação às nossas histórias” (MENDONÇA, 2016, p. 17). Tolentino transforma, assim, a provocação não crente de Nietzsche, em uma oração que se compõe não somente de palavras, mas de encontros, desembocando em uma esplêndida confissão de fé: “acredito num Deus que dança” (MENDONÇA, 2016, p. 17).

Em O tesouro escondido (MENDONÇA, 2012), as pistas dadas são de uma busca interior, como assinala o oportuno subtítulo. Na verdade, o próprio amor de Deus é um tesouro escondido (MENDONÇA, 2012, p. 21), mas, como reza a fé cristã, trata-se de um amor plenamente revelado em Jesus Cristo. Interessante, porém, como o autor resgata uma passagem bíblica da experiência de Samuel para dizer que, em nosso tempo, assim como “naquele tempo a palavra do Senhor era rara e as visões não eram frequentes” (1 Sm, 3,1): “também o nosso quotidiano torna-se rarefeito, fragmentário e ausente em relação à manifestação de Deus” (MENDONÇA, 2012, p. 10). Mas, “no escondimento descobrimos o Espírito que nos foi dado” (MENDONÇA, 2012, p. 26). A experiência de Deus é, entre revelação e escondimento, dom e tarefa, caminho e exercício. Por isso, como bem define uma anotação de Inácio de Loyola, assim como passear, caminhar e correr são exercícios corporais, também precisamos fazer exercícios espirituais, entendendo-se, assim, “qualquer modo de examinar a consciência, de meditar, de contemplar, de orar vocal e mentalmente, e outras operações espirituais...” (LOYOLA, 2000, p. 9).

Entretanto, no ritmo acelerado da vida contemporânea, faz-se necessário Libertar o tempo (MENDONÇA, 2017), como indica o título e a reflexão de outro opúsculo do autor estudado. Em vista de viver, livremente, o tempo presente com arte e responsabilidade, Tolentino oferece elementos “para uma arte espiritual do presente” (cf. subtítulo). Impossível aqui não recordarmos a experiência de distanciamento social, suscitado pela pandemia do Coronavírus que, além de tantos questionamentos, trouxe muitos ensinamentos: o confinamento colocou em questão o nosso uso do tempo, aprisionado por uma agenda frenética, causa de tantos adoecimentos. O mundo praticamente parou, diante de uma calamidade pública de proporções mundiais, fazendo ressurgir, entre tantas questões, a pergunta por uma nova mística, para além das atividades religiosas, sem, necessariamente, descartá-las e nem, simplesmente, reeditá-las. No meio de tantas incertezas, pode-se dizer, com a canção de Milton Nascimento: “Nada será como antes.”

Encerro este guia de leitura com A mística do instante” (MENDONÇA, 2016), no qual o autor reafirma suas grandes intuições e ressitua o caminho de busca espiritual entre o “o tempo e a promessa” (subtítulo). Logo na abertura do livro, afirma, com Michel de Certeau, que “é místico aquele ou aquela que não pode deixar de caminhar” (MENDONÇA, 2016, p. 5). E, como um díptico, na primeira parte, com o título “Para uma espiritualidade do tempo presente”, ele traça uma “espiritualidade do corpo” (MENDONÇA, 2016, p. 11), inclusive definindo-o, poeticamente: “o corpo é a língua materna de Deus” (MENDONÇA, 2016, p. 13). E, ao constatar um excesso de comunicação no corpo social, Tolentino postula a necessidade de uma redescoberta do tato, do paladar, do olfato, da audição e da visão (MENDONÇA, 2016, p. 24-33), semelhante àquilo que Inácio de Loyola denomina “aplicação dos sentidos” (LOYOLA, 2000, p. 37). Na segunda parte do livro, ele propõe aspectos de uma “teologia dos sentidos”, com títulos bem sugestivos que, falam por si mesmos: “tocar o que nos escapa” (MENDONÇA, 2016, p. 55); “buscar o infinito sabor” (MENDONÇA, 2016, p. 83); “colher o perfume do instante” (MENDONÇA, 2016, p. 115); “escutar a melodia do presente” (MENDONÇA, 2016, p. 143) e “olhar a porta entreaberta do instante (MENDONÇA, 2016, p. 169). Assim, a mística do instante, reunindo os fragmentos de experiências corriqueiras, vem ao encontro da situação contemporânea em que vivemos e, ao mesmo tempo, inscreve-se no caminho iniciado com o primeiro passo de Abraão, pai da fé, e que não termina antes do último passo de todo vivente que espera contra toda esperança (Rm 4,18).

À guisa de conclusão aberta

Ao termo deste percurso, podemos classificar as obras do autor editadas neste último decênio, no Brasil, em três grupos. No primeiro grupo, reunimos as duas obras principais, A Leitura Infinita (2015) e A construção de Jesus (2018a) conforme o critério da maior densidade acadêmica dessas obras e nas quais o tema da revelação aparece mais explicitamente. As outras obras, embora guardando o mesmo estilo poético e profundo de Tolentino, foram escritas para o grande público, dentro de uma visão pastoral desejada pelo próprio autor em seu senso de liberdade poética e coração de pastor. Entre essas, os livros Nenhum caminho será longo (2013) e Elogio da sede (2018b) compõem o nosso segundo agrupamento, pois neles encontramos o tema da revelação de forma transversal e, por isso, foram objetos de seções específicas neste artigo. Enfim, o terceiro grupo reúne os demais livros, voltados para o grande público, nos quais o tema deste artigo é menos explícito, mas, nem por isso, ausente.

À guisa de conclusão, queremos fazer reaberturas, o que corresponde melhor ao estilo do próprio autor. De fato, constatamos que, na maioria de suas obras, Tolentino não faz, propriamente, uma conclusão, fechando o tema, mas sugere uma continuidade, abrindo horizontes: em A leitura infinita (2015), conclui o livro com três entrevistas, uma espécie de conversa para “Dizer o Invisível sem o prender”, segundo o título da seção (MENDONÇA, 2015, p. 289-315); em A construção de Jesus (2018a), o desfecho é um convite ao encontro, como justifica: “há histórias que são contadas para que um encontro aconteça” (MENDONÇA, 2018a, p. 181); e, no mesmo estilo relacional, a sua teologia da amizade conclui-se com o tema da despedida, não sem revelar um jeito bem peculiar: “despedimo-nos uns dos outros muitas vezes” (MENDONÇA, 2013a, p. 213-217); em vários outros livros, por fim, o autor conclui com oração, terminando assim o encontro do autor com o leitor, para que este último continue o diálogo com Deus: em Pai nosso que estás na terra, conclui com três adaptações do Pai Nosso (MENDONÇA, 2013b, p. 137-140); em Um Deus que dança, depois de partilhar várias preces, finaliza com uma oração pelas férias (MENDONÇA, 2016, p. 120) e, em Elogio da sede, arremata com uma oração da sede (MENDONÇA, 2018b, p. 153-154).

Pareceu-nos adequado fazer alusão, sinteticamente, às três entrevistas reeditadas em A leitura infinita (2015). Na primeira entrevista, ao afirmar que “a Bíblia ama esconder-se”, o autor apresenta a dimensão lúdica e aberta da leitura: “o processo de revelação ainda não terminou, continua em cada leitor” (MENDONÇA, 2015, p. 291). Sob o título “Jesus é mistério fascinante, ainda em aberto”, a segunda entrevista convida à redescoberta do Nazareno, plenitude da revelação, como companheiro (métocoi) do caminho, sendo o próprio texto um lugar privilegiado de encontro: não somente sentiremos as mãos ardendo ao folhear o livro, mas o coração palpitando e muito apetite, pois a Bíblia é alimento (MENDONÇA, 2015, p. 301). Na terceira, enfim, propondo “explorar o grande código” (MENDONÇA, 2015, p. 309), o autor reforça a dimensão literária da Bíblia para honrar sua verdade, libertá-la das camadas de polêmicas doutrinais religiosas e ampliar a gama de leitores. Importa, pois, considerar os escritos bíblicos como um tesouro a explorar em suas múltiplas leituras e traduções: “A Bíblia desdobra-se em plurais, numa porosidade revelatória, inesgotável” (MENDONÇA, 2015, p. 313).

Há, evidentemente, muitos temas que se entrelaçam em suas diversas obras: oração, poesia, hospitalidade, amor... Tomemos, porém, a título de exemplo, este último.

O tema do amor constitui o capítulo central de A leitura infinita (2015), intitulado Ars amatoria, uma interpretação do Cântico dos Cânticos, e não é menos importante em A construção de Jesus (2018a), a partir de Lucas 7, 36-50: a mulher inominada vai ser perdoada, por Jesus, porque ela mostrou muito amor, em seu silêncio, em seu perfume, em suas lágrimas, em seus gestos. Em sua teologia da amizade, descontruindo o imperativo do amor, Tolentino subverte a visão de fé e revelação, manifestando o rosto de um Deus amigo. Isso é fundamental porque, por um lado, “torna-nos responsáveis e adultos na construção da amizade que é a fé” (MENDONÇA, 2013a, p. 60-61) e, por outro, isso torna a fé “não uma procura previsível de consolação, mas a procura inacabada de um amigo, Deus” (MENDONÇA, 2013a, p. 61). Essa dinâmica de desconstrução sutil – da palavra amor para descobrir a amizade e, assim, resgatar o valor do próprio amor – também aparece em sua abordagem da revelação pelo viés do desejo, da falta e da busca: em o Elogio da Sede (2018b), o autor mostra como esse tema desvela a humanidade de Jesus e a nossa, não sem se constituir um lugar de encontro e manifestação de Deus. E, como bem pontuou, no prefácio à obra, o Papa Francisco, Tolentino tratou de um dos desafios mais urgentes para a Igreja de hoje: “recolocar a sede de Jesus no centro do coração pulsante do Cristianismo”, relacionando a sede da humanidade à sede de Jesus na cruz (MENDONÇA, 2018b, p. 9).

Por fim, nos itinerários de busca interior, o próprio amor de Deus aparece como um tesouro escondido, mas igualmente revelado no quotidiano da vida. O Deus bíblico nos envolve com laços familiares, afirma- -se como Pai misericordioso e sensível à vivência humana: é um Deus que dança, entre revelação e escondimento, como se estivesse a brincar de se esconder, entre o paraíso perdido e a terra prometida, entre as nossas experiências de amizade e de amor. Portanto, no coração agitado da vida contemporânea, Ele liberta o tempo e nos ensina a arte espiritual do presente, como mística do instante.

Referências

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Notas

[1]Como difundido em redes sociais, a confissão vem do próprio Dom José Tolentino: “Foi interessante, quando ele se abeirou de mim, eu disse-lhe baixinho: ‘Santo Padre, o que é que me fez?’ E ele riu-se e disse: olha, a ti eu digo aquilo que um poeta disse, ‘tu és a poesia’ (CONSISTÓRIO, 2019).

[2]O prof. José Tolentino Mendonça foi convidado para a Semana Bíblica da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), em parceria com a Universidade Católica Portuguesa, dentro do projeto Bíblia, Comunicação e Arte, de 15 a 19 de setembro de 2008, patrocinado pela Federação Internacional de Universidades Católica.

[3]Recife (Unicap), São Paulo (Livraria Paulinas, Pateo do Collegio e FEI), Rio de Janeiro (PUC), Fortaleza (FCF), Brasília (Centro Cultural de Brasília) e Belo Horizonte (PUC Minas, FAJE, Centro Loyola).

[4]A tese de Alex Villas Boas (Ibid., Teologia em diálogo com a Literatura. Origem e tarefa poética da teologia, 2016) representa, de alguma forma, um marco na nova perspectiva da relação entre teologia e literatura, sobretudo enquanto “questão do sentido da vida como preâmbulo da questão de Deus” (VILLAS BOAS, 2016, p. 13). Nesse passo, vale registrar os diversos grupos de pesquisa registrados no CNPq (cf. Ibid. p. 11), notadamente registrado na produção da Teoliterária (Revista de Literaturas e Teologias), publicação inicialmente semestral e, desde de 2019, quadrimestral ligada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) e do Programa de Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC PR), em parceria com a Associação Latino Americana de Literatura e Teologia (ALALITE), o Centro de Estudos de Literatura, Teorias do Fenômeno Religioso e Artes (CELTA) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e o Centro de Investigação em Teologia e Estudos da Religião (CITER) da Universidade Católica Portuguesa (UCP). Ver ainda VILLAS BOAS e MANZATO, 2014.

[5]Ver, para maiores detalhes, a apresentação à edição brasileira de Pedro Rubens Ferreira Oliveira, reitor da Universidade Católica de Pernambuco, instituição coeditora: MENDONÇA, 2015, p. 7-15.

[6]Sobre violência sistêmica e suas vítimas contemporâneas (bode expiatório), ver a obra do teólogo mexicano Carlos Mendoza-Álvarez, O Deus escondido da pós-modernidade (2011).

[7]Importa registrar aqui a tese do jovem teólogo brasileiro, Francys Adão, defendida nas Facultés Jésuites de Paris, em 2019, com o título: “La vie comme nourriture. Pour un discernement eucharistique de l’humain fragmenté”. O texto está em vias de publicação e traz uma referência decisiva à obra de nosso autor.

[8]Christoph Theobald (2007), em sua importante obra, Le christianisme comme style, postula e desenvolve a tese da hospitalidade marca diferencial do “estilo” cristão ou sua maneira de habitar o mundo.

[9]Ver, para uma apresentação mais completa, o Prefácio à edição brasileira de Pedro Rubens Ferreira Oliveira, reitor da Universidade Católica de Pernambuco, instituição coeditora: MENDONÇA, 2015, p. 7-12.

[10]Impossível não associar essa forma de interpretação experiencial à “aplicação dos sentidos” forma de rezar tipicamente inaciana: ver n. 122-125 dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola (LOYOLA, 2000).

[11]Para uma exegese aprofundada do quarto evangelho, ver a importante obra do brasileiro Cláudio Malzoni (2018), O Evangelho segundo João. Além disso, na busca de uma exegese mais narrativa e relacionada com a vida cotidiana, gostaria de fazer alusão à obra conjunta sobre o quarto evangelho: Malzoni; Pacheco e Oliveira (2019), “As portas de uma igreja aberta segundo João Evangelista [E outras histórias que a Bíblia não contou].

[12]Ver artigo que aproxima a concepção eclesial de Francisco com a teologia de um dos maiores teólogos contemporâneos: O cristianismo como estilo e Igreja em saída: convergências entre a teologia de Christoph Theobald e a perspectiva eclesial do Papa Francisco (GENOLINI; OLIVEIRA, 2019).