Vicente Artuso*
*Doutor em Teologia Bíblica, Mestrado em Exegese, licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia, Professor do Programa de Pós-graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC PR). Contato: vicenteartuso@gmail.com
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Resumo:
Mediante a análise narrativa, o estudo aborda o texto como um enredo. O texto é analisado na sua forma final. São utilizados os passos da análise narrativa: delimitação do enredo, características do enredo e estilo de linguagem, organização do enredo, análise do espaço e tempo, análise dos personagens, a relação entre narrador e leitor, conclusão. O objetivo é verificar os elementos que enfatizam a unidade do texto e ajudam a compreensão do texto como ensinamento na práxis de Jesus. Pois esta é a proposta: uma estrutura unitária, com apresentação da temática, dramatização, clímax, desfecho final, conclusão. A reação dos que presenciam as ações de cura, presentes em número crescente indica a relação literária-temática entre as cenas e o desenvolvimento do enredo. Nas ações de Jesus em enredos episódicos se percebe o foco narrativo: ensino-ação em três momentos, com dois episódios relacionados, e com a terceira ação quando Jesus ao entardecer cura e liberta. O enredo é concluído em Mc 1,39 que retoma a temática do ensinamento com autoridade na apresentação em forma de sumário em Mc 1,21-22.
Palavras chave: enredo, narrativa, ensinamento, ação, reação.
Abstract
Through the narrative analysis, the study approaches the text as a plot. The text is analyzed in its final form. The steps of narrative analysis are used: plot delimitation, plot characteristics and language style, plot organization, space and time analysis, character analysis, the relationship between narrator and reader, Conclusion. The purpose is to verify the elements that emphasizes the unity of the text and help the comprehension the text as a teaching in the praxis of Jesus. For this is the propose: a unitary structure, with a presentation of the theme, dramatization, climax, final outcome, conclusion. The reaction of those who were witnesses of the healing actions present in increasing numbers indicates the literary-thematic relationship between the scenes and the development of the plot. In the actions of Jesus in episodic plots, the narrative focus teaching-action is perceived in three moments, with two related episodes, and with the third action when Jesus at dusk heals and releases. The plot concludes at Mk 1,39 which takes up the theme of authoritative teaching in the summary presentation at Mc 1.21-22.
Keywords: plot, narrative, teaching, action, reaction.
De longa data, vem sendo valorizados os métodos ligados às ciências da linguagem para a análise das narrativas bíblicas 1 . Destacam-se a análise narrativa, análise retórica, linguística- -sintática, a pragmática, entre outras. Elas têm trazido um contributo ao método histórico-crítico. De acordo com Nogueira (2019, p.298) “os métodos histórico críticos foram melhorados por essas abordagens linguísticas e discursivas 2 .Tanto o método histórico-crítico como os métodos das ciências da linguagem, dispõem da mesma fonte: o texto do Evangelho como nos foi transmitido. Segundo Schmitt (2019, p.332) “a perspectiva histórica da abordagem do texto conduz a resultados diferentes na compreensão e interpretação do texto”. O mesmo se pode dizer com a aplicação da análise narrativa; ela traz um sentido diferente, além do sentido literal almejado pelo autor, oferece um sentido mais abrangente com atenção ao texto na sua forma final e também aos leitores e leitoras. Na abordagem narrativa, na narração escrita acontece a relação narrador leitor como veremos (cf. VITÓRIO, 2016, p.24).
Portanto a abordagem narrativa aborda o texto final e mostra que a sequência da narração tem um objetivo de formar seus leitores. Desta forma as rupturas ou incongruências de um texto, no caso da linguagem de Marcos, “são como pequenas rachaduras num quadro de arte que não diminuem sua beleza e valor” (Frank Crüsemann). Nesse sentido o propósito desse estudo é compreender as partes no todo, mais que explicar os problemas do texto.
São numerosos os comentários e artigos científicos sobre o Evangelho de Marcos que analisam o texto com métodos e perspectivas diferentes. Nenhuma pesquisa em qualquer área de conhecimento pode ser feita de maneira absolutamente neutra (SCHMITT, p.335), pois é influenciada pela pré-compreensão de quem interpreta, com sua abordagem. O texto tem uma reserva de sentido para o leitor que o interpreta influenciado pelo contexto, lugar social, cultura e religião. Nossa abordagem de Mc 1,21-39 é narrativa e analisa o texto como um enredo, com apresentação de uma temática dominante, complicação ou dramatização, clímax, desfecho final e conclusão. O objetivo é destacar os elementos de unidade no enredo, como ato comunicativo 3 para que os leitores adentrem no texto e percebam a força da sua comunicação e mensagem. Justifica-se essa unidade pelas ações que se sucedem nos dois relatos episódicos da libertação do possesso de espírito impuro e a cura da sogra de Simão. Quanto a estrutura da narrativa foi proposta uma estrutura na forma de quiasmo (concêntrica); porém são tentativas criticadas por suas fragilidades. A análise narrativa, com atenção ao enredo, seu desenvolvimento e o aspecto dramático, associado a forma da reação dos personagens contribui para a compreensão do conteúdo dos relatos de Marcos, enquanto ensinamento na práxis de Jesus.
Temos como premissa que o relato do Evangelista Marcos é o anúncio de uma mensagem divina que acontece na prática de Jesus. Fato bastante curioso, comentam Làconi (2002, p.152) e Standaert (2012, p.120): Marcos menciona o ensinamento (Mc 1,27; 4,2;11,18; 12,38; 4v) e o verbo ensinar (Mc 1,21-22; 2,13; 6,2.6.34; 10,1; 17v. ao todo) sem oferecer os conteúdos, pois seu ensinamento vem da sua prática. Trocmé, (2000, p.7) comenta:
O termo “evangelho” aparece em oito passagens (Mc 1,1.14.15; 8,35; 10,29; 13,10; 14,9; 16,15). O vocabulário para a pregação está presente em toda parte: ensinar, ensinamento, proclamar, dizer a palavra, exprimir, dizer, declarar. É de fato um fio condutor que perpassa o evangelho e refere-se não somente a atividade de Jesus, mas também dos seus discípulos (Mc 3,14; 5,20; 6,12.30; 8,34-35; 13,9-11; 14,9).
. Tendo claro este fio condutor, julgamos que ensinamento-ação seja temática central em Mc 1,21-39, texto escolhido para este estudo. E justamente porque é relato inaugural na primeira jornada 4 em Cafarnaum.
Pretende-se, mediante a análise narrativa uma compreensão mais aprofundada do Evangelho como ensinamento-ação. O Evangelho de Marcos comentado como relato de uma prática foi objeto de estudo 5 . A contribuição desse artigo está na forma narrativa do texto, com indícios de um enredo organizado, em vista de compreender também seu alcance teológico na sua relação com todo Evangelho.
Conforme Weiss (1978, p. 43-44) foi Marcos quem criou o esquema chamado: “Um dia de atividade de Jesus em Cafarnaum”. As atividades de Jesus iniciam em Mc 1.21 “E entraram em Cafarnaum” e com a indicação de espaço mais específico “na sinagoga” e de tempo “no sábado”. A jornada termina em Mc1.34 6 , mas o trabalho continua em Mc 1,35 com a informação “Levantou de madrugada”.. Nessa análise consideramos também Mc 1,35-39 como parte do enredo, um “post-factum”. O enredo inclui a reação dos leitores além do tempo de um dia.O título deste artigo poderia ser ação missionária de Jesus em Cafarnaum e além. De fato essa continuação da narrativa com a reação faz parte do plano do autor- -narrador, que coerente com a repercussão do ensinamento de Jesus, inseriu um detalhe biográfico da vida de Jesus de que orava em lugares desertos. Esse “break” é colocado para fazer a transição para os efeitos do ensinamento para o povo de outros lugares, fora de Cafarnaum. A reação de Jesus às interpelações de Simão em Mc 1,38 -- “Vamos a outros lugares... foi para isso que eu saí” – seria então resultado e efeito da fama de Jesus que ja havia se expandido “em toda redondeza da Galiléia” (Mc 1,28) após a libertação do possesso com espírito impuro. Assim assumimos a posição de Trocmé (2000, p.55) e Standaert (2012, p.136). A narrativa da jornada em Cafarnaum fica ajustada com a conclusão do relato em 1,39, pois nesse sumário são retomados os temas do ensinamento e expulsão dos demônios presentes na apresentação em Mc 1,21-22. 7.
O esquema, ou moldura de um dia é um recurso de Marcos, embora também se encontre em Lucas (Lc 4,31-44)e ausente em Mateus. Marcos buscou na tradição mas a reinventou de forma criativa. Assim os sumários da missão são parte importante deste conjunto (Mc 1,21- 22.32-34.39). O que caracteriza a conexão e sequência dos episódios, é a rapidez das ações marcadas com a pressença do advérbio “εὐθὺς” (euthus), e logo, imediatamente (Mc 1,21.23.28.29.30,). Tentou-se explicar esta sequência acelerada dos fatos pela presença de Simão posto em destaque (Mc 1,16-18. 29-30. 36-67). Segundo Lagrange e Weiss (TROCMÉ, 2000, p.48) o evangelista teria narrado suas lembranças de Cafarnaum desta forma resumida conforme o testemunho de Papias 8 . Marcos, discípulo de Pedro então retomou certos episódios e encadeamento de fatos tais como Simão narrava, de forma resumida e sem muita ordem. Mas essa hipótese tem evidentes fragilidades pois estudos literários sustentam com fundamentos certa organização no texto. (TROCMÉ, 2000, p.48).
O Evangelista compositor da jornada em Cafarnaum ao narrar esses fatos, acentuou a urgência da missão, uma característica do seu método missionário. Assim a sucessão dos fatos: na sinagoga de Cafarnaum cura o homem possuído por espírito impuro (Mc 1,23-28), logo a cura da sogra de Simão (Mc 1,29-31) e demais curas e exorcismos (Mc 1,33-34), caracterizam a realização da missão com o essencial – ensinamento, cura e libertação do poder do mal.
Vamos reconstruir o enredo, como é apresentado, organizado e como chega ao desfecho final. Percebe-se de início, a temática do ensinamento. Em Mc 1,21-22, o narrador destaca que Jesus entrou na sinagoga no sábado, ensinava e todos ficavam extasiados com seu ensinamento. Ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas.
O narrador antecipa o resultado do ensinamento-ação (prolepse) 9 Ele antecipa a reação positiva das pessoas diante da ação-ensinamento, o milagre Mc 1,27. O verbo ensinar recorre duas vezes nesses versículos, no imperfeito ἐδίδασκεν (edidasken) “ensinava” indicando ação contínua, habitual no passado, e o particípio presente para falar da ação atual “estava ensinando”. Esse sumário é a exposição do enredo, ou situação inicial 10. Há indicação de lugar “na sinagoga”, de tempo “no sábado” 11 e da temática do “ensinamento” 12 Aparece o substantivo ensinamento uma vez. Em Mc 1,27 o ensinamento aparece com o atributo: διδαχὴ καινη (didaché kaine) “ensinamento novo” e “com autoridade”.
O exorcismo de Cafarnaum, por ser um ato de poder, tem um caráter paradigmático para desenvolvimento da prática de Jesus (RABUSKE, 2001, p.252) como ensino-ação. Nesse caso, há um processo de revelação no confronto com os personagens com um aumento de conhecimento (ZAPELLA, 2014, p.27) 13. Isso ocorre graças a narrativa da libertação do homem com espírito impuro; criando assim dramaticidade e vivacidade ao enredo. Jesus “ensinava”, porém, a narrativa não apresenta o discurso de ensinamento como se esperaria. Um espaço é aberto para o leitor implícito refletir.
A narração da libertação, de modo repentino parece apresentar uma ruptura. Cabe ao leitor implícito refletir e tirar suas conclusões sobre o conteúdo e qualidade do ensinamento: “que ensinamento é este?”. O narrador, no entanto, é onisciente sabe que Jesus apresenta o Evangelho como ensinamento novo com sua prática.
Na sequência, é inserido mais um episódio menos dramático que o anterior: a narrativa da cura da sogra de Simão. Esse fato também reforça a autoridade do ensinamento, pois o resultado da ação, corresponde a reação: a sogra de Simão pôs-se a servi-los. Narrativa breve, que resulta uma reação positiva de serviço. O leitor comum pode entender, mesmo sem o termo “ensinamento” que a mulher curada servindo faz uma ação boa. Isso indica o engajamento contínuo no grupo de Jesus e de fato uma “ação palavra” que prende a atenção do leitor. Aliás o termo ensinamento nesse episódio não aparece explícito. No entanto outra ação de cura, dessa vez na casa com presença dos personagens mais próximos de Jesus evidencia melhor o ensinamento na prática. O público é restrito às testemunhas, os quatro discípulos presentes e bem conhecidos em outros momentos especiais do Evangelho de Marcos. Novamente o relato é breve. Jesus não diz uma palavra nesse relato de milagre. Teria continuado o ensinamento como de costume na casa de Simão e André? O narrador conhece o público, o que eles buscam, e melhor o que eles necessitam: uma nova compreensão do que é o ensinamento do mestre. Esses leitores são aqueles que podem entender um novo ensinamento, visualizado na prática da vida, nos sinais. Eles aprendem com o testemunho de uma “lectio viva” pois o sinal confirma a palavra e lhe confere autoridade
O clímax do enredo ocorre em 1,32-34: ao entardecer todos os que tinham doença e endemoninhados eram trazidos (v.32) Toda a cidade se reuniu junto a porta (v.33). Então ocorreu o desfecho: ἐθεράπευσεν πολλοὺς (eterapeusen pollous) “curou muitos” (v.34). É um desfecho com uma ação libertadora. Começou com a libertação do endemoninhado na sinagoga, depois a cura da sogra de Simão na casa, e no fim a cura de muitos na porta. Há um paralelismo num crescendo do número grande de pessoas, contrastando com a estreiteza do espaço, na porta. O clímax do enredo de fato está na informação “curou muitos” 14.
O leitor poderia ficar satisfeito com essa informação. Porém a narração continua com um acréscimo que chamamos post-factum 15.O narrador onisciente sabe das reações e intenções do personagem principal, de expandir seu evangelho, muito além de Cafarnaum. Tamanha autoridade do ensinamento que no final da narração ao entardecer ele havia se afastado para orar (Mc 1,35). Porém foi informado que todos o procuravam. A narrativa mostra o impacto do ensinamento em Cafarnaum. O ensinamento é anúncio poderoso 16 e o mestre não pode restringir sua missão nesse lugar. Ele e os discípulos mais próximos devem ir para outros lugares. Essa é a vontade de Jesus que envolve também mais pessoas além dos discípulos mais próximos.Na prática da missão eles aprendem coisas novas. Aqui a novidade é a boa-nova, que não tem fronteiras. O enredo termina com um sumário (Mc 1,39) retomando a missão de ensinar (anunciando nas sinagogas deles) com autoridade mediante a ação (expulsando os demônios).
O enredo pode ser caracterizado, como unificado, um misto de conflito e solução (expulsão do espírito impuro, cura da sogra de Simão) ignorância e conhecimento (os leitores ficaram admirados com novo ensinamento com autoridade e procuram Jesus). Há uma unidade em torno do ensinamento com ações mais que palavras. A reação em cadeia com o aumento do número dos que procuram Jesus confirma o impacto do novo ensinamento com autoridade.
1-Apresentação: 1,21-22 –Ensino com autoridade –Sumário do ensinamento
2-Complicação-1: 1,23-28 – Ensino-açãona sinagoga: liberta opossesso de espírito impuro.
3-Complicação-2: 1,29-31 – Ação na casa: cura da sogra de Simão
4- Climax: 1,32-33- Ação ao entardecer: o ensino e exorcismo na sinagoga repercute e todos os que tinham doença e os endemoninhados eram trazidos (v.32). Toda a cidade se reuniu junto à porta (v.33)
5-Desfecho: 1,34 Cura de muitos
6- Post Factum: 1,35 Espaço para orar de madrugada (ausência de ação)
1,37- Repercussão do fato aos de longe: “Todos procuram”
1,38- Ruptura: Ação de Jesus e discípulos fora de Cafarnaum, “vamos a outros lugares”
1,39- Conclusão: 1,39 Sumário do ensinamento.
O enredo a nível de espaço é bem situado, na cidade de Cafarnaum, na sinagoga (Mc 1,21) depois na casa de Simão (Mc 1,29) e finalmente junto a porta (Mc 1,33). A espacialidade é decrescente, começa na cidade de Cafarnaum 18 e termina na porta da casa, começa no espaço público da sinagoga e termina no espaço doméstico. É de se notar que a fama de Jesus, esta reação positiva em cada episódio; tanto na libertação do possesso de espírito impuro, e na cura da sogra de Simão, se estende além desses espaços, em todo lugar em toda a região da Galileia (1,28).
De acordo com Lagrange (apud STANDAERT, 2012, p.131), no episódio da cura da sogra de Simão a expansão do fato ocorre graças à inatividade do sábado que favorece o andar pelas estradas. Assim o fato das curas de Jesus deve ter se espalhado e por isso todos se apressam em chegar a Jesus ao entardecer, isto é, no início do dia seguinte do sábado, conforme a forma judaica de computar o tempo (GNILKA 1987, p.100). Aqui Focant (2015, p.111) observa que o entusiasmo das pessoas de Cafarnaum diante do fato se exprime nos limites do respeito ao sábado. O que não acontece com a atividade de Jesus que cura e liberta no sábado. A fama, o que é ouvido não pode ser limitado a um espaço físico ou temporal, nem a boa ação pode ser limitada pela lei. A boa notícia concretizada na ação como Jesus realizou não tem fronteiras, se espalha, e pode acontecer em qualquer tempo e lugar. A força da palavra na práxis de Jesus realça a autoridade do ensinamento. A boa notícia, se expande a partir dos ouvintes que testemunham os fatos. Observamos o contraste em Mc 1,33: toda a cidade estava reunida junto à porta onde trouxeram também todos os doentes e endemoninhados (Mc 1,32). Se trata dos habitantes de Cafarnaum de acordo com Mc 1,21. “Toda a cidade” não parece ser apenas uma redundância de Marcos, mas faz parte de seu estilo e reforça a repercussão dos milagres de Jesus.
Fato semelhante é narrado em Mc 2,2: havia tanta gente reunida junto à porta e Jesus pregava a palavra. Devido a multidão tiveram de introduzir o paralítico na casa por uma abertura no telhado. Pois bem, o enredo parece chegar nesse ponto ao ápice da dramatização, no seu clímax. Em Mc 1,34, como já mencionamos se dá o desfecho do enredo: “curou muitos” (v.34). Do ponto de vista temporal, há um acúmulo de ações em um só dia. O tempo do relato é bem menor que o tempo da história. O espaço de tempo entre a cura do possesso e a cura da sogra de Simão é breve. Porém há um espaço longo depois da cura da sogra de Simão até o anoitecer. No fim da tarde há um acúmulo de doentes a serem curados, o que cria dramaticidade e expectativa.
A prática de Jesus no início é situada no dia de sábado. Conforme Standaert (p.120), Sábado e sinagoga se complementam: são o tempo e o espaço sagrado que se reforçam reciprocamente. Quanto ao tempo cronológico, não se fala do período do dia em que Jesus veio à sinagoga. Aparecem três ações: ação 1: cura do possesso na sinagoga; ação 2: cura da sogra de Simão; ação 3: cura de muitos junto à porta. No ápice do enredo no tempo mais curto (ao entardecer), e espaço mais curto (junto à porta e não dentro da casa) o resultado da ação de Jesus é maior pois ele curou muitos (Mc 1,34). O tempo narrado é curto, os relatos são breves pois destacam a ação. Na apresentação (Mc 1,21- 22) a narrativa é mais veloz, pois o tempo da história é mais longo, os verbos no imperfeito indicam uma ação contínua habitual: “ensinava na sinagoga”. Quanto ao tempo da história, os dois episódios, são ações rápidas, todas se sucedem imediatamente uma após outra. A presença do advérbio “εὐθὺς” (euthus) típico em Marcos caracteriza o ritmo acelerado do enredo. Assim é o movimento de Jesus: “imediatamente no sábado entrou na sinagoga” (v.21), “e imediatamente saindo da sinagoga veio para a casa de Simão e André” (v.29). Também os discípulos se apressaram a falar a Jesus sobre a sogra de Simão: “imediatamente falaram a ele a respeito dela” (Mc 1,30), talvez sobre a sua doença. Porém o relato nada menciona se de fato eles espalharam a notícia da cura da sogra de Simão. A repercussão da libertação do possesso sim é imediata: “e a fama dele imediatamente saiu por toda parte” (Mc 1,28).
Entre a conclusão da cura da sogra de Simão (Mc 1,31) e as outras curas na terceira ação (v.32) há um espaço cronológico maior, tempo necessário para a expansão da fama de Jesus. Então a cura de tanta gente (v.34) acontece ao entardecer no início do dia seguinte. Esse espaço de tempo longo parece suficiente para a repercussão do fato e a vinda do povo até Jesus até a porta da casa de Simão. Nesse caso a cura da sogra foi rápida, mas a permanência deles na casa foi mais longa, justamente para gastar o tempo do sábado. A narração rápida e o movimento devem-se não tanto a pressa de terminar as ações no dia, mas à necessidade das pessoas de serem socorridas, os enfermos e possessos (cf. RHOADS, DEWEY, MICHIE, 2002, p.69).
Aqui o leitor pode perceber que Jesus é movido pela compaixão. O tempo cronológico de um dia de trabalho é delimitado em 1,35 com o advérbio de tempo, de manhã, portanto no outro dia. A urgência das ações em Marcos, deve-se a realização do reino na sua práxis, portanto no momento certo de intervir: “καιρὸς” (kairós) 19.Este não é o tempo cronológico, mas significa “tempo oportuno” conforme a introdução programática da missão de Jesus anunciada em Mc 1,14: “completou-se o tempo (καιρὸς) e está próximo o reino de Deus” (Mc 1,14). Do ponto de vista narrativo o tempo do relato é breve o autor se preocupa com os fatos, sem inserir discursos.
Jesus é o sujeito das principais ações, em todo enredo: ensina (Mc 1,21-22), repreende severamente (Mc 1,25), entra na casa de Simão e André (Mc 1,29), levanta a sogra de Simão, segurando-a (Mc 1,30), sai para lugar deserto, reza (Mc 1,35), fala aos discípulos (Mc 1,38), anuncia, expulsa demônios (Mc 1,39). Quase sempre aparece como sujeito oculto na narrativa de Marcos. Quando entram em Cafarnaum (Mc 1,21) o leitor só vai identificar os sujeitos do verbo “entrar” a partir de Mc 1,16-20. Nesse texto de vocação o sujeito que chama é explícito: “E disse-lhes Jesus, vinde após mim” (v.17) e imediatamente, Simão e André “deixando as redes o seguiram”. O narrador menciona em relação a Tiago e João: “e imediatamente chamou-os” (Mc 1,20). Eles também “partiram atrás dele”. Portanto quem entrou em Cafarnaum foi Jesus acompanhado de Simão, André, Tiago e João. São eles no fim convidados a ir a outros lugares (1,38).
No primeiro episódio, os personagens são Jesus, os discípulos, aqueles que estavam presentes na sinagoga (Mc 1,27), o homem possesso de um espírito impuro. Os quatro discípulos não são mencionados em Mc 1,21-28. Tudo indica, no entanto, que eles entraram em Cafarnaum com Jesus (v.21) pois há uma sequência narrativa com a perícope anterior onde é narrado que “partiram em seu seguimento” (Mc 1,20). Portanto “entraram” também na sinagoga e presenciaram a expulsão do espírito impuro. O narrador faz referência explicita nomeando os quatro juntos somente na entrada na casa de Simão em Mc 1,29. A segunda cena se sucede em curto espaço de tempo. Imediatamente ao sair da sinagoga foram à casa de Simão e André com Tiago e João. A sogra de Simão não tem nome, estava com febre. É digno de nota sua reação depois da cura: Pôs-se a servi-los 20. Não é dito que o possesso curado se colocou a serviço, o espírito impuro nada tem a ver com Jesus e lhe é negado pronunciar o título divino de Jesus. Os discípulos foram mencionados em dupla, conforme foram chamados por Jesus (Mc 1,16-20). Há uma relação muito próxima na segunda cena. Eles falam a Jesus sobre a sogra. No post-factum (Mc 1,35-39), eles se relacionam com Jesus, parecem preocupados com o desafio da missão. O narrador menciona o nome de Simão por primeiro e depois os companheiros. Eles dizem a Jesus “todos te procuram” (v.37) E Jesus responde “vamos a outros lugares” (v.38) A intenção de Jesus é comprometê-los com a missão, e que não se apeguem a uma comunidade.
Destaca-se também a atuação do povo de Cafarnaum. Em Mc 1,32- 34 relata-se que trouxeram a Jesus “todos” os enfermos de Cafarnaum, mas ele só curou “muitos”. Conforme Lentzen-Deis (2003, p.80), “a grande acolhida do povo de Cafarnaum a Jesus que cura abrangia também motivos egoístas” Isso aparece nas palavras de Simão e seus companheiros que dizem a Jesus “Todos te procuram” (Mc 1,37). Porém o relato mostra que Jesus é peregrino e deve ir a outros lugares para anunciar a palavra. Ele convida os discípulos a acompanhá-lo: “vamos a outros lugares” (Mc 1,38). Ele se mostra mais próximo dos discípulos pois deu atenção ao que eles falaram. Em muitas ocasiões, Jesus os orientou em particular, em casa (Mc 7,17; 8,17-18; 9,33; 10,32).
Em relação aos “muitos” que foram curados dentre todos que foram trazidos, nada se relata da reação deles depois da cura em Mc 1,32. O ensino com autoridade se impõe aos discípulos, como um modelo. Os escribas 21 são citados na apresentação inicial (v.22) para destacar a novidade do ensinamento, diferenciado. O narrador nada informa sobre eles. O público que presencia o milagre parece saber, pois exclamam que o ensinamento de Jesus é novo, contraposto ao dos Escribas.
A relação de Jesus com o possesso é tensa, dramática. Ele, o possesso, fala no plural: “Que queres de nós Jesus Nazareno? viestes para nos arruinar? E por fim afirma no singular “Sei que és o Santo de Deus” (Mc 1,24) Observa Gnilka (1986 p.93), na pergunta, “o que queres de nós”, significa “o que temos a ver contigo”. Portanto o espírito impuro não quer ter nada em comum com Jesus. Sendo assim Jesus com autoridade diz: “Cala-te e sai dele” (Mc 1,25). O espírito saiu sacudindo violentamente. Segundo Zappella (2014, p.83), “o episódio assume valor programático em vista da identidade de Jesus que é revelada por um possesso. A nível simbólico os endemoninhados representam um projeto oposto a Jesus, não tem nada a ver com o reino, por isso devem ficar calados. Jesus manda que o possesso se cale pois o endemoninhado não pode se apossar nem afirmar a identidade de Jesus”, como o Santo, Filho de Deus. Em Mc 1,34, narra-se que Jesus não permitia que os demônios falassem. São personagens representando no enredo, aqueles que não tem parte com Jesus. Por isso, “Cada vez que se tenta dar uma definição em relação a Jesus ele impõe silêncio (cf.Mc 1,25.34.44; 3,12; 5,43; 7,36; 8,26.30)”.
A cena mostra conflito e uso de poder do personagem principal Jesus com o endemoninhado. Este homem possuído gritava (v.23) e é narrado que também o espírito impuro no momento da libertação, sacudiu violentamente o homem, soltando grande grito o deixou (v.26). Uma cena dramática, mas reveladora do poder libertador de Jesus. Por isso esta cena podia terminar com a reação de espanto dos presentes. É o típico episódio de conflito-solução (possessão do espírito impuro X Liberdade) 22 Jesus de fato mostrou sua autoridade.
Devido à qualificação “ensinamento novo” dos presentes, os leitores compreendem o tipo do ensinamento. Conforme Reimer (2021, p.75), “narrativas de curas e exorcismos tem pois a função legitimadora e motivadora em situação de conflitos. Elas servem para construir e legitimar uma nova forma de vida” A cena, um enredo episódico de exorcismo, é de fato,“verba visibilia” (palavras visíveis) eloquente em si, sem necessidade de acrescentar discurso. Exorciasmos “são embutidos de intenções e efeitos narrativos e podem ser vistos como modelos de ação” (REIMER, 2021, p.56).
No episódio seguinte: a cura da sogra de Simão, o enredo é veloz, imediato. O espaço é a casa, e os presentes são os quatro discípulos. Ele não diz uma palavra, tomou-a pela mão e a fez levantar-se, e a febre a deixou (Mc 1,31). A relação de Jesus é muito próxima, muito humana. O ensinamento novo com autoridade é mostrado com realismo. Os leitores, podem ter em mente a pergunta: em que esse ensinamento novo se diferencia dos escribas? Ou da práxis atual do ensinamento? O narrador nada conta, do jeito dos escribas ensinarem, ele faz os presentes falarem, pois eles conheciam os escribas. A julgar pela reação são um público atento, diferente daqueles que ouvem e não escutam, e não compreendem (Mc 4,12-13).
O narrador deixa em aberto certos espaços no enredo e o leitor implícito pode participar. Na apresentação no final de Mc 1,21 o narrador relata que ele (Jesus) ensinava. Qual ensinamento? Não se sabe o teor da pregação na sinagoga pois repentinamente passa a narrar uma ação de libertação do endemoninhado. O leitor implícito é necessitado de uma instrução. Destaca Zappella (2014, p.82) que os leitores nesse enredo estão um tanto desorientados. Em Mc 1,27 na reação dos presentes à libertação do endemoninhado, são os próprios ouvintes à entender o que está acontecendo, um ensinamento novo com autoridade. Em Mc 1,30 os discípulos falam da sogra de Simão a Jesus. Teriam dito que ela estava com febre? Os leitores sabem, pois o narrador comunicou aos leitores sobre a febre, Porém Jesus não sabe. Nesse caso os discípulos é que falam a Jesus sobre a sogra de Simão. Nesse caso fazem o papel de narradores presentes na história.23. Não se sabe o que teriam falado, e aqui está o espaço para os leitores interpretar, eis o estilo de Marcos: usa poucas palavras para sugerir aos leitores imagens e evocar situações. Se descreve muito em poucas palavras (RHOADS, DEWEY, MICHIE, 2002, p.68-69).
Outro espaço para o leitor aparece em Mc 1,35: Jesus de madrugada foi para um lugar deserto e lá rezava. Não informa o conteúdo da oração. Diferente em Lucas 11,1-2: Jesus “estando em um lugar orando, ao terminar um de seus discípulos pediu-lhe: “Senhor ensina-nos as orar...”. E Jesus então ensina a oração do Pai-Nosso. No enredo de Marcos o foco é o ensinamento novo com autoridade, por isso omite o ensino da oração. O leitor poderá perguntar, que oração Jesus faria nesse retiro após uma jornada missionária? Talvez iria olhar para si próprio, rever suas tarefas diárias, celebrar como o próprio criador que contemplou a obra antes do sábado e viu que tudo o que criou era muito bom (Gn 1,31).
O narrador cria seus personagens que participam do enredo. Ele, que é onisciente da história sabe como irão reagir. Em Mc 1,22 relata: “ficaram espantados com seu ensinamento”. Porém a ação-ensinamento ainda não fora realizada. O autor antecipa a reação diante do exorcismo em 1,27: “se admiraram”! Curiosa é a correspondência entre o efeito da pregação na sinagoga de Cafarnaum e naquela de Nazaré (Lc 4,17-24) (STANDAERT, p.121). O narrador dirige o desenrolar do enredo para chegar ao objetivo, que os leitores compreendam e acolham o ensinamento novo, com autoridade. Não há dúvida sobre a identidade de Jesus em Mc 1,1. No entanto, o deslocamento contínuo de Jesus (54 vezes nos capítulos 1 a 10 de Marcos) é como se quisesse declarar uma identidade itinerante. A identidade pensada pelo autor, não é assumida pelo leitor implícito e assim continua a pergunta: Quem é Jesus? 24No enredo com mínimo de discurso e muita ação Marcos revela Jesus que cura, tem poder sobre o mal e ensina. Essas informações começam a esclarecer o que irá aparecer no decorrer do Evangelho: a identidade de Jesus como Filho de Deus e servidor. É necessário percorrer a caminhada com Jesus e assumir a sua prática para descobrir sua identidade (ZAPELLA, 2014, p.82-84), não basta dizer “Sei que tu és o Santo de Deus”.(Mc 1,24).
O Evangelho de Marcos é conhecido pela linguagem mais rude, com construções truncadas, omissões de conjunções que fazem nexo entre as frases, certas redundâncias (TAYLOR, 1980, p.71-76). Uma linguagem e estilo inferior aos outros Evangelhos. Lucas e Mateus são textos mais acabados, com mais recursos de linguagem e por isso, preferidos entre comentadores. Essa visão tem mudado com o advento das ciências da linguagem e os métodos narrativos. O Evangelho de Marcos visto como o relato da vida de Jesus, tomado na sua forma final tem uma coerência entre as partes. Portanto Mc 1,21-39 é um enredo unificado por ligar os episódios em vista de mostrar que a missão de Jesus com os discípulos não termina num dia em Cafarnaum. A repercussão das curas na manhã seguinte mostra que o anúncio do Evangelho não termina ali. Devem ir a outros lugares e povoados. Foi para isso que ele veio.
O estudo de Mc 1,21-39 mediante a análise narrativa mostrou um texto coerente na sucessão dos fatos, com objetivo de revelar Jesus mestre na sua prática. No assumir a prática de Jesus os leitores se identificam como discípulos e podem expressar a identidade do Messias. Este é o enfoque narrativo do enredo. O autor-narrador reúne episódios de cura em três momentos: Jesus começa curando um possesso na sinagoga, depois cura a sogra de Simão na casa, e finalmente cura muitos reunidos na porta da casa. No espaço mais estreito, e no tempo mais limitado, cura muitos. O narrador, conduz o enredo e os personagens de forma a convencer os leitores que o ensino de Jesus é ensino na prática, não como o ensinamento dos escribas. Este é o ensinamento novo, que os leitores de Marcos deviam perceber. O narrador onisciente do projeto de Jesus, e conhecendo sua identidade (Mc 1,1), dramatiza o primeiro episódio do exorcismo do possesso de Cafarnaum, para os leitores reconhecerem a qualidade do ensinamento: um ensinamento novo. Ele dramatiza também o exorcismo e põe nas palavras do possesso a confissão de fé: “Sei que tu és o Santo de Deus”. Aqui o enredo mostra que os leitores de Marcos estão desorientados e podem se perguntar, “Quem é Jesus, e qual sua identidade”. O espanto e admiração diante da cena inicial revela, no entanto, que estão abertos a um “novo ensinamento” Eles têm longo caminho a fazer com Jesus até reconhecer sua identidade. Nessa situação pelo menos bom grupo deles se identificam com o possesso, a quem Jesus mandou calar, quando ouviu a profissão de fé.
O enredo mostra uma unidade em torno do tema do ensinamento novo, na ação exorcista e na reação dos presentes. O primeiro episódio da libertação do possesso se une ao terceiro episódio quando o número dos curados é maior. Maior também foi a repercussão além de Cafarnaum, nas redondezas. Aqui o enredo com repercussão da fama no dia seguinte, é confirmação do que o narrador apresenta no sumário em 1,28: “Imediatamente sua fama se espalhou em todo lugar em toda redondeza da Galileia”. Por isso justifica-se nossa abordagem e delimitação em 1,39. O dia de Cafarnaum, foi um dia inaugural, com um significado histórico, por apontar para a missão “ad gentes”: “Vamos para outros lugares” (Mc 1,38).
No seguimento de Jesus e na prática de ações libertadoras, se revela sua identidade de Santo de Deus (Mc 1,24), Filho de Deus (Mc 1,1). Ele é Jesus Nazareno (Mc 1,24) que revela sua origem divina como servidor, compassivo com a multidão doente necessitada de cura. Esta ação-ensinamento, é missão que deve continuar. O discípulo não pode se acomodar num lugar, no sucesso de uma missão, precisa ir adiante (Mc 1,38). Conforme conclui Trocmé (cf. p.55): A “jornada de Cafarnaum” é um modelo para os missionários cristãos imitar para cumprir sua missão de ensinar, curar, e estar sempre dispostos a peregrinar a outros lugares.
ARTUSO, Vicente. As revoltas contra Moisés e Aarão em Nm 16-17: Uma narrativa para confirmar o sacerdócio aronita na liderança do povo. Atualidade Teológica, Puc-Rio de Janeiro, fascículo 27, Ano XI, 2007: 372-395.
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[1] A partir de 1970, estudiosos , Shimon Bar-Efrat e Meir Stenberg de Israel, Robert Alter e Jan Fokkellman dos Estados Unidos aplicaram os resultados dos estudos de narratologia aos textos bíblicos (VITÓRIO, 2016, p.33; MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.18-21).
[2] Autores mais importantes: Wilhelm Egger (metodologia do Novo Testamento), Klaus Berger (Gêneros Literários do Novo Testamento), e Uwe Wegner (Exegese do Novo Testamento. Manual de Metodologia).
[3] Sobre a narração como “ato comunicativo” e comunicação literária: emissor, destinatários, mensagem, contexto, boa exposição se encontra em: Zappella (2014, p.15).
[4] A segunda jornada em Cafarnaum começa em Mc 2,1: Entram outra vez em Cafarnaum.
[5] Rhoads, D; Dewey, J: Michie, D. Marcos como Relato. Salamanca: Sígueme, 2002.
[6] Trocmé (2000, p.24) delimita o dia em 1,34. Nota-se que não delimita a ação, mas a estadia no local. Em 1,35 Jesus sai para um lugar deserto, segundo o autor ele sai da cidade! Porém Jesus continua trabalhando, pois é desafiado a deixar seu retiro num lugar deserto, procurado pela multidão. A conclusão geral do relato: “a jornada em Cafarnaum se conclui em 1,39” (Trocmé, p.55)
[7] Légasse (2000, p.125), diferente dos outros inclui na cessão a cura do leproso. Assim fica delimitada a perícope: Mc 1,21-45.
[8] Bispo de Hierápolis por volta de 140.
[9] Esse importante detalhe do estilo chama-se prolepse. A reação das pessoas, e o reconhecimento de um ensino com autoridade é o foco narrativo do autor, daí a importância dessa informação logo na apresentação. A temática é tão central que o narrador repete em forma de resumos a ação de Jesus retomadas no decorrer do enredo (Mc 1,28; 1,32- 33; 1,39)
[10] A rigor a situação inicial em Mc 1,21-22 não explicita dados da sequência do enredo, por causa dos episódios concatenados que tratam de doença-cura. Mas o leitor é informado do tema do ensinamento, do modo de ensinar diferente dos escribas (v.22). O texto fala de ensinamento, mas não explica o conteúdo. O leitor ouvinte nesse início pode levantar a pergunta: “Que ensinamento é este”? Esta pergunta o guiará no decorrer da leitura (VITÓRIO, 2016,p.20; MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.55-57).
[11] A forma no grego é irregular, um dativo plural “nos sábados”, não se deve tomar a letra. Os dias de festa são mencionados no plural (cf.Mc 6,21; 14,1; Jo 10,32) (TROCMÉ, p.50; LEGASSE, p.103).
[12] Essas informações indispensáveis antes de começar o enredo propriamente, constituem a exposição. O leitor em parte é introduzido no enredo e levanta as perguntas: O que vai acontecer? Onde? Quando? (Cf. SKA, 2012, p.43)
[13] Conforme Zappella (2014, p.27) essa situação caracteriza um enredo de revelação ou conhecimento.
[14] O desfecho final aqui é uma ação transformadora: da situação de doença para a cura. Observa Vitório (2016,p.21): A ação transformadora corresponde a uma guinada no enredo de ignorância-conhecimento, no qual o narrador oferece ao ouvinte-leitor o conhecimento que ele desejava.
[15] .Na verdade Mc 1,35-39 é um prolongamento. O narrador onisciente do que os leitores precisam conhecer, insere uma informação biográfica de Jesus para fazer a transição para a conclusão. O que ele quer acrescentar aos leitores é a lição do enredo: o ensinamento não pode ficar restrito a um lugar. Caso semelhante ocorre em narrativas do Antigo Testamento. Em minha análise do enredo de Nm 16-17, considerado uma unidade. No entanto o texto parece descansar em Nm 16,35 com a destruição dos revoltosos. O episódio de Nm 17,1-5 aparece como póst-factum um prolongamento que contém elementos em vista da transição da primeira história (Nm 16,1-35) para a história da revolta do povo (Nm 17,1-28) em vista de apresentar Aarão como o único com autoridade de se aproximar do Santo dos Santos e oferecer o incenso (ARTUSO, 2007, p.378). Portanto o objetivo do prolongamento é a conclusão que o autor narrador queria acrescentar na história.
[16] O próprio Simão irá testemunhar mais tarde no discurso na casa de Cornélio: “Passou fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo diabo, porque Deus estava com ele” (At 10,38).
[17] DIDEBERG, MOURLON BEERNAERT (1976) propuseram uma estrutura quiástica abrangendo também Mc. 1,40-45: A (vv.21-27), B (v.28), C (vv.29-31), D (vv.32-34), C’ (vv.35-38), B’(vv.39), A’(vv.40-45). A hipótese é comentada e criticada por Focant (2015, p.91-92): “As correspondências entre C e C’ não são bem acertadas e entre A e A’ são frágeis”. É um tanto forçado impor uma estrutura de quiasmo.
[18] .Esta localidade é identificada em geral com o atual Tell-Hum, cerca de 3 km ao oeste da embocadura do Jordão no lago de Tiberíades. Cafarnaum é um dos raros nomes de lugares que se encontram em Marcos (cf. Mc 1,21; 2,1; 9,33) que parece ter sido recebido da Tradição (TROCMÈ, 2000, p.50).
[19] Kairós é o tempo oportuno de fazer história, o tempo da pessoa tomar uma decisão urgente. Por isso mesmo em Mc 1,14 se menciona que esse tempo está completo com o verbo completar no perfeito, isto é o “hic et nunc”, aqui e agora do reino para todos, em todos os tempos e lugares. Foi para isso que Jesus veio: anunciar a Boa Nova do reino (cf.Mc 1,38).
[20] É significativo a fama positiva da sogra de Simão na tradição cristã. Ela morreu mártir (Clemente de Alexandria: Stromata)
[21] O Evangelho de Marcos menciona os escribas. Eles se ocupavam com a lei. No grande sinédrio eram um grupo separado. Marcos menciona esse grupo em separado (Mc 1,22; 2,6; 3,22; 9,11.14;12,35.38), juntamente com os fariseus poucas vezes (Mc 2,16; 7,1.5), com os sumos sacerdotes (Mc 10,33; 11,18; 14,1; 15,31), com os anciãos e sumo sacerdotes (Mc 8,31; 11,27; 14,43.53; 15,1) Com exceção a Mc 11,28 aparecem sempre em cena como adversários de Jesus (GNILKA,1986, p.92)
[22] Na trama do exorcismo há um conflito, nesse caso conflito de personalidades por causa da incompatibilidade de suas personalidades, como é esse caso de Jesus e o Espírito impuro. O Espírito impuro não pode dividir espaço com Jesus por isso grita: “que queres de nós Jesus de Nazaré, viestes para nos arruinar”? (PUERTO, 2005, p.53-54). A nível da narratividade, a ordem de se calar, remete aos leitores não cientes das consequências do seguimento, portanto são “os de fora” que ouvem e não entendem (Mc 4,11). A nível antropológico o possesso representa uma ansiedade coletiva em face do imperialismo Romano A luta entre esses dois poderes opostos se manifesta no corpo do homem possesso. O corpo se torna objeto da disputa e da demonstração de poder (REIMER, 2021, p.67.68)
[23] Quando o narrador está presente no enredo mediante os personagens da história que narram, então a relação do Narrador com a história é omodiegesico (relação dentro da história) quando o narrador está ausente da história se caracteriza como eterodiegesico (é outro, fora da história) (. Zappella, 2014, p.20)
[24] Mesmo que a profissão de fé de Pedro em Mc 8,30 (Tu és o Cristo) seja correta teologicamente, ainda assim Jesus proíbe de espalhar. Os discípulos não estavam entendendo que tipo de Messias ele era. A questão da identidade de Jesus vai ser esclarecida com os anúncios da paixão. Eles esperavam um messias triunfante, Jesus se revela como Messias Servo (Cf. CNBB, 1997). Entende-se também que o título “Filho do Homem” seja preferido para indicar sua condição de servo.