Carlos Conte Neto*
**Mestre em Estudos Portugueses, com especialização em Literatura Portuguesa Contemporânea, pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Vinculado ao IELT, Departamento de Estudos Portugueses, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, FCSH, Universidade Nova de Lisboa. Bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia - FCT. Contato: conte_conte@hotmail.com
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Resumo:
Ambientado no Portugal salazarista dos anos sessenta, o romance Directa (1977) é, segundo seu próprio autor, o escritor português Nuno Bragança, “a história de alguém que vive numa perspectiva cristã a luta revolucionária”. O objetivo deste artigo é investigar de que forma cristianismo e revolução se associam no romance Directa, em especial no modo de pensar e agir do protagonista Aníbal. Para isso, iremos lançar mão de alguns elementos centrais do pensamento do padre jesuíta Teilhard de Chardin, sobretudo seu conceito de evolução, entendido como expressão de uma criação inacabada e que, portanto, continua nas mãos dos seres humanos. É nesse momento que se coloca o problema da ação, que desperta, ao mesmo tempo, sentimentos otimistas e trágicos. Afinal, para que seja concluída a criação, é necessário que os seres humanos sejam co-operários de Deus – tarefa à qual Aníbal se dedica com afinco, visionando um futuro redentor para a humanidade.
Palavras chave: literatura portuguesa; catolicismo progressista; cristianismo; marxismo; evolução.
Abstract
Set in sixties Salazarist Portugal, the novel Directa (1977) is, according to its own author, the Portuguese writer Nuno Bragança, “the story of someone who lives the revolutionary struggle in a Christian perspective”. The purpose of this article is to investigate how Christianity and revolution are associated in the novel Directa, especially in the way of thinking and acting of the protagonist Aníbal. For this, we will make use of some central elements of the thought of the Jesuit priest Teilhard de Chardin, especially his concept of evolution, understood as an expression of an unfinished creation and that, therefore, is under the responsability of human beings. It is at this moment that the problem of action arises, which awakens, at the same time, optimistic and tragic feelings. After all, for creation to be completed, it is necessary for human beings to be co-workers with God - a task to which Aníbal dedicates himself diligently, envisioning a redemptive future for humanity.
Keywords: Portuguese literature; progressive catholicism; cristianity; marxism; evolution.
Mas vós irmãos, não estais nas trevas para que aquele dia vos surpreenda como um ladrão. Porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia. Nós não somos filhos da noite nem das trevas. Não durmamos, pois, como os outros, mas vigiemos e sejamos sóbrios. Paulo, “1ª Carta aos Tessalonicenses”, 5:4-6
Ainda está para ser feito um estudo aprofundado sobre as influências do pensamento do padre Teilhard de Chardin (1881-1955) na obra do escritor português Nuno Bragança (1929-1985), verificáveis sobretudo no romance Directa (1977). Devido às limitações deste estudo, tentaremos nos ater aos aspectos do pensamento de Chardin que nos ajudam a entender os modos de pensar e agir do protagonista Aníbal, militante político de esquerda que atua num grupo clandestino que se opõe à ditadura de Salazar.
Com forte caráter autobiográfico1, Directa é a história do esforço de um homem para conduzir um companheiro perseguido pela polícia política para a fronteira com a Espanha, ao mesmo tempo que tenta livrar sua esposa da dependência química. Ao longo de 31 horas ininterruptas (daí o título Directa2), Aníbal toma parte nessas duas lutas decisivas, que integram uma missão maior: libertar Portugal do fascismo e, consequentemente, salvar a própria humanidade dos movimentos de despersonalização, massificação e exploração, a fim de contribuir com a construção de uma sociedade mais justa, igual e fraterna – portanto, mais próxima da comunhão do Reino de Deus. É preciso ter em conta que Nuno Bragança fazia parte do grupo dos católicos progressistas, um dos mais importantes movimentos de oposição à ditadura salazarista.
Mas, como diz Fernando Pessoa em seu poema “Padrão”, “O esforço é grande e o homem é pequeno” (1979: 60), e o personagem Aníbal, imbuído da enorme tarefa (ao mesmo tempo cristã e revolucionária) de mudar o mundo, não raro se sente arrastar por uma enxurrada que parece levar a humanidade à destruição.
Grande parte do que há de otimismo em Aníbal em relação ao futuro tem a ver com o conceito de evolução desenvolvido por Chardin. Vale a pena lembrar que Nuno Bragança era leitor da obra do padre-cientista, e a tradução para o português do estudo de que nos servimos para aceder a esse pensamento complexo, a Introdução ao Pensamento de Teilhard de Chardin, de Claude Tresmontant, foi feita por Nuno Bragança3.
Chardin refutava a ideia propagada por certas “filosofias do absurdo e do abandono” (TRESMONTANT, 1961, p. 82) de que não haveria qualquer sentido no universo. Opõe-se, com isso, a Heidegger, cuja filosofia afirma o “absurdo essencial do ser” (73). Chardin, por sua vez, em La Réflexion de l‘Énergie, considera a evolução como algo “incompatível com a hipótese de uma morte total” (apud TRESMONTANT, 1961, p. 77).
Esse otimismo em relação ao futuro teria fundamentos científicos. Chardin, com base na observação dos fatos, acreditava ter encontrado um sentido na evolução, que pode ser traduzido por uma “lei de recorrência” – a “lei de complexidade-consciência” (TRESMONTANT, 1961, p. 40) – cuja atuação, segundo ele, pode ser verificada ao longo de toda a cosmogênese, biogênese e antropogênese. Uma de suas ideias centrais é a de que a evolução, enquanto “expressão, no Tempo e no Espaço, da Criação”, ainda não terminou (apud TRESMONTANT, 1961, p. 35). Para ele, a oposição que comumente se faz entre as noções de evolução e criação nada mais é do que fruto de uma grande confusão, já que, de acordo com um ponto de vista dito fenomenológico, “tudo o que o conceito de Evolução indica é a temporalidade de uma Criação que se está efectuando sob os nossos olhos” (34, 35).
Com o advento do homo sapiens, a evolução prossegue, só que agora num novo patamar. A antropogênese – a saber: o surgimento e a evolução da humanidade – é um processo que ainda não terminou e ainda é orientado pela “lei de complexidade-consciência”, a mesma que orientou a evolução na cosmogênese e na biogênese. Nesta última, o parâmetro de complexidade passara a ser a “cefalização”4; na antropogênese, a “reflexão”.
Assim, nesta nova etapa da evolução, a “Criação, no Homem e pelo Homem, continua” (61), num prolongamento do que já ocorria há bilhões de anos. “Com o Homem”, diz Tresmontant, “a Evolução colocou-se [...] entre as mãos de uma criatura” (71), tornando-se, portanto, consciente de si mesma. Diz Chardin: “Após a era das evoluções sofridas, a era da autoevolução” (apud TRESMONTANT, 1961, p. 68).
Nesta nova fase evolutiva (fase na qual ainda nos encontramos), verifica-se, segundo Chardin, um processo de complexificação cujo resultado é a unificação, a convergência. No lugar da dispersão, o que está no termo do processo evolutivo é o uno. É o que podemos ler em La Réflexion de l’Énergie:
A Humanidade, depois de ter coberto a Terra com um tecido vivo cobardemente socializado, está em vias de se unificar (racial, económica e mentalmente), com uma velocidade e sob uma pressão constantemente aceleradas... Irresistivelmente... o mundo humano é arrastado à formação de um bloco. Converge para si mesmo. (apud TRESMONTANT, 1961, p. 88, 89)
Importante que se diga que esse movimento em direção à unidade de todos os seres humanos não implica uma anulação dos indivíduos. Muito pelo contrário. De acordo com essa “lei da união”, diz Chardin em Le Phénomène Humain, as “partes aperfeiçoam-se e completam- -se em todo o conjunto organizado” (apud TRESMONTANT, 1961, p. 93, 94). Serve de base para essa máxima – a de que “a União diferencia” (92) – a observação de fenômenos biológicos, tais como o agrupamento de células. Dar-se-ia o mesmo no caso da socialização humana. Temos aqui, portanto, uma solução para o problema dos sistemas totalitários. A “essência biológica do fenômeno” de socialização é incompatível com a massificação (93). A convergência leva, naturalmente, à personalização, não o contrário. Nesse processo que é longo e que ainda está longe de terminar, a ascensão de regimes totalitários, para Chardin “formas aberrantes ou patológicas” (93), deve ser encarada como desvios ou acidentes de percurso.
Vem, portanto, do pensamento de Teilhard de Chardin a metáfora do “Super-Formigueiro” usada por Nuno Bragança em Directa para se referir ao “processo despersonalizante” em curso (2017, p. 394)5 . Ora, nada mais contrário ao sentido da evolução, na acepção de Teilhard, do que a formação de sistemas políticos ou econômicos que esmaguem as inteligências individuais. Daí o absurdo do salazarismo e de qualquer regime político (o soviético incluso) que, ao desenvolver a graus extremos seus mecanismos de dominação e doutrinamento ideológico, praticamente inviabilizam as liberdades públicas e privadas. Dizemos “praticamente” porque talvez a eficácia da dominação nunca seja completa, por mais desenvolvidas que sejam as estratégias de sujeição. Mesmo no Admirável Mundo Novo houve falhas: erros laboratoriais deram no desajustado Bernard Marx (HUXLEY, s. d., p. 70, 71). No Portugal salazarista, os insatisfeitos eram obrigados a agir nas sombras se não quisessem cair nas garras da quase onipresente polícia política.
Mas voltemos à argumentação de Teilhard a fim de explorar outros pontos de contato entre as livros do padre jesuíta e o romance de Nuno Bragança. Como vimos, com a passagem à reflexão, o homem assumiu o controle do processo evolutivo, e o próximo estágio, fundamental para o progresso da humanidade, foi a socialização e a colaboração entre as consciências (TRESMONTANT, 1961, p. 101). Como já dissemos acima, a complexificação tende a uma unificação e uma personalização cada vez maiores, o que é, segundo o ponto de vista estritamente científico adotado por Chardin, inevitável, irreversível. Basta analisar o passado e o presente para verificar a validade dessa lei de “centro-complexidade” (98). Daí o “optimismo cósmico” de Chardin (82). Otimismo que é compartilhado pelo protagonista de Directa:
Estava em germinação uma Nova Terra. Sentíamos isso, mesmo quando o cansaço ou o revés nos tenta vam a pensar o contrário. Era tecnicamente cada vez mais possível aproveitar a energia humana para – pelo trabalho – livrar cada vez mais o Homem do excesso de trabalho. Permitir a cada qual erguer mais demoradamente a cabeça, debruçada sobre o labor ou rebaixada pela miséria. Permitir a cada qual olhar em volta e tomar pouco a pouco consciência de que raio possa ser a humanidade. Uma espécie de democratização da sabedoria. (BRAGANÇA, 2017, p. 394, 395)
É possível fazer uma leitura dessa passagem unicamente sob o viés marxista. Ora, todos os elementos estão aí: a “Nova Terra” (comunismo), o trabalho alienado, as condições de vida do proletariado, a tomada de consciência por parte da “classe eleita”... É essa a leitura que se impõe num primeiro momento.
Acontece que o parágrafo seguinte começa assim: “A Criação não terminada ainda: de mãos dadas a essa obra havia uma disseminada categoria de pessoas cuja credencial era denunciada pelo modo de serem no seu tempo” (BRAGANÇA, 2017, p. 395). Ora, nada mais estranho ao vocabulário marxista do que a palavra “Criação” (iniciada com letra maiúscula, inclusive). Quem a usa, como o sabemos, é Chardin, unindo-a de forma absolutamente original com a noção de evolução.
A ideia de que a cosmogênese ainda não foi concluída e que, segundo a lei de complexidade, tende à unificação e à personalização surge nessa passagem do romance como uma certeza em relação ao futuro. Está-se criando uma “Nova Terra”. Aqui, reparem, estamos no polo “esperança” de que fala Duarte Faria em sua recensão crítica sobre Directa. Faria identifica um “eixo de ‘duplicidade’” em torno do qual o romance se organiza – um “espaço iluminado” e um “espaço obscuro”, um “actuante” e um “resistente” –, numa ambivalência que se expressa tanto no grupo político do qual Aníbal faz parte quanto na subjetividade do protagonista (1978, p. 74). Em relação a este último, nota-se a oscilação entre os opostos “esperança-desespero”, termos que se combinam de forma “complexa” de acordo com “duas dimensões básicas”: “um projecto salvador da sociedade (com acentos de redentorismo profético) e um processo desmantelador do ritual sagrado e do idolatrismo político (desencadeando-se aqui, catarticamente, ânsias e medos apocalípticos)”.
Há motivos para acreditar – é a fenomenologia de Chardin que o garante – que o futuro não nos reserva, como preveem os pessimistas, nem uma competição entre Estados totalitários militarizados nem uma tirania supranacional, como a do Admirável Mundo Novo. O futuro será melhor do que o presente, muito melhor do que o passado. É nesse sentido que aponta a evolução. Como já dissemos, porém, somos nós, seres humanos, que assumimos as rédeas do processo na atual etapa da evolução, de modo que o “êxito final” de que fala Chardin, apesar de ser cosmicamente previsível, depende, ao fim e ao cabo, da ação humana. Parece que o padre Teilhard, tal como o protagonista de Directa, também oscila entre os polos “esperança-desespero”, e é por isso que Tresmontant qualifica de “trágico” o otimismo de Chardin (1961, p. 82, 83). Porque a partir do momento em que a evolução passa para as mãos do homem, entra em cena a possibilidade do fracasso, algo que não existia nas fases em que o processo se dava de forma não refletida6.
O fato da prossecução dessa marcha ascensional depender da ação humana representa um abalo à segurança científica na irreversibilidade do processo evolutivo. Isso porque há o risco de haver descompromisso ou recusa em relação à tarefa cósmica. Diante disso, Chardin faz uma advertência para os males provocados pela difusão do que ele chama de filosofias do “ser-para-a-morte” (TRESMONTANT, 1961, p. 74), “o maior, o único perigo que ameaça a Evolução” (83). Assim, para que a evolução tornada refletida dê certo, é preciso que ela seja vista por seus realizadores como um processo irreversível, e não como um caminho que leva para o nada ou a aniquilação. Segundo Chardin, a humanidade não consentiria em participar da obra da evolução caso fosse convencida de que não há perspectivas de futuro e que a vida e o todo o cosmos são desprovidos de sentido.
Vejamos o que ele diz em L’Esprit de la Terre a respeito do problema da ação:
Como se poderá justificar essa primordial e congénita obrigação? Onde irá ela encontrar, não só a legitimação, mas a coragem e o gosto pelo esforço? Nenhuma consideração poderia levar-nos a adiantar um passo só que fosse se não soubéssemos que a ladeira conduz a um qualquer pináculo de que a Vida não decairá. O único motor possível da Vida reflectida é, pois, um Termo absoluto, isto é, Divino” (apud TRESMONTANT, 1961, p. 103, 104).
Uma característica do pensamento de Teilhard de Chardin é a combinação pouco usual entre fé e ciência, e talvez o maior exemplo disso é a forma original como ele relaciona as noções de criação e evolução, comumente vistas como antagônicas. Ao mesmo tempo “filho do céu” e “filho da terra”, Chardin confessa ter passado grande parte da vida a buscar uma “unidade interior”, uma síntese entre essas “duas correntes”, uma mundana e outra sagrada, que exerciam sobre ele enorme atração (apud TRESMONTANT, 1961, p. 133).
Ora, não se pode afirmar algo parecido sobre Nuno Bragança? As informações biográficas de que dispomos habilitam-nos a afirmar a importância do par sagrado-profano em sua vida7 . À maneira de Teilhard, nota-se no autor de Directa uma tendência a combinar, seja na sua visão de mundo seja nas suas ações, esses dois termos usualmente tidos como opostos, com a diferença de que no polo “profano” é introduzida uma referência teórica e política completamente inexistente no pensamento do padre Chardin: o marxismo.
Enquanto católico progressista – ou seja, participante desse importante “movimento”8 de contestação à ditadura do Estado Novo –, Nuno Bragança9 era guiado por “dois horizontes mobilizadores” ou “duas orientações” que caracterizavam tanto a sua luta política quanto o seu viver: o cristianismo e o marxismo (LOUREIRO, 2015, p. 131, 132). Ambos, segundo Loureiro, servem de “bússolas” na vida do autor e de algumas de suas personagens, como o Aníbal de Directa.
Agora dispomos de todas as ferramentas necessárias para analisar o problema da ação, que permeia o romance de cabo a rabo. Não se pode olhar para a luta política do protagonista de Directa só pelo viés marxista. Aliás, é o próprio Nuno Bragança quem diz, em entrevista veiculada em 1978 pela RTP, que
Directa é a história de alguém que vive numa perspectiva cristã a luta revolucionária. A vigília de Cristo, que se passa de noite, antes da crucifixão, é para o cristão qualquer coisa que tem a ver com o esforço para mudar o mundo tal como ele se encontra. Daí que a directa que é referida no antepenúltimo capítulo: “Cristo estará em directa até ao final dos tempos”10.
Não há dicotomia entre os termos. Aníbal vive “numa perspectiva cristã a luta revolucionária”. O escritor Manuel Alegre qualifica seu amigo Nuno Bragança como “Cristão e revolucionário (passe o pleonasmo)” (1990, p. 13). Assim, não só não há dicotomia entre os termos, como eles se equivalem: ser cristão é ser revolucionário.
Tal acepção do cristianismo, compartilhada pelos “católicos progressistas”, ia de encontro à ideia de cristianismo defendida pela Igreja Católica portuguesa nos tempos do Estado Novo. Aliás, não podemos nos esquecer da relação muito próxima, quase de simbiose, entre Igreja e regime, relação marcada sobretudo pela instrumentalização daquela por parte deste e formalizada pela Concordata de 194011.
Não é nossa intenção aprofundarmo-nos nesse tema, sobre o qual há extensa bibliografia. Basta citar, a fim de expor esse importante embate sessentista entre os “dois cristianismos” – a saber: o da hierarquia identificada com o regime e o da oposição católica –, trecho de um discurso proferido pelo assumido chefe da Igreja portuguesa, o Cardeal Cerejeira, que integra suas Obras Pastorais. Em novembro de 1958, na Universidade de Coimbra, Cerejeira alerta para “confusões perigosas” que poderiam desfigurar o “rosto autêntico do cristianismo”. Ele critica a “inspiração marxista” de alguns católicos, para quem é preciso “primeiro transformar a condição humana para que possa elevar-se o cristão. Este é o erro progressista. A revolução precederia o Evangelho” (apud ALMEIDA, 2000, p. 41, 42).
Em artigo publicado na revista O Tempo e o Modo em maio de 1963, portanto logo após o falecimento de João XXIII, Nuno Bragança elogia a Encíclica Pacem in Terris (que caiu como uma bomba no colo do regime12) e o papado do “Papa da Paz”, dizendo que este nada mais fez que “aplicar a regra mestra da conduta de qualquer cristão: procurar fazer o que Cristo faria e diria nas mesmas circunstâncias” (1963, p. 106).
Regressemos, ainda que brevemente, ao início da directa, mais especificamente à cena em que Aníbal, antes mesmo de pôr os pés fora de casa para dar início à sua longa jornada, abre a Bíblia no “Livro de Isaías” – “texto necessário para o fortificar naquela madrugada” (BRAGANÇA, 2017, p. 217). Já dissemos que Aníbal pensa, sente e age de acordo com dois referenciais – o marxismo e o cristianismo – que metonimicamente podem ser representados pelo Manifesto do Partido Comunista, sua bússola temporal, e pelo “Livro de Isaías”, sua bússola espiritual, embora nos pareça cada vez mais evidente que essa divisão só pode ser feita para fins meramente didáticos, já que no interior de uma personagem como Aníbal ambas as orientações se unem, transformando-se num mesmo programa de pensamento e ação. Os termos católico e revolucionário, como sugeriu Alegre, são correspondentes.
E, de fato, ao olharmos para o trecho do “Livro de Isaías” que Aníbal lê antes de começar a sua missão, justifica-se sua interpretação progressista, seja pela concepção de justiça que é aí veiculada, seja pela exortação que o profeta faz para que as pessoas ajam de acordo com a verdadeira vontade de Deus. “Para quê jejuar, se disto não vos importais?”, pergunta Isaías. “É porque no dia do vosso jejum, só cuidais dos vossos negócios, e oprimis todos os vossos trabalhadores”. E então o profeta revela qual é o jejum realmente apreciado por Deus: “É romper as ligaduras da iniquidade, desatar os nós do jugo, deixar ir livres os oprimidos, e quebrar toda a espécie de jugo; é repartir o seu pão com o esfomeado, dar abrigo aos infelizes sem asilo, vestir o nu e não desprezar o teu irmão” (BRAGANÇA, 2017, p. 218).
Nada mais próximo da “Igreja renovada” prometida pelo Concílio Vaticano II, ocorrido entre 1962 e 1965, período histórico em que se passa a diegese. E Aníbal é uma personagem que encarna esse espírito de aggiornamento, sintetizado pelas palavras do bispo brasileiro Dom Hélder Câmara: “Quem não vê que a Igreja vai dar passos importantes para reencontrar os caminhos da pobreza?” (apud MARTINS, 1963, p. 52). Antes de João XXIII, diz Nuno Bragança, a Igreja condenava oficialmente os movimentos cristãos progressistas e sua relação com os partidos comunistas, de modo a só ver “os erros do marxismo, ignorando os propósitos de justiça que animaram a Revolução de outubro”. O anúncio do Vaticano II, em 1959, “lançou os alicerces de uma redescoberta do que seja a Igreja de Cristo” (1978a, p. 26).
E o que seria essa Igreja redescoberta (quem sabe a verdadeira Igreja) de que fala Nuno Bragança? Certamente o oposto daquilo que ele ouvia dos adultos, e sobretudo dos padres, quando criança. Ora, o “Evangelho segundo Mateus” é claro na passagem em que Jesus diz que é mais fácil passar um camelo pelo buraco da fechadura do que um rico entrar no Reino de Deus (BRAGANÇA, 1978b, p. 36). Assim, se não há nada menos cristão do que o capitalismo, é tarefa daqueles que creem em Cristo lutar sem descanso pela sua superação.
Agora que temos mais informações sobre os valores que movem o protagonista de Directa, voltemos a uma questão deixada em aberto no início do segmento anterior: o problema da ação em Teilhard de Chardin.
Lembremos que uma das características centrais (e originais) do pensamento do padre Chardin é aliar o temporal ao espiritual. Lembremos também que, de acordo com sua teoria da evolução, o homem (criatura) torna-se também criador na medida em que é convocado a colaborar na tarefa de concluir a criação iniciada desde que o mundo é mundo. Esse termo, como vimos, é “Divino”, o que significa que a criação é toda ela “orientada para seu desejado fim sobrenatural” (TRESMONTANT, 1961, p. 169). Ou seja, ela “tende para o seu Criador”.
Antes de nomear esse “fim” com todas as letras, e com o objetivo de organizar a exposição da maneira mais clara possível, vejamos primeiro em que consiste esse esforço que os seres humanos devem fazer para atingir esse “fim”.
Ao tratar do problema da ação, Chardin critica a noção tradicional de ascese enquanto um conjunto de práticas de devoção voltadas à purificação e libertação das coisas materiais. Ao contrário dessa acepção maniqueísta (e mórbida) do cristianismo, Chardin defende uma ascese orientada no sentido da cristificação da matéria. Em vez de renunciar ao mundo, o cristão deve tomar parte na tarefa divina – já que esta é a sua vocação –, aderindo ao poder criador de Deus, e, portanto, unindo-se a Ele na vontade e no coração. Em resumo, é preciso que nos tornemos criadores – “co-operários de Deus” (TRESMONTANT, 1961, p. 139-144) –, contribuindo com a finalização de Sua grande e derradeira obra.
Ora, mas como deve proceder um “co-operário” da obra divina? Como devemos nos unir a Deus nessa grandiosa tarefa da criação, cujo êxito final depende do nosso próprio esforço? Responde Chardin: espiritualizando a matéria, consagrando o mundo, santificando o real (TRESMONTANT, 1961, p. 139).
Partindo da premissa de que nada é profano, o “método de vida” de todo o cristão seria aquele contido nos textos de São Paulo: “o que quer que fizerdes, comerdes ou beberdes, fazei-o em Cristo Jesus” (TRESMONTANT, 1961, p. 142). Isso nos remete às últimas linhas de Directa, quando Aníbal fala para si mesmo, no término da longa jornada iniciada na madrugada do dia anterior: “Vigiei trinta e uma horas seguidas. Acho que se não foi conTigo é porque não ressuscitaste” (2017, p. 408).
Explicita-se, assim, o caráter sagrado da vigília de Aníbal. Todas as suas ações tiveram uma orientação precisa: a perfeição de Jesus Cristo. Bruno Henriques chama a atenção para o caráter “modelar” da figura de Cristo para o protagonista de Directa: “O homem, como Jesus, peregrina no mundo, sofre ao tentar aperfeiçoar a grande obra de Deus, a criação” (2009, p. 80, 81). Ele também lembra que a palavra “directa” pode ser associada à vigília de Cristo no Monte das Oliveiras, nos momentos que antecedem a sua captura (24).
Vistas as coisas desse modo, encontramo-nos diante de uma questão talvez inusitada para quem se propõe a ler um romance que fala sobre a luta política clandestina em Portugal durante o salazarismo: ora, se tomarmos a santidade não como um privilégio reservado a sacerdotes e bispos mas como uma vocação universal e, ao mesmo tempo, levarmos em conta que as ações de Aníbal são orientadas de acordo com um determinado modelo – o que faz dele uma espécie de imitador de Cristo –, será exagero aproximar o caminho da revolução do caminho da santidade – ou, em última análise, afirmar a semelhança entre o revolucionário e o santo?
A questão da santidade é abordada da seguinte forma pelo Concílio Vaticano II: “Todos os fiéis têm a vocação e a obrigação de procurar a santidade e a perfeição do seu estado” (apud DAIX, 2000, p. 25). E, como diz o cardeal francês Jean Daniélou, “o nosso drama é a existência de tantos baptizados, de tantos cristãos que não são fiéis ao apelo da santidade. O drama é a mediocridade. Uma Igreja que fosse uma Igreja de santos mudaria a face do mundo”.
Chardin passou a vida em busca de uma nova santidade. Em Le Phénomène Spirituel, ele afirma que cada período histórico requer a descoberta de um novo modelo ou “fórmula de santidade” (apud TRESMONTANT, 1961, p. 143). Ora, soaria exagerada a afirmação de que Aníbal encontra esse modelo na luta revolucionária, o plano de ação mais adequado para os tempos sombrios em que vive? O revolucionário, sob essa perspectiva, é aquele que atende ao chamado da santidade.
Aníbal não ignora o apelo da santidade. Pretende mudar a “face do mundo”, tal como diz o cardeal francês, e para isso age à imagem de Cristo, procurando a “perfeição do seu estado” através da ação política. Essa é a sua ascese. É dessa forma que ele busca o aperfeiçoamento espiritual. Algo bem diferente, portanto, da vida contemplativa dos monges13, embora também haja renúncias e privações na vida diária do militante revolucionário que, diante da urgência em se manter vigilante, abdica de sua vida pessoal e profissional. Nada mais natural, diria Chardin, para quem o sofrimento é inerente ao “trabalho de desenvolvimento”, já que o “mistério da Cruz” opera em todas as etapas do processo de criação (TRESMONTANT, 1961, p. 160, 161).
Mas aonde tudo isso vai dar? Qual é o objetivo final do asceta – aquele que age como cristão?
A construção de uma sociedade mais justa talvez seja o objetivo mais imediato do cristão progressista. Vejamos o que diz Nuno Bragança em 1982:
Quanto ao Evangelho, ou Boa Notícia (a notícia de que o Reino de Deus está entre nós, que temos acesso a ele), isso assinala uma igualdade e fraternidade abissais, porque tem origem no Ser. A procura histórica de uma estrutura que se aproxime dessa comunhão é um imperativo cristão (apud LOUREIRO, p. 144).
Essa seria a “trepadela contemporânea” de que fala Aníbal ao citar a metáfora da montanha do historiador Arnold Toynbee (BRAGANÇA, 2017, p. 384). “Trepadela” esta que, para ter êxito, necessitaria do trabalho conjunto de “todas as forças vivas de todas as Sociedades do mundo”. Um dos problemas é saber a qual distância estamos da concavidade seguinte. Esse parece ser o problema mais urgente a resolver. Depois, resta ainda a dúvida se esta montanha é finita ou infinita. Em outras palavras: haverá ou não um termo para o longo e trabalhoso processo evolutivo, iniciado há milhões de anos lá na base da montanha, no momento em que surgiram as formas mais rudimentares de vida?
Teilhard de Chardin diria que sim. Basta que o ser humano se empenhe na sua tarefa cósmica. Um dia, não se sabe quando (provavelmente daqui a alguns milhões de anos), atingiremos o “Ponto Ómega”, o término do fenômeno espaço-tempo, “o completamento da humanidade”, quando finalmente se constituirá “a unidade real dos seres na diversidade das pessoas” nessa “sede de convergência” em direção à qual os seres humanos devem caminhar (TRESMONTANT, 1961, p. 98-104). Mas esse “pináculo” Ómega, “polo físico da evolução” (116) – ou, de um ponto de vista estritamente científico, apenas “um sinal algébrico” que sinaliza uma tendência ou exigência da evolução (170) – coincide com o “fechamento do horizonte cristão”: a segunda vinda de Jesus Cristo ou o que Teilhard chama de “ponto de Parusia” (118).
Em Le Coeur du Problème, Chardin afirma o seguinte a respeito do “ponto de Parusia”:
É por hábito que continuamos a pensar na Parusia (pela qual se consumará o Reino de Deus sobre a Terra) e a concebê-la como um evento de natureza puramente catastrófica, ou seja, susceptível de produzir-se sem relação precisa com determinado estado da Humanidade, surto em qualquer momento da História. É uma maneira de ver. Mas por que não admitir, em plena conformidade com os novos aspectos científicos de uma Humanidade em plena fase de antropogénese (e, acrescentamos, em plena analogia com o mistério do primeiro Natal que – nisso estão todos concordes – não poderia ter-se operado senão entre o Céu e uma Terra apta, social, política e psicologicamente, a receber Jesus), por que não admitir, repito, que a faísca da Parusia não poderia jorrar, por necessidade física e orgânica, senão entre o Céu e uma Humanidade biologicamente chegada a um certo ponto crítico evolutivo de maturação colectiva? (apud TRESMONTANT, 1961, p. 117, 118).
Assim, relacionando seus estudos científicos e teológicos, erguendo o tabique interior que usualmente separa essas duas fontes do saber, Chardin propõe a tese de que o ponto crítico da evolução humana e a segunda vinda de Jesus Cristo são fenômenos coincidentes. Ele identifica Cristo com Ómega. Diz, para além disso, que o fim dos tempos depende da marcha da evolução. E se, como vimos, a evolução, uma vez tornada refletida, provém do trabalho dos “co-operários” de Deus – ou seja, nós, seres humanos –, a Parusia também passa a ser vista como um fenômeno dependente dos esforços humanos. Se para Cristo nascer houve a necessidade de uma “Terra apta”, não menos preparada a Terra deve estar para que ocorra a sua segunda vinda.
Cremos, assim, que o objetivo da luta política do protagonista de Directa é justamente a construção de uma “Terra apta, social, política e psicologicamente”. Um mundo refeito, em que serão extintos o Estado e as classes sociais, bem como a divisão social do trabalho, e onde os indivíduos poderão ser realmente livres da opressão e da exploração existentes no mundo atual. Aníbal vê o comunismo – lembremos: não os socialismos realizados, mas um tipo de sociedade a ser experimentado – como um estágio superior de desenvolvimento humano, estágio este que, ao menos assim nos parece, se visto através da lente da teoria evolutiva de Chardin, mostra-se como uma fase mais madura da humanidade, já que implica maior unificação e maior personalização. A evolução, diz Chardin, convoca a humanidade a um “destino comum e comunitário” (TRESMONTANT, 1961, p. 65). E embora Teilhard não fale em comunismo e identifique esse “destino comum” com um fenômeno sobrenatural – a “personalização centrada sobre uma Pessoa divina” (110) –, somos levados a crer que o protagonista de Directa vê no comunismo, senão a maturidade definitiva da humanidade, ao menos um estágio de evolução social mais próximo desse fim.
A identificação da esperança comunista com a esperança cristã não é nenhuma novidade. Em The God That Failed, Richard Crossman afirma ser o comunismo “uma visão do Reino de Deus na Terra” (apud D’ARCY, 1964, p. 184). Lefebvre, por outro lado, diz que Marx, opondo-se aos utopistas, “nunca afirmou que o comunismo fosse um ‘paraíso terrestre’”, abstendo-se “de qualquer antecipação” (1975, p. 119). Ademais, diz Lefebvre, “Marx jamais afirmou que o comunismo seria a última etapa da história humana” (119).
Dito isso, podemos concluir duas coisas: ou o comunismo, tal como é visto pelo protagonista de Directa, coincide com Ómega-Parusia, sendo ele o próprio ponto de chegada da marcha evolutiva: o fim da história; ou o comunismo é apenas a “trepadela contemporânea”, a próxima etapa do desenvolvimento humano, não definitiva, porém necessária, nessa longa escalada de amadurecimento em cujo termo a humanidade finalmente estará preparada para o advento da Parusia.
Seja como for, é preciso preparar a Terra, torná-la apta. A boa notícia é uma realidade para todo o cristão, que se enche de esperanças ao divisar um futuro de libertação, e não de aniquilação: o momento final de salvação, quando os mortos ressuscitarão com Cristo.
Porém, a esperança cristã é abalada a partir do momento em que entra em cena o problema da ação. É por isso que o otimismo de Aníbal não é completo. Leitor atento de Teilhard, seu otimismo é eivado de tragicidade. Por esse motivo, para evitar a aniquilação total, Aníbal mantém- -se vigilante. Não somente pela sua salvação, mas também pela de sua esposa, de Portugal e de toda a humanidade.
Na “1ª Carta aos Tessalonicenses”, Paulo afirma que “o dia do Senhor virá como um ladrão, de noite”, e por isso é preciso que todos estejamos atentos para que este dia não nos “surpreenda como um ladrão”. Diz o apóstolo: “Não durmamos, pois, como os outros, mas vigiemos e sejamos sóbrios” (Bíblia, 1974, p. 1183, 5:2-6). Aníbal não teme ser pego de surpresa pelo “dia do Senhor”, pois sabe, com base nos estudos do padre Chardin, que ele não virá num momento qualquer da história. Mesmo assim, permanece vigilante – em directa. E se o faz é justamente com a finalidade de preparar a humanidade para esse grandioso e definitivo encontro.
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[1] Há vários elementos da ficção que coincidem com a biografia do autor. Um deles é o ativismo político. Nuno Bragança participou ativamente da oposição à ditadura do Estado Novo, chegando a integrar um grupo político clandestino antifascista denominado Brigadas Revolucionárias, composto por ex-integrantes do Partido Comunista Português (como Carlos Antunes e Isabel do Carmo) que defendiam a necessidade da luta armada para derrubar a ditadura.
[2] “Directa” é um termo coloquial português para designar uma noite em que não se dorme. Seria o mesmo que “varar a noite” ou “passar a noite em claro”.
[3] TRESMONTANT, Claude. Introdução ao Pensamento de Teilhard de Chardin. Trad. Nuno Bragança. Lisboa: Livraria Moraes, 1961.
[4] Chardin afirma, a fim de definir esse novo parâmetro de complexidade da biogênese, que “todo o ser vivo, toda a Vida, caminha [...] como uma só vaga ascensional, na direcção de cérebros cada vez maiores” (apud TRESMONTANT, 1961, p. 57).
[5] Embora publicado em 1977, a história narrada em Directa se passa na primeira metade da década de 60. O tal “processo despersonalizante” em curso refere-se não apenas aos regimes ditatoriais da época (de direita ou esquerda), mas também aos sistemas econômicos regidos pela lógica do capital.
[6] “Do optimismo de Teilhard podemos dizer que é um optimismo “estatístico”. Ele não nega que, de entre os elementos humanos, arrastados para esta faina, vários se percam, por não participarem neste movimento. Também não nega mas, pelo contrário, acentua o manifesto perigo que corre uma Evolução doravante capaz de recusa ou de inversão. Com a Consciência, com o Homem, entrou no Mundo o risco do malogro. Mas o que Teilhard nos diz é que, por parte do Mundo, por parte do Universo, tudo está previsto, encontram-se preenchidas as condições necessárias para que a Evolução reflectida consinta em prosseguir a obra empreendida. Se houver malogro, a culpa deste não poderá imputar-se nem ao Universo nem à Criação, mas ao Homem” (TRESMONTANT, 1961, p. 82).
[7] Em depoimento que consta do documentário U OMÃI QE DAVA PULUS, de João Pinto Nogueira, Pedro Tamen afirma que do grupo dos “católicos progressistas” Nuno Bragança “era o mais empenhado e o mais militante [...] e ao mesmo tempo [...] era o mais místico. O que provavelmente sempre foi à missa todos os dias, comunhão diária, e articulava isso perfeitamente com uma atenção ao secular, ao mundo, ao social, ao político, de uma maneira muito mais crua, talvez, lúcida, do que todos os outros”.
[8] José Barreto resiste à ideia de classificar o “catolicismo progressista” como um movimento organizado (com uma coordenação e um programa), embora admita a sua força e enorme “potencial de irradiação doutrinária”. Para ele, a oposição católica durante a ditadura, tomada no “sentido mais lato possível”, constituía “uma soma dos católicos em oposição ao regime de Salazar, um universo bastante heterogêneo, distinto do que poderíamos com propriedade chamar a base de um movimento” (2002, p. 148)
[9]. Ainda na década de 50, Nuno Bragança foi integrante do jornal Encontro da Juventude Universitária Católica (JUC), ao lado de outros católicos como Pedro Tamen (chefe de redação) e Nuno Cardoso Peres. Além disso, foi cofundador – junto de Tamen, João Bénard da Costa e António Alçada Baptista – da revista O Tempo e o Modo, onde publicou ao longo da chamada 1ª fase, entre 1963 e 1969. Além de ter participado ativamente desses veículos de comunicação animados pelo espírito do “catolicismo progressista”, seu nome consta no famoso “Documento dos 101” (25/10/65), “documento de adesão ao programa da oposição democrática assinado por 101 figuras, na sua maioria com alguma ligação à Acção Católica” (BARRETO, 2002, p. 145).
[10] “Conversa com Nuno Bragança”. Entrevista a Álvaro Manuel Machado. Programa A Ideia e a Imagem, RTP1 Arquivos, 09/02/78.
[11] Já havia colaboração entre as partes mesmo antes da Concordata. O que houve em 1940, segundo o historiador Fernando Rosas, foi a formalização de um “regime de separação jurídica entre o Estado e a Igreja, mas com subordinação funcional da Igreja Católica aos objectivos políticos e ideológicos do Estado Novo” (apud ALMEIDA, 2000, p. 8).
[12] A Pacem in Terris, publicada em abril de 1963, foi muito bem recebida pela oposição católica portuguesa, entre outras coisas porque afirmava a dignidade humana, o direito de associação e reunião, as liberdades políticas, a igualdade entre os homens e a autodeterminação dos povos. Sobre a Declaração dos Direitos do Homem, dizia ser “o primeiro passo e uma introdução à organização jurídico-política da comunidade mundial de todos os povos, pois nela se reconhece a dignidade da pessoa humana e se afirmam os direitos que todos os homens possuem [...]”. Sobre um tema sensível ao regime português, o colonialismo, afirmava: “Num futuro próximo já não haverá povos que dominem os outros nem povos que obedeçam a potências estranhas”. “Encíclica Pacem in Terris”. In: O Tempo e o Modo, nº 5, Série I, maio 63, p. 6 – 25.
[13] A propósito, Manuel Alegre diz haver “algo de frade” em seu amigo Nuno Bragança (1990, p. 13).