Os deuses são uma funcção do estylo.: A mitologia clássica na história cultural da Europa
The gods are a function of style: classic mythology in European cultural history

*Steffen Dixe
*Doutor pela Universidade Tübingen (Faculdade de Estudos de Cultura), professor convidado da Universidade Católica Portuguesa- UCP. Contato: steffendix22@gmail.com
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“Il faut imaginer Sisyphe heureux.” Albert Camus, Le Mythe de Sisyphe

Resumo
A mitologia clássica representou, e continua a representar, um elemento importante da história cultural da Europa. Em períodos diferentes e com funções diversas, os deuses reapareceram na literatura, na filosofia ou nas artes europeias, e contribuíram, assim, significativamente para a formação da moderna consciência europeia. A primeira parte deste artigo consiste numa observação breve de alguns dos momentos historicamente mais expressivos de revitalização mitológica. Na segunda parte do ensaio, pretende-se uma identificação de dois momentos de reaparecimento da mitologia clássica em Portugal, contextualizando particularmente “o regresso dos deuses” em Fernando Pessoa e em Sophia Mello Breyner Andresen. Na medida em que assumem uma função concreta num ambiente de desassossegos transcendentais e de inquietações socioculturais, os deuses não representam simplesmente alguns hóspedes fugazes dentro da poesia ou prosa de Pessoa e de Sophia Mello Breyner Andresen. Ou seja, pretende-se, concretamente, um entendimento da função dos deuses na obra dos dois.

Palavras chave:Europa, história cultural, mitologia clássica, Fernando Pessoa, Sophia Mello Breyner Andresen

 

Abstract
Classical mythology has been and remains an important element in Europe’s cultural history. At different times and with different functions, the gods reappeared in European literature, philosophy or arts, and contributed significantly to the formation of modern European consciousness. The first part of the article contains a brief observation of some of the most significant moments of mythological revivals in Europe. The second part of the essay aims to identify two moments of a re-emergence of classical mythology in Portugal, particularly contextualizing “the return of the gods” in Fernando Pessoa and Sophia Mello Breyner Andresen. Bearing in mind that they assume a concrete function in an environment of transcendental disquiet and socio-cultural agitation, the gods do not simply represent some transitory guests within the poetry or prose of Pessoa and Sophia Mello Breyner Andresen. In other words, the second part aims to understand concretely the function of the gods in the work of these two Portuguese poets.

Keywords:Europe, cultural history, classical mythology, Fernando Pessoa, Sophia Mello Breyner Andresen.

Os deuses em tempos do para-raios

Na introdução aos seus manuscritos dos Elementos fundamentais para a crítica da economia política [Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie], Karl Marx examinou, em 1857, as relações entre o estado geral de consciência da sociedade e as suas condições de produção. Na sua observação, e especificamente com referência à mitologia clássica, Marx questionou-se sobre a compatibilidade entre os deuses clássicos e a industrialização moderna. Será possível combinar a fantasia e a arte gregas com os selfactors (máquinas de fiação), com comboios ou telégrafos elétricos? Qual é a funcionalidade de Júpiter em tempos do para-raios? E Hermes tem uma razão de existir numa sociedade cujo sistema financeiro é dominado pelo Crédit mobilier? Qual é a probabilidade de um Aquiles em tempos de pólvora e chumbo? Ao basear-se num conceito de um tempo linear, Marx reconhece que a mitologia clássica conseguiu, na época da antiguidade, superar as forças da natureza através da imaginação, mas perdeu esta capacidade no momento em que estas forças começaram a estar dominadas pelas conquistas técnicas e racionais da modernidade. Consequentemente, a arte e a mitologia gregas fazem parte de uma fase precoce da evolução social e humana. Marx entende a mitologia como resultado de “condições sociais imaturas”, e, sendo inseparavelmente ligados a estas condições, os deuses antigos jamais poderão regressar (Marx, 1983: 44-45). Cerca de 60 anos mais tarde – e também em Londres –, esta opinião foi contestada por um engenheiro naval de Portugal. Em Junho de 1914, Álvaro de Campos celebrou na capital inglesa, e concretamente na sua “Ode Triunfal”, o conceito de um tempo circular, cantando “o presente, e também o passado e o futuro, | Porque o presente é todo o passado e o futuro”. A celebração do tempo circular permitirá o regresso das artes, do pensamento e da mitologia da antiguidade clássica, e “dentro das máquinas modernas e das luzes elétricas” ressurgem Platão e Virgílio, e uma nova Minerva emerge nos cais e gares (Pessoa, 2014: 48-49).

A confrontação entre Karl Marx e Álvaro de Campos, ou (menos sensacionista) estas duas opiniões contrárias são representativas para a história cultural da Europa, um continente que se define através de contradições permanentes e que tem os seus momentos de glória quando é entendido como uma conquista provisória ou inacabada. Um dos fenómenos mais fascinantes da história europeia diz respeito à questão mal resolvida sobre a existência de uma pluralidade de deuses ou de um Deus singular. A partir de uma ótica linear simplificada, podia-se argumentar que a história cultural da Europa se caracteriza por uma sucessão que começa com uma pluralidade divina, seguida por 2000 anos sob o domínio de um Deus omnipotente, e chegando ao estado atual da secularização e da pluralização de valores e mundividências. Nesta perspetiva, um regresso aos (ou dos) deuses antigos parece impossível, uma vez que as condições sociais – e mentais/cognitivas – impossibilitam a credibilidade de narrativas antigas. Para o estado atual das coisas, Max Weber forneceu – já há um século – uma das explicações mais conhecidas e convincentes: a grande variedade dos deuses antigos voltou de uma forma desencantada. Nos tempos modernos, eles ergueram- -se, sob a forma de poderes impessoais, das suas sepulturas e recomeçam, desencantados, a sua luta eterna (Weber, 2002: 502). Em 1919, na sua obra Ciência enquanto vocação/profissão [Wissenschaft als Beruf], Weber sublinhou que o indivíduo moderno tem a obrigação de encontrar a sua orientação na vida por conta da sua própria racionalidade, tendo em consideração que o Olimpo se tornou desocupado e a narrativa cristã começou a perder a sua credibilidade. Influenciado por Karl Marx, Weber estava convencido de que todos os seres divinos serão definitivamente superados pela evolução técnica e social, e sobretudo pela racionalidade ocidental.

No entanto, a mitologia clássica nunca despareceu – nem desparecerá – por completo do espírito europeu. Na mesma altura em que Weber analisou o desencantamento (Entzauberung) do mundo moderno, surgiram várias contramedidas, tentando uma reanimação ou reinterpretação dos deuses da mitologia clássica. Uma das confluências mais conhecidas entre mitologia clássica e modernidade encontra-se em James Joyce que publicou, entre 1918 e 1920, os primeiros capítulos da sua obra epocal Ulysses. Em 1922, a obra foi publicada pela primeira vez na sua forma completa, e assim repara-se que os episódios de Ulisses correspondem aos temas e às personagens da Odisseia. O Mar Egeu estende-se até às costas da Irlanda, e as duas obras clássicas da antiguidade e da modernidade confluem – literária, temporária e geograficamente – para uma verdadeira epopeia europeia. Depois de nove anos de trabalho, o escritor austríaco Hermann Broch publicou, em 1945, o romance A morte de Virgilio [Der Tod des Vergil] que narra as últimas dezoito horas da vida do poeta Virgílio nas quais se sente atormentado por dúvidas em relação à sua Eneida, considerando o seu poema épico inacabado por carência de um conhecimento profundo da existência humana, e por isso não quer deixar o manuscrito sair das suas mãos. Na interpretação de Broch, esta carência resulta da distância crescente das pessoas em relação aos deuses, da incapacidade humana de entrar em diálogo com o divino. O verdadeiro conhecimento só se alcança em (numa nova) harmonia com os deuses.

Mas o regresso dos deuses aconteceu, nesta altura, não apenas na literatura. James Joyce e Hermann Broch representam dois exemplos literários para o grande número de artistas modernistas que tentaram criar uma nova relação com a mitologia clássica. Também as artes visuais e a música do modernismo estavam povoadas por deuses, ninfas, harpias, centauros, sereias e outros seres mitológicos. Ou seja, uma grande parte da arte modernista (ou moderna) pode ser interpretada como a cabeça de Jano: “One after the other, modernity and references to the antique world are presented under the auspices of Apollonian sunlight or, on the contrary, lit by the glowering darkness of the Chthonian divinities.” (Fabre, 1990: 303).

A mitologia antiga nunca desapareceu – nem desparecerá – por completo do espírito europeu, uma vez que regressa constantemente. Ao longo da história cultural da Europa, a mitologia antiga sempre reapareceu – e provavelmente sempre reaparecerá – com uma funcionalidade e uma aparência exterior diferentes. Na sua divisão tripartida da história europeia – a idade da antiguidade greco-romana; a idade intermédia de decadência, equiparada à época da Idade Média; a época moderna que começou com o renascimento das artes e do espírito antigo – Erwin Panofski chamou a atenção para o facto de que o Renascimento teve antecessores. Assim, o Renascimento não emergiu “like Athene from the head of Zeus” (Panofski, 1944: 201), identificando, no século IX, o “Carolingian revival” no qual houve uma variedade de reprodução de motivos clássicos, e sobretudo de “pictures of the Greek and Roman gods and demi-gods who thus came to be transmitted to the mediaeval world in their authentically pagan shape and form.” No século XIII, surgiu uma “Proto-Renaissance”, assinalada por Panofski como um fenómeno mediterrâneo, visto que aconteceu sobretudo no sul da França e no norte da Itália (Ibid.: 212-213; Burckhardt, 1988: 128). No entanto, no que diz respeito à presença da mitologia clássica nas artes, na literatura ou no pensamento em geral, o “Alto Renascimento” significa um nível inteiramente novo. A partir desta altura, os contos míticos e os deuses da antiguidade já não se limitam a uma simples receção estética da antiguidade, eles entram, de novo, em concorrência com uma verdade singular produzida pelo cristianismo. A mitologia clássica começa a ser utilizada de forma poética e hermenêutica que produz novos mecanismos psíquicos ou possibilidades cognitivas, relacionados com formas diferentes de entender a natureza, a transcendência e o cosmos. O Renascimento representa uma “vida póstuma da antiguidade” (Warburg, 1998) ou a “sobrevivência dos deuses” (Seznec, 1972), verificando o regresso cíclico das divindades antigas. Os deuses ganharam, a partir do Renascimento, uma nova vitalidade e asseguram o seu lugar permanente na história cultural da Europa – e proporcionaram uma opção alternativa de compreensão racional, descrita, em tempos mais recentes, como pensamento polimítico. Num pequeno e polémico texto, publicado pela primeira vez em 1979 e intitulado Lob des Polytheismus. Über Monomythie und Polymythie [Elógio do Politeísmo. Sobre Monomitia e Polimitia], Odo Marquard constatou uma certa pobreza intelectual e cultural no mundo moderno enquanto resultado de um pensamento unidimensional que permite, em geral, apenas uma narrativa única e exclusiva. Na sua argumentação, Marquard entendeu a desmitologização como um mito moderno, e defendeu um reconhecimento de uma variedade de narrativas a partir de um pensamento plural (Marquard, 1981). Na sua conciliação do pensamento plural com a mitologia clássica, Marquard encontra-se filosoficamente no mesmo terreno que muitos poetas, artistas ou pensadores que tentaram, desde o Renascimento, uma revitalização da mitologia clássica.

Ao referir-se explicitamente a Friedrich Nietzsche e sobretudo a Jacob Burckhardt, Aby Warburg falou, em 1927, dos “Auffänger mnemischer Wellen” [recetores de ondas mnémicas] (apud Gombrich, 1991: 344) que transferem, periodicamente, o passado para o presente. Como Aby Warburg tinha demonstrado – através de uma impressionante forma visual – no seu projeto Mnemosyne, estas ondas mnémicas passam pela história inteira cultural da Europa e garantem a memória aos deuses antigos e a sobrevivência (Nachleben) da Antiguidade pagã. As ondas mnémicas, contudo, não se igualam nas suas oscilações espaciais. O comprimento de ondas e as frequências aparecem associados a um contexto histórico que provoca, às vezes, uma memória mais intensa, outras vezes mais fraca. Referindo-se ao ensaio de Warburg e sublinhando a grande diferença entre Burckhardt e Nietzsche, Roberto Calasso assinalou que os deuses e a mitologia podem aparecer sob diversas formas, figurações ou enfardamentos, às vezes simplesmente enquanto existência em papel, outras vezes como alegorias morais, formas retóricas (Calasso, 2003: 31-32), ou modelos cognitivos.

A primeira parte deste artigo consiste na observação de algumas das tentativas principais de revitalização mitológica dentro da história cultural da Europa. De uma forma sumária, procura-se uma aproximação à frequência, amplitude, período, função ou ao comprimento de algumas ondas mnémicas que surgiram dentro da história cultural da Europa, e nomeadamente desde o Renascimento. Na segunda parte do ensaio, pretende-se uma identificação de duas ondas mnémicas em Portugal, contextualizando particularmente o Regresso dos Deuses em Fernando Pessoa e a reinterpretação da mitologia em Sophia Mello Breyner Andresen. Na medida em que assumem uma função concreta num ambiente de desassossegos transcendentais e de inquietações socioculturais, os deuses não representam simplesmente alguns hóspedes fugazes dentro da poesia ou prosa de Pessoa e de Sophia Mello Breyner Andresen. Pretende-se, concretamente, um entendimento da função dos deuses na obra dos dois, e procura-se saber em que sentido se pode entender os deuses como “uma funcção do estylo” (Pessoa, 2013a: 316).

Ou seja, para que servem os deuses clássicos em tempos do para-raios?

A continuação mitológica na história cultural da Europa

“Les mythes n’ont pas de vie par eux-mêmes. Ils attendent que nous les incarnions. Qu’un seul homme au monde réponde à leur appel, et ils nous offrent leur sève intacte.” Albert Camus colocou esta afirmação no início do seu ensaio “Prométhée aux enfers” que aborda a questão sobre a função do mito de Prometeu em tempos modernos (Camus, 1971: 123). Escrito em 1946, o ensaio é caraterizado fortemente pela memória dos terrores da Segunda Guerra Mundial que deixou uma grande parte da Europa em ruínas físicas e psíquicas. Ao questionar-se sobre a forma como a Europa poderia recuperar destas atrocidades, Camus encontra neste semideus uma resposta adequadamente contextualizada, na medida em que anuncia aos mortais a renovação e a reconciliação se forem suficientemente habilidosos, justos e fortes para as realizar com as próprias mãos. Para Camus, o mito tem uma função que depende do seu contexto. Assim o mito é reinventado em gerações diferentes de acordo com as respetivas necessidades, e em cada momento da história cultural da Europa, o mito tem uma função específica que se pode identificar com uma relativa facilidade.

Pronunciar-se sobre o regresso da mitologia grega durante o tempo do Renascimento é, à partida, uma tautologia. A sobrevivência da antiguidade entre os séculos XIV e XVI assinala uma época cultural considerada como o início da modernidade europeia. Nesta altura, o regresso da antiguidade e o nascimento da consciência moderna ocorreram ao mesmo tempo, e este processo sincrónico foi relatado, em 1860 e de uma forma exemplar, na obra Die Kultur der Renaissance in Italien [A cultura do Renascimento na Itália] de Jacob Burckhardt. No que diz respeito às ondas mnémicas, as divindades e os heróis antigos reaparecem em toda a vida sociocultural do Renascimento: na linguagem literária, na iconografia, na arquitetura, na filosofia ou nas festas da corte (Burckhardt, 1988). Em relação ao seu itinerário material, a antiguidade chegou ao Renascimento através da (re)descoberta das esculturas antigas (e.g. o grupo de Laocoonte em 1506 e de Hércules Farnese em 1546, a publicação da obra Imagini de gli dei delli antichi de Vincenzo Cartari em 1556), e sobretudo a partir da (re)leitura de obras clássicas. A influência das Metamorfoses de Ovídio (Guthmüller, 1986) é particularmente evidente nas obras literárias de Dante, Bocácio, Petrarca ou Shakespeare, e as grandes obras da pintura renascentista dão a impressão de um enorme banquete dos deuses e semideuses. A função da mitologia clássica, porém, está mais visível e explícita na filosofia de Gemisto Pletão, Marsílio Ficino ou Giovanni Pico della Mirandola. As suas obras humanistas têm em comum uma reforma educacional que articula, a partir da redescoberta da filosofia platónica, uma junção entre conhecimento teórico e virtudes práticas. Ao superar a filosofia escolástica, as ideias humanistas destinavam-se à realização de uma humanidade ideal. Assim, Gemisto Pletão entende a sociedade cristã como um desenvolvimento errado que vai ao contrário do ideal humanista. Para corrigir esta direção, Gemisto Pletão desenvolveu um neoplatonismo complexo que integrou elementos pitagóricos e zoroastrianos, e tentou, sobretudo, revitalizar o politeísmo antigo no qual Zeus, enquanto deus mais elevado, ia substituir o Deus do cristianismo. Embora Marsílio Ficino não tenha defendido o politeísmo tão abertamente como Gemisto Pletão, um dos seus grandes contributos para o desenvolvimento da filosofia humanista foi a tradução do Corpus Hermeticum que representa um conjunto de textos diversos sobre a criação do mundo, a forma do cosmos, e a sabedoria humana e divina. Considera-se a figura mítica de Hermes Trismegisto como autor dos textos, e o nome revela uma fusão sincrética do deus grego Hermes com o deus egípcio Tote.

Visto no seu conjunto, a revitalização da antiguidade rasgou, a partir do século XIV, o véu medieval “tecido de fé, infantilidade e ilusão”, despertou “a consideração objetiva (...) de todas as coisas neste mundo” e possibilitou uma verdadeira consciência individual: “(...) o homem torna-se assim um indivíduo intelectual e reconhece-se como tal” (Burckhardt, 1988: 99). Um exemplo bem ilustrativo do nascimento da moderna consciência individual são os Orti Oricellari em Florença, nos quais se encontraram escritores ou filósofos que desenvolveram nestes jardins uma nova forma de raciocínio que se afastou da intervenção divina e conduziu a um mundo secular. Um dos visitantes mais célebres dos jardins de Bernardo Rucellai foi Niccolò Machiavelli que deu aqui origem a um pensamento político que continua a distinguir a modernidade europeia. Trata-se de um dos lugares simbólicos onde se pode observar uma onda mnémica numa amplitude máxima (Calasso, 2003: 31-32). Um dos objetivos principais dos filósofos e escritores humanistas consistiu no desenvolvimento de uma ética humanamente autodeterminada. Para conseguir este objetivo, sentiam a necessidade de voltar aos textos antigos que foram entendidos como fontes genuínas, incluindo também a mitologia pagã. Durante o Renascimento, a mitologia antiga assumiu uma função crucial no desenvolvimento do indivíduo moderno, e assim, os deuses antigos podem ser entendidos como alguns dos funcionários mais qualificados e decisivos na conceção da Europa moderna.

Nos séculos XVII e XVIII, é notório um retiro temporal dos deuses que se transformaram, nesta altura, em estátuas congeladas de um classicismo estéril. Johann Joachim Winckelmann pode ser considerado um testemunho distinto deste congelamento e, ao mesmo tempo, um inovador importante na reinterpretação da antiguidade grega. A sua célebre fórmula da “nobre simplicidade e grandeza tranquila” moldou, sem dúvida, o ideal estético do classicismo europeu. Mas esta noção provocou, ao mesmo tempo, uma incerteza sobre o papel moderno da antiguidade e da sua mitologia. Será que representam simplesmente uma conjetura estética, ou devem ser entendidas, na verdade, como um reflexo autêntico de uma beleza espiritual e dignidade humana? Para Winckelmann, a beleza da arte antiga não é propriamente uma interpretação fidedigna da mitologia, mas sim o resultado de uma harmonização. Referindo-se nomeadamente ao grupo de Laocoonte, Winkelmann interpreta a beleza antiga como um autocontrolo e uma moderação em situações de grande agonia e emoção. Mesmo o momento violento do estrangulamento do sacerdote de Apolo e dos seus dois filhos por duas serpentes não provoca nenhum “grito horrível de dores”. A objeção mais conhecida foi levantada, em 1766, por Gotthold Ephraim Lessing no seu texto Laokoon oder über die Grenzen der Mahlerey und Poesie [Laocoonte, ou dos limites da pintura e da poesia] no qual se referiu à sua leitura da Eneida de Virgílio que sublinhou uma lamentação visível e audível de Laocoonte. O grande mérito de Winkelmann consiste na renovação da memória do mundo antigo, mas foi alvo de várias objeções pela sua defesa do princípio da imitação, uma vez que o mesmo parece reprimir a força viva das figuras mitológicas.

Direta ou indiretamente influenciadas pelos escritos Winckelmann e Lessing, surgiram, no final do século XVIII, novas reivindicações da mitologia clássica. Nos seus Vorlesungen über die Ästhetik [Leituras sobre a Estética], proferidas entre 1820 e 1829 em Berlim, G.W.F. Hegel consertou que “tem havido, nos últimos tempos, queixas frequentes sobre o declínio da arte clássica (...).” Os anseios de ouvir novamente os deuses e os heróis gregos estão expressos sobretudo na poesia, e muitas vezes enquanto protesto contra o cristianismo (Hegel, 1970: 113). Como Hegel também reparou, os versos mais ilustrativos destas reivindicações encontram-se no poema “Die Götter Griechenlands” [“Os deuses da Grécia”] de Friedrich Schiller, publicado pela primeira vez em 1788 na revista Der Teutsche Merkur: “Einen zu bereichern, unter allen, | Mußte diese Götterwelt vergehn. | (...) | Da die Götter menschlicher noch waren, | Waren Menschen göttlicher.” [“Para enriquecer um, entre todos, | Este mundo dos deuses tinha de perecer. |(...) | Uma vez que os deuses eram mais humanos, | Os humanos eram mais divinos.”]. Na medida em que a antiga pluralidade divina foi substituída por um Deus cristão – que insiste, de forma ciumenta, na sua autoridade exclusiva e distante –, Schiller identifica o seu próprio tempo como uma época triste e excluída de qualquer beleza, alegria ou divertimento: “Da ihr noch die schöne Welt regiertet, | (...) | Wie ganz anders, anders war es da! | Da man deine Tempel noch bekränzte, | Venus Amathusia!” [Quando o mundo belo ainda era o vosso domino, | (...) | Era tudo tão diferente, era tudo um outro tempo, | De flores ainda se coroava o teu templo! | Vénus Amatúsia!”]. Nestes versos, o Deus cristão surge como o culpado principal do desaparecimento dos deuses antigos. Todavia, no poema de Schiller aparece, pela primeira vez, um elemento novo que dificultará, no futuro, uma nova encenação da antiga dança dos deuses. Sem menção explícita, Schiller refere-se ao pensamento exclusivamente racional que já há algum tempo começou a reclamar uma posição dominante: “Wo jetzt nur, wie unsre Weisen sagen, | Seelenlos ein Feuerball sich dreht, | Lenkte damals seinen goldnen Wagen | Helios in stiller Majestät.” [“Onde agora, como dizem os nossos sábios, | Somente se move uma bola de fogo sem alma, | Conduzia então o seu carro dourado, | Hélio, na sua majestade calma.”] (Schiller, 2005: 184-190). Assim, a reivindicação do regresso dos deuses antigos não se apresenta apenas contra o cristianismo, mas também contra a frieza e esterilidade emocionais de uma racionalidade instrumental que nasceu, alguns anos mais cedo, com o pensamento iluminista – e que já não identifica o sol com o Hélio, mas sim com uma bola de fogo sem alma. A perfeição enciclopedista, a ordem sistemática, as capacidades cognitivas e a beleza do conhecimento objetivo podem ser entendidas como um grande progresso na história humana. Mas os próprios filósofos iluministas já tinham tido uma noção relativamente clara de que este mesmo progresso incluía um certo perigo se a fantasia e a emoção humanas – e também o pensamento mitológico – fossem abandonadas (Wertheimer, 2020: 312-14). Neste sentido, Schiller insinuou, neste poema magnífico, a impossibilidade de uma vida puramente racional.

Um dos documentos mais representativos que se refere, de uma forma inconfundível, ao conflito entre racionalidade e mitologia é um pequeno fragmento enigmático com o título Das älteste Systemprogramm des deutschen Idealismus [O mais antigo programa sistemático do Idealismo alemão] que tem a caligrafia de G.W.F. Hegel, mas foi elaborado, por volta de 1796/97, em conjunto por Hegel, Friedrich Schelling e Friedrich Hölderlin. Ainda na sombra dos excessos da segunda fase da Revolução Francesa, do terror jacobino e da radicalização dos sans-culottes, os três jovens estudantes da universidade de Tübingen desenvolveram neste texto um entendimento novo e bastante moderno da relação entre racionalidade e mitologia:

>Monoteísmo da razão e do coração, politeísmo da imaginação e da arte, eis do que precisamos. Falarei aqui, em primeiro lugar, de uma ideia que, tanto quanto sei, ainda não arribou ao tino de homem algum – devemos ter uma nova mitologia, mas esta mitologia deve estar ao serviço das ideias, deve tornar-se uma mitologia da razão. (Hegel, 2009: 4).

Neste pequeno fragmento de duas páginas encontra-se, pela primeira vez, uma formulação clara que a racionalidade e a mitologia não têm de ser necessariamente antagónicas. Ou seja, no final do século XVIII, surgiu a ideia de uma “mitologia nova” que deixou os seus traços visíveis na poesia, na arte e na política da modernidade europeia. O mito ganha uma diferente função cultural e baseia-se na mitologia antiga, mas não pretende necessariamente uma revitalização das divindades antigas. A Grécia antiga já não é uma região de um retiro nostálgico ou da fuga saudosa, mas sim um lugar contemporâneo ou futuro de reflexão e de imaginação. Trata-se de um lugar ideal que permite uma observação nítida dos processos de declínio e de decadência dentro de uma modernidade racional, e, ao mesmo tempo, uma conceção de um futuro melhor. Esta mitologia nova está presente, par excellence, no poema “Brod und Wein” [“O pão e o vinho”] de Friedrich Hölderlin. Elaborado muito provavelmente no inverno de 1800/01, este poema retrata um diálogo com Heinze (isto é Wilhelm Heinse, escritor e amigo de Hölderlin) e começa com uma lamentação da perda de uma vida realizada. Como se lê nos primeiros versos, a vida humana reduz-se a uma rotina diária entre trabalho e descanso, e apenas “de jardins longínquos vêm sons dedilhados; talvez de | Algum enamorado ou homem solitário | Que recorde amigos distantes e o tempo da sua juventude; e as fontes | Jorrando ininterruptas e frescas rumorejam em seu canteiro perfumado.” Os “amigos distantes e o tempo da sua juventude” são uma primeira referência à antiguidade que se tornará um lugar remoto de partida e, sincronicamente, um espaço presente de encontro com der kommende Gott [o “Deus que há-de vir”]: “Por isso, vem! Para que contemplemos o espaço aberto, | Para que procuremos o que é nosso, por muito longe que se encontre. | (...) | Junto ao Parnaso e a neve rodeia de luz os rochedos délficos, | Vem à terra do Olimpo, aos cumes do Citéron, | Passar sob os abetos e os vinhedos donde | Se avista ao fundo Tebas e o Ismeno que rumoreja na terra de Cadmo | De onde o Deus que há-de vir se aproxima e para trás aponta.” O “Deus que há-de vir” ainda não tem nome, mas percebe-se depressa que Hölderlin fala de Dioniso. Porém, não é por acaso que Dioniso ainda continua anónimo, visto que se trata de uma metáfora mítica de esperança: ou seja, de um verdadeiro advento. Embora já esteja apontado na primeira estrofe, é apenas na sétima estrofe onde aparece muito claramente o contraste entre o luto pelo tempo perdido de uma vida preenchida e a memória nos deuses que vivem, supostamente, num mundo diferente: “Mas nós, amigo, chegamos demasiado tarde. Certo é que os deuses vivem, | Mas acima de nós, lá em cima, noutro mundo. | (...) | Depois eles chegam, trovejantes. Entretanto penso por vezes | Que é melhor dormir do que estar assim sem companheiros, | Nem sei perseverar assim, nem que fazer entretanto, | Nem que dizer, pois para que servem poetas em tempo de indigência? | Mas eles são, dizes, como sacerdotes santos do deus vinho, | Que em noite santa vagueavam de terra em terra.” Nas oitava e nona estrofes aparece finalmente o “Deus que há-de vir” trazendo vinho e pão que representam o Dioniso e Deméter. Ou seja, o “Deus que há-de vir” oferece-se a si próprio em forma de vinho e a Deméter em forma de pão que “é o fruto da terra” mas “abençoado pela luz”. Mas esta última parte do verso enuncia admiravelmente a possibilidade de uma fusão entre Dioniso e Cristo (Hölderlin, 2001: 1006-8). Esta fusão exprime, enfim, a “mitologia nova”, tendo em conta que a mesma realiza a junção do “monoteísmo da razão e do coração” – que simboliza a interioridade subjetiva do individuo moderno – e do “politeísmo da imaginação e da arte” – que representa a pluralidade do mundo exterior.

No poema de Hölderlin, a “mitologia nova” aparece através de Dioniso que é um deus do futuro com a função de evitar a viragem da razão para um instrumento impassível, autodestrutivo e inumano, ou para um niilismo temível. Assim, o “Deus que há-de vir” tem a função de estabelecer um equilíbrio, na medida em que oferece um contrabalanço perante uma racionalidade mecânica que tendencialmente desencanta o mundo moderno. Neste sentido, Hölderlin foi provavelmente um dos primeiros poetas da modernidade que não se refere, como costume, ao papel subversivo do deus de vinho. Pelo contrário, no seu poema (re) descobre a função equilibrante ou estabilizante de Dioniso. Em 1872, ou 70 anos depois do anúncio do “Deus que há-de vir”, o Dioniso reaparece em Friedrich Nietzsche (que designou Hölderlin como o seu poeta preferido) praticamente com a mesma função. Logo no primeiro capítulo do seu livro Die Geburt der Tragödie [O nascimento da tragédia], Nietzsche sublinha inequivocamente a função equilibrante do mito – ou exatamente da “magia do dionisíaco” –, capaz de selar novamente o laço entre as pessoas. A natureza alheada, inamistosa ou subjugada “celebra novamente a reconciliação com seu filho perdido – o homem.” (Nietzsche, 1988a: 29).

Na altura da sua publicação, esta primeira obra de Nietzsche foi, porém, muito criticada e as suas referências à mitologia pareciam um esforço anacrónico. A compatibilidade entre uma Europa em vias de uma industrialização acelerada e a mitológica clássica parecia impossível. Já em 1826, referindo-se diretamente ao poema “Os deuses da Grécia” de Schiller, Heinrich Heine escreveu um poema com o mesmo título, mas apresentou os deuses clássicos de uma forma bastante ambivalente. Nas nuvens do céu, Heine identifica todos os habitantes do panteão antigo, mas na verdade, os deuses aparecem apenas como fantasmas da meia-noite que necessitam de piedade e misericórdia. A ambivalência consiste na lembrança dos deuses antigos em contraste com virtudes cristãs que Heine considerou falsas e hipócritas. Isto é, os deuses novos do cristianismo (no plural) não se distinguem por virtudes verdadeiras, mas sim por cobardia ou deslealdade. Em 1853, no seu ensaio-conto Die Götter im Exil [Os deuses no exílio], Heine repetiu a ideia dos deuses abandonados e despojados da sua antiga grandeza, e este texto parece igualmente uma reação imediata a um outro texto. É uma curiosidade literária que Charles Baudelaire se lembrou, exatamente dois anos antes, em 1851, de um banquete em memória da Revolução de 1848, no qual um dos convidados fez um brinde ao grande deus Pã que, na sua convicção, ainda não morreu. E com grande firmeza, o convidado declarou o regresso do grande Pã para breve: “Non, le dieu Pan n’est pas mort! le dieu Pan vit encore, reprit-il en levant les yeux au ciel avec un attendrissement fort bizarre... Il va revenir.” Este texto, intitulado L’École païenne [A escola pagã], é uma crítica dirigida diretamente a Heinrich Heine, tendo em consideração que a ideia da sobrevivência do deus Pã pode nascer apenas num cérebro que leu demais “Henri Heine et sa littérature pourrie de sentimentalisme matérialiste.” De uma forma geral, Baudelaire queixa-se de uma invasão dos deuses antigos que caiem na sua cabeça como chaminés a cair na cabeça de outras pessoas: “Depuis quelque temps, j’ai tout l’Olympe à mes trousses, et j´en souffre beaucoup; je reçois des dieux sur la tête comme on reçoit des cheminées. (...) Impossible de faire un pas, de prononcer un mot, sans buter contre un fait païen.” (Baudelaire, 1961: 623-625). Contudo, a animosidade entre os dois é apenas aparente. Roberto Calasso reparou que os dois defendem, em princípio, a mesma opinião. Os deuses do Olimpo estão ainda vivos, mas agem e vivem num demi-monde (Calasso, 2003: 20). A ironia em Heine e Baudelaire explica-se por numa simultaneidade. Por um lado, compreenderam perfeitamente que os deuses já não podem voltar com a sua “nobre simplicidade e grandeza tranquila”, nem conseguirão recomeçar uma nova dança numa floresta romanticamente encantada. Por outro lado, entenderam com a mesma perfeição a impossibilidade de viver num mundo desencantado, e que o cristianismo não é uma religião capaz de corresponder à pluralidade da imaginação e da arte. Assim, a mitologia não perde nada do seu fascínio e da sua vitalidade, e parece que o homem continua a ter a necessidade de elucidar o seu mundo através de mitos.

Também no século XX, a sobrevivência da mitologia clássica continuou a ser uma das importantes questões filosóficas e poéticas, muitas vezes debatida a partir da suposta oposição entre mito e logos. Alguns defenderam o logos, outros assinalaram que o mito mantém a sua necessidade. Na suposição de que o logos tem a tendência de destruir a humanidade que ele próprio criou, e de provocar um vazio sombrio de emancipação racional, Max Horkheimer e Theodor Adorno publicaram, em 1944, o livro Die Dialektik der Aufklärung [A dialética do Iluminismo], onde repararam, nas primeiras páginas, que “o mundo totalmente iluminado brilha sob o sinal do desastre triunfante.” Na sua opinião, o programa do Iluminismo visava, direta ou indiretamente, destruir os mitos e derrubar a fantasia com uma racionalidade puramente analítica, e conduziu assim para o infortúnio do fascismo, de regimes totalitários ou de formas extremas do capitalismo (Horkheimer e Adorno, 1989: 16). A humanidade, porém, pode entrar apenas num estado verdadeiramente iluminado realizando uma separação entre racionalidade e poder ou autoridade. Nesta argumentação, os perigos de uma racionalidade fria e sem emoção são bem identificados, mas a dificuldade do livro consiste numa utilização algo elitista do conceito da racionalidade. Horkheimer e Adorno admitem, de uma forma implícita, que apenas algumas pessoas com uma verdadeira educação cultural podem empregar a razão sem cair na tentativa de usurpação. Assim, o Iluminismo não significa um processo de libertação, mas sim um processo universal de autodestruição que pode ser parado apenas a partir da autocontemplação ou autocrítica racional. Tal como o programa tradicional do Iluminismo, este processo de uma nova autocontemplação é incompatível com o mito. Neste sentido, o logos necessita de um autocontrolo, mas continua vitorioso sobre o mito.

Devido à influência de Horkheimer e Adorno, ou de Max Weber – e em grande parte também devido ao “mito revolucionário” de Georges Sorel ou à usurpação fascista do mito (e.g. Der Mythos des zwanzigsten Jahrhunderts [O mito do século XX] de Alfred Rosenberg) –, o mito tornou-se, depois de 1945, quase um termo tabu, ou uma ocupação invulgar para algumas cabeças excêntricas. Em 1979, surgiu, porém, uma nova reabilitação do mito com o trabalho fundamental de Hans Blumenberg. No seu livro Arbeit am Mythos [Trabalho no mito], Blumenberg colocou várias questões para compreender a fascinação contínua do mito dentro da modernidade. De onde vem a intemporalidade da mitologia? Como se pode explicar as adaptações permanentes? Quais foram ou são as transformações às quais os mitos estão sujeitos nas suas interpretações modernas, permanecendo, contudo, essencialmente os mesmos? Será que o homem tem uma necessidade de mitos? Ao sentir-se confrontado, em muitas ocasiões, com uma difusa ansiedade existencial ou com a inexplicabilidade de alguns processos da vida, o homem continua a tentar estruturar a sua realidade com uma ajuda mitológica. Assim, o mito continua a ter a capacidade de tornar compreensível o inexplicável. A permanência dos mitos é explicada pela sua capacidade de dar respostas que não parecem dogmáticas, e de oferecer compensações em momentos de carência existencial. O que se entende, hoje em dia, como mito, atravessou, num passado longínquo, um extenso processo de purificação e perdeu, assim, a sua origem, de modo que apenas uma versão otimizada e universalmente aplicável permanece. Ou com palavres mais poéticas: “O mito é o nada que é tudo. | Este que por aqui aportou| foi por não ser existindo | sem existir nos bastou.” (Pessoa, 2004: 19). O mito é aplicável num grande número de contextos diversos, mas permanece constantemente igual de si. Em princípio, e usando igualmente o exemplo de Prometeu, Blumenberg repete a afirmação de Camus a partir da qual os mitos não têm vida própria, mas encontram as suas funções em incarnações contemporâneas (Blumenberg, 2019). Prometeu é uma prova exemplar de que a mitologia é indestrutível, uma vez que cada poeta pode sentir-se uma representação do titã, criando (ποιητής – poiētēs – criador/poeta) homens à sua imagem própria, e assim revoltar-se contra o Deus mais alto dos gregos – e/ou dos cristãos: “Hier sitz’ ich, forme Menschen | Nach meinem Bilde, | Ein Geschlecht, das mir gleich sei, | Zu Leiden, weinen, | Genießen und zu freuen sich, | Und dein nicht zu achten, | Wie ich.“ [“Pois aqui estou! Formo Homens | À minha imagem, | Uma estirpe que a mim se assemelhe: | Para sofrer, para chorar, | Para gozar e se alegrar, | E para não te respeitar, | Como eu!” (trad. de Paulo Quintela)] (Goethe, 1998: 46).

Uma outra demonstração da funcionalidade contemporânea encontra-se em Odo Marquard que publicou, como já indicámos, um pequeno texto com o título provocador Lob des Polytheismus. Über Monomythie und Polymythie [Elógio do Politeísmo. Sobre Monomitia e Polimitia]. No pensamento filosófico de Blumenberg e Marquard há muitas afinidades, e ambos basearam as suas obras, em parte, na conceção antropológica de Arnold Gehlen que compreendeu o homem como Mängelwesen [um ser de carências] que necessita compensações – ou um Prometeu enquanto mensageiro de uma consciência cultural. Por vias diferentes, os dois analisaram a incompatibilidade entre uma modernidade plural (ou várias modernidades plurais) e as revindicações de mono-verdades mais ou menos radicais. No seu Elógio do Politeísmo, Odo Marquard relata uma incompatibilidade de um mono-mito com uma pluralidade moderna que ia conciliar-se mais facilmente com uma polimitia. Ou seja, uma variedade de narrativas adapta-se melhor às características de uma atualidade plural. Na sua “tese final sobre os mitos”, Marquard defende uma aufgeklärte Polymythie (polimitia esclarecida) que corresponde melhor ao mundo especificamente moderno, ou seja: “o politeísmo e a polimitia podem voltar – de forma desencantada” (Marquard, 1981: 106-07). Embora o politeísmo em Marquard seja “desencantado”, o seu pequeno texto chamou novamente a atenção para uma questão relativamente simples que já tinha surgido mais cedo: Como se deve ou pode comportar num mundo dominado por muitas verdades diferentes? A mitologia em Marquard é desencantada, mas continua funcional enquanto um processo epistemológico dentro de uma realidade cada vez mais diversificada e plural.

De uma forma sumária, a sobrevivência da mitologia foi e é, em toda a Europa, um tema importante nos debates intelectuais, na literatura, na música ou nas artes visuais. A mitologia continua a estar viva na antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss, na filosofia de Leszek Kolakowski, no surrealismo francês, na etnologia de Sir James Frazer ou nos poemas sinfônicos de Alexander Scriabin. Os exemplos são inumeráveis. E também nas margens do Tejo houve um poeta e uma poetisa que observaram atentamente a vitalidade extraordinária do mundo olímpico.

O Olimpo na margem do Tejo

No princípio era Homero. Fernando Pessoa e Sophia de Mello Breyner Andresen foram os escritores portugueses do século XX com a maior afinidade para com a antiguidade clássica que começou, nos dois casos, com a leitura de Homero. Na biblioteca particular de Pessoa encontram-se três edições diferentes da Odisseia (uma tradução francesa e duas traduções inglesas, uma delas numa edição de luxo da editora George G. Harrap and Company) e duas edições da Ilíada (uma tradução francesa e uma tradução inglesa), e o seu heterónimo Ricardo Reis referiu-se a Homero com uma das mais altas considerações possíveis: “Deve haver, no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note que existiu Homero.” (Pessoa, 2003: 268). De acordo com a sua própria declaração, dada numa entrevista a António Guerreiro, Sophia de Mello Breyner terá tido o seu primeiro contacto com Homero já com doze anos, lendo uma tradução francesa do poeta parnasiano Leconte de Lisle “Quando tinha doze anos, encontrei uma tradução da Odisseia de Leconte de Lisle e lembro-me que esse livro tornou-me presente o Verão, o mar, a relação com o mundo que eu queria. Homero,é, para mim, uma referência matriz.” Já um pouco mais cedo, ou “no ano em que aprendi a ler”, Sophia de Mello Breyner teve o seu primeiro contacto com a mitologia grega que era o título de um livro que a sua mãe comprou, durante as férias de verão, “numa espécie de tabacaria” (Guerreiro, 1989: 54). Embora não seja muito surpreendente que a fascinação pelos deuses olímpicos tenha a origem na leitura das duas grandes epopeias homéricas, reconhece-se de imediato que a mitologia ressuscitou, na obra dos dois, numa forma diferente. Os deuses voltaram de uma forma imponente nas obras de Pessoa e Sophia de Mello Breyner, mas com funções diversas.

O Regresso dos Deuses em Pessoa foi uma fase comparativamente curta, mas teve um impacto enorme. A chamada fase neopagã ocupou, grosso modo, os anos entre 1914 e 1918 e tem um significado duplo. Por um lado, os deuses regressam quase literalmente nos textos dos heterónimos Ricardo Reis e António Mora. Por outro lado, a obra inteira de Pessoa representa uma espécie de politeísmo desencantado ou de polimitia esclarecida no sentido de Odo Marquard. O neopaganismo em Pessoa nasceu no dia 8 de março de 1914 quando escreveu os primeiros versos do Guardador de Rebanhos. Um pouco mais tarde, Álvaro de Campos designa Alberto Caeiro como a “consubstanciação” do paganismo. Em consequência dos seus encontros com o Mestre Caeiro, Ricardo Reis e António Mora redigiram inúmeros textos de introdução teórica na obra de Caeiro, justificando em pormenor a necessidade absoluta destes versos para possibilitar o regresso dos deuses: “A obra de Caeiro representa a reconstrucção integral do paganismo, na sua essencia absoluta, tal como nem os gregos nem os romanos, que viveram nelle e por isso o não pensaram, o puderam fazer.” (Pessoa, 2016: 283). Na obra de Alberto Caeiro não há deuses, mas os seus versos representam o fundamento lógico para o regresso dos deuses, visto que com o seu objetivismo nasce novamente a predisposição cognitiva necessária para reconhecer a existência dos deuses. A suposta simplicidade de Caeiro representa uma enorme complexidade filosófica. Dentro da mentalidade pagã – como concebido por Pessoa – o ser humano não se entende como um outro perante os deuses. Caeiro não se entende como uma existência pessoal confrontada com um universo incomensurável, mas sim como uma parte integral deste universo. Para o renascimento do paganismo era preciso “que começasse por aparecer um pagão. (...) Apareceu Alberto Caeiro.” (Pessoa, 2013b: 103).

Nos seus textos, Reis e Mora autodefinem-se como “pagãos ortodoxos” – ou como os apóstolos do Mestre Caeiro – e desenvolvem um anticristianismo feroz. António Mora parece, às vezes, um leitor de Karl Marx apontando para o cristianismo como “a primeira forma conhecida do ópio ou da cocaína”, e demonstra um conhecimento profundo da filosofia de Nietzsche, na forma como se refere constantemente à distinção nietzscheana entre “saúde” e “doença”, designando a religião cristã “a maior doença das civilizações” (Pessoa, 2013b: 35 e 97). Uma grande ironia consiste no facto de que António Mora está internado numa “Casa de Saúde” em Cascais onde pode desenvolver a sua teoria sobre os deuses, protegido de todas as influências patológicas do cristianismo. A “Casa de Saúde” é o templo que permite o regresso dos deuses, e António Mora, vestido com uma toga, é o sacerdote ou o especialista religioso, capaz de explicar em pormenor como a religião pagã funciona social e politicamente. Mora e Reis são pagãos ortodoxos – ou “Reis é um pagão por carácter” e Mora “é um pagão por inteligência” como disse Álvaro de Campos (Pessoa, 2014: 455) – porque acreditam num regresso real dos deuses. As odes de Ricardo Reis são tábuas votivas nos altares de deuses. Nos seus inúmeros textos teóricos, Reis pretende uma demonstração da viabilidade do regresso dos deuses que desapareceram apenas aparentemente por razões de uma negligência visual: “Os deuses não morreram: O que morreu foi a nossa visão d’elles. Não se fôram: deixámos de os vêr. Ou fechámos os olhos, ou entre elles e nós uma névoa qualquér se entremetteu. Subsistem, vivem como viveram, com a mesma divindade e a mesma calma.” (Pessoa, 2016: 287).

António Mora desenvolveu uma quantidade impressionante de pensamentos sobre as condições e consequências sociais, culturais, políticas, estéticas e metafísicas de um sistema pagão. Com fundamento na obra de Caeiro – que entendeu como reaparecimento “da primitiva grega forma de filosofar pela poesia” (Pessoa, 2013b: 56) – Mora procurou a eliminação da individualidade subjetiva e combateu, em consequência, a filosofia de Descartes e sobretudo a de Kant. Para Mora, o filósofo de Königsberg representa “a forma mais doente” do moderno espírito filosófico. O “subjectivismo” de Kant aparece como o oposto absoluto do “objectivismo” de Caeiro, e assim, ele é um pensador cristão par excellence: “Kant foi cristianissimo. [...] O subjectivismo christão levado a theoria maxima.” (Pessoa, 2013b: 131). Mora formula uma teoria de uma sociedade pagã e procura traçar um caminho viável – que já se encontra claramente delineada na obra de Caeiro – para o regresso dos deuses. Em princípio, António Mora e Ricardo Reis complementam-se. António Mora é o teórico do paganismo e patenteia um conhecimento fascinante do sistema social, cultural e político do politeísmo da antiguidade. Os deuses, porém, permanecem algo anónimos, e praticamente não há nenhuma referência direta a qualquer deus concreto. Em Ricardo Reis há inúmeras referências reais a uma variedade de deuses, ninfas ou outros figuras mitológicas. Na obra de Reis, eles aparecem como diferentes “representations of concepts, arts, spaces, elements and natural phenomena.” (Rico, 2015: 201). Reis reconhece o panteão como um edifício sempre aberto para qualquer deus novo, tal como “O triste deus christão. | Christo é um deus a mais, | Talvez um que faltava.”, e contradiz todos aqueles – de Plutarco até Schiller, Heine ou Baudelaire – que até agora afirmaram o desaparecimento os deuses antigos: “O deus Pan não morreu. | [...] | O deus Pan, o imortal.” (Pessoa, 2016: 42-43). Neste sentido, Ricardo Reis é – usando um termo da sociologia contemporânea – um crente praticante que sacrifica os seus versos regularmente nos templos dos deuses: “Consegui que d’esta hora | O sacrifical fumo | Subisse até ao Olympo. | E escrevi versos | Pra que os deuses voltassem.” (Pessoa, 2016: 70).

Mora e Reis tentaram praticar um paganismo ortodoxo, mas manifestaram também as suas dúvidas acerca da possibilidade de viver uma fé pagã depois de 2000 anos de cristianismo. Para defender-se dum ambiente que foi entendido por eles como hostil e patológico, Mora isolou- -se na “Casa de Saúde” e Reis procurou abrigo numa filosofia própria, na qual misturou elementos do estoicismo e epicurismo. Todavia, percebe-se que o paganismo ortodoxo de Reis e Mora não ultrapassa um anacronismo. Ao contrário desta atitude anacrónica, Fernando Pessoa (e também Álvaro de Campos) reconhece, desde o início, a impossibilidade de regressar diretamente à Grécia antiga. Adentro do programa neopagão, Pessoa pertence ao chamado ramo ortodoxo que “acceita a sensibilidade moderna e os seus resultados mórbidos, reconhecendo- -os como mórbidos, mas tendo-os, ao mesmo tempo, por inirradicaveis.” (Pessoa, 2016: 70). Na verdade, Pessoa nunca partilhou seriamente as intenções de Mora e de Reis que tentaram realmente erguer os antigos altares com todas as consequências políticas, sociais, culturais, metafísicas e religiosas. No entanto, Pessoa patenteou uma grande atração pelo Imperador Juliano Apostata que pretendeu, no seu reino curto entre 361 e 363, reerguer os templos dos deuses que já tinham desaparecido na memória da grande maioria da população do Imperio Romano. Na sua biblioteca particular, encontram-se os primeiros dois volumes de The Works of the Emperor Julian (originalmente em três volumes) e o espólio conta dez poemas (Pitella, 2017) nos quais Pessoas aparece quase como uma reincarnação deste último imperador pagão cujas palavras finais exprimiram a vitória final do cristianismo: Vicisti, Galilæe. O imperador Juliano Apostata conseguiu, de facto, atrair muitas simpatias na literatura moderna, de Henrik Ibsen até Gore Vidal, mas foi sobretudo Ricardo Reis que contestou a afeição de Pessoa por Juliano, alegando, com alguma razão, que o Imperador teve uma certa inclinação para o mitraísmo e tentava restabelecer o paganismo numa época “em que o sentimento do paganismo já não existia” (Pessoa, 2016: 266-67). Para perceber o paganismo de Pessoa, seria necessário encarar a sua afeição por este Imperador romano, que sempre se sentiu mais grego, menos literal e mais simbólico. O fascínio de Pessoa não se reduz ao ato real de reerguer os altares antigos, mas sim à tentativa de perpetuar uma mundividência que se baseia numa pluralidade – que é o ponto central em todo o programa do neopaganismo em Pessoa.

Isto é, uma análise do seu neopaganismo ficará sempre incompleta sem examinar “a essencia subjectiva” “o sentido interior do polytheismo”, ou sem interpretar “a interiorização do paganismo” (Pessoa, 2016: 319). Embora existam apenas raras referências explícitas ao “sentido interior do polytheismo”, encontram-se nas suas reflexões estéticas inúmeras analogias entre os textos neopagãos e sensacionistas que explicam perfeitamente esta conceção. A fase neopagã e o sensacionismo apareceram e desapareceram na obra de Pessoa quase sincronicamente. Uma das ligações mais óbvias consiste na afirmação de que Alberto Caeiro não foi apenas o reconstrutor do sentimento pagão, mas também o fundador – ou o “chefe” – do movimento sensacionista (Pessoa, 2009: 145 e 161). Os seus discípulos Fernando Pessoa e Álvaro de Campos identificaram-se como pagãos heterodoxos (sobretudo o primeiro) ou como “pagão por revolta” (o segundo), e manifestaram, ao mesmo tempo, a sua participação no movimento sensacionista. Assim, nos textos sobre o sensacionismo existe uma grande quantidade de expressões que ligam o paganismo diretamente a este movimento estético. Numa das várias introduções à leitura da revista Orpheu, lê-se o seguinte: “Os sensacionistas procuram [...] realizar o paganismo transcendental [...].” Outras afirmações são ainda mais explícitas, tais como: “Sensationism stands for the aesthetic attitude in all its pagan splendour.” ou “Sensationism. After all this attitude is no more than The High[er] Paganism. (Call it sensationism for advertising, perhaps, but H[igher] P[aganism] is its real name.)” (Pessoa, 2009: 55, 157 e 171). Provavelmente devido à sua “tendência de complexificação”, Pessoa nunca chegou a uma sistematização final do seu sensacionismo. Este facto dificulta a perceção teórica da sua doutrina estética que é, afinal, uma defesa de uma organização plural das sensações individuais. No que diz respeito à inclinação filosófica de Pessoa, o sensacionismo pode ser entendido também como uma espécie de perspetivismo que encara a realidade, duplamente, a partir de perspetivas diferentes. Trata-se de diferentes perspetivas locais – ou seja, os lugares diferentes de onde a realidade é encarada – e de diferentes perspetivas individuais – ou seja, os diferentes indivíduos (os heterónimos) que observam a realidade. Embora a sua opinião sobre Friedrich Nietzsche tenha sido sempre bastante negativa, nesta conceção de Pessoa encontra-se mais uma semelhança com o filosofo alemão que entendeu o perspetivismo como a condição fundamental da vida. Há apenas uma compreensão perspetivista a partir de muitos olhos. E ao saber utilizar o maior número de olhos novos e diferentes, entende-se mais completamente a realidade, e, assim, mais integral será a objetividade. Esta afirmação encontra-se na obra Zur Genalogie der Moral [Genealogia de Moral] de Nietzsche (1988b: 365), mas podia ter sido também de Álvaro de Campos que proclama – em 1917 e numa semelhante sonoridade categórica – uma intervenção cirúrgica anticristã que se resume à abolição dos dogmas da personalidade, da individualidade, do objetivismo pessoal. Ou seja, a reivindicação nietzscheana em ver tudo com “olhos sempre diferentes” corresponde à exigência de “sentir tudo de todas as maneiras”. Resumindo, este processo conduz à abolição de um “eu” coerente (para Campos uma “ficção theologica”) e à proclamação do homem mais perfeito que “com mais justiça possa dizer ‘eu sou todos os outros’” (Pessoa, 2014: 415-16). A capacidade de ver a realidade com olhos diferentes, de “outrar-se” e ouvir narrativas plurais com diversos mecanismos cognitivos, não representa um panteão vivo real, mas sim um “paganismo transcendental”, uma teoria do conhecimento plural (que é, em princípio, uma tradução de “paganismo transcendental”), ou uma “polimitia esclarecida” no sentido de Odo Marquard. O sensacionismo não celebra diretamente os deuses, ele é um elogio de um politeísmo desencantado. O recurso aos deuses antigos, ou a modernização/interiorização do politeísmo, representam em Pessoa a tentativa de estabelecer uma conceção multidimensional da vida que condiz com um mundo cada vez mais complexo. Trata-se de uma tentativa de construir um modelo epistemológico capaz de abranger a complexidade de um mundo cada vez mais plural. Em Pessoa, a função da mitologia é uma função epistemológica, visto que em cada canto do mundo contemporâneo e da alma moderna há um altar a um deus diferente, como se lê no poema “Passagem das Horas”, ou seja: “Da Grecia Antiga vê-se o mundo inteiro, o passado como o futuro, a tal altura emerge, dos melhores cumes das outras civilizações, o seu alto píncaro de gloria creadora.” (Pessoa, 2009: 55).

Alguns anos depois da morte de Pessoa, Sophia de Mello Breyner construiu um parentesco sui generis com Pessoa, evocando, ao mesmo tempo, o poeta e a antiga pluralidade divina. Não pretendeu anacronicamente um regresso literal dos deuses e não desenvolveu “uma encenação fiel e verídica dos mitos” (Malheiro, 2015: 307). Na sua poesia, a direção do regresso é invertida, não representa um regresso dos deuses, mas sim um regresso aos deuses (ou duas viagens reais para a Grécia) que permite o restabelecimento do “estar-ser-inteiro inicial das coisas” (Andresen, OP III, 1999: 155). Poder-se-á falar de uma reconquista da atenção perdida para o milagre existencial. Não se regressa “à Grécia em busca de uma cultura do passado, mas em busca do nosso estar actual na Terra.” (Andresen, 2019: 117). Em forma de um regresso à origem das coisas, a mitologia tem a função de possibilitar a reconstrução da antiga coabitação entre os mundos natural, humano e divino; e assim representa implicitamente uma revolta contra o mundo contemporâneo em vias de uma dessacralização acelerada. Como se lê no poema “Habitação”, trata-se de um regresso a um tempo em que o mundo ainda foi considerado um templo povoado, ao mesmo tempo, por deuses e homens: “Muito antes do chalet | Antes do prédio | Antes mesmo da antiga | Casa bela e grave | Antes de solares palácios e castelos | No princípio | A casa foi sagrada – | Isto é habitada | Não só por homens e por vivos | Mas também pelos mortos e por deuses.” (Andresen, OP III, 1999: 311). Ao considerar que o poema exprime, nos versos seguintes, um desenvolvimento que conduz a um afastamento da antiga situação da sacralidade (“Isso depois foi saqueado | Tudo foi reordenado e dividido”), combinado com o desejo de regresso, a mitologia funciona como um meio de abolir a separação entre o ser e o homem. Esta noção do mito parece uma resposta direta à questão de Hölderlin sobre o papel dos poetas em “tempos de indigência”. Ao referir-se explicitamente ao poema “O pão e o vinho”, Sophia de Mello Breyner revela uma conformidade estreita com Hölderlin, visto que uma grande parte da sua poesia tem a mesma intenção como a do poeta de Tübingen. Na opinião de Sophia, a noção fundamental de um poeta consiste em “fazer com que o terrestre não se perverta em mundano”. Para ilustrar esta afinidade entre Sophia de Mello Breyner e Hölderlin, vale a pena recordar um texto no qual relata, através de Hölderlin, a genuína condição poética:

Hölderlin era o poeta em estado puro. A poesia era nele uma forma de santidade. Era a vocação total do sagrado. Por isso ele era incompatível com um mundo dessacralizado, incompatível com tudo quanto não tivesse sentido divino. [...] A humanidade [...] aceita a perda da sua pureza, a decadência do seu ser como um preço do estar na terra, como um imposto de habitação. Mas Hölderlin é um daqueles homens que afirma a santidade da criação, a dignidade do terrestre. Foi esta a lição que ele aprendeu com os Gregos e foi por isso que ele aprofundou e revolucionou toda a visão que a idade moderna tinha do mundo helénico. [...]. Regressando ao ponto de partida dos Gregos ele dá ao terrestre uma atenção religiosa. Ele é o poeta salvador do terrestre, aquele que busca o encontro com o divino no plano da criação. [...] Fazer com que o terrestre não se perverta em mundano é esta uma das tarefas essenciais do poeta. (Andresen, 1967: 30-31).

Nesta perspetiva, a tarefa essencial do poeta consiste na reconstrução de uma habitação que envolve e preserva a consciência da santidade da existência das coisas, onde o terreste não se torna um lugar de indigência. Contudo, não se trata de um simples locus amoenus com todas as suas conotações românticas, tais como uma pacífica clareira de floresta, um belo jardim ou um maravilhoso prado verde com um tocador de flauta. Esta conceção de uma poesia povoada pelos deuses é uma forma de sagração filosófica do ser, um regresso ao espanto inicial do olhar primordial para a terra, uma “inteireza do ser”, ou até uma “consubstanciação” com a existência das coisas (Carlos Ceia, 2019). Sophia de Mello Breyner repete esta noção em várias ocasiões, e vale a pena relembrar uma carta a Jorge de Sena, datada de 18 de Novembro de 1969, na qual Sophia de Mello Breyner sentiu-se muito “Heideggeriana” acreditando na possibilidade de “que o nosso ser coincida com os seres” (Andresen e Sena, 2006: 105). Sophia de Mello Breyner é também “Heideggeriana” no sentido em que ela compreende Hölderlin como uma inspiração que leva à visão de uma antiguidade na qual o pensamento lógico e racional ainda não triunfou, a partir de uma decomposição fria e analítica, sobre o ser. Referindo-se a Nietzsche, Heidegger oferece, nas suas interpretações detalhadas de Hölderlin, uma chave como se deve compreender o “Deus que há-de vir”. Como já indicámos, o deus Dioniso não representa, no poema “Pão e Vinho”, o caos ou a embriaguez, mas sim o equilíbrio ou um contrabalanço da razão, viabilizando uma consubstancialização entre o ser e o homem, a nova “inteireza do ser”, e finalmente a conciliação dos opostos. O logos está dominado pela dança do deus de vinho. Para Hölderlin e para Sophia de Mello Breyner, os poetas são os “sacerdotes sagrados” (heilige Priester) que anunciam o regresso do deus de vinho, retomando “o caminho grego”: “Entre as árvores escuras e caladas | O céu vermelho arde, | E nascido da secreta cor da tarde | Dionysos passa na poeira das estradas.” (Andresen, 2019: 115 e 132). Neste poema, a direção não é uma ida à Grécia, mas uma vinda do Olimpo. Dioniso é um deus que “se aproxima e para trás aponta” como se lê no poema de Hölderlin. E apontando para trás, o homem vê o lugar onde está a ressurgir. O lugar encontra-se nos “muros de Cnossos”, em “Delphos centro do mundo”, na “aguda luz de Creta” (Andresen, OP II, 1999: 109), ou em geral na Grécia “onde se articulam e se conciliam os opostos.” (Andresen, 2019: 33).

Sem dúvida, Sophia de Mello Breyner construiu uma mitologia muito particular, a sua fascinação pela antiguidade clássica é completamente independente, mas sobre o seu encanto com o mito paira, às vezes, a sombra ambígua de Fernando Pessoa. A relação de Sophia de Mello Breyner com Pessoa é algo enigmática. Ficou com a sua obra “obcecada, submergida, quase alucinada” (Guerreiro, 1989: 56) apelidou-o de um homem de “múltiplas navegações” ou “viajante incessante do inverso”, identificando-o assim com a figura mitológica de Ulisses, homenageou Ricardo Reis e reconheceu, pelo menos implicitamente, a objetividade do olhar em Alberto Caeiro, mas entendeu a despersonalização de Pessoa como uma excomunhão inaceitável da vida e sentiu, em consequência, a necessidade de se desligar de Pessoa a partir da escrita do poema “Cíclades” (Ibid.: 56). Embora haja um profundo “diálogo intertextual de Sophia com Pessoa” (Malheiro, 2016), ambos mostram também contrastes intransponíveis, sobretudo no que diz respeito à função do mito e à sua atitude em relação ao cristianismo. À primeira vista, parece que a função do mito é a mesma, ou pelo menos muito semelhante.

A noção do mito em Sophia de Mello Breyner parece influenciada por Giórgos Seféris que ela cita da seguinte forma: “Talvez o mito signifique que os poderes da escuridão são o fermento da luz, que quanto mais esses poderes são fortes mais intensa é a luz quando são dominados.” (Andresen, 2019: 36). Em princípio, é a noção da reconciliação dos opostos que se encontra em diversas variações na obra da Sophia de Mello Breyner, e que permite a consubstancialização de caos e cosmo, a habitação do homem num universo divino. Esta noção aparece também em Alberto Caeiro que passa e fica como o universo (Pessoa, 2016a: 73). A função da mitologia ou a noção da antiguidade clássica em Pessoa é, porém, diferente e podia ser descrita – sem a conotação panteísta – com a fórmula εν και παν, ou com “tudo de todas as maneiras”. Ao reconhecer a impossibilidade do regresso dos deuses, Pessoa desencanta ou moderniza o politeísmo, interiorizando, vivendo e celebrando a pluralidade do mundo moderno. Na sua inclinação típica para uma argumentação paradoxal, referindo-se ao Quinto Império, e equacionando o ser português com a cidadania europeia, Pessoa descreve, em 1923, o seu “Paganismo Superior”, ou o seu “Politeísmo Supremo”, desta forma:

Esse futuro é sermos tudo. Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé? Que português verdadeiro pode, por exemplo, viver a estreiteza estéril do catolicismo, quando fora dele há que viver todos os protestantismos, todos os credos orientais, todos os paganismos mortos e vivos, fundindo-os portuguesmente no Paganismo Superior? Não queiramos que fora de nós fique um único deus! Absorvamos os deuses todos! Conquistámos já o Mar: resta que conquistemos o Céu, ficando a terra para os Outros, os eternamente Outros, os Outros de nascença, os europeus que não são europeus porque não são portugueses. Ser tudo, de todas as maneiras, porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma coisa! Criemos assim o Paganismo Superior, o Politeísmo Supremo! Na eterna mentira de todos os deuses, só os deuses todos são verdade. (Pessoa, 1980: 3).

Isto é, a defesa incondicional da pluralidade e a conciliação de opostos devem ser entendidas como duas interpretações diferentes da função da mitologia clássica. Nos seus recursos à mitologia clássica, Sophia de Mello Breyner desenvolve uma espécie de cosmoteísmo tolerante, e Pessoa um politeísmo secularizado que se revela como um instrumento cognitivo. A reabilitação dos deuses é em Sophia mais poetológica, enquanto em Pessoa a mesma parece mais epistemológica.

E, finalmente, existe uma diferença abismal nas suas atitudes perante o cristianismo. Em muitos poemas e entrevistas, Sophia de Mello Breyner evidencia assertivamente o seu catolicismo, ou a sua religiosidade universal que não vê nenhuma contradição fundamental entre o monoteísmo cristão e o politeísmo clássico. Fiel ao seu conceito da conciliação de opostos, Sophia de Mello Breyner defende, no seu poema “Ressurgiremos”, uma convivência sincrética destes dois sistemas religiosos no último verso “Pois convém tornar claro o coração do homem / E erguer a negra exactidão da cruz / Na luz branca de Creta” (Andresen, OP II, 1999: 109). Esta forma de sincretismo é impensável em Pessoa, pois o seu anticatolicismo resoluto exclui qualquer comunhão entre a pluralidade dos deuses e um sistema religioso que entendeu como profundamente doente. Contudo, Pessoa sabia perfeitamente as particularidades de um panteão antigo que é, obrigatoriamente, um sistema aberto para cada deus novo. Assim, Cristo é aceite como “o deus que faltava” e que tem uma funcionalidade muito bem definida. Mas ele é singularmente um deus entre muitos outros em condições de igualdade. E Pessoa sabia muito bem que esta conceção é inteiramente incompatível com a teologia cristã. Ou seja, embora haja muitos pontos em comum entre Sophia de Mello Breyner e Pessoa, há também algumas distinções inultrapassáveis.

“O tédio é a falta de uma mitologia.”

A relação entre o mito e a modernidade é muito complexa, e uma observação da mesma pode ser apenas muito esquemática. A mitologia clássica ressurgiu no Renascimento, viveu um ponto alto durante o Romantismo, e a desordem no período das guerras mundiais e o aumento do pluralismo moderno promoveram um novo ressurgimento dos deuses. Uma das questões principais consiste na compatibilidade cultural entre mito e vida moderna, tendo em conta que deve haver poucas pessoas que acreditam na existência verdadeira de uma criatura com uma cabeça de touro sobre um corpo de homem, preso num labirinto. Em 1983, Paul Veyne formulou uma questão provocatória: será que os gregos acreditaram, verdadeiramente, nos seus mitos? No seu livro Les Grecs ont-ils cru à leurs mythes?, Veyne responde a esta questão, em princípio, afirmativamente. Porém, eles acreditaram nos seus mitos de uma forma muito particular, visto que os mitos têm níveis semânticos diferentes. A partir da descrição de cultos locais em Pausanias, Veyne distingue entre um nível fictício que provém da fantasia e da imaginação e que representam o embrulho exterior do mito, e entre uma espécie de sabedoria ancestral, ou a verdade etiológica, o núcleo autêntico que permanece depois de ter tirado tudo a este embrulho exterior de fantasia e imaginação (Veyne, 1983). A partir deste segundo nível, o mito tem a capacidade de sobreviver ao longo dos tempos. Hoje em dia – como provavelmente também em tempos remotos –, já não há ninguém que acredite explicitamente numa criatura com um corpo de homem e cabeça de um touro que, de nove em nove anos, devora no seu labirinto sete virgens e sete rapazes jovens. Contudo, existe neste mito uma verdade que, consoante os contextos, sempre pode ser reinterpretada. Cada um pode tornar-se, em cada momento, vítima de circunstâncias incompreensíveis do seu próprio labirinto psíquico ou perdido num mundo que, aparentemente, permite cada vez menos orientação. Assim, não é por acaso que a mais importante revista surrealista foi intitulada Minotaure e publicada exatamente numa altura em que Sigmund Freud tentou perceber os impulsos irracionais da psique humana, declarando a psicanálise como o fio de Ariadna para encontrar caminhos viáveis no enredo psíquico do próprio “eu”. E não é necessário acreditar que houve antigamente um cantor capaz de encantar, com as suas canções e sua lira, pedras e árvores, mas foi publicado em 1915 em Lisboa a revista Orpheu com o objetivo claro de renovar a literatura e as artes em Portugal. Neste sentido, a mitologia está sempre a reaparecer com as mais diversas funções.

A mitologia já não tem necessariamente uma conotação religiosa, mas continua a oferecer, na moderna história cultural, uma orientação simbólica ou epistemológica. Livre das suas conotações religiosas e políticas, o mito incorpora uma verdade que se baseia em outras condições do que o pensamento científico, mas não pode ser considerado propriamente como irracional, tendo em consideração que a sua verdade etiológica se revelou compatível com situações diferentes nos mais diversos contextos. O mito pode ajudar a compreender, ilustrar, ou até influenciar processos socioculturais, ele pode oferecer alternativas ou indicar opções diferentes. O objetivo principal deste texto consistiu numa demonstração de que o mito ainda funciona como um sistema independente da ordem ou como uma orientação que não se encontra, necessariamente, em oposição com o pensamento científico ou racional. Neste sentido, a noção mitológica da “inteireza do ser” em Sophia de Mello Breyner tem uma atualidade assombrosa na maneira como pode ser lido enquanto resposta adequada às questões atuais ambientais. E o pensamento múltiplo de Pessoa não é nenhum relativismo, mas sim um esquema de orientação ou uma referência direta à pluralização do mundo moderna; isto é, uma “polimitia esclarecida”. Assim, o mito é, em Pessoa e Sophia de Mello Breyner, uma narrativa complexa que envolve um núcleo profundo e se revela em diferentes imagens ou textos que dependem dos seus tempos ou contextos. Além disso, na confrontação do seu próprio mundo contemporâneo com os tempos mitológicos da antiguidade, o mito aparece em ambos como um pensamento individual que possibilita a orientação através de significados muito específicos. Trata-se de uma espécie de uma mitopoeisis moderna sem a qual o mundo moderno seria “um tédio”. Ao possuir uma mitologia, e, vivendo assim sem tédio, não é difícil imaginar Sísifo, Sophia de Mello Breyner e Pessoa enquanto pessoas felizes!

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