Teotopias poéticas do Brasil profundo: a mistagogia da novilha pitanga em “Sequência”, de João Guimarães Rosa 
Poetic theotopies from the profound Brazil: the mystagogy of the pitanga heifer in “Sequência”, by João Guimarães Rosa

 

Josemar de Campos Maciel*
Marcelo Marinho**
*Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Atualmente, professor na Universidade Católica Dom Bosco. Contato: 
josemar.decamposmaciel@gmail.com  
**Doutorado em Literatura Geral e Comparada, sempre pela Sorbonne-Nouvelle (Université de Paris III). Professor Associado de Literatura Latino-Americana e Literatura Comparada na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA, Foz do Iguaçu). Contato: biografia@gmail.com
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Resumo 

No território corrediço e intervalar das teotopias, um encontro utópico entre paisagens simbólicas, verbo sagrado e poesia demiúrgica poderia abrir extensas linhas de mútua fecundação entre literatura e teologia. É o que se apresenta na hipótese que norteia este ensaio interpretativo do conto “Sequência” (1962), de João Guimarães Rosa (1908-1967). Partimos do pressuposto hermenêutico de que essa narrativa se ambienta no entrelugar de convergência de práticas culturais oriundas de diferentes tradições religiosas, sobretudo do judaísmo e cristianismo, para traçarmos possíveis linhas de interpretação, no que se refere às relações de seres humanos com suas divindades e o além, mas também com os demais entes da Natureza. O percurso dos signos religiosos espelha-se metaforicamente, em palimpsesto, por sob outro percurso — agora para dentro do sertão, do país e de suas conflitivas paisagens culturais. Por esses caminhos concomitantes e sobrepostos, o leitor é conduzido para muito além da escrita, é levado para a urgente necessidade de decidir no decurso da própria indecidibilidade dos signos, da própria indizibilidade de fenômenos como vida e morte, essa sutil matéria com que se levanta, feito uma esfinge, o irrecusável Mistério da existência, na figura de uma mistagógica “novilha pitanga”.  

Palavras-chave: Sequência; Vaca vermelha; Mistagogia e literatura; Guimarães Rosa e o Judaísmo

Abstract 

In the sliding and intermittent territory of theotopies, a utopian encounter between symbolic landscapes, sacred words and demiurgic poetry could open up long lines of mutual fertilization between literature and theology. This is what appears in the hypothesis that guides this interpretative essay of the short story “Sequência” (1962), by João Guimarães Rosa (1908-1967). We start from the hermeneutic assumption that this narrative takes place between the convergence of cultural practices from different religious traditions, especially from Judaism and Christianity, in order to draw possible lines of interpretation, regarding the relations of human beings with their deities and the beyond, but also with the other entities of Nature. The path of religious signs is metaphorically mirrored, through palimpsests, under another path — henceforth towards and into the hinterland, the very country and its conflicting cultural landscapes. Across these concomitants and overlapping paths, the reader is led far beyond the writing, grabbed away to the urgent need to decide upon the course of the very undecidability of signs, the very unspeakability of phenomena such as life and death, that subtle matter from which, like a sphinx, the irrefutable Mystery of existence arises, framed by the figure of a mystagogic “pitanga heifer”. 

Keywords: Sequência; Red Heifer; Mystagogy and Literature; Guimarães Rosa and the Judaism 

“Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Dúvida? 
Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo”. 
(Guimarães Rosa, em “O espelho”) 

Introdução 

“Sequência” é um dos 21 contos rosianos agrupados na coletânea intitulada Primeiras estórias, de 1962. Narrado em quatro breves páginas, o enredo, em sua enganosa aparência de simples relato regionalista, tem recebido um olhar refratário dos mais apurados exegetas, como se revela na delgada fortuna crítica em torno desse texto específico, que traz à ribalta a enigmática figura de uma “novilha pitanga”. Em entrevista concedida à televisão alemã, Guimarães Rosa comenta essa coletânea e afirma seu projeto de chegar poeticamente (mas também biograficamente?) a uma escrita de fatura hieroglífica (In: VILELA; JACOBSEN, 2013). 

Desde seus lúdicos escritos de infância, Guimarães Rosa joga assiduamente com uma certa Estética do Enigma (MARINHO, 2001) e, posteriormente, termina por lançar um certeiro e preciso protocolo de leitura para o conjunto de sua obra, por meio de seu alter-ego, o bardo Riobaldo, logo ao início de Grande Sertão: Veredas: “almanaque grosso, de logogrifos e charadas e outras divididas matérias” (ROSA, 1976, p. 14). Suas torções idiomáticas e conceituais desinstalam o leitor da zona de conforto à sombra do caramanchão, e o convidam ao esforço de engajamento para o plantio e a colheita de sentidos, na grande e meeira lavoura arcaica da Poesia. O presente ensaio rastreia pari passu os movimentos corrediços e oscilantes da trajetória da “vaca pitanga”, cujo trote “espandongado” delineia e cadência o movimento narrativo sobre um poento terreiro de que brotam, em estorvo programático, das mais densas, arcaicas e ásperas raízes — linguísticas, históricas, semânticas, culturais, poéticas e, sobretudo, teológicas, como se verá ao longo do presente estudo. 

Por um lado, nessa poesia, o leitor deambulante tropeça constantemente em compactos torrões de sentido que sonegam seu núcleo primordial aos passantes desatentos, enquanto o leitor crítico e minucioso termina por se ver desacorçoado frente à necessidade de decidir sobre as múltiplas possibilidades de interpretação. Por outro lado, a disciplinada escolha de palavras e imagens, as rigorosas jogadas enxadrístico- -lexicais, a habilidosa superposição de paisagens culturais que, aos poucos, se vão materializando como texto, indicam que a própria forma de composição errática suscita um estilo (método?) de leitura interpretante que também se entregue à errância, a qual se torna um inteligível instrumento teórico para a exegese — um pouco à maneira do olhar inquisitivo que percorre aleatoriamente uma ampla tela pictórica, um copioso afresco, um luminoso vitral ou uma corrediça paisagem ao horizonte, por exemplo. Assim, pela vertente interpretativa, seguimos uma dinâmica de exercícios de decodificação que supõem uma voluntária intervenção sobre a realidade palpável do texto, o qual se preserva, todavia, pulsante como um fenômeno, expandindo-se e se contraindo segundo mecanismos de livre associação de ideias, num processo de prospecção de possíveis e eventuais significados, movimento aberto em moto-contínuo. 

Para chegarmos a bom porto, a sequência de procedimentos inicia-se com a proposta de uma sinopse parafrástica para a trama; em seguida, apresentamos uma análise do campo lexical que preside a narrativa; finalmente, fazemos uma prospecção dos aspectos religiosos do conto, em sua articulação com textos sagrados do monoteísmo. Em razão de economia textual e ergonomia de leitura, todas as passagens ou palavras extraídas do conto para fins de interpretação serão aqui apresentadas unicamente com o símbolo indicativo “(☿)”, o qual remeterá às curtas quatro páginas que se encontram em múltiplas edições, dentre as quais utilizamos a do ano de 1996 (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 60-64). Pelas mesmas razões, as citações bíblicas correspondem à edição online da Bíblia Sagrada Ave Maria, indicando- -se apenas capítulos e versículos.

1. Estradas, percursos, viáticos: a misteriosa novilha pitanga

“Sequência” é um curto relato de Guimarães Rosa ambientado em um espaço rural genérico. O sertão é representado indiretamente por algumas imagens elusivas, como a de um “boi sertanejo” [☿], ou seja, rústico, silvestre, roceiro, caboclo, nativo, popular, mestiço e rural (entre outras possibilidades de leitura), ou pela alusão a “carobinhas” ([☿]: Jacaranda caroba) e “ipês” ([☿]: Handroanthus chrysotrichus ou Tabebuia rosea). A menção é indireta porque a distribuição geográfica dessas árvores extrapola, em muito, as maleáveis fronteiras do sertão, uma vez que os ipês se lançam por todo o continente americano, enquanto a carobinha tem a mata atlântica como habitat privilegiado. Parcas são menções à fauna e à flora, enquanto, incidentalmente, despontam apenas acanhados cães, anus, melros, galo, vacas, pastos, matos, capins, cana-brava e “várzea empalmeirada” [☿], talvez para se referir a um eventual oásis, como veremos adiante. Tais ausências induzem o leitor a imaginar uma ambiência semi-árida, árida ou desértica, “sem chuvas, terrentas campinas, os tabuleiros tão sujos, campos sem fisionomia” (☿), num espaço sobremaneira inóspito, destinado culturalmente à formação e ao apresamento de rebanhos para futuro e inevitável sacrifício. 

Nesse espaço, qualificado como “região tristonha” (☿), uma “vaca pitanga” (☿) fugitiva percorre a estrada das Tabocas, ou seja, a estrada dos reiterados enganos (Houaiss). Não por acaso, esse animal é apresentado como uma “criatura cristã” (☿), ou, em outros termos, uma criatura fadada à errância, ao sofrimento e ao sacrifício, em perpétua busca de si própria e de seus pagos de origem, de sua “querência” (☿) — inominável e indizível mistério. 

A coloração da vaca (vermelha) é um forte indicativo de atopia, uma vez que esse fenótipo racialmente distintivo de bovinos é extremamente raro na pecuária brasileira (como, por exemplo, o angus vermelho…), sobretudo na primeira metade do século XX. No enredo, em sua condição de personagem principal, a vaca é antropomorfizada e busca completar o percurso entre a “Pedra” (propriedade de Rigério) e a “Pãodolhão” (propriedade de Quitério), com passagem por “Arcanjo” (☿). O percurso da novilha é pleno de percalços: natureza abrupta, ameaçadores humanos, obstáculos culturalmente construídos (cerca, caça, curral, vilarejo) ou naturais (rio, riacho, barranco, abismos, morro, cães, aridez). A atopia se adensa, se expande e se desdobra em acronia, uma vez que o tempo histórico parece abolido na perfeita ausência de marcadores temporais cronológicos (p. ex., artefatos, utensílios, ferramentas, veículos, vestimentas, dados históricos etc.) fazendo com que os fatos pudessem ocorrer a qualquer momento dos quatro ou cinco últimos milênios da história da humanidade... 

Note-se, desde já, que apenas antropônimos masculinos são mencionados, cabendo apenas a denominação “moça” ou “mulher” (☿) a personagens femininos, secundários ou meramente figurativos, esboçando-se, aos olhos do leitor, uma paisagem abertamente patriarcal, no qual varões e mulheres apartam-se mutuamente entre si. Pelo mesmo viés, apenas progenitores masculinos são nomeados ([☿]: Gonçalves, Antônios, Terêncio, Major Quitério, Rigério), cabendo a seus rebentos o termo genérico de “filhos” ([☿]: ativos) ou “filhas” ([☿]: passivas). Nesse espaço, a preeminência da autoridade é atribuída ao “Pai” (☿), o qual, em sua função de fazendeiro, levanta cercas e circunscreve territórios. 

Um dos filhos anônimos de Rigério, chamado apenas de “rapa”, “senhor-moço” ou “rapaz” (☿), assume voluntariamente a tarefa de rastrear e resgatar a novilha, para futuro abate — como sói ser o destino de reses (do latim “res” — coisas). Em nada por acaso, “rapaz” é uma variante de “rapace”, ou seja, “que persegue a presa afincadamente; que ataca outras aves ou animais”, “ave de rapina” (Houaiss). Para pegar a estrada, o rapaz prepara seu viático, que consiste unicamente de um “laço” (tiras atadas, nó, armadilha ou estratagema, eventualmente letais) na “garupa” (no plano das religiões de encantaria, o “cavalo” é o médium que leva “encantados” na sua garupa), e inicia seu percurso de busca encarniçada sobre as veredas da teotopia. Nesse entrelugar de múltiplas convergências, o rapaz, não por acaso, conduz ou é levado por um “cavalo murça” (☿), ou seja, uma montaria-roupagem ou um cavalo sacerdote, por metonímia… Note-se que a própria narrativa traz um protocolo de leitura em forma de alerta ao leitor, no que se refere à importância de rastreamento interpretativo dos signos espaciais que consubstancializam o universo ficcional, antes conotativo do que denotativo: o narrador informa que o rapaz “[p]odia seguir com os olhos como o rastro se formava, perseguia a paisagem” (☿), cabendo ao leitor a tarefa de imitá-lo. Maria Neuma Cavalcante assim discorre sobre a relação da poética rosiana com as paisagens: 

As descrições de Guimarães Rosa revelam sua observação plástica da natureza. Além de tentar reproduzir em desenhos as paisagens, animais, tipos humanos, arquitetura e obras de arte, a apreensão lexical da realidade realiza-se através da fixação de cores, cuja escala cromática parece ser insuficiente ao escritor que usa inúmeras nuances e cria outras... (CAVALCANTE, 1996, p. 246)

Em sua desabalada fuga na desolada paisagem, a novilha, por três vezes, imerge na água e atravessa cursos fluviais de distintas dimensões e profundidades, que gradativamente se encorpam, se aprofundam e se avolumam: riachinho (“à míngua d’água”), córrego e rio — ponto de passagem para a derradeira travessia (☿). O “senhor-moço” (☿) vem em seu encalço, rastreando pari passu aquele destino nessa estrada de todos os enganos, de todos os mistérios. 

A travessia derradeira do rio, simultaneamente voluntária e compulsória para ambos, marca uma abrupta mudança espaço-temporal no curso dos acontecimentos, ruptura evenemencial habilmente construída com recurso discursivo à força expressiva de tempos e modos verbais: nessa cena nodal que anuncia o desenredo da trama, a prevalência do pretérito perfeito do indicativo (☿: “ouviu”, “pensou”, “hesitou”, “pegou”, “entrou” etc.) é substituída pela proeminência do pretérito imperfeito (☿:  “estava”, “apertava”, “precipitava-se”, “se sentia”, “bambeava”, “descaía”, “caía”, “iam-se”, “vinha-se”, “sofria” etc.), no que se refere às ações atribuídas à novilha e a seu rastreador. Quais seriam os efeitos de sentido induzidos por essa opção estilística? 

O pretérito imperfeito tem a função de embreagem do imaginário, razão pela qual é ficcionalmente utilizado sobretudo por crianças em seus jogos de distribuição de papéis fantasiosos: “agora eu era mocinho e você era bandido”, “agora a gente ia assaltar o banco”, “agora você morria”. Esse recurso é magistralmente explorado por Chico Buarque em seu “João e Maria”: “agora eu era herói, e meu cavalo só falava inglês…”. Contrastivamente, o pretérito perfeito “assinala um aspecto limitado, acabado, pontual, dinâmico” nos fatos narrados, ao passo que o pretérito imperfeito indica ações de “aspecto não-limitado, inacabado, durativo” (FIORIN, 2010, p. 155). Em outros termos, passa-se da esfera da realidade (tempo histórico) ao plano da imaginação (tempo fabulativo), ou, no presente caso, as ações tornam-se unicamente hipotéticas e imaginárias, sem realização concreta, após a travessia “derradeira” (no conto, adjetivo utilizado por Rosa para qualificar o espaço às margens do rio). 

Veja-se o emprego desse recurso no conto, precisamente como na composição de Chico Buarque, sob forma de didascália: “O rapaz e a vaca se entravam pela porteira-mestra dos currais. O rapaz desapeava. (...) Ela se desescondia dele” (☿). A distribuição imaginária de papéis assim se desenha, como se apenas na imaginação pudéssemos, os vivos, tratar de eventos póstumos. Por esse viés interpretativo, tomaremos como hipótese de leitura a ideia de que ambos, novilha e rastreador, entram vivos naquelas águas do Estige (sertanejo?), ao passo que já estariam mortos ao alcançarem a outra margem. 

Assim, ao que se pode deduzir, somente após sua própria morte o rastreador alcança a novilha e perfaz seu destino, ambos então se confundindo em uma só entidade, como se entrevê nesta sequência textual elíptica, lançada em fatura de prosoema e fortemente marcada pela ambiguidade — à imagem dos textos sagrados das mais distintas religiões: “Chegava, chegavam. (...) O rapaz e a vaca se entravam (...). Suas duas almas se transformavam? (...) Amavam-se” (☿). Mistério e epifania (a “moça” “alta, alva, amável” que do rapaz “se desescondia” em sua condição de alvo deleitável, de elevada estatura) parecem aqui se revelar ao “senhor-moço”, no plano de um êxtase (“o mel do maravilhoso, (...) o anel dos maravilhados”) que se manifesta como acontecimento único, irrepetível e incompartilhável, circunscrito em si mesmo, no plano do indizível e inominável (☿). 

Note-se que “Maravilha” provém de Mirabilia, plural de Mirabilis. “Miro, mirare” se traduz como “olhar”, “dirigir os olhos para”. “Milagre”, “maravilhoso”: com uma mesma origem etimológica, esses termos se referem a tudo aquilo que merece receber a homenagem do olhar. É importante ressaltar que, para muito além do pendente pelo diferente e pelo exótico, aqui é a construção de sentidos que solicita minuciosa atenção, ainda que sejam sentidos provisórios, incompletos, antitéticos ou indecidíveis. A maravilha deve se guardar da taumaturgia, que poderia fenecer sem alcançar um sentido qualquer, como uma mera busca do exótico pelo exótico. Não será este o caso, neste conto, em que a maravilha aponta para a necessidade de construção de sentidos epifânicos por meio de intuição mistagógica, como se vê nesta declaração do autor mineiro: 

Como eu, os meus livros, em essência, são “anti-intelectuais” – defendem o altíssimo primado da intuição, da revelação, da inspiração sobre o bruxulear presunçoso da inteligência reflexiva, da razão, a megera cartesiana. Quero ficar com o Tao, com os Vedas e Upanixades, com os Evangelistas e São Paulo, com Platão, com Plotino, com Bergson, com Berdiaeff – com Cristo, principalmente (ROSA; BIZZARRI, 2003, p. 90).

O leitor do presente estudo poderia aqui levantar uma série de objeções, com as quais previamente concordamos, desde já, sem reservas. Mas gostaríamos de contrapor às objeções um aspecto dessa narrativa que, salvo erro, será aqui explorado de forma inaugural: o campo lexical da religiosidade. 

2. Campo lexical da religiosidade: ascese, sacrifício, mistério e epifania

Comecemos nosso percurso pelo próprio título da narrativa: “sequência” corresponde a “complemento breve ou longo que termina uma parte ou o fim de uma peça de caráter litúrgico” ou “hino que, nos dias de festa, se canta na missa, depois do gradual e da aleluia” (Houaiss). Nos mosteiros católicos, uma “sequentia” é uma série de invocações e ladainhas que emula a ascensão do peregrino e religioso a algum lugar sagrado; essa sequência é acompanhada do gesto simbólico de se subir, por exemplo, por escadas, como metáfora para a subida a Jerusalém. Ainda na esfera da religiosidade, o termo poderia corresponder a “aquilo que vem depois” — no presente caso: da morte? 

Mesmo o leitor mais distraído com a monumental paisagem construída pelo escritor mineiro poderá, sem apear de seu cavalo, observar que o vocabulário articulado em “Sequência” se aglutina em torno da religiosidade dos mais diversos matizes. Vejam-se estes exemplos, todos fortemente ligados a práticas religiosas de diversas origens geográficas: “poeira” (“do pó vieste…”), “encruzilhadas”, “coroa”, “Arcanjo”, “diaba”, “sofrido simulamento”, “não era ainda o seu termo” (morte), “casa” (termo genérico para “igreja”), “codornas” (episódio do êxodo de Moisés), “pedra” (de São Pedro à umbanda, passando por mesquitas e sinagogas…), “o primeiro canto dos melros e o terceiro dos galos” (referência ao episódio bíblico da Negação de Cristo por Pedro), entre tantos outros (☿). 

Também os há, em quantidade, que se articulam menos explicitamente com práticas eclesiásticas (☿): “testa” (“prelado” significa “aquele que vai à frente, à testa”; “orixá” significa “cabeça de luz” etc.), “lenha” (para além do madeiro de Cristo, a lenha é usada em múltiplos rituais de sacrifício ou cremação póstuma), “sabedores” (sábios de qualquer congregação), “campal” (como a missa…), “murça” (roupa de cônego), “céu”, “vocado e ordenado”, enquanto outras palavras tem assento seguro na religiosidade afro-brasileira (“transportado” corresponderia ao transe; “boiadeiros” e “vaqueiros” a entidades encantadas; “banda” é o outro nome da umbanda, “cavalo” é o médium etc.). O termo “tabocas” remete ao bambu, integrado nas mais diversas práticas religiosas, do budismo à umbanda. Note-se, nesse caso, a origem etimológica da palavra “cânon”: nos primórdios do cristianismo, disputava-se a seleção dos livros da Bíblia que passariam à condição de “sagrados”, ou seja, normativos, canônicos; e “cânon” deriva de “cana”, longa sonda de bambu usada por barqueiros para mensurar a profundidade das águas e localizar percalços de navegação, perfeita metáfora para a qualificação de um texto que se queira propor como clássico ou canônico. 

Vejamos agora, em detalhes, alguns termos que poderiam abrir a leitura a outros horizontes. Passemos à “vaca” (divindade hindu) que, no conto, é apresentada como uma “criatura cristã” em fuga por uma “estrada” ou “caminho” (☿) — termos que remetem, etimologicamente, ao “tao” (do Tao-te-king asiático), ao “yana” (do Ramayana hindu), ao “Janus” (divindade romana bifronte, regente das mudanças e transições), mas também às encruzilhadas da religiosidade afro-brasileira (Ogum é a divindade das Estradas) etc. No judaísmo, as narrativas da Gênese remetem a patriarcas que percorrem sem descanso os longos caminhos do êxodo, as ladeiras e escadarias que sobem morros (como o Monte Sinai ou o das Oliveiras) e alcançam lugares santos, como Bet’El, a Cidade de Jerusalém ou o Monte do Templo, local sagrado de sacrifícios e morte votiva. 

Pelo mesmo viés, o cristianismo se autodenomina, no livro dos Atos dos Apóstolos, como “o Caminho”, e o próprio Jesus Cristo assim se apresenta, quando afirma ser “o caminho, a verdade e a vida”, e, a seus candidatos a discípulos, dispara o reiterado “vem e segue-me”. Seus seguidores e profetas são caminheiros, nômades, andarilhos, deambulantes, meio ciganos, pregadores itinerantes, à maneira dessa “vaca [que] viajava” (☿) por suas indecifráveis vias. Aqui lembraremos que o termo “viático” corresponde a “conjunto de provisões para viagem, que pode ser de dinheiro e/ou víveres” (Houaiss), ideia que se desdobra, no cristianismo, em “sacramento da comunhão ministrado em casa aos enfermos impossibilitados de sair ou aos moribundos”, mas também em “nosso-pai” (Houaiss). Também nesse caso, o viático é uma provisão para alimentar o caminheiro durante sua passagem. Nesse percurso, tomaremos a vaca como viático e figura-chave para a interpretação desse conto, nas veredas utópicas das teotopias poéticas. 

3. A vaca vermelha (para aduma): uma mensageira mistagoga na tradição judaica

O leitor terá notado uma peculiaridade específica da personagem protagonista: a cor da “vaca pitanga”. Pois bem, na tradição judaica, a “vaca vermelha” (para aduma, em transliteração do hebraico) corresponde à representação privilegiada do conceito de sacrifício (radical “sacro-” agregado ao sufixo “-fício”, derivado de “fazer”), cuja etimologia implica o gesto de tornar algo sagrado, divino, excelso ou admirável, por meio de uma ação destinada a esse fim, como no caso desta bezerra que, por ordem divina, deverá ser cremada: “Eis a prescrição legal que o Senhor vos dá: Dize aos israelitas que te tragam uma vaca vermelha sem defeito, sem mancha e que não tenha ainda levado o jugo.” (Num 19:2). Por esse viés, para avançarmos na interpretação de “Sequência”, partiremos desse episódio bíblico (fundamental na Torá) e da ideia de que o judaísmo abraâmico sustenta-se, entre outras, no ideal de sacrifício voluntário, individual ou coletivo, que propicia a purificação e o resgate, mas também aplaca a ira divina. A novilha, neste caso, acompanha toda a história dessa experiência transcendental, e se instala no núcleo da consequente reflexão teológica que se distribui em diversos textos canônicos, como, por exemplo, na prescrição do sacrifício da novilha que se lê no livro do Gênesis: 

Toma uma novilha de três anos, respondeu-lhe o Senhor, uma cabra de três anos, um cordeiro de três anos, uma rola e um pombinho.” Abrão tomou todos esses animais, e dividiu-os pelo meio, colocando suas metades uma defronte da outra; mas não cortou as aves. (...) Quando o sol se pôs, formou-se uma densa escuridão, e eis que um braseiro fumegante e uma tocha ardente passaram pelo meio das carnes divididas. Naquele dia, o Senhor fez aliança com Abrão: “Eu dou, disse ele, esta terra aos teus descendentes, desde a torrente do Egito até o grande rio Eufrates (...). (Gen 15:9-10, 17-18) 

O cristianismo nasce alimentado por uma teologia dialética, erguida em contraponto ao judaísmo, em sua condição de religião mais antiga e, portanto, mais enraizada. Assim, uma das temáticas fundamentais será, para a afirmação da identidade cristã, a temática do novo sacrifício, em substituição à novilha vermelha da tradição judaica. Jesus é, assim, apresentado como o novo — autêntico — sacrifício, no esquema de tipologia famoso entre os rabinos do judaísmo helenizado. 

Sem levar consigo o sangue de carneiros ou novilhos, mas com seu próprio sangue, entrou de uma vez por todas no santuário, adquirindo-nos uma redenção eterna. Pois se o sangue de carneiros e de touros e a cinza de uma vaca, com que se aspergem os impuros, santificam e purificam pelo menos os corpos, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu como vítima sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência das obras mortas para o serviço do Deus vivo? (Hebr 9:12-14)

De fato, no judaísmo, a regulação do ritual do sacrifício é rigorosamente detalhada, exigindo desde as características próprias do animal, como idade e cor vermelha, sem pintas ou manchas, até a prescrição das madeiras usadas na queima do animal e na disposição das suas cinzas: “A vaca será em seguida queimada à vista de todos. Serão queimados o couro, a carne, o sangue e os excrementos. O sacerdote tomará pau de cedro, hissopo e carmesim e os jogará na chama em que arde a vaca.” (Num 19:5-6). 

O sacrifício da novilha vermelha deflagrou uma fecunda linha de discussões no judaísmo, que não esperou pelos cristãos para refletir sobre o que seria um sacrifício autêntico. O texto acima, breve e solene, do capítulo 19 do Livro dos Números, atravessa a história do judaísmo como um enigma e um desafio importante. Hillel, um dos maiores exegetas da história do judaísmo e contemporâneo do cristianismo então nascente, já tratava com extremo respeito o enigma da novilha vermelha, contudo esse “raro sacrifício” (BUXBAUM, 2008, p. 35) e´ um dos raros episódios que tenha trazido ao sábio o reproche do esquecimento. Mais adiante, no florescer da alta Idade Média, Maimônides também documenta a força expressiva da discussão. Esse grande filósofo do judaísmo se dá ao trabalho de explicar, dentre os mais de trezentos “Mizvot” da Torá, qual o sentido de mandamentos proporcionalmente menores, ou mesmo, aparentemente sem sentido. Explica que o sentido de um mandamento não é necessariamente a materialidade da observância, mas a escalada no aprendizado da virtude, no amadurecimento pessoal. Para esse grande intelectual e exegeta, tal tipo de mandamento divide em dois todo o conteúdo do assunto exegético e jurídico (MAIMONIDES, 1963, p. 506-510 [Guia dos Perplexos III, 26]). A partir do próprio exotismo de um mandamento que implica o sacrifício de uma impecável novilha vermelha para purificação daqueles que tocaram ou roçaram minimamente corpos defuntos, expõe-se a relação entre os humanos e o estado ultraliminar da morte. Na tradição judaica, tocar um cadáver implica em assumir um profundo movimento de reflexão, que segue para além da materialidade ritual, mas de fato envolve atos concretos, pensamentos e intenções, os quais convergem e conjuminam nas cinzas sagradas e no fumo etéreo que emana da vaca cremada (NEUSNER; CHILTON, 1991). No judaísmo contemporâneo, o tema é recuperado por místicos como, por exemplo, Abraham Heschel (1973), que explora a tradição mística do respeitadíssimo Baal Shem Tov na sua última obra-prima. Segundo ele, na tradição mais existencial do judaísmo, o sacrifício pode degenerar, transformando-se em mera satisfação de interesses pessoais não confessados. Daí a ideia de que a verdade é a única profundidade à qual o ser humano deve aspirar, e já é imensamente longínqua para ele: 

Mas o judaísmo espera que os humanos satisfaçam os próprios interesses por amor a Deus, transcendendo assim o interesse próprio por Deus. De todo modo, é também uma tradição tipicamente judaica desconsiderar atos religiosos motivados por interesse próprio, uma vez que a existência espiritual motivada pela expectativa de uma recompensa pode degradar-se facilmente em oportunismo (HESCHEL, 1973, p. 102. Tradução nossa).

A relação entre o sacrifício e o amadurecimento, tal como explanada por essa tradição de pensamento, percorre um caminho de internalização no judaísmo, aproximando a visão da correção exterior do sacrifício, de caráter jurídico-regulatório, ao elogio da vontade de autenticidade, de cariz ético e místico, por exemplo, no movimento hassídico. Martin Buber, um de seus maiores representantes, observa, já no século XX, que cada ser humano pode explorar o seu próprio caminho, seja ele o do jejum, da dor, da alegria ou da comida. O caminho deve ser seguido com coerência e ruminação dos mandamentos. Mas esse caminho próprio se consuma apenas no fim, quando o inevitável encontro com Deus é também um encontro consigo mesmo, um duplo face a face com o Mistério. Daí que Buber, citando os rabinos do passado, reitera: “teme a Deus” (BUBER, 2011, p. 15-17). Por esse viés, Marc Chagall (1887-1985), respeitado artista plástico judeu, ao retomar esteticamente o tema judaico do sacrifício da vaca, comenta seu projeto pessoal de ir para além do aspecto fantástico dessa imagem sagrada, em busca de uma forma de humanidade mais inspirada no mistério da existência: [N]ão é a minha pintura que seria realmente fantástica (...) mesmo quando ela representa jumentos e vacas e garotinhas no formato de flores. O que é realmente fantástico é que nós deveríamos estar sentados ao terraço de um café, à beira da calçada. É improvável. Precisamos manter nossas cabeças apontando sempre para baixo, e girar, uma vez que a terra gira. Mas não. Nós devíamos voar, mas não voamos (apud McMULLEN, 1968, p. 83). Poderíamos aqui avançar a hipótese de que a relação entre a materialidade e a construção da radicalidade do sacrifício se revela sutilmente nas franjas do pensamento judaico que, em princípio, gravita na paisagem crepuscular do conto rosiano sobre a “novilha pitanga”, simultaneamente fruta e animal — como as vacas vegetalizadas ou humanizadas de Chagall, as quais se concebem num plano para além de qualquer forma de racionalidade. Nesse sentido, Chagall produz uma obra mistagógica em que o Mistério ressoa para muito além de seus magníficos vitrais ou afrescos, por exemplo, os quais anunciam e logo sonegam, ao se deixarem transpassar por uma luz que simultaneamente cria zonas de sombra, precisamente como ocorre nas narrativas sagradas no território das teotopias. É como se toda a experiência da realidade fosse um convite a ir além, sempre além dela, se possível para além até mesmo do universo sensível e inteligível que podemos experimentar em vida. 

Seria legítimo dizer que aqui se manifesta o papel propriamente mistagógico da vaca nessa narrativa de Rosa? Como veremos adiante, por fazer parte do mundo não-humano, a novilha pitanga preserva, em sua pureza híbrida, uma unidade fundamental entre a intuição e a ação, entre o animal e o vegetal, entre o sagrado e o profano. Nela, o pensamento é simples, mínimo, reduzido às suas finalidades mais óbvias e que, por isso mesmo, conseguem ser mais profundas. Assim ela não consegue nem tenta mentir ou enganar, e aponta um caminho que se confronta e desafia o caminho do humano que segue em seu encalço — e também o caminho do leitor, seu Tao, sua Yana, suas veredas. Nesse caso, aparece uma função importante da mistagogia, que é a exortação, aqui maquiada sob um tom jocoso e sob jogos malabares com palavras, de fatura eminentemente rosiana. Paulo Rónai ilustra essas ideias com a seguinte apreciação sobre os personagens de Primeiras Estórias, entre os quais se destaca a novilha: 

Neles a intuição e o devaneio substituem o raciocínio, as palavras escoam mais fundo, os gestos e os atos mais simples se transubstanciam em símbolos. O que existe dilui-se, desintegra-se, o que não há toma forma e passa a agir. Essa vitória do irracional sobre o racional constitui-se em fonte permanente de poesia. (RÓNAI, 2005, p. 23)

Como se vê, a mensageira pitanga carrega consigo, na esfera do indizível e inominável, um vaticínio epifânico que somente será desvendado pelo “senhor-moço”, “rapaz”, quando da chegada de ambos — eventualmente póstuma, como vimos acima — ao lugar denominado “Pãodolhão”. O vaticínio, segundo o conto, “[t]ranscendia ao que se destinava” (☿), e sua natureza transcendental projeta-se nas espessas nódoas do próprio mistério: “Preparava-se uma vastidão: de manchas cinzas e amarelas” (☿). Para buscar eventuais sentidos no que se refere a essa enigmática passagem, lembremos que Rosa é médico, por formação. Nesse caso, ao que tudo indicaria, as “manchas cinzas e amarelas” poderiam se referir ao estado de transição ao qual o corpo físico sucumbe, logo após sua defunção, trazendo traços visuais descritos pela tanatologia, entre os quais se inscreve a abrupta alteração da coloração e o enodoamento da pele. Em outros termos, essa passagem indicaria que o tema transversal do conto seria uma revelação epifânica sobre a morte (a terceira travessia do rio) ou a existência póstuma — “vastidão” (☿). Em leitura convergente, Eduardo Coutinho afirma que, no conjunto da obra rosiana, o “mistério da vida reside na fase oculta dos objetos e, a fim de alcançá-lo, é preciso transpor a fachada externa, representada pelo senso comum” (COUTINHO, 2013, p. 48). Nessa perspectiva, Jan Assmann assim discorre sobre a ideia de revelação como pedra fundadora de religiosidades (ou teotopias): 

Eis o que queremos significar ao usarmos a palavra “revelação”, uma ideia que não possui equivalente nas línguas antigas. De fato, nenhuma palavra isolada faria justiça a esta nova e inédita ideia. Foi necessário, ao invés, desenvolvê-la embarcada em uma “Grande Narrativa”. A fé baseada na revelação, este complexo de eleição e promessa, aliança e lealdade - é isso o que nós, herdeiros desta invenção extraordinária, entendemos hoje como sendo a “religião” (ASSMANN, 2018, p. XV. Tradução nossa).

Paralelamente, note-se que, ao longo do conto, como vimos na primeira parte deste artigo, constrói-se habilmente uma ambiência de patriarcalismo marcado por um nítido hiato espacial e correlacional entre mulheres e homens. Talvez houvesse aqui uma sutil menção ao fato de que, no âmbito do judaísmo ortodoxo, as mulheres são categoricamente proibidas de lerem o Talmud e, concomitantemente, de se tornarem sacerdotes. Também se reserva aos varões o Bar Mitzvá, cerimônia em que a comunidade judaica recebe o jovem judeu, aos treze anos de idade, em um rito de passagem para a maturidade. De forma geral, nesse ambiente, observa-se também a separação de gêneros em espaços festivos ou votivos, tais como as celebrações de casamento ou certos cultos em espaços sagrados. 

O sacrifício da “vaca vermelha” poderia então ser tomado como um ícone simbólico, considerando-se literalmente a possibilidade da redução da biodiversidade por supressão de um espécime marcado por rara condição genética, sugerindo assim uma referência à eco-ideologia ou à biopolítica próprias às religiões abraâmicas, aqui simbolizadas pelo judaísmo. Nesse caso, teríamos aí a ruptura entre seres humanos e demais entes da natureza, cuja sina será sempre o abate, a caça, o sacrifício ou o consumo humano como oferendas alimentícias votivas em datas religiosas festivas: peru, codorna, rola, pombo, ganso, frango, peixe, bacalhau, porco, ovos, carneiro, cabrito, veado, boi e vaca etc. Nessa perspectiva, poderia-se talvez aqui se enquadrar o uso ritualizado do rebuscado chapéu de pele judaico (“shtreimel”), cujo ônus de aquisição define as marcas subjetivas de distinção e prestígio social: naturalmente, quanto mais ameaçada de extinção estiver a espécie, mais caro será o chapéu e maior será o prestígio do usuário… Também é sintomático o fato de que tiras de couro animal, o filactério, sejam utilizadas como instrumento de devoção, quando enlaçadas à mão e ao antebraço do praticante, para ritos votivos — e aqui lembraremos que o “senhor-moço” recolhe unicamente um “laço” para seu viático de rastreador ao empós da novilha pitanga. 

Por último, cabe assinalar o paradoxo de um mito fundador que afirma a dependência transcendental dos humanos em relação a um fenômeno natural (o nascimento da novilha), ao mesmo tempo em que esses humanos aguardam tal advento justamente para levarem a termo mais um sacrifício sobre a própria Natureza. Por mais que, tal como ocorreu em recente debate no sistema jurídico europeu (PANCHIERI; CAMPOS, 2020), o abate Kosher seja reconhecido como menos cruel em relação a outras formas de abate, pelo fato de os animais perderem quase imediatamente a consciência, permanece a tensão e a provocação a refletir sobre a violência implicada nos sacrifícios de não-humanos, além da problemática do direito de uma espécie a ser apenas menos cruel com outras espécies, justificando-se essa paisagem cultural com base em necessidades alimentícias, vestuárias, estéticas ou rituais. Que intérprete teria cacife para afirmar que sistemas de fé e de vida tão fortes estariam incorrendo em deslizes? Note-se que o sacrifício votivo de animais ocorre em festividades de natureza sacra das mais diversas matrizes religiosas, sejam elas mono ou politeístas... Apenas devemos ressaltar que a violência e a crueldade permanecem provocando o pensamento, com seu aguilhão, tal como se deduz da estória proposta por Guimarães Rosa, habilmente disfarçada em contexto de paisagem (pseudo-)sertaneja. Por esse viés, Sibele Paulino e Paulo Sothe assim discorrem sobre a função dos elementos da paisagem, tal como apreendidos e anotados por Rosa ao longo de sua leitura do Traité du Paysage (1948), de André Lothe: “Em resumo, todos os elementos de que se compõe um retrato deverão concorrer a pôr em valor o herói” (PAULINO; SOTHE, 2005, p. 49). 

Cabe sublinhar que a novilha roseana parece também se inspirar de precisas e célebres predecessoras estéticas, quais sejam, as vacas epifânicas que Marc Chagall traz da cultura judaica para flutuarem, por vezes aladas, em diversas de suas composições pictóricas: “Até que outra cerca travou-a, ia deixando-a desairada. Volveu — irrompida ida: de um ímpeto então a saltou: num salto que queria ser voo. Vencia. E além se sumia a vaca vermelha, suspensa em bailado, a cauda oscilando” (☿), diz o narrador de “Sequência”. Teria essa novilha o poder de suspender- -se no ar, em “bailado”, por talvez já se encontrar em estado gasoso, ou seja, cremada? 

Seja como for, nesse contexto de paisagens superpostas em palimpsestos (a sertaneja, a bíblica, a talmúdica, a estética, a ontológica etc.), as cinzas da vaca vermelha judaica, cremada em sacrifício votivo sobre uma laje de pedra, tem a função simbólica de purificar seres vivos maculados pelo contato físico com cadáveres, ou mesmo por simplesmente terem se abrigado sob o mesmo teto com mortos. Por esse viés, pode-se dizer que esse bovino simboliza uma total ruptura entre vivos e mortos, no âmbito específico da cultura judaica. Como se sabe, após um intenso trabalho de carpideiras que choram para manifestar seu apreço pelos mortos (☿: em “sofrido simulamento” — sofrida simulação/performance de lamento —, imagem que consta na narrativa), mas sobretudo para fazê-los aceitar e concluir definitivamente a partida, os mortos são acolhidos e isolados dos vivos na Casa da Eternidade (“Bet Olam”, Eccl. 12:5), local em que os efêmeros hominídeos, em vida, não podem pleitear espaço algum. 

Note-se ainda que, em “Sequência”, o “senhor-moço”, apresentado como o “bem-chegado”, ascende ao Pãodolhão por uma “escada”, sendo então acolhido por uma “roda de pessoas” que, ao que se depreende do texto, aguardam por sua chegada (☿). Arrisquemos uma hipótese: segundo a tradição judaica, a “novilha vermelha” anuncia a chegada do Messias e o início da Era Messiânica, exatamente sobre o Monte das Oliveiras, cujas encostas, sulcadas por escadarias, templos, jazigos e outros resquícios arqueológicos sagrados (judaicos, cristãos, muçulmanos e romanos: as “quatro moças”, jovens religiões?), hospedam o mais antigo e sagrado cemitério judaico (com estimadas 150 mil tumbas), além de receberem peregrinos de múltiplas confissões religiosas. Caberia relembrar também que Jesus Cristo teria partido desse monte sagrado para ascender aos céus (Atos 1:9–12). Assim, talvez coubesse ver no “senhor-moço” o desdobramento poético de figuras como, por exemplo, a do jovem rei Davi ou de seu filho Salomão, cujas tarefas reais incluem o pastoreio do gado. De resto, tanto Davi como Salomão iniciaram seus reinados muito moços. 

Por esse viés, tomemos agora o inventivo topônimo “pãodolhão”: ao que parece, essa denominação seria uma corruptela, acrescida do sufixo “-ão” (aumentativo), para “pan d’oglio”, ou “pão de azeite”, termo que remete ao pão ritual judaico “challah”. Talvez aqui tenhamos mais um dos múltiplos logogrifos lançados por Rosa, possivelmente em referência ao morro que o diplomata avistava todos os dias, em seu percurso entre o local de trabalho e a residência em Copacabana: o Pão de Açúcar. “Pãodolhão”, o “grande pão de azeite de oliva”, seria uma sutil e bem-humorada referência ao Monte das Oliveiras? Seria este o destino derradeiro da novilha pitanga e do “senhor-moço”? A hipótese é mais que plausível, sobretudo se lembrarmos que a vaca provém da “Pedra”, ou seja, do local de sua imolação, uma possível referência ao Monte do Templo, que se encontra justaposto e em face ao das Oliveiras, local em que se encontra Es-Sakhra, a Pedra Sagrada, sobre a qual se situava, segundo evidências, o altar judeu dedicado a oferendas votivas cremadas. 

Se o conto faz menção à passagem da novilha pelo “Arcanjo” (☿), cabe assinalar que o Monte do Templo tem uma outra marca mais que sagrada no plano do nascimento e expansão do monoteísmo no Ocidente: as impressões digitais deixadas pelo Arcanjo Gabriel, ao sustentar a Pedra Sagrada quando Maomé ascendeu aos céus, segundo reza a fé islâmica. Por outro lado, “o rapaz e a vaca se entravam pela porteira-mestra dos currais” (☿), em possível alusão ao portal que conduz aos antigos estábulos assentados no Monte das Oliveiras. Note-se ainda que ambos os montes são separados pelo Rio Cédron, um rio sazonal, presente mesmo em sua ausência temporária: “O rio, liso e brilhante, de movimentos invisíveis” (☿), diz o narrador, no que se refere ao rio cruzado pela novilha no trajeto da Pedra ao Pãodolhão, “indo de oeste para leste” (☿), ou seja, do Templo às Oliveiras. Cabe lembrar que regras estritas impõem o sacrifício da vaca fora dos recintos do sagrado Monte do Templo... 

Pelo mesmo viés, se lembrarmos do Jardim de Getsêmani, notaremos que a paisagem perene ao pé dos Montes sagrados contempla uma “várzea empalmeirada” (☿), tal como na narrativa de Guimarães Rosa, assim como aqueles “buracos negros, as sombras perto das margens” (☿) que parecem fazer alusão às inúmeras tumbas milenares assentadas nas encostas desses montes específicos, na região desértica e inóspita do Vale do Rio Cédron, “buracos negros” que sugam energia e pensamentos de poentos arqueólogos, hermeneutas, filólogos, exegetas e… poetas. Note-se ainda que o topônimo “Cédron” deriva do original hebraico “Kidron”, que significa “escuro” ou… “sombreado”, razão pela qual “Vale da Escuridão” é outro designativo para o local sagrado. Se considerarmos a escrita polissêmica de Rosa, talvez seja possível aí entrever uma alusão velada ao bíblico “vale das sombras da morte” (Salmos 23:4). 

Assim, talvez seja legítimo dizer que nossa vaquinha pitanga sempre atravessa o mesmo rio, reiteradamente, sob distintos volumes de água, ou seja, em diferentes estações climáticas ou ao longo de vários anos, quiçá toda uma vida (☿): caudal seco (“invisível”), “à míngua d’água” e córrego… Nesse caso, a imagem da “roda de pessoas” e do “anel de maravilhados” que emoldura a acolhida ao “bem-chegado” parece remeter a um elemento central no Templo da Pedra: o circular “Poço das Almas”, ao qual também se acede por uma escadaria, ou seja, uma roda de pessoas que já esperam pelo juízo final... 

Em Rosa, o percurso solitário, áspero e árido da “novilha pitanga” emula o mais que humano “caminho das tabocas” (☿) já anunciado por Álvares de Azevedo, poeta cujo nome se encontra numa lista dos dez melhores autores brasileiros, anotada em caderneta pelo próprio romancista mineiro: “Eu deixo a vida como deixa o tédio / Do deserto, o poento caminheiro, / Como as horas de um longo pesadelo / Que se desfaz ao dobre de um sineiro”. Eis aqui mais de uma razão para que a “vaquinha pitanga” se doe em oferenda ao leitor (☿), ataviada “com disfarces” (embusteira, mistificante, irreconhecível?), “sonsa” (dissimulada, ardilosa, enganosa?), “querençosa” (saudosa, aflita, hábil, habilitada?), “esperta” (arguta, ladina, trapaceira?). De onde a questão: na figura da vaca perfeita fadada ao sacrifício depurador, caberia entrevermos alguma relação especular com a enigmática morte de Guimarães Rosa (MARINHO, 2008), evento biopoético possivelmente concebido para induzir o nascimento de uma nova religião, ou pelo menos de uma religiosidade inaugural, à qual talvez pudéssemos chamar de “poeteotopias” ou “teotopoiesis”? Lançada em entrevista concedida a Günter Lorenz em 1965, esta declaração de Rosa nos levaria a essa possibilidade de conclusão: 

Posso bem ser cristão de confissão sertanista, mas também pode ser que eu seja taoísta à maneira de Cordisburgo, ou um pagão crente à la Tolstoi. No fundo, tudo isto não é importante. Como homem inteligente, às vezes pode-se sentir necessidade de se tornar um beato ou um fundador de religiões. A religião é um assunto poético e a poesia se origina da modificação de realidades linguísticas. Desta forma, pode acontecer que uma pessoa forme palavras e na realidade esteja criando religiões. Cristo é um bom exemplo disso. Também isto é “brasilidade”. (in COUTINHO, 1983, p. 92)

Em suma, a figura da vaca vermelha parece indicar que todo e qualquer conhecimento palpável sobre a morte e o pós-morte (reencarnação, ressurreição, pervivência, vida eterna, penitência, resgate, libertação, mácula, nirvana, nihil…) somente é alcançável com os próprios olhos (“autópsia” significa “ver com os próprios olhos”), por meio desse inevitável sacrifício derradeiro a que são fadadas as “criaturas cristãs”. O poento enigma, sobre o qual se rumina até que se descanse em paz, preserva-se habilmente sob disfarces, sonso, à espera do encontro derradeiro, ao lado da Pedra, à borda do Poço das Almas, na grande necrópole ecumênica do Monte das Oliveiras. 

Conclusão

A técnica compositiva particular do autor mineiro, assim como suas alusões ao mundo da teologia e da filosofia — aspectos que vimos explorando em diversas publicações —, inauguram um padrão de escrita que é, também ele, tão errático e mi(s)togênico quanto o “espandongado” (☿) percurso da novilha pitanga. A entrega do material de composição ao leitor busca induzir um pacto de leitura e um possível engajamento mútuo em torno de uma escrita e uma leitura deliberadamente inconclusivas. À semelhança de outros autores da literatura lusófona, como Manoel de Barros e Mia Couto, por exemplo, Rosa pratica a exploração e a extrapolação das plásticas fronteiras imaginárias do léxico, esgarçando ao infinito o espectro expressivo de suas composições. A inconclusão da escrita seria uma forma privilegiada de insinuar um sinuoso movimento de leitura rumo à experiência sagrada de roçar, ao acaso, nas infinitas franjas do Mistério de Vida e Morte, do viver para a morte (que se espelha no heideggeriano “ser-para-a-morte” — Sein zum Tode), como o próprio autor declara: “Escrevendo, descubro sempre um novo pedaço de infinito. Vivo no infinito; o momento não conta” (in ROSA et al., 2006, p. 92). 

No contexto do judaísmo, como vimos, a “novilha vermelha” corresponde a um “mitzvah” (plural “mitzvot”), ou seja, um dos 613 mandamentos divinos da Torá que, por vezes, se apresentam como um mistério ou um ordenamento supra-racional, para além de qualquer outra lei própria a essa cultura, ancestral e monoteísta. A Torá, por sua vez, implica conceitos muito mais amplos, pois pressupõe e ordena uma relação de aprendizado e de práticas (doutrinas, afetos, pactos) entre mestre e discípulos, os quais acolhem os ensinamentos e se deixam informar, de dentro para fora, ruminando-os ininterruptamente. Ao transpor esse mitzvah em uma ficção ambientada numa paisagem alegoricamente sertaneja, Guimarães Rosa propõe um pacto com o leitor em que a dinâmica da revelação se inscreve em um “anel dos maravilhados” (☿), ou seja, possivelmente, na cultura do conjunto de indivíduos que se deixam escolher e aceitam o sacrifício pessoal. 

Nessa perspectiva, relembre-se que a língua hebraica expressa relações temporais por meio de um grande espectro “[…] de características sintáticas e contextuais, ao invés de inflexões verbais ou tempos gramaticamente explicitados” (ARNOLD; CHOI, 2003, p. 36). Em outros termos, o hebraico abstém-se de entregar explicitamente a temporalidade que se expressa por meio de seus temos e modos verbos, enquanto a sua própria escrita escamoteia as vogais, condições linguísticas que espelham a incompletude da existência humana e a necessidade de se retornar reiteradamente a relações culturais de práxis e aprendizado. Assim, abre-se um permanente convite a interpretar e a embrenhar-se nos sendeiros vertiginosos do Mistério. Como por acaso, o conto rosiano se conclui com uma referência ao “mel do maravilhoso” (☿), imagem que poderia remeter a uma cerimônia judaica medieval em que, para introduzir uma criança nos estudos judaicos, escreviam-se as letras do alfabeto sobre uma ardósia que, recoberta de mel, serviria para o deleite palatal daquele jovem para quem as Escrituras (e seus mistérios) se tornariam doce como mel (SKOLNIK, 2007). 

Se a mistagogia corresponde ao aprendizado do mistério no percurso do próprio mistério, poderíamos dizer que a novilha pitanga de “Sequência” é mistagoga, tal como a novilha vermelha dos textos sagrados judaicos. Aliás, assim Rosa se declara: “Sou um contemplativo fascinado pelo Grande Mistério, pelo O anel ou a pedra brilhante” (in ROSA et al., 2006, p. 92). Nesse conto, como no conjunto da obra do escritor mineiro emprenhado de mistério, os signos gravitam ao redor uns dos outros, como um carrossel de galáxias sígnicas, induzindo o leitor a um percurso de interpretação que só se consuma, de fato, quando transformado em percurso de participação na errância indeterminante que preside a leitura do corpus poético de João Guimarães Rosa. 

Precisamente como a trajetória da novilha vermelha fujã, o sentido último do texto rosiano é escapadiço, corredio, esconso, embusteiro e dissimulado, pois se apresenta como uma chamada-charada do escritor convocando a uma interferência propositiva-proativa de quem lê por sob o véu de poeiras ilusórias. “Tutaméia”! — brada vigorosamente o romancista: tudo se planta e se colhe em a-meia, somos meeiros nesse terreiro de todos os semas — semi-tério. Ao acatar o irrecusável convite, o leitor corporifica sua própria travessia sobre a página e se torna participante da construção coletiva de sentidos para o grande Mistério da existência. Se lembrarmos que as histórias mais longas do escritor mineiro se desenrolam na poeira das estradas, que seus personagens são permanentes transeuntes, poentos caminheiros de passagem rumo ao mistério, à “terceira margem do rio”, poderíamos concluir que a escrita de Guimarães Rosa é voluntariamente mistagógica. Suas estórias se abrem em invocação ao leitor para que ingresse no espaço diegético e, nessa paisagem, de certo modo, a literatura se assume como teotopia e se propõe a resgatar as sempiternas almas errantes — passadas, presentes, futuras. Somos todos rapaces rastreando nosso misterioso destino, à imagem do “senhor moço” em busca de sua enigmática e logogrífica “novilha pitanga”. 

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