Raynara Karenina Veríssimo Correia*
*Mestre em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas – (UNICAMP). Contato: raynaracorreia@gmail.com
Resumo:
Este trabalho teve como principal objetivo analisar o sermão Heaven, a World of Love, de Jonathan Edwards (1703-1758), sob o eco retórico da Reforma Protestante. Este, foi o último da série Charity and its fruits, pregada em 1738 e publicada apenas postumamente. Trata-se uma exegese de 1 Coríntios 13 sobre a necessidade da manifestação das virtudes cristãs, sendo a caridade ou amor a maior delas, e, portanto, a única que permanecerá no universo celestial de forma aperfeiçoada e suprema, quando todas as demais cessarem. Entrementes, nos foi possível compreender a importância da literatura em sua elocutio. Para isso, tratamos, em primeiro lugar, acerca da retórica, fazendo um apanhado histórico sobre o tema. Em seguida, detivemo-nos ao estudo da retórica dentro do âmbito da Reforma Protestante e como esta veio a ecoar no Puritanismo. Por fim, dedicamo-nos à análise do sermão focando na dispositio, que se refere à ordenação do discurso, e também na elocutio, que são as expressões linguísticas dos pensamentos formulados na inventio. Como resultado, constatamos que a apropriação dos recursos estéticos por Edwards foi a fim de promover o efeito retórico desejado no público, a conversão, fosse pela razão, comoção, medo ou pelo afeiçoamento à beleza.
Palavras chave: Retórica; Poética; Jonathan Edwards
Abstract
The main objective of this work was to analyze the sermon Heaven, a World of Love, by Jonathan Edwards (1703-1758), under the rhetorical echo of the Protestant Reform. This was the last one of the Charity and its fruits series, preached in 1738 and published only posthumously. It is an exegesis of 1 Corinthians 13 about the need of the manifestation of the Christian virtues, being charity or love the greatest of them, and therefore the only one that will remain in the heavenly universe in an improved and supreme way, when all the others cease. Meanwhile, we were able to understand the importance of literature in its elocutio. For this, we dealt, firstly, with rhetoric, making a historical overview on the subject. Then, we focused on the study of rhetoric within the scope of the Protestant Reform and how it echoed in Puritanism. Finally, we dedicated to the analyze the sermon focusing on dispositio, which refers to the ordering of the speech, and also on elocutio, which are the linguistic expressions of the thoughts formulated in the inventio. As a result, we found that the appropriation of aesthetic resources by Edwards was in order to promote the desired rhetorical effect in the public, the conversion, whether through emotion, fear or affection for beauty.
Keywords: Rhetorics; Poetics; Jonathan Edwards
Aretórica é inerente ao ser humano. Segundo Lausberg (2004, p. 75) trata-se de “um sistema de formas de pensamento e de linguagem, as quais podem servir à finalidade de quem discursa para obter, em determinada situação, o efeito que pretende.” Se levarmos em consideração a história bíblica do Gênesis, é possível enxergar a arte da retórica desde o primeiro casal da humanidade, quando Adão argumenta com o Criador numa tentativa de desvencilhar-se da culpa de ter quebrado a principal ordem que havia recebido no Jardim do Eden, a de não comer do fruto da árvore do bem e do mal.
Para muito além de Adão e Eva, a capacidade da persuasão cercou o homem, de modo que, já entre os gregos, havia especial interesse desde o século IX a.C., nos tempos de Homero, porém, só foi propriamente desenvolvida com a substituição dos regimes monárquicos pela democracia em algumas das principais cidades da Grécia. Com esse novo modelo de governo, o domínio das técnicas de convencimento passou a ser fundamental nas esferas políticas e sociais, haja vista a necessidade constante de se persuadir os juízes nos tribunais e o próprio povo nas assembleias (DOBSON, 1919).
No espectro da religião, a retórica também passou a ocupar um lugar muito importante, especialmente no Cristianismo, haja vista que neste prega-se que a fé vem pelo ouvir, e o ouvir a palavra de Deus, conforme Romanos 10:17. Portanto, para que a fé seja disseminada há a necessidade de um orador. Em meio ao cenário iluminista do século XVII, em que a razão era o cerne de todas as coisas e não havia espaço para o não empírico em discursos considerados dignos de importância, surge Jonathan Edwards, último dos grandes teólogos alinhados à doutrina reformada e puritana da Nova Inglaterra. Para ele, era preciso ter luz na mente e fogo no coração, de modo que seus sermões eram estruturados segundo uma sequência lógica que se esquivava de ensinos alegóricos, e ao mesmo tempo bramiam por um avivamento. Não regado a experiências puramente emocionais e catárticas, mas marcados pelos frutos da caridade cristã.
De acordo com o dicionário Houaiss (HOUAISS; VILLAR; DE MELLO FRANCO, 2001, p. 2447), a retórica pode ser definida como um “conjunto de regras que constituem a arte do bem dizer”, podendo ser sinônimo de erudição, eloquência e persuasão, ou, simplesmente, ter um significado pejorativo, indicando ausência de sentido em discursos muito elaborados. O termo Retórica começou a ser utilizado na Grécia Antiga, por Córax e Tísias na Sicília, por volta de 465 a.C., em um tratado, e permanece até hoje. A essa primeira retórica chamamos, por convenção, de Retórica Antiga, que, como passível em toda teoria, sofreu modificações ao longo do tempo. Segundo Tringali (1988), novas Retóricas surgiram no processo, sempre subordinadas à primeira, como a Retórica Clássica, a Retórica das Figuras, a Retórica Nova e a Retórica Semiótica.
Conforme aponta Plebe (1978), atualmente nos atemos, basicamente, à Retórica Antiga propriamente, que diz respeito à arte grega e latina originada na Antiguidade Clássica, fundamentada por pensadores como Aristóteles, Cícero e Quintiliano; e à Retórica das Figuras, que reduz o discurso apenas a figuras de estilo ou figuras retóricas de linguagem, como as metáforas, por exemplo. Isso, porque a Retórica Clássica desapareceu com o advento da Estilística como ciência autônoma no século XIX, a Nova inclui-se na lógica discursiva, e a Semiótica está diretamente ligada a Retórica Antiga e da Retórica das Figuras.
No Renascentismo, a crescente complexidade da vida social exigiu a disponibilidade de manuais retóricos diversificados. Estes aderiam, em parte, aos exemplos clássicos, de modo que apenas gradativamente se destacaram em suas individualidades normativas. Os retóricos dessa época escreveram livros de texto, parte de antologias de tratados, fólios e quartos extensamente anotados, ou ainda como anotações escritas, primeiramente, em versões de neo-traduções latinas e, posteriormente, em vernáculo. Segundo Sloane (2001, p. 675), de um ponto de vista genérico, o autor mais prolífico e versátil de tratados especializados em retórica no Renascimento é Erasmo de Rotterdam. Dada essa variedade, Plett (2004) classifica a retórica renascentista em cinco tipos: 1) retórica das artes (inventio, dispositio, elocutio, actio/pronunciatio); 2) arte de pregar; 3) retórica epistolar; 4) retórica de formulário; e 5) retórica das figuras e tropos.
A arte de pregar ramificou-se do Movimento Humanista para a Reforma Protestante, fazendo parte da retórica dos teólogos envolvidos no processo. Dada a relevância do movimento para o nosso estudo, visto que o enxergamos como uma das principais fontes da herança retórica de Jonathan Edwards, dedicamos o próximo tópico para discorrer sobre o assunto.
O movimento reformado teve em seu cerne indivíduos como Martinho Lutero (1483-1546), Ulrico Zuínglio1 (1484-1531) e João Calvino (1509- 1564), e por objetivo as reformas moral, teológica e institucional da igreja cristã. Segundo González (2011), esse movimento era complexo e heterogêneo e seu projeto não dizia respeito apenas a uma reforma doutrinária da igreja, mas balizava também fundamentos de ordem social, política e econômica. Formalmente, a Reforma Protestante ocorreu entre os anos de 1517 e 1555, porém, como avalia Randell (1995), não seria adequado afirmar que um evento de tamanho impacto tenha tido início e fim em datas específicas. Embora a Reforma e o Renascimento tenham coincidido historicamente e sejam fundamentados em questões básicas de ordem similar, as respostas a tais questionamentos divergiram em tudo. Os humanistas partiam de pressupostos seculares para as suas questões, enquanto os protestantes abordavam uma perspectiva religiosa.
Apesar de algumas semelhanças, como o interesse retórico e a necessidade de retornar às fontes bíblicas, Lutero, enquanto reformador, via, na eloquência, uma ferramenta útil para a disseminação das Escrituras, e não como um fim em si mesmo, conforme pensavam os humanistas. Isso posto, foi categorizado como um dos pilares da reforma protestante: o Sola Scriptura, princípio segundo o qual a Bíblia tem absoluta primazia sobre toda e qualquer questão relacionada à fé e à prática de vida cristã.
Em concordância com o pensamento luterano quanto ao propósito da pregação, Calvino dedicou a sua preparação acadêmica, incluindo o conhecimento dos escritos dos pais latinos e da filosofia grega, além do domínio das línguas originais bíblicas (FERREIRA, 2014; GONZÁLEZ, 2011) à Igreja, legando a está um conjunto de obras que passaram a nortear os princípios da fé reformada. Segundo González (2011, p. 64) ele é “sem dúvida, o mais importante sistematizador da teologia protestante do século XVI”.
Para Calvino, as Escrituras nos oferecem um escopo para nossos pensamentos e ações. Por meio dela, somos capacitados a ter uma visão mais adequada acerca de Deus, do mundo e de nós mesmos, o que de outro modo seria impossível. Podemos perceber assim que o tipo de humanismo que Calvino contemplava em seus escritos consistia no fato, considerado sublime, do homem ser criatura de um Deus supremo, digno de ser adorado e glorificado.
Podemos afirmar que o método hermenêutico de Calvino era, antes de qualquer coisa, essencialmente bíblico. Seus princípios de interpretação incluíam o sentido literal (método histórico-gramatical); o princípio Cristocêntrico, cuja interpretação, tanto do Antigo Testamento como do Novo Testamento, apontava para Cristo; e a rejeição ao método alegórico. Em sua dedicatória a Grynaeus no Comentário de Romanos (CALVINO, 1997), o primeiro que escreveu, nota-se a sua preocupação em evitar tudo que lhe parecesse fugir do significado original do texto. Preocupação que anos depois se consagraria em seu próprio método exegético:
Ambos [Calvino e Grynaeus] sentíamos que a lúcida brevidade constituía a virtude peculiar de um bom intérprete. Visto que a tarefa quase única do intérprete é penetrar a fundo a mente do escritor a quem pretende interpretar, o mesmo erra seu alvo ou, no mínimo, ultrapassa seus limites, se leva seus leitores para além do significado original do autor. Nosso desejo, pois, é achar alguém [...] que não só se esforce por ser compreensível, mas que também não tente deter seus leitores com comentários demasiadamente prolixos (CALVINO, 1997, p. 10).
Calvino demonstra também sua preocupação em ser entendido. Para ele, a clareza e o sentido simples do texto são as condições básicas para a exegese. Calvino dava mais importância às interpretações claramente entendidas que aquelas cuja engenhosidade prejudicasse a compreensão. Ele costumava seguir um padrão sequencial sistemático e mantinha uma mensagem direta, de modo que “não havia frases desperdiçadas” (LAWSON, 2002, p. 98). Além disso, Calvino era extemporâneo em sua apresentação, sem esboços quando subia ao púlpito, reagindo às pregações sem espontaneidade, frias e sem energia. Sua pregação também era exegética em sua abordagem, isto é, era interpretada conforme o ambiente histórico específico, as línguas originais, as estruturas gramaticais e o contexto bíblico (LAWSON, 2002).
Calvino entendia que embora fosse tarefa de Deus converter os corações, o interlocutor deveria mediar uma facilitação em matéria de reflexão para que o discurso fosse apresentado de forma precisa, clara e direta, de modo a impactar a vida dos ouvintes. Nesse sentido, a pregação teria dois primeiros objetivos básicos, a saber: a exposição fiel da Palavra e o alcance do ouvinte humano.
Já no fim do século XVI, a influência calvinista tinha ultrapassado as fronteiras de Genebra, percorrendo a França, Escócia, Inglaterra, Holanda, partes da Alemanha, Hungria e Polônia, assim como ecoou entre os peregrinos que fugiram para a Nova Inglaterra no século XVII (FERREIRA, 2014). Eventualmente, o Calvinismo se estabeleceu não apenas como modelo eclesiástico e religioso, mas culminou, também a partir da pregação, no desenvolvimento político e social dos países em que foi estabelecido, incluindo os Estados Unidos, país colonizado por uma porção de puritanos que levavam consigo a cosmovisão de João Calvino.
O Puritanismo trata, essencialmente, de um movimento em defesa da reforma eclesiástica, da renovação pastoral, do evangelismo e do avivamento espiritual (JONES, 1993; PACKER, 1996; RYKEN, 2013). Seu interesse principal era estabelecer uma Igreja pura, que abandonasse os vestígios restantes de cerimônia, ritual e hierarquia católicos, tornando-se uma Igreja verdadeiramente reformada, em que a doutrina das Sagradas Escrituras fosse central, enfatizando a doutrina da graça, que pode ser sintetizada da seguinte maneira: “Deus é a fonte de todo benefício humano e não se pode adquiri-la por mérito humano.” (RYKEN, 2013, p. 79).
É difícil estabelecer uma data para o início do movimento puritano, pois, como aponta Jones (1993, p. 249), em 1524, Willian Tyndale já possuía essa mentalidade, tendo um ardente desejo de que o povo comum pudesse ler as Escrituras, e, contra o endosso e a sanção dos bispos, ele mesmo lançou uma tradução da Bíblia. Segundo Packer (1996), foi no século XVI que os protestantes evangélicos da Igreja da Inglaterra foram chamados de “Puritanos”, visto que queriam eliminar os resquícios das práticas católicas romanas que sobreviviam na Igreja da Inglaterra, isto é, a Igreja Anglicana que havia sido fundada por Henrique VIII e depois moldada por sua sucessora Elizabeth I, por Jaime I e por seus conselheiros. Naquela época, o termo “puritano” tinha uma conotação satírica e ofensiva, proveniente do descontentamento motivado pela religião elisabetana.
Os puritanos usavam a metodologia reformada de pregação que dispunha de uma forma específica, de esboço de sermão, que era, estruturalmente, diferente do que vemos nas homílias.2 Os sermões puritanos eram devotos em sua metodologia. Segundo Ryken (2013, p. 178), eles seguiam uma forma composta basicamente por três partes: 1) Interação com o sentido do texto bíblico, 2) Dedução de princípios doutrinários e morais do texto, 3) Demonstração de como aqueles princípios podem ser aplicados na vida cristã diária.
Em 1592, foi publicado em latim o primeiro manual de homilética para pregadores da Inglaterra, escrito por William Perkins (1558-1602). Neste Perkins defendeu que existem quatro princípios que devem reger o pregador: 1) Ler o texto claramente nas Escrituras canônicas; 2) Explicar o seu sentido depois de lido, de acordo com as Escrituras; 3) Reunir alguns pontos de doutrina proveitosos, extraídos do sentido natural da passagem; 4) Aplicar as doutrinas explicadas à vida e prática da congregação em palavras simples e diretas.
Na qualidade de retórico, expositor, teólogo e pastor, William Perkins se tornou uma figura proeminente do cristianismo, de modo que A Arte de profetizar tornou-se um tratado que serviu de base para as raízes da pregação puritana. Por ocasião de sua morte, os seus escritos vendiam mais que os de João Calvino e Teodoro de Beza3 juntos, além de também ter sido influência nas igrejas das colônias americanas, ajudando a definir o pensamento de Jonathan Edwards4 tanto acerca da homilética como de diversos temas sobre a vida cristã, a exemplo da alegria em Deus e da prática da piedade.
Gomes (2009, p. 23) comenta que o sermão atingiu o ápice de sua popularidade durante o movimento chamado de Great Awakening – Grande Despertar ou Grande Avivamento:
Fenômeno sociorreligioso ocorrido no século XVIII, o Great Awakening foi uma reação por parte de pastores e homens religiosos contra o formalismo a que o puritanismo estava sendo submetido, com seus principais ideais sendo esquecidos ou adquirindo pouca importância. Assim, pastores itinerantes iam de cidade em cidade pregando, de forma carismática, sermões que em muito exaltavam os fiéis e renovavam sua fé. Apesar de vários historiadores afirmarem que o Great Awakening não foi um movimento organizado, não há como negar que a necessidade por parte de uma nova geração de pregadores foi essencial para revitalizar o puritanismo. (GOMES, 2009, p. 23).
Nessa mesma época, o racionalismo iluminista e sua versão religiosa, o deísmo, ameaçavam, diretamente, não somente as convicções evangélicas e reformadas dos puritanos, mas também os próprios fundamentos do cristianismo histórico. Ruland e Bradbury (1991, p. 37)5 esclarecem:
O século XVIII foi um período de grande mudança nos ideais norte-americanos, e essa mudança não alterou de modo significativo os impulsos milenares tão profundamente associados ao Continente americano e à colonização dos Estados Unidos, mas foram remodelados em resposta às questões intelectuais e científicas da Era da Razão. Nos Estados Unidos, como também em outros lugares, o mundo da Reforma de Aristóteles e Ramus deu lugar ao mundo do Iluminismo construído por Newton e Locke; a Filosofia, em vez de teologia rígida, transformou-se em ciência natural; os valores do Deísmo e do naturalismo moral, bem como o liberalismo e o progresso, pouco a pouco se tornaram caminhos adequados para a interpretação da experiência Norteamericana.
Em meio a esse cenário, surgiu Jonathan Edwards na Nova Inglaterra. Pregador, pastor, teólogo, escritor,6 acadêmico e metafísico Jonathan Edwards se tornou uma das mais importantes figuras não só do Grande Despertar, mas para todo os Estados Unidos (MARDSEN, 2015; PACKER, 1996; RYKEN, 2013). Como um erudito e que levava a sério as realidades e desafios do seu tempo, Edwards não poupou esforços para resgatar o fervor espiritual e a herança puritana, com o intuito de demonstrar que não há qualquer conflito intransponível entre fé e razão.
Devido a esta junção, a teologia de Edwards é praticamente singular quando comparada a de outros teólogos americanos. Enquanto pastor puritano, Jonathan Edwards teve como objetivo principal guiar pessoas a encontrarem Cristo, e a ênfase maior dos seus escritos e sermões está na majestade, glória e graça de Deus (FERREIRA, 2014).
Paul Ramsey, um dos estudiosos de Edwards na Universidade de Princeton, lamentava o fato de Edwards ser conhecido por muitos apenas por Sinners in the hands of na angry God, em português, Pecadores nas mãos de um Deus irado, e não como o pregador de Heaven, a world of love, em português, O Céu é um mundo de amor”, último sermão que compunha uma série de dezesseis, intitulada Charity and its fruits, traduzida como Caridade e seus frutos”, objeto de análise neste artigo. Neste, Edwards trata sobre o amor direcionado, primeiramente, a Deus e, em segundo lugar, ao próximo. É o amor ativo, que frui como consequência do serviço a Deus e aos outros, de modo que esse amor e seus frutos são as marcas distintivas de um discípulo.
Em Heaven, a world of love, o discurso do pastor de Northampton é, retoricamente, elaborado numa perspectiva de convencer a congregação sobre a necessidade de o cristão exercer suas virtudes, que ele chama no decorrer de todo o livro de frutos, sendo o amor a principal delas e a responsável para que todas as outras existam.
Transmitindo uma ideia de progresso, Edwards argumenta que esse amor atingirá o estado mais perfeito pelo preencher do Espírito no céu e que a presença de Deus é a fonte desse mais perfeito amor. Portanto, nada odioso permanecerá lá, mas apenas o que é amável e sem mácula. Em contrapartida, ele adverte a todos os que não estão enraizados nesse amor e, portanto, não frutificam, que não têm participação na graça que leva ao céu, devendo arrepender-se, enquanto é tempo, e dedicar- -se na busca da participação desse universo.
Para isso, Edwards inicia sua exposição apresentando o texto de 1 Coríntios 13:8-107 e, em sequência, fortalece o vínculo de credibilidade do seu discurso trazendo à memória uma doutrina que já foi exposta em sermões anteriores, conectando-a ao que pretende iniciar em Heaven, a world of love:
Partindo do primeiro destes versículos (v. 8), eu já expus a doutrina de que aquele grande fruto do Espírito, o qual o Espírito Santo, não somente por algum tempo, mas perenemente, comunicará à igreja de Cristo, é a caridade ou amor divino. Agora eu gostaria de considerar o mesmo versículo em conexão com os dois que seguem (vs.9 e 10). (EDWARDS, 2015, p. 361). 8
Dito isso, como numa estratégia didática, Edwards passa a ordenar, numericamente, as observações que se dispõe a fazer. Num primeiro momento, ele fundamenta o seu discurso, justificando que a caridade ou amor não é algo passageiro: “ela permanecerá quando todos os demais frutos do Espírito houverem cessado. ” (EDWARDS, 2015, p. 362).9 Em seguida, ele afirma que essa permanência da caridade se “sucederá no perfeito estado da igreja, quando o que é em parte cessar, e o que é perfeito se concretizar. ” (p. 363).10 A perspectiva da eternidade é um dos temas de maior força propulsora para a retórica edwardiana, uma vez que a vida após a morte é um campo desconhecido para o homem fora do escopo da espiritualidade. Além do mais, a intensidade da palavra “eterno” implica em si mesma algo que não é passível de mudança, mas que tem durabilidade infinita.
Essa parte do texto, assim como o próprio sermão, é intitulada “Heaven, a world of love” (“O Céu é um universo de caridade ou amor”)11, sugerindo ao leitor que a doutrina é a parte mais essencial da pregação. Além disso, a repetição de uma frase exata, especialmente, posta em lugar de destaque no sermão, indica a ênfase que o autor deseja dar sobre determinado assunto, nesse caso, de que o Céu é um ambiente cujo espaço e tempo são preenchidos por uma atmosfera de amor, isto é, são preenchidas pela essência do próprio Deus. Isso pode ser comprovado na sequência do texto, quando Edwards se dedica a explicar, numa relação de causa e efeito, como e porque o céu é um universo de amor.
Primeiro, ele explana a causa e a fonte do amor no céu, que se dá por lá ser o lugar que Deus habita. Para reafirmar seu discurso, ele descreve o céu como um palácio, o que manifesta nas entrelinhas a ideia da majestade de Deus, o Rei, além de expressar requinte e sofisticação, ambos anseios do ser humano, aguçando no leitor cristão o desejo de conhecer o referido lugar. Edwards segue seu argumento antecipando alguma possível hipótese do leitor sobre a onisciência Divina e a capacidade de estar em todos os lugares. Para isso, ele se utiliza de algumas passagens bíblicas e apresenta uma sequência de exemplos que têm uma mesma estrutura sintática, epíploces:12 “ Ele habitava... mais do que...”. A repetição ocorre seis vezes e pode indicar uma ascendência em sua fala antes de, finalmente, se referir à habitação celeste de Deus: “Mas o Céu é sua habitação mais que todos os demais lugares do universo” (EDWARDS, 2015, p. 364).13
A repetição de termos é um recurso retórico comum utilizado por Jonathan Edwards para a composição do sermão. De acordo com Lausberg (2004, p. 166), as figuras de repetição detêm o fluir da informação e dão tempo para que se “saboreie”, afetivamente, a informação apresentada como importante. Na continuação da descrição do céu e as causas que o tornam um universo de amor, ele reitera a ideia da glória de Deus, variando apenas a classe das palavras em “gloriosa” e “gloriosamente”, como pode-se confirmar na citação a seguir, além de haver uma notável ascendência em relação ao nível da linguagem poética utilizada no texto:
O céu é uma parte da criação que Deus edificou para este fim: ser o lugar de sua gloriosa presença, e ele é sua habitação para sempre; ali ele habitará e gloriosamente se manifestará por toda a eternidade. E isto faz do céu um universo de amor; pois Deus é a fonte do amor como o sol é a fonte da luz. E, portanto, a gloriosa presença de Deus no céu o enche de amor, como o sol, colocado no meio dos céus visíveis num claro dia, enche o mundo de luz. O apóstolo nos informa que “Deus é amor”; e, portanto, visto que ele é um Ser infinito, segue-se que ele é uma infinita fonte de amor. Visto que ele é um Ser autossuficiente, segue-se que ele é a plena, transbordante e inexaurível fonte de amor. E, pelo fato de ser imutável e eterno, ele é a imutável e eterna fonte de amor. Ali, sim, no céu, habita o Deus de quem procede todo fluxo de santo amor; sim, toda gota de amor que existe, ou que já existiu. (EDWARDS, 2015, p. 364, 365).14
A partir da frase “Deus é a fonte do amor como o sol é a fonte da luz”, Edwards cria uma articulação discursiva lógica que funciona como eixo para todo o parágrafo. Com a comparação de que Deus é como sol, ele deixa clara a posição central do luzeiro celeste e se apropria de termos como “visíveis”, “claro”, “dia” e “luz”, criando uma imagem de resplandecência na mente do leitor, que adere de forma arguciosa com a ideia de glória mencionada anteriormente. Além disso, Edwards faz um jogo de palavras com o substantivo “fonte”, que muda de significado no decorrer do texto. Primeiro, o sentido está para “origem”, em seguida, a palavra ganha conotação literal.
No discorrer do sermão, Edwards passa a informar ao interlocutor tudo o que está ausente no céu. Após isso, ele traz, imediatamente, a figura de Deus que funciona como forma de preenchimento a tais lacunas. Ao dizer que no Céu não há nada odioso, mau, nem defeituoso, porém há Deus, infere-se que este vem a ser o próprio amor, bondade e perfeição.
Assim como na argumentatio Edwards marca linguisticamente a estrututura do texto, apontando para os leitores que a partir daquele momento iniciará a exposição da doutrina, na conclusio não é diferente. Ele segue a estrutura padrão tríplice do sermão puritano, indicando que a última parte de sua pregação é destinada a aplicação da doutrina. Nela, ele destaca quatro pontos principais, dos quais, no primeiro, estabelece uma relação de causa e efeito entre a doutrina apresentada anteriormente e a aplicação que se pretende expor, formando um tipo de gancho linguístico-discursivo em sua dispositio.
Para isso, Edwards estrutura seu primeiro tópico com as partículas conjuntiva e adverbial “If...then”: “Se o céu é um universo como o descrito acima, então podemos ver uma razão porque a contenda e a porfia tendem a obscurecer nossa equação para sua posse” (EDWARDS, 2015, p.391).15 Edwards seleciona o tema da discórdia, para criar um pano de fundo para todo o restante de sua elocutio, haja vista que esta é a principal razão para a alteração da ordem da paz e do amor. Quando essas discórdias vêm à tona, o cristão deixa, portanto, de se deleitar nos benefícios espirituais de quem está em plena comunhão com Deus e, consequentemente, com o céu.
Os artifícios retóricos empregados nessa parte do sermão se dividem principalmente em aliterações e repetições que se perderam em parte na tradução que estamos analisando para este artigo:
É a felicidade do amor e do início de uma vida naquele amor que é santo, humilde, divino e celestial. Amor para com Deus e para com Cristo, e amor para com os santos por amor a Deus e a Cristo, e o desfrute dos frutos do amor de Deus em santa comunhão com Deus, com Cristo e com as pessoas santas – é isso que lhes causa encanto; e tal é a sua natureza renovada, que essa felicidade se harmoniza com sua disposição, apetite e desejos acima de todas as demais coisas; e não apenas acima de todas as coisas que possuem, mas também acima de tudo o que podem conceber ser possível que poderiam possuir. (EDWARDS, 2015, p. 395).16
Note-se, na versão original em inglês (vide rodapé) , a sequência repetida de fonemas idênticos no início das palavras happiness, holy, humble e heavenly. Além disso, no que se refere às três últimas, elas aparecem no texto como uma sucessão de adjetivos que se agravam. Porém, é importante ressaltar a quebra de significados entre algo que é santo e, divinamente, celestial, mas, ao mesmo tempo, humilde. Edwards opta por colocar o adjetivo humble no meio dos termos, exatamente entre holy e heavenly, talvez na tentativa de transparecer um equilíbrio do objeto a que está se referindo e ao mesmo tempo de destacar tal caraterística, diferindo-a do amor humano comum, que facilmente se ensoberbece.
Após discutir principalmente sobre o Céu, Deus e o cristão, Edwards estabelece uma relativa mudança de perspectiva. Isso, porque, a partir deste momento, ele passa a configurar elementos que visam “despertar e alarmar os impenitentes” (p. 396),17 e faz isso em dois subtópicos, em que, no primeiro, tem como objetivo expor a miséria humana, e a expõe, a fim de fazer com que as pessoas saibam que todos os que não tem parte com Deus também não tem parte com esse universo de amor, portanto não poderão gozar de seus privilégios. No segundo, ele enfatiza o risco de ir para o inferno, que é um mundo de ódio.
Na dispositio, Edwards explora a memória do leitor, enfatizando que eles já sabem o que foi dito sobre o céu e todas as suas bem-aventuranças, porém nada daquilo o pertence. Não pode pertencer a alguém que não ama a Deus. E amar a Deus envolveria viver a vida na batalha pela santidade em amor. Se o leitor não faz parte dessa guerra, como foi metaforizado no tópico anterior, então, ele certamente não ama a Deus. Mas mais que isso, Edwards só trabalha com dois lados. Para ele, quem não luta a favor luta contra quem não ama, odeia, portanto quem não está pela causa celeste, é inimigo de Deus e por isso, por hipótese nenhuma, há de desfrutar da graça celestial.
Considere, porém, que nada disto lhe pertence. Ao ouvir falar destas coisas, você ouve daquilo que não tem nenhum interesse. Nenhuma pessoa como você, perverso inimigo de Deus e de Cristo, e que vive sob o poder de uma inimizade contra tudo o que quanto é bom, jamais entrará ali. (EDWARDS, 2015, p. 396).18
É interessante que a ênfase que Edwards passa a fazer nessa parte do sermão é tão forte e direcionada, que até o último tópico, por mais que também houvesse cristãos no meio dos ouvintes, ele se referia às pessoas que habitarão no céu com o pronome they – eles. Ao iniciar a exposição acerca dos perigos de não estar entre os habitantes da pátria celeste, Edwards passa a falar à congregação, diretamente, fazendo uso do pronome you (você). Segundo Jonathan Edwards, se alguém não redimido por Cristo adentrasse os portões celestiais, quebraria toda a dinâmica da perfeição, trazendo desordem. Por isso não acontecerá, e a única alternativa para essas pessoas é, portanto, serem lançadas no inferno. E sobre isso ele discorre num tópico que segue.
Este tópico, com o qual Edwards gasta algumas laudas, tem como objetivo mostrar as pessoas que elas correm o risco de ir para o inferno, um mundo de ódio, que é a contraposição mais assertiva para o céu, mundo de amor. Segundo Edwards, lá
[...] é o mundo onde Deus manifesta seu desprazer e ira, tanto quanto no céu ele manifesta seu amor. Tudo no inferno é odioso. Ali não existe um só objeto que não seja odioso e detestável, horrível e aversivo. Ali, não se vê sequer uma pessoa ou coisa que seja deleitoso ou gracioso; nada que seja puro, ou santo, ou aprazível, mas tudo ali é abominável e repelente. Ali não há seres, senão demônios e espíritos condenados que se assemelham aos demônios. O inferno é, por assim dizer, uma vasta cova de serpentes sibilantes e peçonhentas; ali vive a antiga serpente, que é o diabo e Satanás, e com ele toda a sua odiosa progênie. Naquele escuro mundo não habita ninguém, senão aqueles a quem Deus odeia com um completo e eterno ódio. [...] É um mundo preparado com o propósito de expressar a ira de Deus. Ele criou o inferno para isto; e não existe para ele nenhuma outra utilidade senão para testificar ali seu perene ódio pelo pecado e pelos pecadores. (EDWARDS, 2015, p. 398).19
A doutrina de Edwards a respeito do inferno está entrelaçada com seu pensamento sobre a glória divina e a maldade humana, aspectos que aparecem em toda a sua obra. Essencialmente, Edwards vê o inferno também como uma maneira pela qual Deus revela a sua transcendência, pois é, justamente, discorrendo sobre esse tema que podemos observar a separação de Deus de sua criação, sem confundirmos o Deus calvinista com um deus panteísta, conforme explica Holifield (2007, p. 148). A transcendência revelada no inferno envolve o poder de Deus, sua soberania, infinidade, eternidade e santidade, e Edwards se apropria de todos esses atributos da natureza divina, para elaborar suas meditações.
Nesse sentido, em Heaven, a world of love, Edwards lança mão de uma estratégia de contraposição de ideias em que ele estabelece, de acordo com o que crê, apenas duas saídas após a morte, as quais carregam consigo a força discursiva da palavra “eterno”. Para ele, omitir o assunto da realidade do inferno seria pregar de forma incompleta, pois o sacrifício de Jesus na cruz, ao mesmo tempo em que foi um ato declarado de amor, foi também um testemunho a respeito da ira de Deus. Cristo bebeu o cálice da ira divina no lugar dos pecadores, aplacando-a e oferecendo uma oportunidade, para que os homens se achegassem a Deus e pudessem viver em harmonia com Ele tanto na terra, como no Céu quando o momento chegasse.
No sermão, as palavras de efeito, portanto, passam a ser em contraste com a harmonia celeste. Repetidas com alta frequência, são todas relacionadas a abominações, raiva, ódio, maldade, dor e tormento. Edwards cria uma imagem amedrontadora sobre os resultados de uma vida longe de Deus os quais parecem ter a função de atingir o pathos. Ele descreve não apenas o local do inferno e o objetivo para o qual foi criado, mas também se dedica a escrever sobre as agonias de estar lá com uma intensidade tão grande quanto a que se dedicou a escrever sobre o céu. No entanto, esta segunda imagem parece ser mais impactante, uma vez que nenhum ser humano tem dificuldades de ouvir a respeito de coisas boas que afagam seu ego, como acontece com as promessas do universo de amor, porém é agonizante ouvir sobre a possibilidade do menor sofrimento que seja, quanto mais a respeito de um tormento eterno.
Encaminhando seu sermão para as linhas finais, Edwards introduz o quarto e último tópico dedicado à aplicação da doutrina, cujo objetivo é estimular todos os ouvintes a buscarem o Céu. Nesse ponto, ele se inclui como parte do público e suas enunciações começam a ser empregadas a partir da primeira pessoa do plural, nós, dando a ideia de que também está pregando para si próprio. Em sua elocutio, ele estrutura o seu discurso baseado em relações de causa e efeito, a fim de gerar a persuasão, em que a causa são todos os benefícios de estar no céu – que ele já expôs da forma mais detalhista, poética e agradável possível, e os efeitos envolvem gerar a disposição necessária para que se chegue até lá:
Se o céu é um universo tão abençoado, então que ele seja nossa pátria eleita, a herança para a qual olhamos e buscamos. Direcionemos nosso curso neste rumo e nos apressemos a tomar posse desta pátria [...] se sinceramente escolhermos o céu, e pusermos o nosso coração inteiramente naquela bendita Canaã, aquela terra de amor, e se escolhermos e amarmos a vereda que conduz a ela, então nós poderemos caminhar nessa vereda; e se continuarmos a caminhar nela, então, ela, por fim, nos conduzirá ao céu. (EDWARDS, 2015, p. 402).20
Edwards passa a recorrer à memória do leitor como recurso persuasivo, pois não mais descreve acerca do céu, mas começa a lançar pistas linguísticas que são gatilhos para que o leitor exercite a prática da rememoração quanto ao que já lhe foi dito. As constatações interrogativas lhe servem, então, como um recurso muito adequado, uma vez que passa a utilizá-las com frequência. No parágrafo em questão, elas merecem uma atenção especial, porque se diferem das demais em questão de estrutura:
O que temos ouvido do ditoso estado daquela pátria, e dos muitos deleites que existem nela, não seria suficiente para a desejarmos ardentemente, e para lá os apressarmos, com profunda solicitude e uma resoluta prontidão, e vivermos toda a nossa vida transitando essa mesma vereda que nos conduz para lá? [...] Não nos é suficiente ter ouvido daquele bendito universo para que nos tornemos cansados deste mundo de orgulho, de malícia, de contenda e de perpétua discordância e desarmonia, um mundo de confusão, um deserto de serpentes sibilantes, um oceano tempestuoso, onde não há um mínimo de descanso, onde todos vivem para si mesmos e o egoísmo reina e governa e todos se esforçam para exaltar-se, sem levar em conta o que convém aos demais, e todos são ávidos pelo bom terreno, que é o grande objeto do desejo e contenda, e onde os homens vivem continuamente aborrecendo, caluniando, reprovando e também injuriando e abusando uns dos outros – um mundo saturado de injustiça, opressão e crueldade – um mundo onde há tanta traição, falsidade, leviandade, hipocrisia, sofrimento e morte – onde há tão pouca confiança na humanidade e cada boa pessoa está sujeita a tantas falhas e onde há tanto para torna-lo desafeiçoado e sem conforto, e onde há tanta tristeza, culpa e pecado de todas as formas? (EDWARDS, 2015, p. 403).21
Na primeira interrogativa, Edwards, de forma suscinta, questiona o leitor na certeza de que todo o aparato discursivo já apresentado serve como fundamento suficiente para que se anele por Deus e pelo céu. Na segunda, seu argumento muda de direção, pois o foco passa a ser não o céu, mas a terra. Embora o objetivo da pergunta seja o mesmo da anterior, nesta ele se dedica a fixar, na mente do leitor, a ideia acerca da vida absolutamente ruim que este tem na terra, elegendo assim motivos para que possa desapegar da mesma. Edwards faz isso com uma descrição relativamente longa acerca de como essa vida se apresenta, através de sucessões de adjetivos de significado pejorativo. Note-se, também, a repetição do termo um mundo, que se constitui uma anáfora, que, nesse caso, serve para que o leitor não venha a confundir em hipótese nenhuma de que ambiente se está falando no momento.
Baseado nessas premissas, Edwards volta a questionar de que adianta ter grandes posses ou porções de deleite neste mundo. Ele explica que todos os homens, naturalmente, anseiam pelo mais elevado padrão de vida que lhes for possível, por descanso e tranquilidade, e, por isso mesmo, devem ansiar pelo céu, haja vista que é o ideal máximo de deleite que se possa experimentar. Quando se vive com este anelo, há uma consciência maior de que os problemas, fadigas e dificuldades enfrentados nessa vida são passageiros, e apesar de serem inevitáveis, eles incomodam de forma infinitamente inferior, pois sabe-se que um dia se viverá sem nada que venha a perturbar a mente ou o corpo.
Por fim, Edwards reitera a vida aperfeiçoada do céu, universo de amor, em que, citando versos bíblicos, ele afirma uma felicidade suprema na presença de Deus. Trata-se de um apelo para a vida futura desconhecida, por isso temida, porém abordada pelo pastor de Northampton com um lado visível de esperança, respaldado em sua fé. Assim, como no início do sermão, Edwards encerra suas palavras, citando versos bíblicos que atestam o ethos do seu discurso e são de importância estratégica nessas localizações do texto, pois, como exímio pregador reformado, é como se o autor quisesse comunicar que, do começo ao fim, a Escritura falou ali.
A discussão teórica, inicialmente, desenvolvida neste trabalho buscou compreender o processo de construção do sermão Heaven, a world of love, de Jonathan Edwards, desvendando cada uma de suas partes, exordium, argumentatio e conclusio, na tentativa de responder as hipóteses levantadas sobre quais as reais intenções do orador ao compor o discurso em questão e como ele alcançou seus objetivos, além de enquadrar qual a natureza do sermão edwardiano na tradição retórica. Concluímos assim que, para Edwards, o que determina a finalidade do discurso são as suas origens e os seus fundamentos. Em seu ponto de vista, embora a ciência fosse importante, era apenas um aspecto único que não poderia suplantar a finalidade divina.
Diante disso, ele construiu sermões seguindo a linha puritana no intuito de converter, de exortar e de instruir os seus ouvintes. No que diz respeito, especificadamente, ao sermão Heaven, a world of love, trata- -se de uma unidade literária composta de três divisões principais que consistem em texto, doutrina e aplicação. Nelas, Edwards estabelece o ponto nevrálgico de seu argumento, que diz respeito às relações entre o amor e a eternidade sob uma perspectiva primariamente teológica, mas que mantém seus diálogos com a filosofia. Isso, porque o cerne do seu pensamento está embasado na caridade, ou caritas, que já havia sido categorizada por Agostinho como sendo o amor em sua ênfase correta, pois deseja a Deus e sua essência, assim como uma vida eterna com Ele. A caritas, por sua vez, contrapõe-se à cupiditas, que é o amor que deseja nada mais que as paixões da carne, e, somente ao superar este sentimento, o homem pode encontrar a plenitude de sua liberdade, a qual está no desfrute do seu Criador, sua origem metafísica.
Edwards parece se apropriar desses conceitos e escreve, a fim de deixar claro que, na busca ínfima de si, o homem encontra Deus. Na tentativa de amar, ele descobre que precisa partilhar um atributo que não está, primariamente, nele mesmo, já que, em sua própria pessoa, tende a encontrar um desequilíbrio entre seus desejos, além de precisar lidar com a temporalidade destes. Porém, quando olha para Deus, pode relacionar- -se com um amor que está firmado na eternidade e, por isso, o satisfaz.
Diante disso, Edwards lança mão de diversos recursos linguísticos como amplificações e simetrias tanto de adjetivos como de substantivos no discurso, principalmente de forma tríplice, que podem funcionar como um recurso estético, técnica didática usada para facilitar a memorização dos conceitos por ele estabelecidos ou ainda como um modo de impressionar o seu interlocutor através da ênfase lexical. Nesse sentido, o pastor de Northampton vai além do que era proposto e esperado pela tradição calvinista, que parece ter lhe influenciado muito mais do ponto de vista hermenêutico e teológico do que propriamente retórico. Isso, porque em seus sermões, Edwards consegue se deter no texto bíblico ao mesmo tempo em que desenvolve um conceito filosófico em sua elocutio e se apoia, de forma prática, na teoria aristotélica sobre retórica, a fim de convencer o público em questão, ao invés de fazer uma exegese pontual com recursos discursivos apenas em suas aplicações.
Assim, acreditamos que não seja possível esgotar um estudo acerca dos sermões de Jonathan Edwards, tendo em vista as variadas possibilidades de trabalho que estes nos proporcionam, especialmente, no que tange à área das Letras e, em especial, à crítica literária, pois oferecem- -nos suporte, para discorrer sobre um arcabouço de questões referentes às necessidades humanas gerais, que instigam a busca do homem pelo retorno às suas origens, a fim de sanar lacunas com algo tão grande como o vazio interior: a eternidade.
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[1] Quando jovem, Zuínglio foi um seguidor do pensamento de Erasmo de Rotterdam – de quem tomara ciência em 1516; posteriormente, entre 1519-1520, passou a descrer parcialmente na ideia humanista e na visão pelagiana de Erasmo, o que fez com que abandonasse suas concepções. Foi a partir daí que começou a defender a crença acerca da total depravação do homem e que este só teria salvação se fosse transformado por Cristo. (OLSON, 2001).
[2] Waznak (1998, p. 01) salienta: “In current Catholic parlance “homily” is distinguished from “sermon” where the later names a form of preaching that is not necessarily connected to the biblical and liturgical texts and is heard outside the context of the liturgy.”
[3] Discípulo e sucessor de João Calvino na Igreja de Genebra, e escritor do livro biográfico do seu mestre, intitulado A Vida e a Morte de João Calvino.
[4] Em Religious Affections, Jonathan Edwards faz uma citação direta ao autor: “The famous Mr. Perkins distinguishes between “those sorrows that come through convictions of conscience, and melancholic passions arising only from mere imagination, strongly conceived in the brain; which, he says, usually come on a sudden, like lightning into a house”.” (EDWARDS, [1746]/2011a, p.253).
[5] “The eighteenth century was a period of major change in American ideals, a change which did not so much displace the millenarian impulses so deeply associated with the American continent and American settlement as refashion them in response to the intellectual and scientific questions of the Age of Reason. In America, as elsewhere, the Reformation world of Aristotle and Ramus gave way to the Enlightenment world shaped by Newton and Locke; philosophy turned from rigid theology toward natural science; the values of Deism and moral naturalism, liberalism and progress increasingly became the appropriated ways to interpret American experience.” (RULAND; BRADBURY,1991, p. 37).
[6] Segundo Ferreira (2014, p. 286), Edwards escreveu cerca de mais de mil sermões, além das suas Resoluções; seu Diário pessoal; as Miscelâneas; alguns tratados e livros.
[7] “Charity never fails: but wheter there be prophecies, they shall fail; whether there be tongues, they shall cease; whether there be knowledge, it shall vanish away. For we know in part, and we prophesy in part. But when that which is perfect is come, then that whih is in part shall be done away” (1 Cotinthians 13:8-10).
[8] “I have already drawn the doctrine, that that great fruit of the Spirit in which the Holy Ghost shall not only for a season, but everlastingly, be communicated to the church of Christ, is charity or divine love. And now I would consider the same verse in connection with the two that follow it.” (EDWARDS, [1852]/2008, p.1).
[9] “that it [charity] shall remain when all other fruits of the Spirit have failed.” (EDWARDS, [1852]/2008, p.1).
[10] . “this will come to pass in the perfect state of the church, when that which is in part shall be done away, and that which is perfect is come.” (EDWARDS, [1852]/2008, p.1).
[11] Tradução da Editora Fiel (2015).
[12] Também chamada de gradatio, “esta figura tem a função de assegurar a cada membro, na acumulação coordenativo-amplificante, existência autônoma. Esta faz que a amplificação apareça, não como um meio estilístico, que depressa se atenua nos seus efeitos, mas sim como uma realidade preponderante da vida, por meio do seu caráter insistente.” (LAUSBERG, 2004, p. 171).
[13] “God, considered with respect to his essence, is everywhere - he fills both heaven and earth. But yet he is said, in some respects, to be more especially in some places than in others. He was said of old to dwell in the land of Israel, above all other lands; and in Jerusalem, above all other cities of that land; and in the temple, above all other buildings in the city; and in the holy of holies, above all other apartments of the temple; and on the mercy seat, over the ark of the covenant, above all other places in the holy of holies. But heaven is his dwelling-place above all other places in the universe.” (EDWARDS, [1852]/2008 p.3).
[14] “Heaven is a part of creation that God has built for this end, to be the place of his glorious presence, and it is his abode forever; and here will he dwell, and gloriously manifest himself to all eternity. And this renders heaven a world of love; for God is the fountain of love, as the sun is the fountain of light. And therefore the glorious presence of God in heaven, fills heaven with love, as the sun, placed in the midst of the visible heavens in a clear day, fills the world with light. The apostle tells us that “God is love;” and therefore, seeing he is an infinite being, it follows that he is an infinite fountain of love. Seeing he is an allsufficient being, it follows that he is a full and over-flowing, and inexhaustible fountain of love. And in that he is an unchangeable and eternal being, he is an unchangeable and eternal fountain of love. There, even in heaven, dwells the God from whom every stream of holy love, yea, every drop that is, or ever was, proceeds.” (EDWARDS, [1852]/2008 p.3)
[15] “If heaven be such a world as has been described, then we may see a reason why contention and strife tend to darken our evidence of fitness for its possession. Experience teaches that this is the effect of contention.” (EDWARDS, [1852]/2008, p. 21).
[16] “It is the happiness of love, and the beginning of a life of such love, holy, humble, divine, and heavenly love. Love to God, and love to Christ, and love to saints for God and Christ’s sake, and the enjoyment of the fruits of God’s love in holy communion with God, and Christ, and with holy persons - this is what they have a relish for; and such is their renewed nature, that such happiness suits their disposition and appetite and wishes above all other things; and not only above all things that they have, but above all that they can conceive it possible that they could have.” (EDWARDS, [1852]/2008, p. 23-24 ).
[17] “What has been said on this subject may well awaken and alarm the impenitent.” (EDWARDS, [1852]/2008, p. 25).
[18] “But consider that none of this belongs to you. When you hear of such things, you hear of that in which you have no interest. No such person as you, a wicked hater of God and Christ, and one that is under the power of a spirit of enmity against all that is good, shall ever enter there.” (EDWARDS, [1852]/2008, p. 25).
[19] “[...] is the world where God manifests his displeasure and wrath, as in heaven he manifests his love. Everything in hell is hateful. There is not one solitary object there that is not odious and detestable, horrid and hateful. There is no person or thing to be seen there, that is amiable or lovely; nothing that is pure, or holy, or pleasant, but everything abominable and odious. There are no beings there but devils, and damned spirits that are like devils. Hell is, as it were, a vast den of poisonous hissing serpents; the old serpent, who is the devil and Satan, and with him all his hateful brood. In that dark world there are none but those whom God hates with a perfect and everlasting hatred [...] It is a world prepared on purpose for the expression of God’s wrath. He has made hell for this; and he has no other use for it but there to testify forever his hatred of sin and sinners, where there is no token of love or mercy.” (EDWARDS, [1852]/2008, p.25-26).
[20] “If heaven be such a blessed world, then let it be our chosen country, and the inheritance that we look for and seek. Let us turn our course this way, and press on to its possession[...]If we heartily choose heaven, and set our hearts entirely on that blessed Canaan - that land of love, and if we choose and love the path that leads to it, we may walk in that path; and if we continue to walk in it, it will lead us to heaven at last.” (EDWARDS, [1852]/2008, p. 28).
[21] “Is not what we have heard of the happy state of that country, and the many delights that are in it, enough to make us thirst after it, and to cause us, with the greatest earnestness and steadfastness of resolution, to press towards it, and spend our whole lives in travelling in the way that leads thither? [...]Is not what we have heard of that blessed world enough to make us weary of this world of pride, and malice, and contention, and perpetual jarring and jangling, a world of confusion, a wilderness of hissing serpents, a tempestuous ocean, where there is no quite rest, where all are for themselves, and selfishness reigns and governs, and all are striving to exalt themselves, regardless of what becomes of others, and all are eager after worldly good, which is the great object of desire and contention, and where men are continually annoying, and calumniating, and reproaching, and otherwise injuring and abusing one another - a world full of injustice, and oppression, and cruelty - a world where there is so much treachery, and falsehood, and fickleness, and hypocrisy, and suffering, and death - where there is so little confidence in mankind, and every good man has so many failings, and has so much to render him unlovely and uncomfortable, and where there is so much of sorrow, and guilt, and sin in every form. (EDWARDS, [1852]/2008, p. 29).