Grupo de pesquisa Litere – Literatura, Teoria literária e Religião  
Litere Research Group – Literature, Literary Theory and Religion 

 

Marcio Cappelli Aló Lopes*
Vitor Chaves de Souza**
*Doutor em teologia (Puc-Rio); professor no Programa de Pósgraduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. Contato: alocappelli@gmail.com 
**Doutor em Ciências da Religião (UMESP). Professor no Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. Contato: 
vitor.chaves@metodista.br  
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Resumo:

O prete artigo tem o propósito de apresentar o grupo de pesquisa “Litere – Literatura, Teoria literária e Religião”, em seus diversos aspectos. Para isso, inicialmente, nos concentraremos na descrição de seu vínculo institucional e, consequentemente, de sua relação com as Ciências da Religião no Brasil; também faremos uma breve exposição de sua proposta básica, bem como de sua organização geral, e de suas principais atividades, ressaltando aspectos históricos que julgamos relevantes. Num segundo momento, nos centraremos na apresentação dos marcos epistemológicos e referenciais teóricos que norteiam o nosso trabalho. Por fim, tentaremos oferecer um panorama do número de pesquisadores, eventos organizados e publicações. 

Palavras chave: Litere, Literatura, Teoria Literária, Religião, Pesquisa.  

 

Abstract
This paper presents the “Litere – Literature, Literary Theory and Religion” research group in many aspects. Initially, the paper focus on the reserarch group description and its institutional bond and, thereafter, on the relationship with the Religious Studies in Brazil. Making a brief presentation of the group basics is made along with the general organization and the main activities descriptions, highlighting historical and revelant aspects. In a second moment, the epistemological frameworks and theoretical references which guide our work are presented. Finally, the paper will try to provide an overview of the number of researchers, events and publications. 

Keywords: Litere, Literature, Literary Theory, Religion, Research. 

1. Apresentação do grupo de pesquisa 

Ogrupo Litere mantém vínculo com o Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. De maneira mais específica, se insere na área de concentração Linguagens da Religião e na linha de pesquisa Epistemologia e Linguagens da Religião (anteriormente chamada de Teologias das Religiões e Cultura), que têm como objetivo o estudo de textos, símbolos, mitos, ritos das religiões e sua articulação com outras linguagens, por meio de diversos instrumentais teóricos1

A proposta do Litere se desenvolve no caudal do campo de estudos sobre as Linguagens da Religião – que, apesar de recente, já conta com publicações que procuraram fundamentá-lo epistemologicamente2 . Seria possível, então, dizer que o grupo possui dois eixos: por um lado, procuramos estabelecer um conjunto de práticas analíticas, em diálogo com a teoria literária3 , que ajudem a refletir sobre como a literatura4 incorpora e tensiona criativamente, em sua autonomia, elementos das linguagens religiosas (mitos, símbolos, categorias teológicas etc.), isto é, como ela elabora modelos particulares de produção de sentido. Por outro lado, pretendemos pensar como a teoria da literatura pode auxiliar na interpretação dos textos religiosos5 (por exemplo: Bíblia e apócrifos). Esses eixos se desdobram em alguns sub-eixos que estudam, a saber: (i) as manifestações e representações da experiência religiosa na literatura; (ii) as relações intertextuais entre as diversas expressões literárias e textos religiosos; (iii) a religião no âmbito da crítica e teoria literárias; (iv) análise literária de textos religiosos; (v) a ficcionalidade em textos religiosos. 

Admitindo, portanto, essa pertença (Linguagens da Religião, no escopo de um PPG em Ciências da Religião) e essa organização (eixos e sub-eixos), ainda precisamos nos perguntar sobre o que distingue o nosso tipo de abordagem. Contudo, antes de responder a isso, o que faremos no tópico ulterior, vale a pena, aqui, uma recuperação histórica. Grosso modo, as reflexões sobre a literatura e/ou teoria literária passaram a marcar presença de maneira mais sistemática, no PPG da UMESP, a partir do final da década de 1990 e início dos anos 2000, num momento em que procurava-se superar, nas Ciências da Religião, certos “tiques” confessionais que reduziram o texto literário à condição de acessório na teologia. No final dos anos 90, o grupo de pesquisa Paul Tillich, na liderança de Etienne Higuet e Jaci Maraschin, iniciou debates a respeito do lugar da cultura na religião, ampliando as abordagens reflexivas para a arte e a poesia. Foi interessante também a discussão teórica travada, nesse período, entre Antônio Magalhães, à época docente do PPG da UMESP, e Antônio Manzatto, atualmente professor de Teologia na Puc-SP. Essas discussões teórico-metodológicas contaram com a contribuição de outros pesquisadores, e, mesmo após a saída de Magalhães da UMESP, permaneceu um número de estudantes que se dedicava ao tema e que passou a ter suas pesquisas de mestrado e doutorado orientadas por outros docentes, como Claudio de Oliveira Ribeiro (atualmente na UFJF) e Paulo Nogueira (atualmente na Puc-Campinas). Posteriormente, em 2019, a entrada do professor Marcio Cappelli – que já possuía uma inserção na temática – no PPG da UMESP possibilitou as condições para idealização e abertura do grupo de pesquisa. Cabe ressaltar que nesse ínterim, o grupo Relegere, agora coordenado pelo professor Marcelo Furlin e atrelado ao Litere, desempenhou um papel importante, impulsionando debates acerca da interface religião/literatura. 

Desse modo, tais ações, juntamente com outras da área de Ciências da Religião e Teologia e dos Estudos de Literatura, se inserem nos esforços para compor e a fortalecer, no Brasil, um campo que tem sido chamado de Teopoética; espaço esse que vem se abrindo em uma gama de modelos epistemológicos e diversidade de objetos que englobam poesia, romance, teatro, literatura de cordel, cinema, música, HQs, textos religiosos, suas recepções na arte etc. Para se ter uma ideia do desenvolvimento desse campo, podemos mencionar, nos últimos anos, o crescimento da quantidade de publicações6 , eventos acadêmicos7 , bem como a presença de simpósios e grupos de trabalho em associações de docentes e pesquisadores nas áreas da Literatura, Ciências da Religião e Teologia. Nosso grupo, inclusive, tem procurado participar ativamente dessas iniciativas, como a Associação Latino-Americana de Literatura e Teologia (ALALITE), os GTs “Religião, Arte e Literatura”, da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter), “Religião como texto: linguagens e produção de sentido”, no âmbito da Associação Nacional de Pósgraduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião (ANPTECRE), “Literatura e Sagrado”, que pertence à Associação Nacional de PósGraduação de Linguística e Literatura (ANPOLL), e do Simpósio Temático Literatura e Religiosidade vinculado à Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC). Além disso, o grupo mantém algumas atividades: 1) encontros de planejamento, em que as ações pensadas (leituras, participações em eventos da área, organização de outros eventos, produções bibliográficas); 2) encontros regulares em que são partilhados o estado atual das pesquisas, ou alguma leitura previamente escolhida; 3) seminários temáticos com um ou mais convidados; 4) produção bibliográfica. 

2. Aspectos epistemológicos

Quanto aos aspectos epistemológicos, antes de discuti-los, distribuindo as referências teóricas8 ao longo do percurso de acordo com a ligação que possuem com os sub-eixos descritos no tópico precedente, julgamos necessária uma pequena ressalva. Gostaríamos de reiterar que as pesquisas ocorrem dentro de uma área e de um campo específicos. O que sugere que o pesquisador deve ser tão mais conhecedor deles quanto mais progredir. Isto é, se espera dele/a que esteja cada vez mais inteirado/a das discussões mais importantes acerca de seu tema registradas em livros, dissertações, teses e artigos. Entretanto, devería mos tomar cuidado para que os pesquisadores não construíssem suas carreiras com base na “erudição de uma nota só”9 . A especialização tem suas vantagens, mas também seus limites. Sabemos que essa questão deveria ser discutida de modo amplo, já que está relacionada com o modelo de aferição dos resultados das pesquisas realizadas na iniciação científica, mestrado e doutorado; modelo este que, não raro, submete a formação acadêmica a uma pressão para a obtenção de dados positivos, que devem se materializar em publicações. Todavia, por ora, apenas apontamos para a intenção de manter, em nosso grupo, certo espaço para a conversa sobre assuntos diversos. Afinal, o estudo tem algo de pessoal – o que implica que, na sua forma, tem de ser presidido por certa liberdade diante dos desafios e as possibilidades que os objetos apresentam. Ou seja, acreditamos ser importante manter o interesse por ampliar a bagagem de leitura e o leque de assuntos – sem que isso signifique uma rarefação da densidade das discussões. Obviamente, isto não quer dizer que tenhamos que começar do zero intermitentemente; até porque é possível incorporar o que já se conhece ao novo. 

O grupo, portanto, sem perder de vista essa necessidade, tem se concentrado nas questões relativas à formação do campo da teopoética, especialmente tratadas em trabalhos considerados como “marcos” históricos. Na teologia católica, na Europa, num primeiro momento, conferimos destaque, guardadas as devidas diferenças, aos nomes de Henri De Lubac, Romano Guardini, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Pie Duployé (especialmente a este último, por conta de sua tese de doutorado sobre Péguy conter uma discussão sobre o estatuto epistemológico da literatura para a teologia). Entretanto, vale sublinhar que, se nesses trabalhos e no próprio Vaticano II, sobretudo na Gaudium et Spes, há uma valorização da criação literária, é na década de 70, com um número da revista Concilium dedicado ao assunto, organizado por Johan-Baptist Metz e Jean-Pierre Jossua, que a necessidade de não tornar a literatura serva da teologia é enfatizada com mais afinco. No âmbito protestante europeu e estadunidense, salientamos a contribuição de Paul Tillich para o diálogo com as produções artísticas, mas também não podemos deixar de mencionar os esforços de Dorothe Sölle e Amos Wilder. Dos anos 1970 em diante, muitos/as outros/as estiveram engajados na produção de textos sobre o assunto (Hans Küng e Karl Josef-Kuschel, por exemplo). Na América Latina, teólogos como Juan Carlos Scannone, Pedro Trigo, Gustavo Gutiérrez e Luis N. Rivera-Pagán escreveram sobre a relação entre teologia e literatura. Mais especificamente no Brasil, ressaltaria, num período inicial, as discussões de Rubem Alves sobre o valor da imaginação. Posteriormente, na década de 1990, abrindo novos caminhos, temos os livros de Antônio Manzatto sobre os romances de Jorge Amado (1994), uma leitura teológica a partir da antropologia depreendida dos romances amadianos, e de Waldecy Tenório: A bailadora andaluza (1996), dedicado a pensar a presença do sagrado na poesia de João Cabral de Melo Neto. No princípio dos 2000, Deus no espelho das palavras, de Antonio Magalhães e O nascimento de Jesus Severino no auto de natal pernambucano, tese de Eli Brandão. E poucos anos depois, as publicações das teses de José Carlos Barcellos, O drama da salvação, e de Salma Ferraz, As faces de Deus na obra de um ateu – José Saramago. Nesse ínterim, alguns livros organizados por Maria Clara Bingemer e Eliana Yunes também expandiram esta reflexão. 

Como podemos constatar, com algumas exceções, boa parte dessas reflexões estava, apesar de seu valor, de um lado, relativamente pouco dedicada a questões específicas da teoria e da crítica literárias, e, de outro, muito submetida a preocupações teológicas advindas da pertença confessional, o que nos leva à necessidade de recolocar a pergunta de cunho epistemológico pela especificidade de uma abordagem que se desenvolve nas Ciências da Religião, particularmente nos estudos de Linguagens da Religião. 

Na teologia, por mais interdisciplinar que seja o método, muitas vezes, ele propõe uma aproximação a literatura desde a noção de uma revelação plasmada em uma confissão específica; ou seja, como na proposta de Kuschel descrita em Os escritores e as escrituras (1999), presume-se um núcleo de fé que, no diálogo, baliza a avaliação das ideias teológicas mobilizadas pelos/as escritores/as. 

Evidentemente, alguns trabalhos ocupam uma zona fronteiriça porque se articulam a partir de princípios de hermenêutica literária para chegar a uma teologia. O caso de José Carlos Barcellos é um bom exemplo disso. Ele mesmo declara em tom de confissão: “o nosso [método], sendo fundamentalmente crítica literária, só pode ser considerado teologia na medida em que é (...) um esforço para se levar à linguagem conceitual o pensamento teológico de Julien Green” (BARCELLOS, 2008, p. 143).

Nos estudos de literatura, a religião “aparece” como algo que auxilia na hermenêutica de um texto literário e até mesmo como parte fundamental da teoria da literatura, mas o foco é o fenômeno literário, suas formas e conteúdos. 

No nosso entendimento, no escopo dos estudos sobre as Linguagens da Religião, que encontram, no Brasil, uma síntese nos livros organizados por Paulo Nogueira: Linguagens da Religião (2021) e Religião e Linguagem (2015), o interesse recai sobre a literatura enquanto produtora de linguagem religiosa – mesmo que de forma tensionada – e sobre a teoria literária enquanto aporte para o estudo dos textos religiosos (reiteramos: isto não quer dizer que abordagens desse tipo não possam ser realizadas nos estudos de literatura. O caso é que as ciências da religião, por sua própria pluralidade, lançam mão também dos recursos da teoria literária para se debruçar sobre as linguagens religiosas). Isto demanda uma postura interdisciplinar. De um lado, o estudo da linguagem artístico-literária e das suas relações – de dependência e antagonismo, apropriação e reelaboração – com as linguagens religiosas solicita uma compreensão das questões históricas, formais, intertextuais e culturais que perpassam os romances, contos, dramas e poemas; de outro lado, o estudo dos textos religiosos também pode ganhar muito com a teoria da literatura já que, ressaltadas algumas diferenças, eles partilham de artifícios da criação literária. Esta abordagem é análoga àquelas que têm sido praticados em outras áreas, como, por exemplo, na antropologia ou sociologia; nestes casos, com métodos próprios, o uso da teoria e material literários se destinam à compreensão do campo em exercício. Esta aproximação pode enriquecer tanto o entendimento do texto literário em questão quanto a área do saber que procura dialogar com ele. Cabe-nos apenas a seguinte observação, que indica algo que temos perseguido: muitas vezes, os trabalhos mais produtivos são aqueles que centram esforços em iluminar com maior intensidade a própria relação religião/ literatura do que um de seus polos; ou seja, que pensam esse diálogo entre literatura e religião levando em conta uma irreduzível tensão. 

Logo, nessa perspectiva, tenta-se esclarecer o elo da religião com a literatura e a arte em geral. Para citar alguns exemplos: as pinturas de Lascaux, Altamira, La Pasiega etc., são lidas à luz da provável atmosfera de “encantamento” que as geraram; as chamadas Songlines, uma espécie de mapa baseado em antigas canções aborígenes australianas, que, quando cantadas, permitem uma locomoção segura aos grupos seminômades são interpretadas como reatualização da geografia sagrada dos mitos; a literatura também nada mais seria do que uma série de combinações atualizadoras de temas, personagens, formas, enredos, etc, dos mitos, como afirma Frye: “não estou dizendo que não há nada de novo na literatura; estou dizendo que tudo é novo, mas também reconhecível (...)” (FRYE, 2017, p. 39). Por outro lado, por mais que possamos afirmar que a literatura deriva seus motivos e modos de formas simbólicas gestadas no seio da religião, estamos longe de sugerir que este processo de apropriação do mito é algo simples. Isto é, a literatura não está isenta dos conflitos e transformações sociais. Podemos até pensar que mesmo quando se torna laica, mantém algo de sua origem religiosa, contudo, nem por isso perde sua autonomia. 

Por isso, outro ponto que julgamos necessário realçar, agora já no que diz respeito aos princípios de epistemologia propriamente concernente aos sub-eixos i e ii, é o respeito à singularidade expressiva dos objetos literários. Desse modo, menos a preocupação com a determinação de uma essência fundamental e mais a dedicação aos processos retóricos característicos dos textos é o que tem orientado nosso trabalho. Obviamente, isto não quer dizer que dispensamos a teoria ou que vamos aos textos sem mediações. Até porque, ao nos dedicarmos ao estudo da literatura como lugar de representação da religião e às relações que ela mantém com textos religiosos, é necessário, pois, que estejamos conscientes de movimentos que naturalizaram algumas noções do que seria o fenômeno literário para evitar uma postura essencializada. Conhecer as condições do estabelecimento das ideias de certo romantismo nos dá a possibilidade de não reduzir a literatura à projeção da consciência de um gênio inspirado ou a um documento nacional. Reparar, por exemplo, nos limites das distinções muito abrangentes pensadas a partir de certas vanguardas pelos círculos estruturalistas, auxilia a cogitar sobre as muitas vozes poesia10. Quer dizer, mais do que utopismos teóricos, cada texto literário exige uma aproximação artesanal, talvez ensaística. Isto tem consequências diretas para as práticas de pesquisa do grupo. Se não é possível generalizar os procedimentos aplicados a um conjunto de poemas como necessariamente válidos para outros, por mais que nem sempre seja possível, cremos ser necessário evitar aquele modo de organização da investigação que, antes de qualquer coisa, acredita que é preciso elucidar a teoria para depois se concentrar no objeto. Algumas vezes, esse modelo mitiga as particularidades do texto literário e, outras, limita o que pode ser dito sobre ele, como se a teoria fosse um horizonte já posto. No caso de um poema, romance, conto ou drama, pode ser mais produtiva uma dedicação para extrair deles (sem separar forma e conteúdo) as categorias de análise, do que interpretá-los de primeira com o auxílio de conceitos exógenos. Sendo assim, os aportes teóricos,  pois, seriam, na verdade, não um caminho com passos pré-fixados para a pesquisa, mas raias flexíveis e frágeis que cumprem melhor o seu papel no confronto com os próprios objetos11

Outrossim, dessa consciência exígua quanto à singularidade das expressões da literatura deriva outra consequência: a impossibilidade de reduzi-la a outros discursos. Muito já foi dito acerca disso, mas vale a pena reforçar, especialmente quando nos situamos no debate sobre as interfaces, que os textos literários se furtam às redes de qualquer elaboração conceitual; de que eles cavam um “vazio semântico”12 que não pode ser preenchido de modo equivalente por nenhuma outra expressão. Isto porque uma das questões fundamentais em que a abordagem que procura decifrar aspectos religiosos em um texto literário pode tropeçar é a associação imediata com ideias postas em uma determinada tradição. Evidentemente, a relação da literatura com a religião pode ser de maior ou menor autonomia (variando entre o que podemos chamar de literatura religiosa em sentido histórico, como a Bíblia, uma apologética ou devocional, ou mesmo uma de inspiração temática, que não coincide com ortodoxia alguma), de antagonismo ou até mesmo de indiferença. Para José Augusto Mourão, a propósito da leitura de uma antologia de poemas de Anthony Burgess, seria possível distinguir entre uma poesia que se baseia numa aquiescência inconteste à determinadas crenças e outra, que lança mão de categorias religiosas, mas mantém sua liberdade (MOURÃO, 1992, pp. 12-13). Octavio Paz também dá uma contribuição importante a esse debate ao apontar que, mesmo no caso de poetas modernos em que percebemos uma beligerância contra a religião, há uma deliberada intenção de criar um “novo sagrado”, diferente do sagrado institucionalizado (PAZ, 2012, p.124). Desse modo, nossas tentativas de interpretação, para não serem abruptas ou frouxas, buscam ser, mesmo reconhecendo sua parcialidade, não uma a aplicação de um problema geral, mas uma escuta na condição de uma abertura a alteridade do texto. 

No escopo do sub-eixo iii, temos como meta identificar as ideias religiosas que têm influenciado certas concepções teóricas da literatura, e também como elas marcam presença na crítica literária ou estão diretamente ligadas ao seu desenvolvimento na história. Nem sempre é fácil diferenciar teoria de crítica literária; talvez, por isso, algumas vezes elas apareçam com intercambiáveis. A rigor, toda crítica é exercida a partir de certo nível de teorização, enquanto a teoria, especialmente no século se arvorou a substituir a crítica – movimento este que se relaciona à busca de cientificidade que garantisse a cidadania dos estudos literários na Universidade. A palavra crítica, bem como o termo teoria é extremamente abrangente, mas, para não nos perdermos em pormenores que fogem ao desígnio desse artigo, acenamos aqui para uma pequena distinção. A teoria literária, em que pese que ela se desdobra em muitas vertentes, seria, de maneira ampla, o esforço para elaborar modelos explicativos para o fenômeno literário. Já a nomenclatura crítica, por mais que, assim como a teoria, não possua uma definição unívoca, é aplicada a procedimentos executados para dar cabo da interpretação dos textos literários. Quer dizer, antes de ser uma teoria, ainda que possa manter uma relação com ela, a crítica é uma prática com objetivos específicos. Geralmente, o que a distingue da pura interpretação é o fato de ela contar com algum espaço concreto de veiculação. Claro deve estar que tanto a teoria quanto a crítica literária, como atividades humanas, estiveram e estão submetidas às eventualidades históricas, o que implica na sua constate reavaliação (cf. DURÃO, 2016, pp. 9-23; ROCHA, 2011, pp. 321-355; SCOTT, 2016, pp. 213-252). 

No que tange mais especificamente o nosso ponto, temos no horizonte de pesquisa o reconhecimento que o desenvolvimento daquilo que chamamos, hoje, de crítica literária está ligado ao exercício de interpretação das Escrituras Cristãs. É curioso o apontamento que Fabio Durão faz sobre como a noção dos quatro níveis de sentido da Bíblia, que se estabeleceu no sistema medieval de ensino, organiza algo que viria a ser central para a crítica: “algo da fé de que as Escrituras contêm um significado oculto a ser descoberto com muito trabalho, dedicação e imaginação – algo disso migrou, secularizado, para a relação com as grandes obras da literatura” (DURÃO, 2016, p.59). Além disso, também trabalhamos com certos autores para os quais a própria Bíblia, suas imagens, estilos, tipos e outras características, bem como uma estética cristã tal qual aparece sintetizada na ideia de sermo humilis, são determinantes para uma investigação vigorosa da literatura ocidental. Um nome que é sempre lembrado quando se trata disso é o de Erich Auerbach. Os célebres ensaios “A Cicatriz de Ulisses”, “Adão e Eva” e “Farinata e Cavalcante”, presentes em Mimesis, demonstram o débito que os modelos literários de representação possuem com os textos bíblicos, a pertinência da alegoria factual e do estilo mesclado – o sublime aliado ao cotidiano – para a análise de obras produzidas no ocidente. De igual modo, nos dedicamos a pensar o lugar da Bíblia no ambicioso projeto de Anatomia da crítica, O código dos códigos e Words with power, de Northrop Frye. 

Ainda, temos debatido também como uma ideia de transcendência marca a concepção de certos críticos, com devidas distinções, como Tzvetan Todorov e George Steiner. No caso desse último, podemos ressaltar a idiossincrática, mas interessante tese sobre o que seria justamente a condição de possibilidade de qualquer texto ou produção artística: uma aposta no “sentido do sentido”; ou seja, uma espécie de “fé” na capacidade de compreensão do outro, aquilo que nas palavras do próprio autor é “o potencial de compreensão e de resposta que existe quando uma voz humana se dirige a outra, quando nos confrontamos com o texto e com a obra de arte ou a forma musical, quer dizer, quando encontramos o outro na sua condição de liberdade, é uma aposta na transcendência” (STEINER, 1993, p. 16). Isto é, para ele, essa aposta opera, ainda que sub-repticiamente, na produção da arte e em qualquer exercício consistente de leitura. Quanto a Todorov, interessa-nos particularmente a maneira como sublinha que a experiência do absoluto é necessária para a leitura de Wilde, Rilke e Tsvetaeva e como, na sua experiência, a busca da beleza, estaria para ele tal qual uma religião secular estaria para um ateu. Aqui, do mesmo modo, é possível citar Octavio Paz. Não que ele dependa da noção de transcendência para descrever a experiência poética – ele o faz evocando o conceito de “outridade” –, mas é algo se observar como recurso argumentativo a comparação que faz com a experiência religiosa, especialmente em “A outra margem”, um dos capítulos de O arco e a lira13. Por fim, podemos mencionar a insistência de Harold Bloom da importância da Bíblia no “Cânone Ocidental” (BLOOM, e da cabala, por exemplo, na crítica francesa como teoria da escrita ligada à ideia de fala inspirada (BLOOM, 1991, p. 62). 

Por fim, quanto às questões epistemológicas relativas aos sub-eixos iv e v, é necessário grifar que não há como ignorar que a religião se articula também desde um fundo imaginativo. Os mitos estão cheios de elementos fantásticos e insólitos. Basta uma rápida olhada nas súmulas de mitologia para nos darmos conta da quantidade enorme de heróis com poderes sobre-humanos, animais falantes, entre outras coisas, como mundos celestiais. Mas, isso seria motivo suficiente para legitimar uma leitura literária ou ficcional dos textos religiosos? Evidentemente, precisamos considerar que, de modo distinto do romance ou do conto, o mito não indica a sua ficcionalidade14. Porém, poderíamos nos perguntar, apenas para citar alguns exemplos, o que seria dos textos proféticos sem a força das imagens, ou, o que seria dos apocalípticos sem o recurso da imaginação. Não é a parábola uma ficção que, em princípio, começa por estabelecer uma relação muito próxima com o cotidiano, mas, a um dado momento, deixa de fazer sentido à luz dos conceitos e da lógica estabelecida? Com isso, não estamos defendendo que, à semelhança da literatura moderna, os textos da religião buscam evidenciar a autonomia de sua ficcionalidade. No entanto, mesmo nos relatos que pretendem indicar sua própria historicidade, não há como negar que há uma série de sinais que nos levam a considerá-los, na expressão de Robert Alter: “ficções historicizadas” (ALTER, 2007, p. 71). Obviamente, reiteramos: não se trata de dizer que os processos de formação dos textos ficcionais, hoje, são idênticos àqueles que fizeram nascer o mito, a profecia, os apocalipses, as parábolas. No entanto, nem por isso, tais textos deixam de estar compartilhar aspectos da “mecânica” ficcional. Assim como a tragédia grega, o romance medieval de cavalaria, o teatro de Shakespeare e o romance moderno, eles lidam com aspectos particulares de suas realidades também por meio da seleção e da combinação. Ou seja, mesmo que os textos não sejam fruto de autores e redatores conscientes de sua ficcionalidade, o processo de modelamento do mundo é semelhante. José Tolentino Mendonça (2009, pp. 298-299), tratando do caráter literário das escrituras hebraicas e cristãs, ressalta que “importa menos o modo como a Bíblia chegou à literatura, do que o reconhecimento de que os seus autores trabalharam a língua escolhendo ou criando formas literárias nas mesmas condições aplicáveis à literatura em geral”. Se, por um lado, é certo que não há nos textos sagrados a mesma aspiração que temos num conto contemporâneo porque sua intenção inscreve-se no domínio, por assim dizer, querigmático, por outro, eles possuem uma dimensão ficcional pela maneira como, apelando aos recursos disponíveis na linguagem, “fingem” a realidade. Isto é, a religião propõe uma realidade. Entretanto, ainda assim, no movimento imaginativo de constituição de mundos, o discurso religioso é também um discurso carregado de ficcionalidade. Nesse sentido, têm contribuído para fundamentar estas discussões: Wolfgang Iser e Luiz Costa Lima (teoria literária, especialmente da ficção); Auerbach, Frye, Alter (teoria e crítica literárias aplicadas à Bíblia ou desenvolvidas a partir dela), José Tolentino Mendonça, Paulo Nogueira (diálogo com a teoria literária e ênfase na sua pertinência para a leitura das linguagens religiosas). 

3. Pesquisadores (discentes e docentes), eventos e publicações

O grupo conta atualmente com 2 pesquisadores docentes do PPG em Ciências da Religião da UMESP, 1 pesquisadora externa (egressa do mesmo PPG), além de 4 mestrandos, 6 doutorandos. 

Algumas pesquisas que vêm sendo realizadas desde 2019 são: 

No primeiro eixo: “Análise do imaginário religioso marginal em Racionais Mc’s”, por Bruno de Carvalho Rocha; “Entre a cegueira e a alteridade: a metáfora como chave de leitura teológica no Ensaio sobre a cegueira”, por Daiana Dutra de Oliveira; “Uma teopoética do ínfimo: rastros do sagrado na poesia de Manoel de Barros”, por Dílvia dos Santos Ludvickak; “Malandros, Zé Pelintras e Macunaímas: narrativas sobre a identidade do povo brasileiro na religião e na literatura, por Júlio César Pasqualinoto Rodrigues; “O sagrado e o cotidiano na poética de Adélia Prado”, por Cléber Eduardo da Paixão; “O ser da guerra e a guerra do ser: silenciamentos, queda e ascensão da linguagem por intermédio do estudo da obra O Prisioneiro, de Erico Verissimo, como um dispositivo- -lúdicoprofanatório”, por Rita de Cassia Scocca Luckner; “Eros e ágape na ficcionalização teológica de José Saramago” e “Teologia e mística na poesia portuguesa contemporânea (Adília Lopes, Daniel Faria e José Tolentino Mendonça)”, por Marcio Cappelli. 

No segundo eixo: “As configurações do grotesco nos Atos Apócrifos de Filipe: uma teoria para ler narrativas do cristianismo primitivo”, por Elizangela Aparecida Soares; “O riso no Sagrado: aspectos do risível na construção do texto religioso”, por Paulo Sérgio Macedo dos Santos; “Corpos monstruosos e grotescos no Cristianismo Primitivo: modos fantásticos de narrar no Apocalipse de Pedro”, por Carlos Eduardo de Araújo de Mattos; “Religiosidade Popular na Passio Sanctorum Perpetuae et Felicitatis: uma análise narrativa”, por Denilson da Silva Mattos. 

Os primeiros dois anos, 2019 e 2020, foram de organização e consolidação do grupo. Procuramos debater temas que pudessem agregar os dois eixos, como as bases teóricas para o estudo da interface religião/ literatura e a relação entre Bíblia e Literatura. Somando esforços com o grupo “Hermeneia – filosofia hermenêutica da religião”, coordenado pelo Prof. Vitor Chaves de Souza, do PPG em Ciências da Religião da UMESP, desde o começo do grupo de pesquisa Litere, mas, agora, em 2021 com a formalização da parceria em reuniões conjuntas, trabalhou- -se, ao longo desse último ano em especial, o tema: “Filosofia, Literatura e Religião: relações (im)possíveis”. A temática se justifica porque ideias e personagens da filosofia e da religião são objetos da literatura; também porque a filosofia concentra esforços, desde variadas perspectivas, para pensar a literatura e a religião; além disso, a religião estrutura-se desde um fundo literário e procura articular sua experiência com o auxílio de categorias filosóficas. Evidentemente, também nos concentramos nas tensões. Não é novidade a desconfiança em relação à ficção, e sempre que o assunto é tratado, recorda-se a condenação da poesia por Platão, a ponto de recomendar a sua expulsão da república ideal. Segundo a interpretação mais corrente, era necessário que a racionalidade conquistasse seu espaço frente ao poder da fantasia na formação grega. Ao longo do percurso argumentativo da República, Sócrates chega à conclusão de que o exercício do pensamento filosófico seria o remédio para a mentira imitativa da poesia. Ou seja, não podemos ignorar que houve desqualificações do ficcional tanto por parte da religião como da filosofia, assim como houve críticas da filosofia e da literatura quanto à religião, além das suspeitas levantadas pela literatura e pela religião a respeito do potencial da filosofia. Contudo, diversos estudos têm mostrado que pensar apenas nesses termos tais relações mesmo em Platão é simplificar demais as coisas. No fundo, a crítica de Platão é direcionada a um tipo específico de mimesis e de religião que ocupavam um lugar central na paideia grega. Mais: mesmo no pensamento medieval não faltaram expressões que uniram, não sem certa crítica e inovação, religião, filosofia e literatura, como é possível ver em Agostinho. Podemos dizer ainda que do século XVIII em diante (por exemplo, em Bentham, Voltaire, Schlegel, Novalis, etc.) e, especialmente depois do “giro linguístico” e da filosofia hermenêutica, a narrativa, a metáfora, o símbolo, o signo passam também a ser a condição ineludível para o acesso à textura da existência. Em outras palavras, a antinomia realidade versus ficção perde força. Além disso, o século XX assistiu ao surgimento de filósofos que foram também grandes escritores. Mas o que dizer da religião? Ora, é do mito religioso que a literatura nasce e, por assim dizer, mantém consigo, ainda que em outro registro – como aquele das sociedades secularizadas –, algo de sua origem religiosa. Diante disso, reiteramos que gostaríamos de desenvolver um arcabouço teórico interdisciplinar que nos permita pensar, em um diálogo tenso, a relação entre filosofia, religião e ficção (objetivo geral). Para tanto, centramos esforços em verificar (objetivos específicos): o que há de ficção na religião e na filosofia; o que há de religião na ficção e na filosofia; e o que há de filosofia na ficção e na religião. A metodologia conta com leituras conjuntas, exposições de convidados e debates. Os resultados práticos esperados são: a inserção numa rede pesquisas sobre o tema e a publicação de um dossiê em periódico da área. 

Nesses dois anos e meio de existência, alguns eventos foram organizados: 

•     I Seminário Litere – Literatura, Teoria Literária e Religião, que aconteceu em 24 e 25 de abril de 2019, durante três dias, nas dependências da UMESP (campus Rudge Ramos), e contou com a participação do palestrante Prof. Dr. Antonio Carlos de Melo Magalhães (UEPB). Os temas abordados foram: 1) Literatura e Religião: os entrelugares de um campo de pesquisa; 2) Literatura e religião: narrativas dos umbrais e dos excedentes; 3) Por uma filosofia da religião em diálogo com a literatura. 

•     Mesa redonda “Literatura e Religião: hermenêuticas do Sagrado em diálogo”, realizada no contexto do Congresso Científico da UMESP, em 23 de outubro de 2019. Os condutores do debate foram os professores: Dr. Marcos Lopes (Unicamp), Dr. Vitor Chaves de Souza (UMESP), Dr. Paulo Nogueira (Puc-Campinas), Dr. Marcio Cappelli (UMESP). 

•     Palestra “Literatura, Ateísmo e Espiritualidade”, proferida na UMESP, em 05 de novembro de 2019, pelo prof. Dr. Manuel Frias Martins (Universidade de Lisboa), autor do livro A espiritualidade clandestina de José Saramago. 

•     II Seminário Litere - Literatura, Teoria Literária e Religião – em 2020 – ocorreu, devido à pandemia, em modelo remoto e ao longo de todo o segundo semestre da seguinte maneira: 

•     Conferência 1: É tica e Bíblia em Cecília Meireles, Adélia Prado e Orides Fontela, com o prof. Dr. Marcos Lopes (Unicamp), em 26 de agosto; 

•     Conferência 2: Bíblia: materialidade e recepção, em 17 de setembro, com o prof. Dr. João Leonel Ferreira (Mackenzie); 

•     Conferência 3: Ressonâncias do Apocalipse na literatura contemporânea, em 08 do outubro, com o prof. Dr. Paulo Nogueira (Puc-Campinas);

•     Conferência 4: Ética e Bíblia em Tolstói, em 25 de novembro, com o prof. Jimmy Sudário Cabral (UFJF). 

•     Aula aberta sobre Erotismo e Sagrado em Adélia Prado, em 08 de junho de 2020, ministrada pelo professor Dr. Douglas Rodrigues da Conceição (UEPA). 

•     Palestra “Poesia e religião em Platão”, em 09 de abril de 2021, proferida pelo professor Dr. Cicero Cunha Bezerra (UFS), organizado em parceria com o grupo Hermeneia. 

•     Aula aberta com o professor Dr. Manuel Frias Martins sobre Espiritualidade em Caim, de José Saramago, em 28 de abril de 2021. 

•     Palestra “Santo Agostinho e a literatura pagã”, em 04 de maio de 2021, com o professor Dr. Hugo Langone, organizado em parceria com o grupo Hermeneia.  

Quanto às publicações, ressaltamos dois dossiês organizados com pesquisadores de outros grupos, publicado nos últimos dois anos: “Reescrituras de Jesus”, v. 10, n. 20, 2020, Teoliterária – Puc-SP e “Religião e literaturas contemporâneas de língua portuguesa”, v. 34, n. 03, 2020, Estudos de Religião – UMESP. E, abaixo, elencamos alguns artigos, livros e capítulos que, quer por sua novidade no que diz respeito ao objeto ou por sua importância na abertura de sendas críticas, julgamos merecerem destaque. 

•     Livro: A teologia ficcional de José Saramago – aproximações entre romance e reflexão teológica (Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 2019). Trata-se de uma publicação internacional, que inaugura uma coleção de estudos de religião, fruto da parceria entre o CITER - Centro de Investigação em teologia e Estudos de Religião -, da Universidade Católica Portuguesa, e a Imprensa Nacional, importante editora no cenário editorial/cultural/acadêmico português. O livro, além de abordar aspectos teóricos da interface religião/literatura – propondo um contributo ao campo da teopoética pelas vias da teoria da ficção e do romance -, de explorar o caminho crítico da relação tensa do universo romanesco de Saramago com o cristianismo – oferecendo subsídios para o debate acerca do diálogo entre ateísmo e religião –, conta ainda com uma entrevista inédita feita com Pilar del Río, presidenta da fundação Saramago e companheira do escritor durante mais de 20 anos – ela também escreveu a contracapa. Ressalta-se também que o livro foi mencionado e recomendado na segunda edição ampliada do ensaio de Manuel Frias Martins (MARTINS, 2020, p.14). 

•     Artigo: “O sublime no cotidiano: reescrituras de Cristo na obra de Adília Lopes”, publicado em 2020, na revista Teoliteraria, por Marcio Cappelli. O artigo trata da poesia de uma autora portuguesa contemporânea relativamente conhecida no campo cultural - em Portugal e no Brasil - e em alguns nichos dos estudos de literatura, mas que ainda não havia sido trabalhada nas Ciências da Religião e na Teologia. Procura delinear aspectos teórico-metodológicos fundamentais, em chave interdisciplinar, para a abordagem da poesia que lança mão de elementos do universo simbólico religioso, e, portanto, contribui com os estudos das Linguagens da Religião. Além disso, buscou preencher uma lacuna na recepção crítica de Adília Lopes, que ainda não havia apontado de maneira sistemática para a relação da poética da autora com a religião. 

•     Artigo: “No princípio era o Rap: a construção do mito em Racionais Mcs, de bruno de Carvalho Rocha e Marcio Cappelli e, dos mesmos autores, capítulo: “Uma Bíblia velha, uma pistola automática”: imaginário bíblico na obra de Racionais Mc’s” (in: BONFIM, Luís Américo. (Org.). Religião e cultura: Hibridismos e efeitos de fronteiras. Curitiba: Editora CRV, 2020, p. 155-174). Nos respectivos percursos argumentativos, esses textos se debruçam sobre as relações entre rap – um objeto pouco explorado em nossa área – e religião. Destacam-se por buscar um aporte teórico-metodológico adequado para a investigação de uma matéria complexa, composta por letra, ritmo e performance. Dessa forma, ampliam o horizonte das linguagens da religião, além de mostrar como o imaginário religioso do referido grupo musical se dá no cruzamento de muitas referências, populares e periféricas, abrangendo as dimensões estética, epistemológica e ética. 

•     Artigo: “A Bíblia em devir: contribuições da estética da recepção e da epistemologia do rizoma para os estudos bíblicos”, de autoria de Marcio Cappelli, publicado na revista Estudos Teológicos (2019, pp. 370-383). Este trabalho realça as contribuições aos estudos bíblicos de duas propostas que se avizinham, ainda que tem muitas distinções especialmente, por engendrarem potencialidades de novos horizontes interpretativos, a saber: a estética da recepção – caracterizada a partir das ideias de Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser – e a epistemologia do rizoma de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Assim, procurou pensar a importância de pensar a Bíblia como literatura e suas aberturas de sentido. 

•     Artigo: “Do mito ao voo: a metamorfose da simbologia mítica nos super-heróis”, de Vitor Chaves de Souza e Marcio Cappelli, publicado na revista Estudos de Religião (2019, pp. 275-295). O artigo procura desenvolver uma reflexão hermenêutica a respeito da preservação de aspectos míticos nos super-heróis. Para isso, recorre a referenciais da teoria literária e ciências da religião. Parte-se da necessidade existencial por narrativas, trabalha-se com Umberto Eco para elaborar uma noção simbólica incônscia e termina com Mircea Eliade para prolongar a temporalidade dos perfis heroicos enquanto elemento mais atual e original do papel das personagens na vida dos leitores e espectadores. A intenção não foi desenvolver todos os aspectos míticos nem analisar nominalmente uma variedade de personagens, mas relacionar símbolo e tempo como uma das expressões mais próprias do perfil do super-herói na interface HQ e religião. 

•     Capítulo: “Provocações literário-teológicas: uma leitura do Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago” (in: CALVANI, Carlos Eduardo; BEZERRA, Cicero Cunha. (Org.). Religião: Linguagens. Curitiba: Editora CRV, 2020, pp. 129-146), de Marcio Cappelli. O texto procurou mostrar a pertinência de uma interpretação teológica do Ensaio sobre a cegueira – um livro que angariou novas leituras no período da pandemia – a partir de seus procedimentos retóricos específicos, isto é, concentrando-se na forma saramaguiana e na sua relação com a religião. 

•     Capítulo: “Onde nascem as palavras: considerações sobre a loucura, a poesia e o silêncio a partir do pensamento de Rubem Alves” (in: CAMPOS, Breno Martins; MARIANI, Ceci C. Baptista; RIBEIRO, Claudio e Oliveira (orgs.). Rubem Alves e as contas de vidro: variações sobre teologia, mística, literatura e ciência. São Paulo: Edições Loyola, 2020.) A autora, Rita de Cássia Luckner, debruça-se sobre a teopoética desse autor, por meio de algumas de suas obras em diálogo com alguns teóricos de diversas áreas do conhecimento (filosofia, crítica literária, teologia, etc) destacando a figura do louco, do poeta, e do silêncio que representam a linguagem dialógica e aberta para falarem sobre as coisas do mundo. 

•     Capítulo: “O verbo da interpretação de textos religiosos” (in: MORAES, Suelma de Souza; DANTAS, Michelle Bianca Santos; OLIVEIRA, Flaviana Ferreira de; DINIZ, Emmanuela Nogueira. (Orgs.). Hermenêutica filosófica e literatura nas representações do sagrado. Paraíba: Editora UFPB, 2019, v. 1, pp. 13-30). De autoria de Vitor Chaves de Souza, o texto é fruto dos diálogos entre os grupos de pesquisa Hermeneia e Litere, buscando uma reflexão filosófica a respeito da narratividade dos textos sagrados. Vale destacar que o capítulo está num livro aprovado para publicação através do edital no 4/2017-2018, financiado pelo programa de Apoio a Produção Científica – Pró-Publicação de Livros da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Federal da Paraíba.  

Considerações finais

Gostaríamos dar destaque, à guisa de conclusão, a contribuição que consideramos ser a que mais distingue os nossos esforços. Não que outros grupos não tenham pensado o assunto. Mas, olhando para o nosso trabalho até aqui, é possível dizer que, sendo a teoria (literária) uma espécie de dobradiça, temos canalizado nossos interesses de forma mais intensa para ampliar aspectos relevantes do debate acadêmico em torno do tema do diálogo da literatura com a religião num entrelugar. Por um lado, ao debruçar-se sobre as questões da teoria da literatura, o grupo pretende alargar a compreensão acerca da religião enquanto linguagem e, assim, auxiliar na consolidação epistemológica do campo de estudos das linguagens da religião. Vale lembrar que a teoria da literatura passa por um processo de autonomização, e influencia de maneira notável no século XX, as ciências humanas e as artes consideradas de vanguarda. Aqui, os estudos acerca da ficcionalidade, do fantástico, de intertextualidade etc. se destacam por ajudar a perceber em que medida a arte religiosa, especialmente os textos, compartilha de procedimentos análogos aos que vemos em outras expressões artísticas. Por outro lado, ao nos dedicarmos às questões relacionadas às noções religiosas subjacentes aos projetos de teóricos da literatura, temos tentado oferecer uma compreensão renovada a respeito do fenômeno literário, mas também das teorias, seus limites e possibilidades. 

Contudo, nestas considerações finais gostaríamos, na verdade, de celebrar os 10 anos de caminhada acadêmica deste periódico que tem cumprido o seu papel enquanto espaço de publicização dos debates em torno à interface religião/teologia/literatura. O fato de contarmos, na área de Ciências da Religião e Teologia, com uma revista especializada nessa temática, além de contribuir significativamente para o fomento e manutenção de uma rede de conexões com diversas ações científicas de outros campos do saber humano, traz para o centro das discussões a importância dos fenômenos literário e religioso, assim como as suas possíveis relações. Nesse sentido, só nos cabe desejar que ela, mesmo no cenário adverso destes últimos anos de cortes nos recursos destinados às pesquisas no Brasil, mantenha seu espírito interdisciplinar, a pluralidade e o vigor. 

Encerramos este percurso evocando o lapidar pensamento de Frye ao perguntar-se sobre a necessidade de se estudar literatura. Para ele (FRYE, 2017, p. 68), e com isso concordamos, uma das utilidades mais óbvias dos textos literários é o efeito de desenraizamento que ele causa no sujeito em relação às suas próprias crenças. A experiência de leitura e de estudo da literatura pode ser (pode ser!), portanto, um exercício de escuta de uma alteridade que nos coloca frente à precariedade das nossas certezas. Oxalá, nesse momento em que certos fanatismos se insinuam no debate público, a Teoliterária cumpra esta tarefa.  

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Notas

[1]  Para a descrição completa da área de concentração e de suas respectivas linhas de pesquisa, ver:https://metodista.br/stricto-sensu/ciencias-da-religiao/estrutura-curricular/ linguagens-da-religiao     

[2] Conferir: Linguagens da Religião (2012) e Religião e Linguagem (2015). Em 2020, outro livro reuniu autores e autoras de diversos Programas de Pós-graduação brasileiros da área de Ciências da Religião e Teologia: Religião: Linguagens, organizado por Carlos Calvani e Cicero Bezerra.  

[3] Esta expressão, Teoria Literária, remete a uma série de possibilidades. Aqui, quando a utilizamos, nos referimos a um sentido mais geral, que Fabio A. Durão recupera de uma enumeração dos seus usos mais correntes feita por Vincent B. Leitch: “os princípios e procedimentos gerais, isto é, os métodos assim como autorreflexão empregada em todas as áreas de estudos literários” (DURÃO, 2011, p. 9).  

[4] Aqui, aplicamos o termo literatura de forma geral, mas estamos conscientes de que esta categoria varia de acordo com épocas e culturas distintas; mais: que “a literatura ocidental, na acepção moderna, aparece no século XIX com o declínio do tradicional sistema de gêneros poéticos” (COMPAGNON, 1999, p. 32). 

[5] Seria possível, com certo esforço, caracterizar os textos religiosos como antecedentes do que modernamente nomeamos de literatura, ainda que em seu contexto imediato de recepção sejam interpretados de outra maneira. No entanto, utilizamos a expressão textos religiosos devido a uma finalidade de ordem prática, ou, por assim dizer, para evitar criar subdivisões teóricas que fogem ao modesto propósito deste artigo. 

[6]  Somente em 2020, além de uma série de outros artigos, cinco dossiês temáticos foram publicados: “Literatura e Espiritualidade”, v. 53, 2020, Revista Cerrados - UnB; “Reescrituras de Jesus’, v. 10, n. 20, 2020, Revista Teoliterária – Puc-SP; “Literatura e religiosidade: entre alteridades e intertextualidades”, v. 10, n. 22, 2020, Revista Teoliterária – Puc-SP; “Religião e literaturas contemporâneas de língua portuguesa”, v. 34, n. 03, 2020, Revista Estudos de Religião – UMESP e “Religião, Literatura e Arte”, v. 18, 2020, Revista Caminhos – PUC/Goiás.      

[7] No ano de 2018, na Puc-Rio, a ALALITE realizou seu VII Congresso Internacional intitulado “Teopoética: Mística e Poesia”, ocasião em que foi criada a ALALITE Seção Brasil, que atualmente congrega 16 grupos/projetos/unidades de pesquisa.   

[8] As principais obras dos autores citados estarão nas referências bibliográficas, ao final do texto.   

[9] Recolhemos esta “fórmula” de uma fala de Alcir Pécora, no contexto da Anpoll, em 2015. Naquela ocasião, o crítico chamou a atenção para os problemas de uma importação acrítica de modelos das ciências duras para as Humanidade e da especialização precoce nessa área de estudos (PÉCORA, 2015, p. 48).  

[10] Ver o importante artigo de Alfonso Berardinelli, “As muitas vozes da poesia moderna”, em que o crítico italiano faz uma série de objeções contra a tese de Hugo Friedrich sobre uma estrutura mais determinada da lírica moderna (cf. BERARDINELLI, 2007, pp. 17-42). 

[11] É interessante o diagnóstico que Berardinelli faz da crítica na contemporaneidade, afirmando que ela é composta por muitas variáveis e que mesmo os defensores de certas linhas teóricas sabem que não se trata apenas de aplicar um método (BERARDINELLI, 2007, p. 195).   

[12] Expressão utilizada por Horst Steinmetz para se referir à recusa fundamental da literatura a uma recepção pragmática (STEINMETZ, 1981, p.156).    

[13] Além dessa aproximação em O arco e a lira, Paz lembra, em Os filhos do barro, a influência da tradição hermética e ocultista entre os modernistas hispano-americanos, portugueses (especialmente Pessoa), os românticos alemães e simbolistas franceses (PAZ, 1984, p. 125). 

[14] Para Wolfgang Iser essa é uma das características da ficção literária (ISER, 2006, p. 23-4).