Carlos Ribeiro Caldas Filho*
*Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, pós-doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMG). Contato: crcaldas2009@hotmail.com
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Resumo:
A palavra teopoética tem sido usada para designar os diálogos possíveis entre a literatura e a reflexão teológica e/ou os estudos de religião. O presente artigo pretende apresentar um exercício de teopoética a partir da interpretação do poema The Journey of the Magi – “A viagem dos magos”, do poeta e crítico literário T. S. Eliot (1888-1965), um dos mais importantes poetas do século XX, contemplado com o Nobel de Literatura em 1948. Para tanto, o artigo apresentará em primeiro lugar breves notas biográficas de Eliot, seguidas de considerações gerais sobre o poema, com nossa proposta de tradução do mesmo, e ainda algumas considerações sobre a (im) possibilidade de traduzir poesia. Também serão apresentadas algumas observações sobre aspectos teológicos do poema, bem como considerações sobre a visão de Eliot do cristianismo. A hipótese defendida no artigo é que a viagem dos magos descrita por Eliot é uma metáfora de sua própria jornada de fé.
Palavras chave: T. S. Eliot; Poesia; Tradução; Cristianismo; Fé
Abstract
The word thepoetics has been used to designate the possible dialogues between literature and theological reflection and/or religious studies. This article intends to present an exercise of theopoetcis from an interpretation of the poem The Journey of the Magi, by poet and literary critic T. S. Eliot (1888-1965), one of the most important poets of twentieth century, winner of the Nobel Prize in Literature in 1948. In order to achieve this aim, the article will present first a few biographical notes on Eliot, followed by some general remarks on the poem, and our proposal of its translation, and some considerations about the (im)possibility of translating poetry. There will be also some notes on the theological aspects of the poem, and some remarks about Eliot’s view on Christianity as well. The hypothesis defended in the article is that the journey of the magi described by Eliot is a metaphor for his own journey of faith.
Keywords: : T. S. Eliot; Poetry; Translation; Christianity; Faith
O presente artigo pretende ser um exercício de Teopoética. Mas, o que vem a ser isso? O Prof. Antonio Geraldo Cantarela, ele próprio um pesquisador desta área, responde:
O diálogo entre a literatura e a teologia, ou mais amplamente, entre a literatura e o âmbito mais geral dos estudos sobre religião e espiritualidades, constituiu um novo campo de conhecimento cunhado de Teopoética, marcado por variados modos de “leitura religiosa” do texto literário (CANTARELA, 2018, p. 194).
A Teopoética é, portanto, o nome que se dá ao(s) diálogo(s) entre o texto literário e a reflexão teológica e os estudos – ciências – de religião. Trata-se de diálogo potencialmente fecundo e enriquecedor para todos os que dele participam, ou seja, teólogos e cientistas da religião de um lado e críticos literários do outro.
No presente artigo não se entrará no detalhamento das diferentes possiblidades teórico-metodológicas de tal diálogo, posto que já há corpus considerável de literatura especializada a respeito1 . O que o artigo pretende é apresentar um exercício de reflexão teopoética a partir da análise do poema The Journey of the Magi (“A viagem dos magos”), de T. S. Eliot, poeta bastante conhecido no mundo de língua inglesa, mas nem tanto no Brasil. Sua poesia, como se verá adiante, sempre foi marcada por elementos de natureza religiosa. Todavia, pelo menos até o momento, não tem sido objeto de estudo de pesquisadores do campo da Teopoética em nosso país. A partir desta constatação, o presente artigo tem a intenção de trazer (pela primeira vez?) para a reflexão da Teopoética no Brasil um autor de expressão anglófona reconhecido e respeitado em outras latitudes, conhecido por sua poesia de conteúdo denso, difícil a maior parte das vezes, que por intermédio da poesia expressou sua dúvida e sua fé, suas incertezas e convicções, fazendo da poesia uma expressão de espiritualidade.
Thomas Stearns – T. S. – Eliot (1888-1965), estadunidense naturalizado inglês, foi crítico literário e poeta, um dos principais representantes da poesia modernista do século passado, contemplado com o Nobel de Literatura em 1948. Sua poesia é marcada por uma síntese entre a continuidade com a tradição e a originalidade do moderno, com um conteúdo fiel à tradição de um humanismo cristão com uma forma moderna. A respeito das origens familiares do poeta, Frye anotou:
Thomas Stearns Eliot nasceu em St. Louis, Missouri, no dia 26 de setembro de 1888. O pai trabalhava no ramo dos negócios nesta cidade e o avô era ministro da igreja unitarista, que exerceu muita influência no estabelecimento da Washington University de St. Louis. A mãe era escritora também e seu poema dramático sobre Savonarola, editado pelo filho, indica uma fonte precoce do interesse de Eliot pelo drama poético (FRYE, 1998, p. 9).
A propósito, a respeito de Eliot o mesmo Frye afirmou: “Um conhecimento completo de Eliot é obrigatório para quem quer que se interesse por literatura contemporânea. É irrelevante gostar ou não de Eliot – ele deve ser lido” (FRYE, 1998, p. 13). Um encômio de tal monta vindo de um gigante como Frye definitivamente não é pouca coisa.
No prefácio de seu livro For Lancelot Andrewes2 , publicado em 1928, Eliot se definiu como “clássico em literatura, monarquista em política e anglo-católico em religião” (cf. FRYE, 1998, p. 10). De fato, temas religiosos são centrais na poesia eliotiana. Exemplo é Murder in the Cathedral, uma peça dramática em versos escrita em 1935, que tem como tema o assassinato do Arcebispo Thomas Becket na Catedral da Cantuária durante o reinado de Henrique II, em 11703 . O já mencionado crítico literário canadense Northrop Frye em seu livro dedicado a Eliot afirma que o poeta nasceu em um lar unitarista4 , mas em 1927, o mesmo ano em que se naturalizou cidadão britânico, tornou-se anglicano – anglo-católico, para ser preciso5 (FRYE, 1998, p. 9, 11). Em seu livro alentado a respeito de Eliot o intelectual norte-americano Russel Kirk declara que Eliot “se descobriu” no anglicanismo britânico: “Na Igreja da Inglaterra, com a liturgia grandiosa, a antiga capacidade intelectual, as esplêndidas igrejas de todos os períodos, a identidade que mantinha com praticamente toda a cultura inglesa, veio a descobrir aquilo que acreditava insuficiente na Igreja do Messias” (KIRK, 2011, p. 288).
Eliot formou-se em Filosofia em Harvard, e fez cursos em nível de pós-graduação em Oxford. Residiu por um tempo em Paris, e na capital francesa recebeu influências da estética da poesia simbolista, especialmente da produzida por Charles Baudelaire e Jules Laforgue “e tinha aprendido com eles como aplicar a linguagem da poesia à vida contemporânea” (FRYE, 1998, p. 10). Lá ele também estudou Filosofia, na prestigiosa Sorbonne. Em 1922 publicou The Waste Land6 , considerado um dos melhores poemas do século XX. O poema é uma descrição poética da Europa devastada pela Primeira Guerra Mundial. Em 1930 escreveu Ash Wednesday (“Quarta-feira de Cinzas”), de temática cristã, pois trata da perda e do reencontro da fé7 . Em 1939 escreveu Old Possum’s Book of Practical Cats (“O livro de gatos práticos do velho gambá”), uma série de 15 poesias para crianças tendo gatos como seu tema. Os poemas foram escritos como um presente que Eliot queria dar para seus afilhados, filhos do dono da editora Faber & Faber, empresa onde trabalhou por muito tempo. Eliot nunca teve coragem de publicá-los, por medo da crítica considerá-los pueris demais. Anos depois, quando um dos afilhados, já adulto redescobriu as poesias, viu que se tratava de material de grande valor, e os publicou. As poesias “felinas” de Eliot serviram de inspiração para o músico inglês Andrew Lloyd Weber escrever o musical Cats, que estreou em 1981, e foi sucesso estrondoso em todo o mundo. Em 1943 publicou Four Quartets (“Quatro Quartetos”), a obra que lhe valeu a indicação, e posterior obtenção do Nobel de Literatura. Os quatro poemas longos que constituem a obra estão associados aos quatro elementos da antiguidade, quais sejam, água, terra, fogo e ar, e tratam de temas religiosos, cristãos e não cristãos.
Eliot faleceu em Londres no dia 4 de janeiro de 1965. Contava então com 76 anos.
Passaremos agora ao poema que se constitui no objeto de estudo do presente artigo, e uma proposta comentada de tradução do mesmo. A respeito de The Journey of the Magi o próprio Eliot afirmou:
Acho que esta é a primeira vez que declamei um dos meus poemas no rádio, seja para uma audiência americana ou inglesa, ainda que o tenha feito uma vez ou outra para programas no estrangeiro... Vou falar agora de um dos meus “Poemas de Ariel”. “Poemas de Ariel” foi o título de uma série de poemas que incluiu muitos poetas, sendo eu um destes. Eram poemas inéditos que foram publicados durante quatro ou cinco anos consecutivos como uma espécie de cartão de Natal. Parece que ninguém queria o título, então eu o mantive, simplesmente para designar quatro dos meus poemas que surgiram desta maneira. “A viagem dos magos” evidentemente é um tema adequado para a época do Natal8 .
De fato, há uma gravação feita para uma emissora de rádio na Inglaterra em que Eliot declama The Journey of the Magi. Anos depois a gravação foi transportada para o sítio da internet YouTube9.
O poema em questão é religioso em seu cerne, sem qualquer tom triunfalista. Muito pelo contrário: em alguns momentos, especialmente na primeira e na terceira estrofes, o poema tem tom amargo. Para Eliot o elemento da fé era importante por demais. Mencionamos acima a jornada do poeta do unitarismo para o anglo-catolicismo. Comentando sobre a trajetória espiritual de Eliot, Kirk (2011, p. 286-287) afirmou:
A jornada de Eliot em direção à fé cristã não era um fenômeno específico de seu tempo, é claro: a peregrinação fora feita, ou estava sendo feita, por homens de letras tão diversos quanto G. K. Chesterton. C. S. Lewis, Roy Campbell, Charles Williams, Edwin Muir, Paul Elmer more e Evely Waugh. Mesmo assim, não há dois deles que tivessem seguido exatamente o mesmo caminho. No caso de Eliot, não há nada surpreendente no restabelecimento da fé (foi uma recuperação, em vez de uma queda providencial na estrada para Damasco). Teria sido estranho caso um homem tão apaixonado pela tradição inglesa, e tão conhecedor de Dryden, Johnson e Coleridge, não tivesse se sentido atraído para a vida e visível Igreja da Inglaterra – e nessa Igreja, em direção ao partido que herdara o Movimento de Oxford10.
Apresentaremos a seguir o poema com nossa proposta de tradução. Antes porém, algumas considerações breves sobre o processo de tradução. Traduzir é uma tarefa difícil, e traduzir poesia é muito mais complexo que traduzir prosa. Afinal, a poesia trabalha com elementos fonéticos e rítmicos que são virtualmente impossíveis de serem transportados da língua de partida para a de chegada, mesmo em línguas tão próximas uma da outra como são o português e o espanhol. Quanto aos aspectos sônicos da poesia Antonio Cândido anotou:
A sonoridade do poema, ou seu “substrato fônico” como diz Roman Ingarden, pode ser altamente regular, muito perceptível, determinando uma melodia própria na ordenação dos sons, ou pode ser de tal maneira discreta que praticamente não se distingue da prosa (CÂNDIDO, 2009, p. 37).
Quanto a isso, observe-se que The Journey of the Magi tem uma forma de poesia moderna, pois não tem rima. O que se tem no poema é a repetição de algumas palavras, recurso estilístico que tem a função de enfatizar a mensagem que se quer transmitir. O mesmo Cândido a respeito da questão fonética da poesia em geral afirmou:
O poeta pode, fundado nesta realidade (i. é, da sonoridade do poema) explorá-la sistematicamente e tentar obter efeitos especiais, que utilizem a sonoridade das palavras e dos fonemas – sem falar na prática coletiva da metrificação, que oferece um arsenal de ritmos que ele adapta à sua vontade aos desígnios de ordem psicológica, descritiva, etc [...] Estes recursos sonoros – homofonias por meio de rima, assonância, aliteração, etc – constituem recursos tradicionais da poesia metrificada. Com o Simbolismo, adquiriram renovada importância e sofreram um processo de intensificação, em virtude da busca de efeitos sinestésicos e de efeitos musicais. Poderia parecer que isto é inócuo numa poesia feita para ser lida. Mas certos psicólogos e foneticistas sustentam que a leitura é acompanhada de um esboço de fonação (ação ideo-motora) e de audição, de tal modo que nós representamos mentalmente o efeito visado (CÂNDIDO, 2009, p. 38, 41).
As observações de Cândido apontam para a dificuldade que é traduzir poesia. A respeito desta tarefa, o filósofo francês Paul Ricoeur comentou que há na tradução um paradoxo: por um lado, tradução é uma impossibilidade:
Há um primeiro intraduzível, um intraduzível de partida, que é a pluralidade das línguas, e que é melhor chamar logo em seguida, como von Humboldt, a diversidade, a diferença das línguas, o que sugere a ideia de uma heterogeneidade radical que deveria a priori tornar a tradução impossível. Essa diversidade afeta todos os níveis operatórios da linguagem: o recorte fonético e articulatório na base dos sistemas fonéticos; o recorte lexical que opõe as línguas, não de palavra a palavra, mas de sistema lexical a sistema lexical; as significações verbais no interior de um léxico consistindo numa rede de diferenças e de sinônimos; o recorte sintático, afetando, por exemplo, os sistemas verbais e a posição de um evento no tempo ou ainda os modos de encadeamento e de consecução. Não é tudo: as línguas não são diferentes apenas pela sua maneira de recortar o real, mas também pelo modo de o recompor no âmbito do discurso (RICOEUR, 2011, p. 59-60, ênfases do autor).
Mas ao mesmo tempo, a tradução é praticada há milênios:
Pois a tradução existe. Sempre se traduziu: sempre houve mercadores, viajantes, embaixadores, espiões para satisfazer a necessidade de estender as trocas humanas, além da comunidade linguística, que é um dos componentes essenciais da coesão social e da identidade do grupo. Os homens de uma cultura sempre souberam que havia estrangeiros com outros costumes e outras línguas (RICOEUR, 2011, p. 61-62, ênfases do autor).
A observação judiciosa de Ricoeur aponta para a dificuldade e a necessidade da tarefa tão complexa que é a tradução. O tão conhecido dito italiano Traduttore traditore (“o tradutor é um traidor”) indica a (quase) impossibilidade de passar o significado de uma língua para outra. A dificuldade de traduzir aumenta exponencialmente quando se trata de um texto poético, como é o caso do presente artigo. Tendo ciência destas dificuldades, que não são poucas, apresentamos a seguir o poema de Eliot, seguido de nossa proposta de tradução, que será, como seria de se esperar, não literal em alguns pontos, mas interpretativa11. Na verdade, toda tradução é um exercício interpretativo. Traduzir é muito mais que apenas passar uma palavra de uma língua para seu correspondente em outra. Traduzir é um diálogo intercultural de alta complexidade, que por isso se constitui em uma tarefa arriscada – o já mencionado risco de cometer traição, seja quanto à língua de partida, seja quanto a de chegada. A tradução envolve o que o já mencionado Ricoeur (2011) denominou “hospitalidade linguística”, um exercício muito difícil de acolhida da diversidade cultural e linguística propriamente.
Isto posto, apresentaremos a seguir em uma tabela o poema de Eliot12 (coluna da esquerda) e nossa proposta de tradução (coluna da direita). O poema tem três estrofes, sendo que a primeira tem 20 linhas poéticas, e a segunda e a terceira, 11 cada. As linhas iniciais de cada estrofe estão destacadas por negrito:
O poema já em seu título indica que é baseado na narrativa bíblica de Mateus 2.1-12, que apresenta a visita feita ao menino Jesus por “uns magos do Oriente” (v. 1). Como é comum acontecer nas narrativas bíblicas, o texto é lacônico, pobre em detalhes. Talvez por isso mesmo este texto seja interpretado, no nível da piedade popular nem tanto pelo que a narrativa bíblica em si apresenta, mas pela tradição oral de séculos, que diz os “magos” do Oriente eram reis e eram três – nada disso é dito na mencionada perícope mateana. Todavia, o objetivo propriamente do artigo não é discutir a interpretação de Mt 2.1-12, mas a leitura poética que Eliot fez da passagem. O “eu lírico” do poema é um dos magos, que recorda, anos depois, tudo que aconteceu: “Tudo isso foi há muito tempo, eu me lembro”. A respeito do “eu” poético o crítico literário brasileiro Massaud Moisés citou o que o próprio Eliot afirmou em um texto teórico sobre a poesia. Conforme Eliot, há três vozes em poesia:
1) A do poeta falando a si próprio – ou a ninguém, 2) ao do poeta que se dirige a uma audiência, seja grande ou pequena e 3) a do poeta quando intenta criar uma personagem dramática exprimindo-se em verso (MOISÉS, 2004, p. 141).
No caso de The Journey of the Magi, encontram-se a primeira e a segunda das possibilidades elencadas por Eliot: o poeta, na voz de um dos magos, fala a si mesmo, mas também se dirige a uma audiência: “Mas prestem atenção. Prestem atenção a isto”.
No discurso do eu poético encontram-se, como se verá na sequência, muitas alusões e referências a textos bíblicos. Mas o que mais chama a atenção no poema são as ausências, isto é, o que o texto não fala: não há nenhuma referência a Jesus na manjedoura20, a José e a Maria, nem tampouco à estrela que, conforme o relato bíblico, guiou os viajantes até o lugar onde estava o menino (Mt 2.9). Não há também no texto nenhuma referência a Herodes e nem aos presentes dados ao menino (Mt 2.11), tampouco uma referência a Belém (Mt 2.1): na última linha da segunda estrofe é mencionado apenas que os viajantes encontram “o lugar”. E tal como no livro bíblico de Ester, o nome de Deus não é mencionado nem uma vez. Mas as omissões não empobrecem o poema. Muito pelo contrário, conferem-lhe densidade.
Não obstante, é imperioso observar que há no texto referências e alusões a passagens bíblicas e, de igual maneira, à tradição. Comecemos por esta última: as referências ao inverno nas primeiras sete linhas da primeira estrofe são referências à tradição antiga que apresenta o nascimento de Jesus como tendo ocorrido em dezembro, época do inverno no hemisfério norte – Eliot assim confirma a tradição, pois o relato mateano em nenhum momento apresenta qualquer informação que permita localizar temporalmente a visita dos magos. Nesta mesma linha, as referências detalhadas a palácios reais (linhas 8-10 da primeira estrofe) e a “reinos” (linha 9 da terceira estrofe) aponta para a tradição que os magos eram “reis”, tradição esta apoiada ou crida por Eliot. Também nas linhas 10 e 11 da segunda estrofe há referência ao fato dos viajantes terem chegado no local de destino da viagem, onde houve um nascimento “nem um momento antes da hora”. A frase ecoa a tradição representada na cena do presépio, que coloca os pastores de ovelhas nas cercanias de Belém (Lc 2.8-20) e os lado a lado com os magos do Oriente, isto é, os magos e os pastores chegando ao mesmo tempo no local e na hora do nascimento de Jesus. Mas a narrativa de Mateus 2 deixa claro que os magos visitaram não um recém-nascido, mas um menininho que talvez já tivesse uns dois anos – afinal, a visita acontece, não em uma gruta ou em um estábulo, mas em uma casa (cf. Mt 2.11). Tais elementos são endossados por Eliot, mesmo não tendo base bíblica explícita.
Mas há pelo menos uma tradição bastante conhecida da interpretação popular de Mt 2.1-12 que não é refletida no poema de Eliot: a tradição que dá nomes aos “três reis”: Gaspar, Baltazar e Belquior (ou Melquior). Na verdade, nem um nome próprio é mencionado no poema.
No que diz respeito às alusões bíblicas: estas são um tanto oblíquas, e curiosamente, nenhuma tem a ver com a cena da natividade em si. Antes têm a ver com o Jesus adulto, e pelo menos uma com o Christus Victor, o Cristo escatológico glorioso: quarta linha da segunda estrofe menciona “três árvores no céu baixo”, o que pode ser entendido como referências às três cruzes do Gólgota, o cenário da crucificação de Jesus (cf. Lc 23.33; Jo 19.18) e o “velho cavalo branco” que “galopava na campina” mencionado na linha seguinte pode ser alusão ao cavalo branco mencionado no Apocalipse de João, cujo cavaleiro se chama “Fiel e Verdadeiro” e “Verbo de Deus” (cf. Ap 19.11, 13). A referência à taberna com folhas de uva sobre o dintel (linha 6 da segunda estrofe) pode ser uma alusão à videira, que Jesus usou como metáfora para si mesmo (cf. Jo 15.1-6). Na linha seguinte somos informados que o mago-narrador se lembrou que naquela taberna eles viram homens jogando dados apostando “peças de prata”, que faz lembrar as peças de prata que o relato mateano da paixão de Jesus diz que foram entregues a Judas Iscariotes como pagamento por entregar Jesus aos que o queriam morto (cf. Mt 26.15). A linha a seguir fala de “odres vazios”: quem tem familiaridade com a leitura do Novo Testamento ao encontrar no poema a referência a odres se lembrará do dito de Jesus sobre o reino de Deus que não pode ser contido por velhas estruturas religiosas: “Nem se põe vinho novo em odres velhos, do contrário, rompem-se os odres, derrama-se o vinho, e os odres se perdem. Mas põe-se vinho novo em odres novos, e ambos se conservam” (Mt 9.17; cf. Mc 2.22; Lc 5.37-38). Em suma: o acento cristológico do poema de Eliot é interessante. A despeito do fato do poema ser narrado na primeira pessoa do singular por um dos viajantes, a ênfase do poema está naquele que recebeu a visita, mesmo que seu nome não tenha sido citado nem uma vez.
O poema fala de duas jornadas: uma, a literal, que é recordada pelo eu lírico que narra a viagem acontecida “há muito tempo” (primeira linha da última estrofe). A outra, é a jornada existencial e espiritual, refletida no final do poema. A jornada literal teve fim, mas a existencial e espiritual, não. Vejamos:
A descrição da jornada literal talvez seja o ponto máximo da criatividade literária de Eliot neste poema: praticamente todas as descrições da cena da visita dos magos apresentam-nos chegando a Belém, mas nenhum poeta ou romancista, salvo Eliot, narrou a viagem em si. A ênfase da narrativa de Eliot está nos rigores e nas durezas da viagem: este é o tema da primeira estrofe, que é a maior de todas. As referências a camelos e neve (linhas 7 e 8 da primeira estrofe) indicam que Eliot acreditava que o “Oriente” de Mt 2.1 fosse localizado em algum lugar da Ásia Central, ou seja, bem distante da região do Oriente Médio onde está Belém. Isso explica a longa descrição feita pelo poeta dos sofrimentos da viagem, pois a jornada duraria meses em condições extremamente desfavoráveis: “bem na pior época do ano para uma viagem, e que longa viagem. Os caminhos profundos e o clima cortante. O pior do inverno” (primeira estrofe, linhas 2-5). Na viagem, os viajantes enfrentaram muitos problemas: os camelos indóceis por conta das patas machucadas (linhas 6 e 7 da primeira estrofe), as reclamações dos cameleiros, e não apenas queixumes e lamúrias, mas também a deserção de alguns deles (linha 8, primeira estrofe), a falta de hospitalidade e a exploração em algumas das vilas ou aldeias que encontraram ao longo do longo caminho (linhas 10-11, primeira estrofe). A repetição constante da conjunção aditiva “e” (and no original) transmite a ideia de algo que aconteceu seguidamente, no caso, uma dificuldade após a outra. Por fim, os viajantes resolveram viajar durante a noite, “dormindo mal” (linhas 17-18, primeira estrofe). As duas últimas linhas da primeira estrofe apresentam o ponto culminante da descrição das dificuldades da viagem: eles ouviram pessoas lhes dizendo que tudo aquilo era uma tolice.
A segunda estrofe apresenta uma mudança radical no cenário e no tom geral do poema. O clima e o cenário são notadamente diferentes:
Então de madrugada nós chegamos a um vale temperado, Úmido, abaixo da linha da neve, com cheiro de vegetação, com um riacho correndo e um moinho de água vencendo a escuridão.
A mudança no poema é notável. Se antes até os camelos estavam irritados e teimosos, agora os viajantes contemplam “um velho cavalo branco” que “galopava na campina”. Tudo mudou. O cenário de aspereza ficou para trás. Agora há um cenário idílico e de paz. Finalmente terminou a longa jornada. Mesmo não tendo recebido informações na taberna onde pararam, eles prosseguiram, “e chegando de noite, nem um momento antes da hora encontrando o lugar; era (poder-se-ia dizer), satisfatório”, ou seja, simples, não sofisticado. Não há como não notar a maneira no mínimo lacônica e sem entusiasmo com que o local do encontro é descrito. Assim termina a segunda estrofe, de modo absolutamente lacônico, pois, como já observado, o narrador não diz quem eles encontraram, como foi a recepção, quanto tempo ficaram. Há silêncio completo a respeito de pontos importantes que se esperaria ouvir em uma narrativa de viagem.
A última estrofe apresenta a reflexão do eu lírico a respeito de tudo que aconteceu “há muito tempo”, mas ficou indelevelmente marcado em seu coração. Curiosamente, não há nem uma vez a descrição da viagem de retorno. O texto mateano que inspirou o poema de Eliot diz que os magos “sendo por divina advertência prevenidos em sonho para não voltarem à presença de Herodes, regressaram por outro caminho a sua terra” (Mt 2.12). Teria sido a viagem de volta tão difícil quanto a da ida? Não sabemos. A despeito de todas as dificuldades descritas na viagem, ele afirma que “faria isso outra vez”, e aí levanta uma questão para sua audiência, questão esta que na verdade parece ser dirigida a ele mesmo: “Fomos conduzidos por todo este caminho para nascimento ou morte?”. A resposta do narrador é que “houve um nascimento, certamente”, mas este nascimento trouxe a morte para um sistema ou modelo antigo: “Este nascimento foi uma agonia difícil e amarga para nós como a morte, a nossa Morte”. Depois que voltaram, eles nunca mais foram os mesmos:
Voltamos para os nossos lugares, estes Reinos, mas não mais à vontade aqui na antiga dispensação com um povo estrangeiro se agarrando aos seus deuses.
Eles foram mudados após o encontro com aquele que nasceu. Agora eles se sentem estranhos em seu lugar de origem. Eles já não mais adoram aos deuses antigos. O antigo sistema morreu depois do nascimento que eles viajaram tanto para presenciar. Tudo mudou para eles. Na verdade, “tudo estava igual como era antes”. O que mudou não foram “estes reinos”, de onde eles eram e de onde saíram para aquela viagem. Eles é que mudaram. Quando eles chegaram “ao lugar” e testemunharam o “nascimento”, eles eram estrangeiros em uma terra estranha. Quando voltam, eles se sentem como estrangeiros em sua própria terra. Foi um processo difícil, amargo, mas em nenhum momento o mago-narrador lamenta ou se arrepende de ter passado por isso. Antes, afirma: “eu devia estar contente por outra morte”. Em outras palavras: se tiver que passar por outra “morte” como essa outra vez, enfrentarei o que tiver de ser enfrentado, farei o que for preciso. O jogo de oposições – nascimento e morte – da parte final do poema evoca o dito de Jesus sobre perder a vida para encontrá-la: “Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê- -la-á, e quem perder a vida por minha causa achá-la-á” (Mt 16.25). Em suma: valeu a pena ter empreendido a viagem, a despeito de suas condições terríveis. Outra morte seria encarada com alegria.
The Journey of the Magi foi publicado em 1927, o mesmo ano em que Eliot obteve a cidadania britânica e, ainda mais importante, conforme anteriormente mencionado, foi aceito como membro da Igreja da Inglaterra, em seu segmento conhecido como High Church – “Igreja Alta”. A partir daí entendemos ser possível concluir que mais que apenas um poema de Natal, The Journey of the Magi tem tom autobiográfico: a viagem longa e sofrida dos magos é metáfora para a jornada espiritual do poeta. Eliot fala de si mesmo, de suas dúvidas (“com as vozes cantando em nossos ouvidos dizendo que tudo isso era uma tolice”), da vontade, quem sabe, de fazer como alguns dos cameleiros, que desistiram da viagem e simplesmente fugiram “querendo suas bebidas e mulheres”. Talvez fosse melhor desistir de uma viagem tão difícil e voltar para os “palácios de verão nas ladeiras, as varandas” onde ele e seus companheiros magos seriam servidos por “garotas delicadas” que lhes trariam “sorvete”.
Mas o poema fala também da perseverança do mago, alter-ego do poeta, pois ele não desistiu, e continuou até encontrar o que havia saído para buscar. Como não lembrar do dito jesuânico que afirma que “aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 24.13). O poema fala ainda da mudança que fora operada no viajante, pois depois da viagem, não mais se sentia à vontade com seu antigo sistema de vida, valores e crenças. Houve agonia amarga em todo este processo, mas houve também nascimento, o despontar de uma nova vida.
Concluindo, podemos dizer que a poesia de Eliot é teopoética em estado quimicamente puro: The Journey of the Magi é o relato de uma experiência existencial e de uma jornada espiritual.
BÍBLIA SAGRADA. Edição Revista e Atualizada no Brasil. 2ª edição. Tradução de João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993
CÂNDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. 6ª edição. São Paulo: Humanitas, 2009.
CANTARELA, Antonio Geraldo. A produção acadêmica em Teopoética no Brasil: pesquisadores e modelos de leitura. Teoliterária. V. 8, N. 15, 2018, p. 193-221
DAUNT, Ricardo. T. S. Eliot e Fernando Pessoa: Diálogos de New Haven. São Paulo: Landy, 2004 ELIOT, T. S. The Journey of the Magi. The Poetry Archive. Disponível em ˂https://poetryarchive.org/poem/journey-magi/˃ Acesso 10.02.2022
ELIOT, T. S. T. S. Eliot Reads “The Journey of the Magi”. Disponível em ˂https://www.youtube.com/watch?v=BCVnuEWXQcg˃ Acesso 12.02.22
FRYE, Northrop. T. S. Eliot. Rio de Janeiro: Imago, 1998
KIRK, Russel. A era de T. S. Eliot. A imaginação moral do século XX. São Paulo: É Realizações, 2011
MOISÉS, Massaud. A criação literária – Poesia. 16ª edição. São Paulo: Cultrix, 2004 RIBEIRO, Luis Antonio. Os dez melhores poemas de T. S. Eliot. Disponível em ˂https://notaterapia.com.br/2017/09/25/os-10-melhores-poemas-de-t-s-eliot/˃ Acesso 12.02.22
RICOEUR, Paul. Sobre a tradução. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2011.
WOOD, Ralph C. The Witness Made by Martyrdom in T. S. Eliot’s Murder in the Cathedral in WOOD, Ralph C. Literature and Theology. Nashville: Abingdom Press, 2008
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[1] O mencionado artigo de Cantarela traz um rico apanhado de modelos e referenciais teóricos para o diálogo entre literatura e teologia/estudos de religião (CANTARELA, 2018, p. 210-218). O artigo também remete os interessados a fontes que tratam de maneira extensa dos caminhos hermenêuticos possíveis para este diálogo.
[2] O livro é uma coletânea do mesmo autor, pois apresenta ensaios de Eliot sobre temas diversos. Lancelot Andrewes, que dá título à coletânea, foi um bispo anglicano inglês do século XVII, considerado por Eliot como importante na história da igreja e como escritor.
[3] Para uma análise de Murder in the Cathedral, consultar WOOD, 2008, p. 37-49. A respeito desta peça, Kirk anotou: “A peça Murder in the Cathedral foi [...] produzida muitas vezes, em vários países, com sucesso especial em prédios religiosos. Seria transformada em filme [...] com algumas mudanças no roteiro e se tornou a primeira peça em verso adaptada para o cinema (KIRK, 2011, p. 404, ênfases do autor).
[4] O unitarismo é um movimento religioso surgido no século XVI que nega a crença na Trindade, dogma que é patrimônio comum das três principais “famílias”, por assim dizer, que constituem o cristianismo, a saber, a ortodoxia oriental, o catolicismo romano e o protestantismo.
[5] O “guarda-chuva” do anglicanismo – a Via Media entre o protestantismo e o catolicismo romano, abriga, grosso modo, três grandes blocos, que coexistem debaixo da autoridade espiritual do Arcebispo da Cantuária: o anglicanismo evangelical, assumidamente protestante em termos doutrinários, o anglicanismo carismático, com tons ligeiramente “avivados” ou “renovados” (como se diz no Brasil), e o anglo-catolicismo, que pode ser descrito como um catolicismo não submisso ao Papa de Roma. A trajetória espiritual de Eliot, que migrou do unitarismo para o anglo-catolicismo é, no mínimo, impressionante, pois trata-se de um câmbio muito grande em termos litúrgicos e doutrinários. Kirk acrescenta a informação que Eliot foi batizado na igreja anglicana quando de seu ingresso na mesma (KIRK, 2011, p. 294).
[6] Há uma edição lusitana, traduzida por Gualter Cunha, publicada pela Editora Relógio D’Água em 1999.
[7] Para uma análise de Ash Wednesday, consultar KIRK, 2011, p. 324-335. A respeito deste poema, Kirk afirmou: “Ash Wednesday fez com que muitos da nova geração retornassem ao cristianismo, enquanto outros se precipitavam para o comunismo” (KIRK, 2011, p. 324, ênfase do autor).
[8] I think this is the first time I’ve ever read any of my poems over the radio for an American or an English audience, though I’ve done so once or twiceI for overseas services... I shall now take one of my ‘Ariel’ poems. ‘Ariel Poems’ was the title of a series of poems which included many other poets as well as myself. These were all new poems which were published during four or five successive years as a kind of Christmas card. Nobody else seemed to want the title afterward so I kept it for myself, simply to designate four of my poems which appeared in this way. ‘Journey of the Magi’ is obviously a subject suitable for the Christmas season. Journey of the Magi. Tradução nossa. Disponível em ˂https://poetryarchive.org/poem/journey-magi/˃ Acesso 12.02.22
[9] T. S. Eliot reads “Journey of the Magi”. Disponível em ˂https://www.youtube.com/ watch?v=BCVnuEWXQcg˃ Acesso 12.02.22
[10] O Movimento de Oxford citado por Kirk foi uma tendência surgida no anglicanismo inglês no século XIX que rejeitou o que considerava excesso de protestantismo e por isso mesmo, defendia uma quase romanização da Igreja Anglicana. Um dos nomes mais conhecidos deste movimento foi John Henry Newman, que efetivamente ingressou na Igreja Católica Romana, tendo sido nomeado Cardeal. Newman foi canonizado pela Igreja Romana em 2019.
[11] Há uma versão de The Journey of the Magi em português, por Ivan Junqueira, disponível no site notaterapia.com.br. Todavia, optamos por apresentar nossa própria tradução.
[12] ELIOT, T. S. The Journey of the Magi. The Poetry Archive. Disponível em ˂https://poetryarchive.org/poem/journey-magi/˃ Acesso 10.02.2022
[13] O verbo regret tem o significado básico de “arrepender-se”. A tradução de Ivan Junqueira optou por “recordar”. Mas um dos sentidos possíveis de regret é “sentir”, e considerando o contexto do poema, entendemos que “sentir falta” faz mais sentido.
[14] A mencionada tradução de Ivan Junqueira optou por “afrodisíaco”, que não consideramos como acertada. A língua inglesa diferencia entre ice cream (= “sorvete”), sherbet, sorbet e frozen yogurt. A diferença entre estas sobremesas é sutil. Sherbet, comum nas culturas persa e turca, é uma variedade de sorvete, mas feito com menor quantidade de leite. A base propriamente do sherbet é suco de fruta (cf. https://www.merriam-webster.com/words- -at-play/sherbet-vs-sherbert). Por isso optamos por traduzir sherbet por “sorvete”, considerando que em português não há um correspondente direto desta palavra.
[15] Em português há apenas uma palavra para “cidade”, mas em inglês há duas: city e town. Optamos por traduzir cities por “cidades grandes” e towns por “cidades pequenas”. Além disso, hostile e unfriendly do origina são virtualmente sinônimas em sentido. A língua inglesa é mais tolerante que a portuguesa quanto ao uso de redundâncias e pleonasmos. Por isso optamos por, respectivamente, “hostis” e “não amistosas”.
[16] A tradução literal seria “seis mãos” (esta foi a opção do acima mencionado Ivan Junqueira). Todavia, optamos, como se pode verificar na coluna da direita, por uma tradução interpretativa da sinédoque usada por Eliot neste verso.
[17] Para mais detalhes de possíveis relações entre o livro de Jonas e outros textos, vale mencionar o artigo de Hyun Chul Paul Kim. Em Jonah Read Intertextually, Kim (2007, p. 497-528) explora possíveis diálogos intertextuais entre Jonas e narrativas sobre Noé e Jeroboão II, além de relações com os livros de Naum e Joel. O adjetivo satisfactory pode ser traduzido como “satisfatório” – esta foi a opção de Ivan Junqueira. Mas em nossa tradução optamos por “razoável”, que no português brasileiro tem o sentido de “aceitável”, algo que não é nem excelente e nem péssimo, e é exatamente esta a ideia de “satisfatório”.
[18] Este é o ponto mais difícil de ser traduzido no poema de Eliot: set down é o que conforme a norma culta da língua inglesa é chamado de phrasal verb. Há pelo menos quatro significados possíveis para set down em português. Ivan Junqueira optou por “considerai”, mas nós optamos, como se pode ver na coluna da direita, por “prestai atenção”.
[19] Eliot alterna iniciais maiúsculas e minúsculas de maneira aparentemente aleatória no poema, no que o seguimos em nossa tradução.
[20] Ainda que a referência à manjedoura e ao estábulo não constem da narrativa da natividade de Mateus. A referência à manjedoura é um hapax legomena do Novo Testamento, encontrado apenas na narrativa lucana do nascimento de Jesus.