Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandão
Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Contato: bgslbrandao@gmail.com
João Pedro da Luz Neto
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Contato: jpluzneto@gmail.com
Resumo: O presente artigo pretende mostrar como o filósofo e ensaísta de sobrenome árabe, origem judia e religião católica Fabrice Hadjadj se utiliza de dois autores italianos, a saber, Dante Alighieri e Lorenzo da Ponte, para aprofundar as suas reflexões sobre a noção de Paraíso. No primeiro caso, Hadjadj elabora um encontro entre Dante e Nietzsche, articulando uma compreensão de Paraíso que, na perspectiva hadjadjiana, ultrapassaria as críticas de Friedrich Nietzsche. No segundo, o autor explora o conceito de “redenção”, presente na ópera “Don Giovanni”. Após a exposição da interpretação do filósofo em cada caso, constatamos que a leitura de Dante promove, para Hadjadj, um deslocamento do paraíso do exterior para o interior e que Don Giovanni explicita, segundo Hadjadj, a dinâmica redentora do Paraíso, à medida em que o convite à máxima felicidade não é fruto de uma conquista pessoal ou do cumprimento de um preceito moral, mas um dom que vem do Alto. Finalmente, constatamos o caráter transdisciplinar da leitura que Hadjadj faz de Da Ponte e Dante, considerando-os como autores cujas obras exprimem realidades profundas que precisam ser desveladas e que podem envolver e auxiliar àqueles que leem o texto contemporaneamente.
Palavras-chave: Fabrice Hadjadj; Dante Alighieri; Lorenzo da Ponte; Don Giovanni, Paraíso
Abstract: The aim of this article is to show how the philosopher and essayist Fabrice Hadjadj develops the theological concept of Paradise in correlation with two Italian authors, namely Dante Alighieri and Lorenzo da Ponte. In the first case, Hadjadj understands that Dante provides clues to comprehend the notion of Paradise in a way that goes beyond the criticisms of Friedrich Nietzsche (as Hadjadj conceives it). In the second, the author explores the concept of “redemption”, present in the opera “Don Giovanni”. After exposing the philosopher's interpretation in each case, we find that the reading of Dante promotes, for Hadjadj, a displacement of paradise from the outside to the interior and that Don Giovanni explains, according to Hadjadj, the redemptive dynamics of Paradise, as the invitation to maximum happiness is not the result of a personal achievement or the fulfillment of a moral precept, but a gift that comes from Above. Finally, we verify the transdisciplinary character of Hadjadj's reading of Da Ponte and Dante, considering them as authors whose works express deep realities that need to be unveiled and that can involve and help those who read the text contemporaneously
Keywords: Fabrice Hadjadj; Dante Alighieri; Lorenzo da Ponte; Don Giovanni; Paradise
Desde que Platão expulsou os poetas da pólis a relação entre filosofia e arte é, no mínimo, ruidosa. Muitos dirão, com grande razão, que o problema de Platão não era com a arte em geral, mas com uma certa abordagem da arte. Mas não precisaríamos recorrer à tão longa tradição para percebermos um certo estranhamento. Basta um ouvido atento dentro dos respectivos departamentos. Alguns utilizarão do termo “metafísico” como sinônimo de “divagação” ou de algo que, por ser tão abstrato, é inalcançável. Outros chamarão um pensamento impreciso (quando não irreal) de “literatura” ou “poesia”.
O filósofo e escritor francês Fabrice Hadjadj[1], no entanto, não é um destes. Suas obras se caracterizam fundamentalmente pela transdisciplinaridade. Hadjadj não apenas possui uma imensa obra que se estende por diversos campos, como a filosofia, a teologia, a música, o teatro, a literatura, mas, principalmente, integra todas essas expressões e saberes na busca de clarificar o tema que aborda.
A própria arquitetônica da obra O Paraíso à Porta, da qual recolhemos as duas investigações que serão aprofundadas neste artigo, já nos apresenta uma profunda associação entre música e texto, uma vez que os capítulos deixam de ser chamados por este termo, e ganham uma nomenclatura musical: tema, prelúdio, movimentos, intermezzos... Não poderia ser diferente, afinal não há, para o autor, Paraíso sem música.
Já no início da obra o autor utiliza uma citação de Don Giovanni. Nesta citação, alguém bate à porta e Leporello exclama: “Ah! Ouça!” (HADJADJ, 2015, p. 19). De algum modo, essa breve fala indica de modo conciso a tese que Hadjadj sustenta ao longo de toda a sua obra: a alegria vem de surpresa, bate-nos à porta de nossa vida, e precisamos ouvi-la, como quem ouve uma música. Essa música, este canto do Paraíso, que Hadjadj, ao seu modo, tenta expressar, perpassa por diversos âmbitos da existência humana: a vida em sociedade, as origens do conceito de Paraíso, a relação entre alegria e sofrimento (o enigma da redenção), a compreensão cristã sobre a “alegria última” da visão beatífica e da ressurreição dos corpos.
O tema central da obra de Hadjadj, portanto, é a noção cristã de Paraíso, uma categoria religiosa. Mas, desde o início uma categoria ética nos auxilia: a alegria. O efeito do Paraíso é a alegria, sustentará Hadjadj ao longo de toda a sua obra. Como, porém, se aproximar dos conceitos de Paraíso e alegria? Apenas por raciocínios tipicamente teológicos ou filosóficos? Longe disso. O autor parte de uma experiência pessoal, artística e comunitária para a sua investigação. É dentro desse vasto repertório, sempre articulado em vista do seu tema principal, que nos deparamos com dois autores italianos, Lorenzo da Ponte e Dante Alighieri. Este será importante para um deslocamento do conceito de Paraíso: de um paraíso exterior para uma contemplação interior. Aquele, por outro lado, aparece junto de Mozart, na análise da ópera Don Giovanni. O que está em primeiro plano, na exposição de Hadjadj, é a sua história e o desenlace icônico que apontará, segundo a interpretação deste autor/leitor para o conceito de Redenção.
O segundo movimento de O Paraíso à Porta articula um confronto entre Dante e Nietzsche. Neste trecho do texto, Hadjadj procura justamente conceituar a noção de Paraíso. Com efeito, Dante propõe todo um itinerário que o move ao Inferno, Purgatório e finalmente ao Paraíso, o que justifica a opção de Hadjadj pelo poeta. Nietzsche, por sua vez, aparece como contraposição a Dante, numa combinação que está longe de ser impensável. Isto porque foi o próprio Nietzsche quem, em determinado momento de sua obra, criticou a “apavorante ingenuidade” de Dante:
Dante se enganou grosseiramente, quando, com apavorante ingenuidade, colocou sobre a porta do seu inferno a inscrição “também a mim criou o eterno amor” — em todo caso, seria mais justificado se na entrada do paraíso cristão e sua “beatitude eterna” estivesse a inscrição “também a mim criou o eterno ódio” (NIETZSCHE, 1998, p. 40).
Como vemos no trecho acima, Nietzsche se incomoda com o letreiro que está na porta do Inferno de Dante. Em A Divina Comédia, o Inferno é descrito como algo criado pelo amor eterno: “fez-me a divina Potestade, mais/ o supremo Saber e o primo Amor” (ALIGHIERI, 2005, p. 37)[2]. Ao ler tais palavras, Nietzsche argumenta que seria melhor o poeta ter inscrito outras, quais sejam, “também a mim criou o eterno ódio”. Qual é o sentido dessa nova perspectiva? Para o alemão, o Paraíso cristão surge como um ódio ao inferno (o autor vale-se, inclusive, de um trecho de Tomás de Aquino, em que se afirma que os abençoados do Céu terão satisfação em ver as penas dos danados) e principalmente, ao mundo.
Hadjadj entende o ódio denunciado por Nietzsche como um ódio criado pelos seres humanos contra a contingência. Neste caso, a esperança cristã seria uma negação da cólera do mundo. Teríamos dificuldade de lidar com a dor do mundo (“a rosa murcha, a meia desfia, a próstata incha”), e inventamos um mundo melhor (“a rosa imarcescível, a meia inrasgável, uma próstata gloriosa”) (HADJADJ, 2015, p. 81). Neste caso o Paraíso é, portanto, uma inversão: nega-se o mundo para buscar um “outro mundo”. Do ponto de vista Nietzscheano, contudo, este “outro mundo” tem pouco ou nenhum significado. O que existiria, mesmo, é o corpo:
Crede-me, meus irmãos! Foi o corpo que desesperou do corpo: que apalpou com os dedos do espírito extraviado as últimas muralhas. Crede, meus irmãos! Foi o corpo que desesperou da terra, que ouviu falar o ventre do ser. [...] Mas esse "outro mundo", oculto aos homens, esse desumanizado e inumano mundo, é um nada celeste; e as entranhas do ser não falam ao homem, a não ser que elas falem a própria voz do homem. (NIETZSCHE, 2011, p. 51)
Diante dessa perspectiva, de um mundo que é corruptível e contingente, restaria o vazio? Nietzsche discorda. O filósofo recorre à figura trágica de Dionísio como um grande Sim ao mundo:
O dizer Sim à vida, mesmo em seus problemas mais duros e estranhos; a vontade de vida, alegrando-se da própria inesgotabilidade no sacrifício de seus mais elevados tipos – a isso chamei dionisíaco, nisso vislumbrei a ponta para a psicologia do poeta trágico. (NIETZSCHE, [s.d.], p. 82 versão ePub)
A Ideia de “sim” (afirmação) é central no pensamento nietzschiano. Segundo Niemeyer (2012, p. 34–5), Nietzsche a apresenta pela primeira vez em Gaia Ciência, como resposta ao problema do Eterno Retorno.
E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes (...) Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?”(NIETZSCHE, 2000, no 304)
O “sim” à vida aparece, neste caso, como um “sim” respondido à pergunta do demônio. Trata-se, portanto, do primeiro nível das “transformações do espírito” ao qual Nietzsche se refere no início de Assim falava Zaratustra. O verdadeiro “sim” ultrapassa a oposição entre negação e afirmação (NIEMEYER, 2012, p. 34–5).
Fabrice Hadjadj, por sua vez, compreende esse sim nietzschiano como uma verdadeira grandeza. Diz o francês: “Sua grandeza, como a de todos os verdadeiros materialistas, provém desse esforço para acolher o dado sensível com uma alegria selvagem, sem jamais ceder à ilusão de um além-mundo que viesse difamar o nosso” (Hadjadj, 2015, p. 84). Para Hadjadj, esse pensamento é surpreendentemente irônico. Afinal, a afirmação da bondade do mundo é uma afirmação da bondade do seu criador.[3] Dessa maneira, o sim de Nietzsche possui, segundo Hadjadj, uma dimensão eucarística, no sentido etimológico de “ação de graças”: é um sim a tudo, capaz de “até de um deserto fazer um solo fecundo”, como diz o alemão em Gaia ciência (V, §370) (2000, p. 268).
A correspondência entre a frase de Nietzsche e os salmos 83 e 107 não passa desapercebida por Hadjadj. Com efeito, no trecho supracitado, Nietzsche fala em uma inversão, em um deserto que se transforma, pelo caminho da afirmação, em solo fecundo – do mesmo modo com que se fala em um vale de sombra. O salmo 107, por sua vez, fala em uma transformação do deserto em água, e o salmo 83 afirma que o vale da sede se transforma em oásis.
Compreendemos, então, que Nietzsche é importante na formulação hadjadjiana do conceito do Paraíso justamente por sua crítica a ele. Argumenta o francês:
O pensamento de Nietzsche, por ser em primeiro lugar inimigo do niilismo, é certamente passagem obrigatória de qualquer devida consideração do paraíso. Todos os teólogos ficam obrigados a responder sua crítica decisiva: por que a promessa de uma vida eterna não é a desvalorização de nossa vida no tempo? (HADJADJ, 2015, p. 86).
Estas considerações que Hadjadj faz às críticas de Nietzsche ao Paraíso são a base para a formulação de três postulados que Hadjadj discutirá ao longo de sua investigação. São eles:
1) se o paraíso nasce como compensação da dor ou da experiência de alegria;
2) se ele está distante de nossa verificação ou escondido dentro de nossas vidas;
3) se ele satisfaz uma carência ou se trata de um excesso — se “aprofunda uma capacidade de dispensa divina” (HADJADJ, 2015, p. 87).
A inflexão no pensamento de Hadjadj se dá no deslocamento do paraíso para o interior. Confundida com exterioridade, a transcendência só é capaz de trazer muitas dificuldades; mas talvez ela seja extremamente ordinária, “um interior entreaberto pela contemplação” (HADJADJ, 2015, p. 89). Como lembra o autor, bastou um encontro para que Dante se apaixonasse por Beatriz, e fosse atrás dela pelo inferno, purgatório e paraíso:
Num dia de junho de 1274, em Florença, Dante Alighieri cruza com Beatriz Portinari. Ele tem 8 anos, e ela, 9. A visão dela já lhe penetra o coração e faz com que nele ressoem as seguintes palavras: Ecce deus fortios me, qui veniens dominabitur mihi - "Eis um deus mais forte do que eu, que vem para dominar-me". Nove anos depois, "na nona hora do dia", aquela em que o Verbo feito carne entregou o espírito, ele a encontrou uma segunda vez, agora uma moça no esplendor de suas dezoito primaveras (...) Esse simples acontecimento de um segundo bastará para abrir-lhe o precipício do inferno, a montanha do purgatório e os nove céus do paraíso (HADJADJ, 2015, p. 106).
Mas esse itinerário rumo ao paraíso, lembra-nos Hadjadj, perpassa um caminho apofático – ao reconhecer que existem algumas falsas maneiras de se responder a esse paraíso cujo vislumbre nos foi dado conhecer pela passante. Hadjadj nos remete, então, a três figuras apresentadas no início da Divina Comédia, a saber, a onça, o leão e a loba (ALIGHIERI, 2005, p. 26–27)[4]. Ele relembra que as três figuras são alegóricas. Representam, indica o francês, a luxúria, o orgulho e a avareza – sendo que a luxúria e avareza (onça e loba) são presididas pelo orgulho (leão) (HADJADJ, 2015, p. 107)[5].
Hadjadj identifica a luxúria com o amor cortês (fin’amour), concebido como a identificação entre o paraíso e a mulher amada. Amor cortês que é deflagrado, inclusive, na própria vida e obra de Dante. A esposa do poeta italiano – nos lembrará Hadjadj – nunca é motivo para as canções. Afinal, ela não pode ser tomada como uma “princesa longínqua” (HADJADJ, 2015, p. 107). Dentro de “A Divina Comédia”, o filósofo identifica uma personagem que também representaria esse lirismo luxurioso do fin’amour. Trata-se de Francesca de Rimini, condenada ao inferno porque cometera adultério, encantada pelo poema de Lancelote (ALIGHIERI, 2005, p. 53–54)[6]. Hadjadj é enfático: segundo ele, Dante se choca com essa história mais do que em todas as outras, e isso representa, para ele, um abandono dessa literatura do fin’amour: “em nenhuma outra parte, no inferno, o choque, para o poeta, será mais violento. Com ele, cai toda essa literatura em que ele acreditou” (HADJADJ, 2015, p. 108).
A segunda figura abordada por Hadjadj é a loba, em que o francês traça um paralelo com o discurso de Dante no seu Banquete (Convivium). Para Hadjadj, naquela obra, a dama se desencarna, porque o amor de Dante por ela é meramente especulativo; nesta perspectiva a sua beleza corporal precisará elevar-se, argumenta Hadjadj, até a beleza conceitual. Esse raciocínio, por outro lado, é insuficiente: “...o que são conceitos diante de uma presença de carne e de sangue? De que vale uma moral universal e abstrata diante do desejo que suscita uma mulher tão singular?”(HADJADJ, 2015, p. 108).
Hadjadj percebe, então, uma correspondência entre um verso do Banquete e da Divina Comédia: “amor que raciocina em minh’alma” – conforme a tradução do livro de Hadjadj, ou “amor che ne la mente mi ragiona”, conforme localizamos na edição italiana (ALIGHIERI, 1993, p. 244; 926)[7]. Hadjadj entende esta frase como um condensado desta noção da dama como reflexo da inteligência divina, representada pela loba. Mas no Purgatório há uma transformação. Nas palavras de Hadjadj: “...o guardião dos lugares faz com que eles se calem e os censura por serem “almas lentas”. Depois, naquele lugar de purificação, e como que no centro da Divina Comédia, Dante sonha com uma sereia”(HADJADJ, 2015, p. 108). Este sonho, que está no canto XIX do Purgatório, representa, conforme as palavras de Hadjadj, a duplicidade com que Dante encara a própria Beatriz. Assim como a sereia é metade mulher, metade peixe, Beatriz seria metade mulher e metade sistema. O despertar acontecerá, argumenta o autor, à medida em que a carne se faz presente contra “uma realidade vaporizada em teoria” (HADJADJ, 2015, p. 109).
Finalmente, Hadjadj considera que o leão- orgulho se encontra subjacente a ambas as interpretações, regendo as duas posturas:
A Divina Comédia começa onde, com Baudelaire, tínhamos parado: numa “selva escura”, quando a “direita via era perdida”. A lira ali tornou-se cúmplice da luxúria; a filosofia, da avareza; e o orgulho, rei dos vícios, figurado pelos [sic] rei dos animais, acaricia as costas de uma e o focinho da outra (HADJADJ, 2015, p. 109).
O que restou a Dante, então? Um pedido de súplica – argumentará o francês: “miserere di me”[8]. Naquela “selva escura” Dante opta, segundo Hadjadj, por uma resposta de humildade e reconhecimento da sua própria miséria: “Para chegar ao Paraíso, é preciso em primeiro lugar reconhecer seu próprio inferno” (HADJADJ, 2015, p. 109), e depois, como Hadjadj esclarecerá listando uma série de versos da Divina Comédia, purificar-se. Foi só após compreender que a sua felicidade não podia ser confiada “a moçoilas, nem à filosofia, nem mesmo à arte, porque corpo nenhum, exceto o daquela passante, poderia sinalizar para ele o paraíso” (HADJADJ, 2015, p. 110), que Dante foi capaz de olhar para o céu, e agora seu encontro já não é uma fuga, mas um encontro com a origem luminosa, capaz de dar-lhe verdadeiramente a terra.
O paraíso – conclui Hadjadj – “não é o além-mundo que Zaratustra e Nietzsche denunciam, mas a consequência daquele SIM que ele se esforça para pregar” (HADJADJ, 2015, p. 110). Não se trata, portanto, de uma destruição, mas de uma fonte que ilumina – Beatriz não é eclipsada por Deus, argumenta o francês, mas alguém que vê Deus a gozar (remetendo-nos aos versos 104-105 do Canto XXVII do Paraíso).
Por fim, há uma consideração de Hadjadj concernente à porta do Paraíso. O francês nos recorda que essa porta não possui, no texto de Dante, qualquer letreiro, nem proteção na entrada (em oposição à popular imagem de São Pedro em seus portões). Por que tal singeleza: “Por que esse paraíso sem porta? Porque a porta do paraíso não fica em outro lugar. Para Dante, é a salvadora Beatriz [...]. No fundo, tudo aquilo que está de passagem pode tornar-se passagem para Aquele que é” (HADJADJ, 2015, p. 114).
Apresentada a posição de Dante, resta-nos perceber como esta leitura contribui para uma resposta aos três postulados nietzschianos que originaram a discussão.
1) Se o Paraíso nasce como compensação da dor ou como experiência de alegria: para Hadjadj, a ideia do paraíso “não nasce de um ressentimento contra as asperezas da terra, mas de um pressentimento diante de suas belezas” (2015, p. 114);
2) Se o Paraíso está distante de nossa verificação ou escondido dentro de nossas vidas: o francês indica que uma ideia justa do paraíso implica em um convite à vivência do aqui e do agora, e através desse efêmero se constata que há um desvelamento decisivo.
3) Se o paraíso satisfaz uma carência ou se trata de um excesso: Hadjadj é ambíguo. Por um lado, a presença nos indica a transcendência — portanto há excesso. Por outro, não nega a realidade de ocultamento e diminuição da presença — o pecado, tomado sob o seu sentido primeiro, que, na visão de Hadjadj (2015, p. 115), é ontológico. A ambiguidade se faz através da esperança, que “não é uma tentativa de deserção, mas trabalho de uma restauração e de uma glória” (HADJADJ, 2015, p. 116).
Finalmente, vale notar que podemos depreender, do pensamento de Hadjadj sobre o Paraíso, alguns postulados sobre a alegria: 1) a alegria não surge da tristeza, mas da afirmação da possibilidade do bem; 2) a alegria não é um reino distante, mas efeito de uma vida em presença; 3) a alegria é sinal de uma presença restauradora, que aponta para uma ressignificação e restauração.
De quem é a ópera Don Giovanni? Num primeiro ímpeto, poderíamos responder: “De Mozart”. No entanto, se nos atentarmos bem, veremos que a própria pergunta já não faz tanto sentido. Não só porque ela indica uma relação de posse, mas porque ela supõe que uma ópera é uma obra única, realizada por um único artista ou em função de um único artista. Todavia, como diversas obras de arte que são coletivas, o seu sucesso depende de muitos artistas. Mozart, a quem frequentemente associa-se Don Giovanni, levava em consideração este caráter coletivo da ópera. De modo especial, este músico preocupava-se em manter boas relações com os libretistas. Em uma carta a seu pai, Mozart argumenta que, embora pense que o texto da ópera deva estar sempre em função da música, como uma “filha obediente”; “o melhor de tudo é quando um bom compositor (...) encontra um poeta capaz, aquela verdadeira fênix” (HODGES, 2002, p. 62). Para Hodges, a capacidade de compreender as necessidades do compositor com quem trabalhava, respondendo-lhes adequadamente como libretista, é o que mais se destaca no talento de Lorenzo Da Ponte, o autor do libreto Don Giovanni. Não por acaso, argumenta Hodges, ponte trabalhou com os compositores mais conhecidos de sua época. Além de Mozart, com quem Da Ponte escreveu três libretos, destacam-se Martin y Soler, Winter, Salieri... (HODGES, 2002, p. 62).
A interpretação que Hadjadj faz de Don Giovanni está no seu “intermezzo 2”, logo antes do “4º movimento”[9], que reflete sobre a relação entre o Paraíso, a alegria e o sofrimento, culminando na dinâmica redentora de Jesus Cristo. Iniciando sua exposição sobre Mozart de um modo bastante amplo, no decorrer do texto o autor se concentra em Don Giovanni, especialmente no final desta ópera. Ao refletir sobre a ópera, o que está em primeiro plano, na exposição de Hadjadj, é a história e seu desenlace icônico. Trata-se, portanto, de uma análise que leva em consideração o texto de Don Giovanni, especialmente seu desenlace, não apenas a música composta por Mozart.
Para Hadjadj, o drama da redenção se apropria da ópera de um modo inigualável. Se em Così Fan Tutte (também resultado da parceria Da Ponte – Mozart) já há a experiência da “baixeza” humana concomitante à graça de amar graças ao alto (HADJADJ, 2015, p. 184), em Don Giovanni essa experiência se torna ainda mais radical, “porque aqui os enganos não vêm de um pervertido excepcional, mas contaminam todos os protagonistas num mundo em que alma nenhuma, nem a aparentemente mais pura, é poupada pelo pecado” (HADJADJ, 2015, p. 183).
Trata-se, portanto, aquilo que Hadjadj chama, conforme o título do subcapítulo, de “Tragédia da Graça”. Essa tragédia, no entanto, tem uma característica muito peculiar – argumenta o autor – pois fala-se de um confronto com a alegria, e não o enfrentamento de uma angústia. Com efeito, se há uma grande dor em enfrentarmos o infortúnio – em momento algum Hadjadj nega os momentos de dor e sofrimento em nossas vidas – há que se pensar se a recusa pela alegria não seria muito mais terrível. Esclarece o autor:
Com a tragédia do infortúnio, o herói enfrenta a dor da perda, e essa dor imediatamente nos bate; com a tragédia da alegria, não sentimos imediatamente o que está em jogo: o herói realiza seu projeto, coloca sua felicidade nos ganhos pessoais e, no entanto, esse amor do sucesso é uma recusa do encontro, o prazer de ganhar é a perda da graça, insensível, talvez, mas infinita (2015, p. 185).
Justamente por isso, o julgamento da alegria aparece, naquelas cenas finais, como uma espécie de paródia. Hadjadj, aliás, preocupa-se sobretudo com as cenas finais da ópera. Para o francês, Don Giovanni não é um personagem que simboliza a leveza, a dança e a zombaria, no sentido em que Nietzsche falava, mas antes um solitário que não é sequer capaz de perceber a alegria da música: “para aquele que reduz as mulheres a conquistas, a música se reduz a um condimento” (HADJADJ, 2015, p. 186). A própria melodia, aliás, é quem nos conduz a essa percepção. Durante a cena final, toca-se um pequeno trecho de outra ópera de Mozart, a melodia que Fígaro canta a Cherubino no fim do I ato das Bodas de Fígaro (também escrita por Da Ponte). O sentido, porém, é inteiramente diverso, esclarece Hadjadj. Em seguida, Elvira pede uma mudança de vida:
Dona Elvira muitas vezes aparece como um tedioso prêmio de virtude. Ela viria para constranger o irreprimível. No entanto, suas réplicas são formais: ela quer para ele a vida, não espera nenhum agradecimento, perdoa de graça, como a condessa ao fim das Bodas ou o paxá Selim no fim do Rapto. Mas também, ao perdoá-lo, ela o obriga a confessar uma falta (o perdão é o contrário da desculpa) (HADJADJ, 2015, p. 186).
Dom Giovanni, porém, permanece ensimesmado. Hadjadj destaca que ele morde outro pedaço de faisão (ou seja: continua o seu jantar, como se nada tivesse acontecido...). Trata-se, afirmará o francês, de uma paródia: não só a paródia de Mozart, já tornada explícita acima, mas a paródia de certas virtudes. Para Hadjadj, Giovanni é um caçador, não um conviva; força as mulheres, ao invés de encontrá-las[10]; sua leveza parodiada, portanto, é a sua pior tentação. Hadjadj compara-a à tentação de Satanás: “o pecado do anjo, como eu já disse. Renunciar a ser luminoso para ser mais brilhante” (HADJADJ, 2015, p. 187).
É chegada, então, a cena do Comendador – penúltima. Hadjadj esclarece que muitos gostariam que ela fosse a última. Gustav Mahler, segundo Hadjadj, simplesmente removia a última cena da partitura para que esta cena do Comendador se tornasse a última. Num movimento semelhante, Hadjadj remete que Pierre-Jean Jouve tapava os ouvidos (HADJADJ, 2015, p. 187). Qual seria o motivo? O comendador envia Don Giovanni para o inferno e, logo em seguida, na cena seguinte, há um encerramento mais gracioso, em que cada um dos personagens decidirá o seu destino. Segundo certa interpretação denunciada por Hadjadj, não poderia haver nada depois desse enfrentamento tão grave:
O final alegre lhes parece uma concessão às conveniências clássicas e também às facilidades da ópera bufa: o galante século XVIII não ousava mandar a plateia para casa aós a visão da fogueira infernal ou da afirmação de uma autonomia rebelde, mas o romântico século XIX e o individualista século XX sentem-se na obrigação de fazê-lo. Esse corte não lhes parece doloroso. É que eles o fazem com anestesia geral. Eles esquecem que Don Giovanni é um dramma giocoso. E, acima de tudo, eles cometem um contrassenso na cena do Comendador. Especialmente no que diz respeito a sua identidade (HADJADJ, 2015, p. 187).
O francês procurará compreender esta cena sob outra perspectiva. Esclarece que o comendador é interpretado, algumas vezes, como a alegoria da Morte, enviado do inferno ou embaixador da moral (HADJADJ, 2015, p. 187). Sua interpretação vê neste personagem, porém, o próprio Cristo ressuscitado.
Hadjadj destaca o modo com que o Comendador se aproxima: ele bate à porta e, quando esta se abre, suas primeiras palavras são: “Dom Giovanni” – um chamado pelo nome. Em seguida, o comendador esclarece que está ali para jantar: “convidaste-me para jantar contigo, e eu vim”(DA PONTE, 2017, p. 67). Aparentemente, nada de significativo. Hadjadj, porém, faz notar que, após bater nove vezes na porta e ela se abrir, ao tema da Abertura, podemos pensar se esse emissário não é a própria origem da música, “porque para ele o que interessa é abrir mais do que fechar” (HADJADJ, 2015, p. 187).
É amplamente simbólico, também, o chamado pelo nome – argumenta Hadjadj. O Comendador chama Don Giovanni pelo nome, ecoando o evangelho de João: “o que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre: as ovelhas ouvem a sua voz e ele chama as suas ovelhas uma por uma e as conduz para fora” (Jo 10, 2-3)[11]. A referência à Ceia, que vem em seguida, também não passa despercebida: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3, 20). É, pois, a partir da comparação com os versículos em questão que Hadjadj explicita o paralelo entre o Comendador e Jesus Cristo.
Hajdadj segue, então, o seu relato da cena (que continua a explicitar o paralelo entre Cristo e o Comendador). Como lemos no texto de da Ponte, Don Giovanni pede a Leoporello mais um jantar ao inusitado convidado, mas ele o interrompe: “Não se nutre de alimento mortal quem se nutre de alimento celeste” (DA PONTE, 2017, p. 68). O comendador formula, então, o convite: “virás jantar comigo?” (DA PONTE, 2017, p. 68).
Diante destas frases, Hadjadj é enfático: se o comendador se nutre de alimento celeste, então ele não pode ter vindo do Inferno. Ele vem, na verdade, do Céu: “Conviva de pedra, ele traz as chaves de São Pedro, e o que ele ordena é entrar na alegria. Aliás, ele mais pede do que ordena” (HADJADJ, 2015, p. 188)[12]. Espantoso convite, notará Hadjadj. A vítima convidando o seu assassino para compartilhar da felicidade eterna:
Eis a coisa escandalosa que ninguém quer ouvir. Eis aquilo a que os tímpanos dos rebeldes e dos servis se fecham: a vítima quer a felicidade do seu assassino. Deus enviou o Comendador para que Dom Giovanni, o grande sedutor, o contadorzinho (...), vá diretamente para o paraíso. Oferta inimaginável essa, e por isso ignorada por aqueles que, no entanto, viram a ópera diversas vezes. Oferta, no entanto, tornada evidente pelo próprio inferno, uma vez que o inferno é sempre o paraíso recusado em nome de um principado postiço (HADJADJ, 2015, p. 188–189)
É chegado, então, o momento do “julgamento da alegria”. Para Hadjadj, o convite aceito pelo comendador foi uma forma de atraí-lo pela linguagem que Don Giovanni conhece, as obrigações mundanas. Neste convite encontramos, indica o francês, o duplo movimento do Apocalipse, supracitado: “...[eu] cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3,20). Don Giovanni aceita. Hadjadj enuncia, então, a contradição em que o personagem se envolve:
Mas o enganador de Sevilha permanece num jogo de aparências. “Não tenho medo”, empertiga-se, e só estende a mão para não ceder em nada. Para ele, trata-se não de deixar-se tocar pelo pedido misterioso, mas de outra vez exibir-se, de provar ao mundo que Dom Giovanni não conhece o cagaço, que ele não vai se deixar perturbar por um vecchio infatuato (HADJADJ, 2015, p. 189).
O comendador, então, o pede arrependimento pelos pecados cometidos. Don Giovanni recusa (afinal, como disse Hadjadj, seu aceite é apenas um jogo de superfície), nove vezes - tanto quanto as batidas na porta, lembra Hadjadj. Resta ao comendador, portanto, soltar-lhe a mão e deixar com que Don Giovanni seja engolido pela terra (DA PONTE, 2017, p. 70). O francês lembra da importância do gesto de “soltar a mão”, por parte do comendador: “Na última recusa, a Estátua não o arrasta para o abismo - seu peso não vem da terra -, mas só pode soltar sua mão, desolada, e Giovanni se lança nos turbilhões da ‘angústia ignota’” (HADJADJ, 2015, p. 189). Hadjadj ainda nos lembra da melodia da Ópera: trata-se de um acorde ré maior, que corresponde à tonalidade simbólica da Ressurreição desde Bach. “A conclusão é simples: aqui, é a Ressurreição que mata” (HADJADJ, 2015, p. 189).
Qual é a implicação dessa conclusão? Que o desafio solicitado a Don Giovanni não foi moral, mas da ordem da beatitude: “Não se trata de repassar o freio de uma norma qualquer, mas de aceitar o estímulo de um curso mais elevado. Renunciar às mulheres? Pelo contrário, finalmente conhecer uma até o fim...” (HADJADJ, 2015, p. 189). O filósofo insiste: não é possível contrapor o Julgamento e o Paraíso como instâncias separadas, distanciadas numa escala temporal. “O Céu é o Julgamento” (HADJADJ, 2015, p. 189). Portanto, o convite feito pelo Paraíso é o de aprofundar na alegria, renunciar a certos prazeres “estreitos” para conviver numa alegria ainda maior. Mas como Don Giovanni insistiu em permanecer na sua superficialidade, destacada por Hadjadj desde o início, naquilo que agora o autor chama de “obsessão de aumentar seu catálogo de devaneios” (HADJADJ, 2015, p. 189), não lhe restou outra possibilidade.
Compreendida essa coincidência radical entre o Paraíso e o Julgamento, restar-nos-ia refletir sobre qual seria a alegria em seu máximo estado. É então que se compreende “a necessidade daquele final alegre” (HADJADJ, 2015, p. 190) que corresponde à última cena da ópera. Nela, experimenta-se a “...travessura de uma verdadeira comunhão que a Estátua convidava logo antes. Era então necessário que a música cantasse em sol maior, dançada por simples camponeses” (HADJADJ, 2015, p. 190).
Tendo em vista a discussão apresentada, destacamos as seguintes considerações:
1) A leitura de Dante promove, para Hadjadj, um deslocamento do Paraíso do exterior para o interior. Ao compreender que Dante se transforma ao longo do itinerário da Divina Comédia, deixando de lado as maneiras equivocadas de compreender o Paraíso, tal qual enunciado no início da sua obra, Hadjadj propõe um encontro com o Paraíso que não se pode ser compreendido como uma fuga do mundo exterior, mas um encontro, no interior, com a própria fonte do ser.
2) Don Giovanni explicita, segundo Hadjadj, a dinâmica redentora do Paraíso, à medida em que o convite à máxima felicidade não é fruto de uma conquista pessoal ou do cumprimento de um preceito moral, mas um dom que vem do Alto. O convite ao Paraíso torna-se, para Hadjadj, um convite à máxima alegria, e é por ela que somos julgados. Rejeitar a transformação interior e a abertura à comunhão, como fez o personagem Don Giovanni é, para Hadjadj, rejeitar a máxima alegria.
Por fim, destacamos que 3) A realidade expressa pela experiência artística é considerada com profundidade pelo filósofo para o estabelecimento de seu método. Para Hadjadj, a obra de Dante e de Da Ponte não são meras ficções, mas exprimem realidades profundas que precisam ser desveladas e que podem envolver e auxiliar àqueles que leem o texto contemporaneamente.
Referências
ALIGHIERI, D. Tutte le opere. Roma: Grandi Tascabili Economici Newton, 1993.
ALIGHIERI, D. A divina comédia: inferno. Tradução: Italo Eugenio Mauro. São Paulo: Editora 34, 2005.
BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
DA PONTE, L. Libreto bilíngue em português e italiano da ópera Don Giovanni, com música de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e libreto de Lorenzo da Ponte (1749-1838). Tradução: Irineu Franco Perpetuo. [s.l.] Montagem do Theatro São Pedro, 2017.
HADJADJ, F. O paraíso à porta: ensaio sobre uma alegria que desconcerta. São Paulo: É Realizações, 2015.
HADJADJ, F. A Profundidade dos Sexos. São Paulo: É Realizações, 2017.
HODGES, S. Lorenzo Da Ponte: The Life and Times of Mozart’s Librettist. Madison (Wisconsin): The University of Wisconsin Press, 2002.
JANUÁRIO, S. A. R. Do amor humano ao amor divino: correspondências entre “Dão-Lalalão (o devente)” e A divina comédia. Dissertação—Belo Horizonte: Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, 2011.
NIEMEYER, C. Diccionario Nietzsche. Madrid: Biblioteca Nueva, 2012.
NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
NIETZSCHE, F. Gaia Ciência. Lisboa: Guimarães Editores, 2000.
NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratrustra. Petrópolis (RJ): Vozes, 2011.
NIETZSCHE, F. Ecce Hommo. [s.l.] Companhia de Bolso, [s.d.]. ePub.
PROUST, M. Em busca do tempo perdido: o caminho de Guermantes. Rio de Janeiro: Globo, 2007.
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[1] Fabrice Hadjadj, filósofo e escritor francês de família judia, converteu-se ao catolicismo em 1998. É diretor do instituto Philantropos, em Friburgo, na Suíça, e autor de diversos ensaios, peças de teatro e obras de ficção. Em 2006, ganhou o Grand prix catholique de littérature por seu livro Réussir sa mort: anti-méthode pour vivre. Desde então, ganhou outros 4 prêmios por diferentes obras. Foi membro do Pontifício Conselho para os Leigos.
[2] No original: “fecemi la divina podestate, / la somma sapïenza e 'l primo amore.”
[3] “Também se pode dizer que o louvor mais alto de Deus está na negação do ateu, que acha a criação assaz perfeita para que possa prescindir de um criador”, diz Proust. (2007)
[4] Divina Comédia, Inferno, canto I, versos 32, 45 e 49, respectivamente.
[5] Simara Januário menciona que essas três alegorias são inspiradas no livro bíblico de Jeremias, cap. 5, versículo 6, em que o leão, o lobo e a pantera representam a força das paixões que agitam o coração de cada ser humano (JANUÁRIO, 2011, p. 60–61). A autora também faz notar que, neste primeiro canto, Dante deixa bastante claro o seu afastamento da “diritta via”. Portanto, as feras supracitadas ameaçam diretamente o poeta, que se encontra em terra inóspita. Essa compreensão é fundamental para o trajeto definido por Hadjadj. Ele supõe que, em cada etapa, Dante realiza a experiência pessoal de abandono dos próprios vícios, como ficará mais claro nos próximos parágrafos.
[6] A Divina Comédia, Inferno, Canto V, versos 116-142.
[7] Divina Comédia, Purgatório, Canto II, verso 112; Convívio, tratado 3, nº 1.
[8] Purgatório, canto I, verso 65.
[9] Como foi comentado anteriormente, Hadjadj nomeia os seus capítulos com termos musicais.
[10] Vale lembrar que Fabrice Hadjadj desenvolve sua filosofia do erotismo no livro “A profundidade dos sexos” (2017); uma marca desta filosofia é justamente a alteridade.
[11] Todas as referências e citações que fazemos da Bíblia se encontram na Bíblia de Jerusalém (2002).
[12] De modo a reforçar a interpretação de Hadjadj, gostaríamos de mencionar o paralelo que existe entre este diálogo e o diálogo de Jesus com a Samaritana, em Jo 4, 7-15. No episódio bíblico, descreve-se uma aproximação de Jesus – ele está ali e pede a bebida da Samaritana. Mas logo em seguida, a situação se inverte, e é ela quem é convidada a beber. Do mesmo modo, em poucas palavras o Comendador inverte a situação, e de convidado para o jantar de Don Giovanni, faz o seu próprio convite.