Liberdade e responsabilidade da pessoa. A influência da obra “Fausto” de Goethe em Edith Stein
Freedom and responsibility of the person. The influence of Goethe's "Faust" on Edith Stein

Clélia Peretti
Doutora em Teologia pela Escola Superior de Teologia (EST). Docente em Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Contato: cpkperettti@gmail.com

Bruno Henrique Campos
Aluno do Programa de Pós-Graduação em Teologia Bíblica – Antigo e Novo Testamento pela Faculdade Vicentina – Curitiba/PR. Contato:brunoh2009@hotmail.com

Resumo: Liberdade e responsabilidade são dois conceitos que devem ser percebidos em todas as suas delicadezas e densidades. O ser humano toma para si a compreensão de liberdade e, em algumas vezes, é a compreensão que lhe convém, isto é, pensa em si mesmo apenas em sua individualização e acaba por deixar de lado a coletividade em que está imerso. Nessa dimensão, Edith Stein trata ambas destas questões a partir de uma perspectiva que possibilita analisar a estrutura ôntica do ser humano, bem como a inserção da especificidade da graça que dialoga diretamente com a liberdade do indivíduo, percebida também, como dom gratuito de Deus. Assim, a liberdade do ser humano infere direta e indiretamente no “eu” e no “outro” e, consequentemente, é de sua responsabilidade tais inferências. A partir desta perspectiva, Stein deixa-se influenciar pela clássico alemão “Fausto” de Goethe uma vez que, a obra traz a narrativa que dialoga inteiramente com a relação existente entre liberdade e responsabilidade, ambas tanto na perspectiva individual quanto na de outrem. Assim, através da obra de Goethe é possível buscar uma fundamentação teórica, filosófica e teológica, acerca da estrutura ôntica da pessoa na percepção de Stein e, é justamente nesse dinamismo, que o presente estudo se intenta em dialogar sobre o comportamento do indivíduo nas dimensões da liberdade e responsabilidade sob a perspectiva de Edith Stein e, para tal viabilidade, toma como premissa esse comportamento do ser humano atuante na sociedade para que deste modo, se contemple a fundamentação teórica aqui proposta. 

Palavras-chave: Liberdade; Responsabilidade; “Fausto” de Goethe; Edith Stein; Estrutura ôntica.  

Abstract: Freedom and responsibility are two concepts that must be perceived in all their delicacies and densities. The human being takes for himself the understanding of freedom and, sometimes, it is the understanding that suits him, that is, he thinks of himself Only in his individualization and ends up leaving aside the collectivity in which he is immersed. In this dimension, Edith Stein deals with both issues – freedom and responsibility – from a perspective that makes it possible to analyze the ontic structure of the human being, as well as the insertion of the specificity of grace that dialogues directly with the freedom of the individual, also perceived, as a free gift from God. Thus, the freedom of the human being directly and indirectly infers not only the “i”, but also the “other” and, consequently, such inferences are responsibility. Within this perspective, Stein allows himself to be influenced by the german classic “Faust” by Goethe, since the work brings a narrative that dialogues entirely with the relationship that exists between freedom and responsibility, both in the individual perspective and in that of others. Thus, through this work by Goethe it is possible to perceive these two concepts within the theoretical, philosophical and theological foundation, about the ontic structure of the person in Stein’s perception and, it is precisely in this dynamism that the present study intends to dialogue about the behavior of the individual in the dimensions of freedom and responsibility from the perspective of Edith Stein and, for this viability, it takes as a premise this behavior of the human being acting in society to that, in this way, the theorical foundation proposed here is contemplated.

Keywords: Freedom; Responsibility, “Faust” by Goethe; Edith Stein; Ontic structure.

Introdução

Faz-se cada vez mais presente as diversas indagações existenciais e, tal evidência, se dá pelas constantes transformações do homem contemporâneo e do mundo que o cerca. Diante disto, ater-se à dimensão da liberdade e da responsabilidade é essencial para buscar compreensões fidedignas à existência humana e, para isso, este artigo volta-se ao comportamento do ser humano no que tange à essas dimensões (liberdade e responsabilidade) e, por conseguinte, a influência da obra “Fausto” de Goethe em Edith Stein (1891-1942), que tem como anseio o resgate e o desenvolvimento do núcleo essencial da pessoa humana. 

Nessa perspectiva, presta-se a atenção, por muitas vezes ignorada, de que o ser humano é responsável pela sua própria liberdade e que, tal liberdade, afere não apenas a si mesmo, como também o outro. Essa percepção, muitas vezes, é deixada de lado em vários contextos sociais e, para essa constatação, basta a atenção nas mais diversas ações do ser humano em sobrepor-se ao outro, desprezando, em algumas vezes por completo, as consequências de seus atos descabíveis. Diante dessa realidade, verifica-se a necessidade da busca pela compreensão, através de referenciais teóricos, da dinamicidade entre liberdade e responsabilidade, e, através desse estudo, é válido afirmar que o pensamento de Edith Stein sobre esses temas está intrinsecamente ligado à existência do indivíduo, isto é, sua relação consigo e com o próximo. Assim, a admirável vida de Edith Stein possibilita entender seu desmedido significado de liberdade e responsabilidade diante da realidade vivida por ela no holocausto de Auschwitz. 

Mediante isto, é fundamental problematizar as características da liberdade e da responsabilidade na formação estrutural do indivíduo em conjunto com a sua relação com o meio em que está inserido. Em suma, tomando como proposta abordar a presente problematização, é fundamental perceber esses dois componentes – liberdade e responsabilidade – na estrutura ôntica do ser humano concebido por Edith Stein que tomou por grande influência a obra Fausto de Johann Wolfgang von Goethe (2020).  

A partir desse caminho – compreensão do comportamento do indivíduo na sociedade atual (contemporânea) em vista a liberdade e responsabilidade e fundamentação teórica através da relação entre a obra Fausto e Stein (algumas de suas obras que abordem esse tema) – tornar-se-á palpável o discernimento acerca do ser humano em suas relações consigo e com o outro. 

1. Fausto de Goethe

A obra Fausto de Johann Wolfgang von Goethe[1] é apresentada em dois volumes, Fausto – Uma tragédia: primeira parte e Fausto – Uma tragédia: segunda parte, respectivamente. A primeira parte teve sua 7ª edição publicada no ano de 2020 pela Editora 34 e a segunda parte teve sua 6ª edição publicada também no ano de 2020 pela mesma editora. As primeiras edições publicadas pela Editora 34 foram nos anos de 2004 (primeira parte) e de 2007 (segunda parte). Como primeiras observações, são válidas as constatações que Fausto é um auto ego de Goethe e a obra, como um todo, é poeticamente estruturada em forma de poesia, configurando ainda, uma peça teatral. 

A história se dá em torno de Fausto – um homem de meia idade – que se vê insatisfeito consigo mesmo e com a vida diante de tantos conhecimentos já adquiridos. Tal insatisfação em relação a ele mesmo se dá de forma irônica uma vez que, Fausto se compara a Dante Alighieri ao perceber que apesar de tantos conhecimentos obtidos durante sua vida, ele ainda não possui sabedoria alguma.

Essa percepção do personagem é narrada logo no início da primeira parte:

Ai de mim! da filosofia,
Medicina, jurisprudência,
E, mísero eu! da teologia,
O estudo fiz, com máxima insistência.
Pobre simplório, aqui estou
E sábio como dantes sou!
(GOETHE, 2020, p. 63).

 Ao mesmo tempo, a primeira parte o prólogo apresenta no céu uma aposta entre Deus e o diabo (sendo o diabo representado na obra por Mefistófeles – ou Mefisto). Por um lado, Deus defende que o homem tem como essência em sua criação o bem e, mesmo que se deixe levar pelo mal, este ainda buscará a redenção e voltar-se-á à luz. Já Mefistófeles, afirma que o mal é algo inerente e intrínseco no ser humano, acarretando, assim, em sua autodestruição e, diante de tamanha afirmação, Mefisto se vê insatisfeito em atormentar a humanidade, deixando assim, tal insatisfação, clara ao dizer para Deus que “eu próprio, até, sem gosto os atormento” (GOETHE, 2020, p. 53). Denota-se que o pano de fundo da obra está nesta aposta onde Fausto é o “objeto” que se conduz e, ao mesmo tempo, é conduzido, ora para um lado ora para outro, assim como narrado:

MEFISTÓFELES

Que apostais? perdereis o camarada;
Se o permitirdes, tenho em mira
Levá-lo pela minha estrada!
[...]

O ALTÍSSIMO

Pois bem, por tua conta o deixo!
Subtrai essa alma à sua inata fonte,
E leva-a, se a atraíres pra teu eixo,
Contigo abaixo a tua ponte.
Mas, vem, depois, confuso confessar
Que o homem de bem, na aspiração que, obscura, o anima, 
Da trilha certa se acha sempre a par.
(GOETHE, 2020, p. 55).

O pacto consiste em Mefistófeles oferecer todas as respostas para as perguntas de Fausto que, resumidamente, acercam o sentido da vida e, em troca, Fausto entrega sua alma; Fausto, então, aceita essa proposta de modo que se vê como um homem que não tem mais nada a perder e, por isso, acaba por não se importar com a existência ou não do céu e do inferno. Assim, o insatisfeito homem se percebe como sendo um escravo dos próprios conhecimentos e de tantos outros fatores externos oriundos do meio em que está inserido. Nesse aspecto, é correta a percepção de que a ânsia pelo conhecimento ainda não adquirido bem como, sua insatisfação com a vida, influenciam de modo direto para que ele aceite a aposta com o diabo, como assim é possível observar:

[...]

FAUSTO

Nesse direito não te entravo,
Em vão não me comprometi. [se referido ao aceite à aposta]
De qualquer forma sou escravo,
Que importa, se de outro ou de ti.

(GOETHE, 2020, p. 171)

Mefistófeles, em um primeiro momento, o apresenta ao pequeno mundo (o mundo das sensações e sentimentos – mundo sem grande complexidade). Aqui, ele faz com que Fausto, ainda insatisfeito com o que lhe é apresentado, experencie diferentes sensações. Em uma dessas experiências Fausto avista Margarida, uma moça bela e simples que estava a sair da igreja e, logo no primeiro instante, apaixona-se por ela. Esse sentimento se faz estritamente à obsessão da parte de Fausto em possuir Margarida, pois o desejo que ele sentia por ela estava diretamente atrelado à sua beleza, ou seja, em primazia, Fausto ansiava tomar posse do corpo da bela moça e não de conquistar seu coração e, a partir desse anseio, Mefisto contribui para que Fausto a possua. 

A partir dessa cena, é válida a atenção na seguinte cena:

Observa-se que Goethe cria implicitamente um contraste entre os espaços anteriores a esta cena em rua aberta: enquanto Fausto está vindo da ‘cozinha da bruxa’, a moça acaba de deixar a igreja. Das palavras posteriores de Mefistófeles pode-se depreender que, na verdade, este já havia espionado e de certo modo ‘eleito’ Margarida para a aventura amorosa de Fausto (MAZZARI, 2020, p. 269).

Após passar uma noite com Fausto, Margarida vê sua vida em completa desgraça uma vez que, é acusada pelo assassinato de sua própria mãe, perde seu irmão e enlouquece após engravidar e ver morrer o filho com aquele que tanto a desejava. Durante a narrativa da primeira parte, pode-se dizer que a tragédia em si não está em torno de Fausto propriamente dito, mas sim de Margarida e de todo seu sofrimento infligido sob a busca desse homem de meia idade por desejo, tornando-o assim, responsável pela desgraça da bela moça ainda que este demonstre um certo remorso ao vê-la naquela situação. Após tamanho tormento, Margarida se entrega à morte por decapitação e expressa:

Sou tua, Pai do eterno trono!
Salva-me! Anjos, vós hoste sublime,
Baixai ao meu redor, cobri-me!
Henrique! Aterro-me contigo! [Henrique é o seu filho outrora morto]
(GOETHE, 2020, p. 521)

Na segunda parte Fausto é apresentado, por Mefistófeles, ao grande mundo, mundo esse representado pela arte, magia, conhecimentos filosóficos e outros aspectos que o levam a ter destaque na sociedade. Tal vastidão pode ser contatada no discurso de Mefisto:

Ainda que o mar teu braço transpusesse,
Teu olho a vastidão visualizasse,
Verias onda que após onda cresce;
Ainda que a morte te aterrorizasse,
Verias algo. Em confins do sem-fim,
Talvez, brincando em mar verde, um delfim;
(GOETHE, 2020, p. 223)

Neste cenário, Fausto conhece Helena de Tróia (sentido literal e bíblico) e, por conseguinte, vai se inserindo ao mundo da realeza. Para isso, Mefistófeles ruma em direção a um imperador que está altamente endividado e enaltece a figura de Fausto, porém, o imperador fica desacreditado discursando, segundo a obra de Goethe, “a fala soa em dobro para mim, mas não me convence, ainda assim” (2020, p. 77). 

É proposto então, como alternativa para o livramento do alto endividamento, trocar o ouro por um papel que representasse o dinheiro, para que assim o imperador se mantivesse no poder; assim, segundo o comentário de Mazzari, “[...] com o papel-moeda, não é mais necessário como antes resgatar o valor da mercadoria durante o processo de troca” (2020, p. 201). Ao aceitar a proposta, Mefistófeles o apresenta à Fausto como sendo um mago que irá resolver todos os problemas. 

A imagem de Fausto é tão propagada por Mefistófeles que o imperador decide desafiá-lo ao que, se Fausto fosse um mago tão poderoso como precedia sua fama ele seria capaz de trazer Helena de Tróia de volta à vida. Em relação a tal acontecimento, o comentarista da obra faz uma válida observação:

Animada por profusa multidão de seres mitológicos, a ‘Noite de Valpúrgis clássica’ [cena que narra o ressurgimento de Helena] confluiu para a dissolução erótica do Homúnculo no encontro de sua redoma com a concha-carruagem da ninfa Galateia, simbolizando a gênese da vida nas águas do mar Egeu. Oriunda do mar, entra em cena agora a mítica Helena, encarnação suprema da beleza [...] (MAZZARI, 2020, p. 547).

Fausto ganha cada vez mais evidência na sociedade e casa-se com Helena de Tróia (evento que demarca a “junção” de um personagem da Idade Média alemã com outra personagem da Idade Clássica grega, podendo ser, uma possível crítica à Igreja: casamento entre um cristão e uma pagã). Ao fim da história, Fausto não se arrepende por completo de todos os acontecimentos em sua vida – isso inclui os acontecimentos narrados na primeira parte da obra – mas busca seguir o rumo do que julga ser correto. 

Tempos depois, Fausto envelhece, fica cego e morre. Ademais, após ter uma visão de um povo lutando por sua liberdade, Fausto incorpora a sua redenção. Aqui, se faz imprescindível a menção do discurso proferido pelo personagem:

Do pé da serra forma um brejo o marco,
Toda a área conquistada infecta;
Drenar o apodrecimento charco,
Seria isso a obra máxima, completa.
Espaço abro a milhões – lá a massa humana viva,
Se não segura, ao menos livre e ativa.
Fértil o campo, verde; homens, rebanhos,
Povoando, prósperos, os sítios ganhos,
Sob a colina que os sombreia e ampara,
Que a multidão ativa-intrépida amontoara.
Paradisíaco agro, ao centro e ao pé;
Lá fora brame, então, até à beira a maré.
E, se para invadi-la à força, lambe a terra,
Comum esforço acode e a brecha aberta cerra.
Sim! da razão isto é suprema luz,
A esse sentido, enfim, me entrego ardente:
À liberdade e à vida só faz jus,
Quem tem de conquistá-las diariamente.
E assim, passam em luta e em destemor,
Criança, adulto e ancião, seus anos de labor.
Quisera eu ver tal povoamento novo,
E em solo livre ver-me em meio ao livre povo. 
Sim, ao Momento então diria:
Oh! para enfim – és tão formoso!
Jamais perecerá, de minha térrea via,
Este vestígio portentoso!
Na ima presciência desse altíssimo contento,
Vivo ora o máximo, único momento.
(GOETHE, 2020, p. 981-983)

 Logo em seguida, Fausto vem a falecer e, ao ser redimido, é levado para o céu fazendo com que assim, através dele, Deus afirme ao diabo que o homem, ainda que inclinado ao erro, foi criado em sua essência para o bem e, diante disto, será redimido e rumará ao caminho da luz.

2. Fausto: aposta e pacto

Em uma entrevista concedida para a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP) no ano de 2014, Eloá Heise[2], perita na obra Fausto de Goethe, faz uma breve, porém rica análise, do dinamismo que há entre a aposta e o pacto na obra em questão. Como ponto de partida, Heise aborda dois cenários, o primeiro sendo o prólogo no céu e o segundo, como sendo o pacto entre Mefistófeles e Fausto. 

No prólogo do céu, uma representação até mesmo cristã, ela comenta a aposta entre Deus e o diabo (Mefistófeles) que coloca como centralidade a criação e existência do ser humano. Ao tratar o homem como corruptível, Mefistófeles acena que o indivíduo é um ser dividido que, por meio de seus anseios para “obter mais”, está sempre insatisfeito e, consequentemente, infeliz. Neste contexto, Fausto não representa apenas a si mesmo, mas, também a humanidade como um todo, tratando-se assim, de uma “inquietação de forma metafísica” (HEISE, 2014). Ao fim, pode-se dizer que desde o momento dessa aposta, Deus tem garantia de sua vitória e, na conclusão da obra, tal constatação é nitidamente percebida, isto é, Deus é o vencedor. 

Outro ponto relevante a ser destacado é a alusão ao livro bíblico de Jó no ato da aposta. Como aponta Mazzari, no que diz respeito ao emprego da expressão “aposta” na cena do “Prólogo no Céu”, vale a atenção de que:

Na tradução luterana do Livro de Jó, Satanás parece propor uma aposta ao Senhor: ‘whats gilt’s’, ‘o que está valendo?’ __ correspondente, na Bíblia de Jerusalém, a ‘eu garanto’. Embora seja costume falar de uma aposta selada neste ‘Prólogo no céu’, Goethe não deixa explícito que Deus tenha se rebaixado a apostar com Mefisto (2020, p. 53, grifo do autor)

Por outro ângulo, quando Mefistófeles encontra Fausto, Heise comenta que há dois pontos a serem destacados no primeiro diálogo entre eles: o pacto e a aposta. A aposta, neste sentido, consiste em Fausto “impor” uma condição que, se atendida, concederá sua alma ao diabo de bom grado. Em outras palavras, ao passo que Mefisto propõe o pacto pela alma de Fausto em troca por respostas de suas indagações, Fausto faz uma espécie de contraproposta. O fator determinante, se assim é possível dizer, dessa aposta está na satisfação do ser humano, representado na obra de Goethe através do personagem de Fausto, e em suas infinitas indagações. 

Na concepção de Heise, ao contrário da aposta entre Deus e o diabo, não há uma resposta clara em relação ao vencedor da aposta por parte de Fausto. Mesmo com o vislumbre no fim de sua vida, o personagem central não dá a certeza de sua satisfação, mas também, não se diz insatisfeito, indicando assim, a ausência de uma resposta clara em relação a aposta realizada entre eles, apontando também, que “a resposta do sentido da vida está na eterna pergunta” (HEISE, 2014).

Neste sentido, atem-se a estrutura que Goethe dá, de maneira específica ao final (penúltima cena da tragédia), se incorporando de referências – outrora já conhecidas – de literaturas, pinturas e religiosas. Ao perpassar por esta cena que tem como título “Inumação”, se evidencia a disputa entre anjos e demônios pela alma de Fausto. No que tange ao aspecto religioso, afirma-se que:

Goethe também conhecia o motivo a partir da lenda apócrifa em torno da morte e da assunção de Moisés, cujo corpo, conforme aludido na Epístola de São Judas, teria sido reclamado inicialmente pelo diabo, mas por fim – após altercação com o arcanjo Miguel – arrebatado aos céus por este (MAZZARI, 2020, p. 989, grifo do autor).

Assim, tomando como base as contribuições de Eloá Heise, bem como os comentários de Mazzari realizados à obra, ainda que não haja uma clara certeza em relação ao “vencedor da aposta” e, consequentemente, ao destino de Fausto, é possível considerar que ele foi elevado aos céus frustrando assim, as intenções de Mefisto ao desafiar (“apostar”) Deus.

3. De Fausto de Goethe à Edith Stein – Síntese biográfica de uma notável pensadora do século XX

Edith Stein (1891-1942), alemã de origem judia viveu – e principalmente, sofreu durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Ela vivenciou o início do movimento feminista europeu que teve por fundamento a luta pelos direitos das mulheres vistas até então pela sociedade, apenas como esposas e mães. 

Rocha, descreve em sua tese de doutorado que “ao narrar sua vida e de seus familiares, Stein ‘descongela’ os acontecimentos do passado, dando um frescor e uma atualidade a sua narrativa que nos permite uma aproximação com sua vida e a dos que a rodeavam” (2014, p. 27). 

Com a morte de seu pai, Edith Stein considera a figura materna de uma maneira muito viva e, na medida disso, vê na mesma um grande exemplo a se admirar e seguir. Com o passar dos anos, Stein enfrenta uma crise em sua fé judaica e, após sair da escola, vai morar com sua irmã mais velha a fim de ajudá-la nos afazeres domésticos. Em 1911, ingressa na Universidade de Breslau onde inicia seus estudos em psicologia, história, filosofia e gramática alemã. 

No ano de 1921, Stein converte-se ao catolicismo sob a influência de Santa Teresa de Ávila. Após o recebimento de seu batismo no ano de 1922, Edith Stein em 1933 entra no Carmelo e mediante algumas indagações sobre sua escolha se posiciona influenciada pela fenomenologia, ou seja, manifesta a alegria no acolhimento da vocação religiosa em sua vida, trocando seu nome por Irmã Teresa Benedita da Cruz. 

No período da Primeira Guerra Mundial, desenvolve efetivamente sua tese de doutoramento em filosofia sobre a empatia, experenciando concretamente o sofrimento alheio. Entre os anos de 1923 e 1931, Edith Stein leciona no Instituto Santa Maria das Dominicanas na cidade de Speyer, Alemanha, e com essa vivência, é fortemente influenciada pelos escritos de São Tomás de Aquino. 

Stein morre em 9 de agosto de 1942 no campo de concentração em Auschiwitz sendo um grande exemplo em si mesma de empatia e generosidade. No ano de 1962 houve a abertura do processo de sua canonização, sendo esta efetivada no ano de 1998, em Roma, pelo Papa João Paulo II sendo vista como o mártir da Igreja e proclamada doutora da Igreja. 

4. Liberdade e Responsabilidade da pessoa no pensamento de Edith Stein

Como ponto de partida, tem-se presente o pensamento de Stein quanto à análise da estrutura humana constituída de corpo, alma e espírito, na sua unicidade, enquanto uma dimensão implica em outra. A partir destes pressupostos, constituem-se os conceitos de corpo físico (Köper) e corpo vivo – resultado das sensações – (Leib), sensações essas que, na sua perspectiva, são cruciais e direcionam em relação aos sentimentos e a vontade, ambos constituintes do indivíduo (STEIN, 2013)

Edith Stein chama de raio de ação a profundidade e intensidade de um sentimento, que se submete às leis racionais. O raio de ação faz parte da estrutura da pessoa expressando na vontade de querer realizar o bem. “Compreender uma ação significa, portanto, não só satisfazer seu ser empático como experiência singular, mas vivenciá-la totalmente a partir da estrutura total da pessoa” (STEIN, 2005, p.195). Esta estrutura total da pessoa implica nas dimensões do ser humano, como pessoa espiritual, que se compreende na análise fenomenológica das seguintes formas: na dimensão da origem de seus atos, na dimensão da qualidade da individualidade, na dimensão social cultural. A pessoa, na dimensão individual, encontra-se no nível mais profundo, no íntimo da alma. O núcleo, a pessoa, na dimensão social engloba-se nas relações sociais tais como: comunidade, sociedade e Estado.

O núcleo da pessoa é o lugar onde está a marca da vivência do indivíduo, aquilo que o diferencia das demais pessoas e pelo qual desvela no sujeito o mundo dos valores. Nesse sentido é fundamental para Edith Stein o conhecimento de si mesmo e a experiência do outro como ferramenta para que o indivíduo possa exercer sua liberdade.  A experiência do outro contribui para o conhecimento de si e assim ter consciência de sua liberdade, respeitando as semelhanças e diferenças na convivência coletiva, para um atuar dotado de vontade ética que busque resguardar a individualidade e liberdade na coletividade.

No livro A Antropologia de Edith Stein. Entre a Filosofia e Deus, de Mariana Bar Kusano (2014), a autora expor o pensamento de Edith Stein, a partir de uma visão antropológica e filosófica, em relação a constituição do ser humano e sua relação consigo mesmo, com o próximo e com Deus. Para tanto, ela – Stein - se embasa na fenomenologia de Husserl e ruma a filosofia cristã, recebe a influência de Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Duns Scoto, Pseudo-Dionisio e da mística carmelitana (João da Cruz e Teresa de Ávila). 

Assim, o que a põe em movimento é a necessidade de compreender a pessoa humana, tudo o que lhe afeta em seu ser e em suas relações. Ela procura investigar a pessoa na sua estrutura individual, mas também o seu ser social, o indivíduo diante da comunidade. A pessoa humana é o núcleo de todo o pensamento steiniano. Ao fazer a análise da empatia como um especial ato de conhecimento do outro na sua tese de doutorado, Edith Stein se dá conta da constituição do indivíduo “psicofísico” como algo complexo, mas de extrema importância para a compreensão do ser humano. 

Nessa abrangência, Kusano (2014) faz referência a constituição do termo “ânimo” e, justamente neste aspecto, a fundamentação em Husserl se faz presente colocando em evidência as dimensões da alma substancial e das singularidades psíquicas no estudo da estruturação do ser humano. Este argumento, como um todo, leva à diferenciação do que é material e do que é orgânico, sendo esse, segundo santo Tomás de Aquino, denominado como “anima” e reforçado como anima vegetativa, ou “enteléquia” – segundo conceito empregado por Aristóteles – como sendo a alma vital. 

Outro aspecto considerado no estudo da estrutura humana é o espírito. Nesse sentido, Edith Stein traz duas visões onde, a primeira, está atrelada à vontade humana e a segunda ao termo “spiritus”, ou ainda “hálito”, compondo-se de mobilidade, ligeireza e falta de fixação. Por meio desta abrangência Stein indaga à cerca da alma do ser humano como sendo criatura espiritual e ainda, através desta exposição, se evidencia todo o seu trabalho direcionado à questão da empatia – o sujeito como um ser empático. 

Adiante, no livro em questão, a autora aprofunda o tema da liberdade em Edith Stein abordando duas de suas obras: A estrutura da pessoa humana” (2013) e “La struttura ontica della persona e la problematica della sua conoscenza” (1999). A primeira relaciona diretamente a liberdade ao conceito de responsabilidade do indivíduo para sua autoformação e com aquilo que almeja para si no futuro tornando-se assim, inteiramente responsável pelas suas próprias ações. Aqui, Stein adentra em dois parâmetros, sendo eles o “poder” e o “dever”, em relação a liberdade que se encontra na particularidade de cada indivíduo. Nesse dinamismo, Stein se propõe a dimensionar dois aspectos: o “eu” e o “si mesmo”, distinguindo um do outro.

A segunda obra tem como proposta comensurar de uma nova forma a liberdade nas diferentes ações do ser humano. Nesse sentido, é abordada a questão da alma relacionada em três parâmetros da liberdade: “a vida não liberta da alma animal, a vida dona de si mesma e a vida da alma quando elevada pela Graça” (KUSANO, 2014, p. 119). No que diz respeito à Graça, é de extrema importância evidenciá-la juntamente com o livre arbítrio – dom dado por Deus. Frente a isso, “vale notar que a liberdade propriamente dita já pressupõe uma intervenção da Graça e, portanto, uma vontade que já vai, paulatinamente, conformando-se com a vontade divina” (KUSANO, 2014, p. 121). O dimensionamento da Graça ruma em direção à concepção do reino espiritual que, nesse aspecto, designa-se ao reino da Graça ou ao reino celestial – presença de anjos, por exemplo.

Mediante isto, é vital analisar o contexto da estrutura pessoal que tem como ponto de partida a compreensão do indivíduo como responsável por si mesmo. Neste aspecto, Stein aponta que “a responsabilidade do ser humano significa que este determina a si mesmo, ou seja, ele tem o direito e o dever de formar a si mesmo” (2013, p. 108). Nesse aspecto, visa-se contemplar a questão da liberdade do ser humano que, a princípio, conceitua-se como “eu posso” (STEIN, 2013, p. 109) e, decorrente disso, se engloba o aspecto do instinto humano uma vez que, esse é portador de sua liberdade.

5. A influência da obra Fausto de Goethe no pensamento de Edith Stein sobre liberdade e responsabilidade da pessoa 

A partir da leitura da obra Fausto - primeira e segunda parte - de Goehte, é possível destacar sua relevância e influência na atuação de Edith Stein em sua abordagem sobre a liberdade, responsabilidade e a abertura para a graça. Logo de início, a relação da graça presente na obra e da noção da graça como um dom de gratuidade de Deus de Stein, pode ser percebida no diálogo entre Deus e Mefisto no “Prólogo no Céu”, de modo específico no discurso que se segue:

O ALTÍSSIMO[...]

O humano afã tende a afrouxar ligeiro,
Soçobra em breve em integral repouso;
Aduzo-lhe por isso o companheiro
Que como diabo influi genuínos da Deidade,
Gozai a rica e viva Amenidade!
O que se forma e, eterno, vive e opera,
Vos prenda em suaves vínculos de amor.
E o que flutua em visionária esfera,
Firmai com pensamento durador.
(GOETHE, 2020, p. 57)

Como se denota, Deus esclarece que ao ser humano é lhe atribuída a liberdade que, ainda que mesmo o afastando Dele, possibilita que esse retome à “rica e viva Amenidade”. Em seguida, ao julgar não saber nada sobre a existência humana ainda que já tivesse obtido uma gama de conhecimento em diversas áreas, Fausto não enxerga um sentido para a vida e, diante disto, se percebe insatisfeito com ela. Desta forma, ele aceita livremente o pacto proposto por Mefistófeles e vai além, indigita uma aposta ao diabo lhe colocando “em cheque” sobre tamanha promessa do acordo. 

No decorrer de toda a narrativa, se constata que a liberdade aferida à Fausto não tem efeito somente a ele, mas àqueles que estavam a sua volta como Margarida, por exemplo. Nesse cenário, torna-se válido perceber que a ação individual de uma pessoa provoca as reações àqueles que a cercam e, diante disto, a responsabilidade da ação humana se dá não apenas nela consigo mesma, mas também, em suas diversas relações com o outro.

Tamanha relevância da responsabilidade pelas ações infligidas pelo pacto entre Fausto e Mefistófeles – e, consequentemente pela liberdade que Fausto detinha – que logo após o firmamento da aposta é possível notar menosprezo na fala do diabo quando ele e Fausto chegam à Taberna:

Devo trazer-te, antes de tudo,
A roda alegre e livre como esta;
Da vida fácil, faze aqui o estudo;
Para este povo, todo dia é festa.
A graça é pouca, mas, havendo quem a aplauda,
Cada um resolve alegre em sua estreita roda,
Como gato, a brincar com a cauda.
Enquanto uma enxaqueca não os incomoda
E lhes dá crédito o patrão,
Ledos e sem cuidado estão.
(GOETHE, 2020, p. 211)

Como é possível observar neste discurso, há uma certa diminuição de uma determinada roda da sociedade (aqui podendo se tratar de beberrões) ao mesmo tempo do escárnio dela. É nesse primeiro cenário que Fausto passa a usufruir do acordo feito com Mefisto o que, ao leitor, já permite o contato com a percepção de liberdade que é usufruída pelo personagem e, automaticamente, posta por Goethe. 

Assim, é correta a observação – e, até mesmo relação – da presença da narrativa da obra adentro ao pensamento acerca da liberdade e responsabilidade da pessoa na concepção de Edith Stein. Isto é, a noção de liberdade está direta e intrinsecamente ligada à de responsabilidade ao passo que, o ser humano é detentor do “poder” e do “dever” ao mesmo tempo. Em vista disto, se dimensiona a percepção do “eu” e do “si mesmo”, como já abordado, e, nesse contexto, é validada a afirmação do “poder” de cada pessoa reafirmando assim, a apropriação da liberdade do indivíduo.

No entanto, não se deve ignorar o componente do “dever” de cada ser humano que caminha em conjunto com a liberdade. Do outro lado, o direito do “poder” (liberdade) convive em mesma medida com a responsabilidade, assim – se possível dizer – a responsabilidade pode ser vista como sendo o reflexo da liberdade do indivíduo. É importante ressaltar que, nesse aspecto, o ser humano não toma a responsabilidade de seu “poder” somente para si, mas, e acima disso, também é responsável pelo que irá ou não infligir naqueles que estão inseridos em seu contexto social. 

O dinamismo entre liberdade e responsabilidade é presente em toda a obra e, na primeira parte, destaca-se a relação de Fausto com Margarida onde, com base nos aspectos literários da obra, no que se refere à cena do “Cárcere” onde há uma forte presença de metáforas, Mazzari aponta que “é a linguagem característica do profundo desespero que se apoderou da moça dilacerada por impulsos emocionais que se alternam bruscamente [...]” (2020, p. 501). Em outras palavras, o exercício do “poder” (liberdade) de Fausto afeta gravemente a existência de outrem (Margarida) e, diante disto, a grande questão, neste contexto, está em torno da responsabilidade (“dever”) que o personagem central da tragédia tem em relação ao outro. Isto é, ao ver Margarida em um estado miserável – de te sofrimento imensurável – Fausto sentiu-se de certa forma culpado pelos acontecimentos à moça, porém, ainda assim, tal remoso não inibe o “mau uso”, se assim é possível dizer, de sua liberdade.

Essa constatação se faz presente também na segunda parte da obra de Goethe. Para isso, basta atentar-se no comportamento de Fausto diante as situações colocadas por Mefisto no momento que esse ruma ao imperador. Fausto, em sua gana de conhecimentos, se abstém de dissuadir o diabo ou até mesmo o próprio imperador. Pelo contrário, ele veste a roupagem de um grande e sábio mago que pode até mesmo trazer Helena de Tróia de volta a vida. 

Tendo em vista os acontecimentos narrados em ambas as partes da obra, chega-se à dimensão da abertura à graça. Nesta perspectiva, Eloá Heise (2001) aponta no livro A lenda do Dr. Fausto em relação dialética com a utopia, que “assim, Fausto, ou o homem, é salvo, há a redenção; [...]. A grande resposta está, pois, na pergunta que não cessa; a vida só adquire sentido no movimento constante: criação é ação” . Ao fim, nota-se a abertura ao dom da graça; abertura essa que se faz presente de maneira espontânea e livre da parte de Fausto, reafirmando então, a afirmação de Deus – apresentada no livro – de que a maldade não é intrínseca ao ser humano e que este se mostra aberto, em sua condição de indivíduo livre, ao caminho da redenção. 

Considerações Finais

Tratar do tema liberdade e responsabilidade ser humano é uma tarefa, por assim dizer, extremamente delicado visto que, em tempos de “pós-verdade” o indivíduo ressalta cada vez mais que é livre em suas vontades e decisões. Todavia, em determinados momentos, este se esquece que só é digno de liberdade, como da vida, aquele que se empenha em conquistá-la, pois ela indica o caminho dos perigos. Por este motivo, a vigência da liberdade deve caminhar lado a lado com a vigência da responsabilidade, pois não há viabilidade em atitudes total e meramente inconsequentes e impensadas. 

Diante desta abordagem Stein em sua inquietação para compreender a verdade que explica o ser humano, situa em todas as suas obras a pessoa como ser livre. Na visão steiniana, razão e liberdade são parte constitutiva da pessoa. Sendo assim, a razão agrega-se à liberdade. O ser humano nasce para ser livre, porém, seguramente o que mais opõe resistência à liberdade é a própria natureza humana tão complexa. A autora afirma que a pessoa é livre diante de tudo, pois determina sua vida diante de si mesmo. Reconhecendo que o principal determinante para ser livre é o confronto consigo mesmo, com sua própria interioridade, pois é no mais profundo do ser que se encontra a liberdade. Justamente colocando-a em foco, Edith Stein voltou-se em seu tempo atrelar liberdade à responsabilidade. O eu, o núcleo é o lugar que possibilita a pessoa humana aproximar-se de si mesmo e a faz tomar decisões que determinam a evolução do seu ser, onde as limitações e circunstâncias perdem o poder. Desse modo, a filósofa caminha na análise fenomenológica com a pretensão de descobrir a essência humana e leva à frente com o existencialismo, visto que o homem no pensamento steiniano não está sem sentido sobre o mundo. Mesmo assim é a sua natureza que coloca obstáculo ao sentido da sua existência. 

Nesse sentido, ao fazer o processo de saída da subjetividade para a intersubjetividade, o indivíduo toma consciência de sua individualidade e liberdade para um agir consciente no coletivo. A liberdade humana encontra sua plenitude no encontro com o ser divino - fonte da verdadeira liberdade, que se reconhece imagem e semelhança de Deus. Assim, torna-se possível reforçar a ideia de que o indivíduo não é uma mera constituição do que se pode ver a priori, mas sim um ser que foi criado, que tem sua essência e que ao longo de sua vida busca conhecer a si mesmo e ao contexto em que está inserido e, justamente nesse conhecimento, se utiliza de sua liberdade com a finalidade de atender anseios próprios e do outro.

Desse modo, foi importante o destaque  dado em relação ao pensamento de Edith Stein que sustenta a graça e a liberdade do ser humano em relação a obra literária alemã Fausto de Johann Wolfgang von Goethe que, mesmo com uma literatura de grande complexidade e densidade, é notório o destaque que se dá na atuação da busca pela graça adentro do aspecto da ação humana e sua respectiva liberdade, tornando claro assim, que o ser humano já em sua criação e essência – intrinsecamente voltada para o bem – é tomado de liberdade em toda a sua vida, podendo escolher ou não pela sua redenção – redenção essa, acometida pela graça.

Referências

HEISE. ELOÁ di Pierro. Fausto: a busca pelo absoluto, 2001Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/fausto-a-busca-pelo-absoluto/ . Acesso em 25 fev. 2022.

HEISE. ELOÁ di Pierro. Literatura Universal – Fausto (JohannGoethe). UNIVESP.  Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1xOc4bPFY0Q Acesso em 07 de abril. 2022. 

HEISE, Eloá di Pierro. A lenda do Dr. Fausto em relação dialética com a utopia. In: A literatura da virada do século: fim das utopias? São Paulo: Humanitas. FAPESP, EFLCH/USP, 2001. 

GOETHE. Johann Wolfgang von. MAZZARI. Marcus Vinicius (coment.). Fausto Uma tragédia: primeira parte. Tradução de E. Teil. 7. ed. São Paulo – SP: Editora 34, 2020. 551 p.

GOETHE. Johann Wolfgang von. MAZZARI. Marcus Vinicius (coment.).  Fausto Uma tragédia: segunda parte. Tradução de E. Teil. 6. ed. São Paulo – SP: Editora 34, 2020. 1086 p.

KUSANO. Mariana Bar. A Antropologia de Edith Stein: Entre Deus e a Filosofia. 2. reimpressão. São Paulo – SP: Editora Ideias & Letras, 2014. 149 p. 

ROCHA. Magna Celi Mendes da. O Sentido de Formação em Edith Stein: fundamento teórico para uma educação integral. 2014, 155 f. Dissertação (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-graduação em Educação: Psicologia da Educação, 2014. Orientação: Mitsuko Aparecida Makino Antunes. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/16137. Acesso em: 07 abr. 2022.

STEIN, Edith. La struttura ontica della persona e la problematica della sua conoscenza. In: STEIN, Edith. Natura, persona, mistica: per una ricerca cristiana della verità. 2. ed. Trad. Barbara Venturi. Roma: Città Nuova, 1999. p. 49-113.

STEIN. Edith. La struttura della persona umana: Corso di antropologia filosofica. Traduzione dal tedesco: Michele D’Ambra. Roma: Città Nuova Editrice, 2013. 245 p. 

STEIN, Edith. Obras Completas. Vol. II. Escritos filosóficos: etapa fenomenológica: 1915-1920. Tradução do Alemão de Constantino Ruiz Garrido, José Luis Callero Boro. Madrid: Monte Carmelo, 2005.

------------

Notas

[1] Johann Wolfgang Goethe nasceu a 28 de agosto de 1749 em Frankfurt am Main, na época uma cidade-Estado com cerca de 30 mil habitantes. [...]. Seguindo o desejo paterno, Johann Wolfgang iniciou os estudos de Direito em Leipzig, aos 16 anos. Nesse período, que se estende de 1765 a 1768, teve aulas de História, Filosofia, Teologia e Poética na universidade; ocupou-se de Medicina e Ciências Naturais; cursou aulas de desenho e frequentou assiduamente o teatro. Simultaneamente, iniciava-se na leitura dos clássicos franceses e escrevia seus primeiros poemas. [...]. Em 1790, assumiu a superintendência dos Institutos de Arte e Ciências de Weimar e Iena e, no ano seguinte, a direção do Teatro de Weimar, estreitando assim seus laços com a arte dramática. [...]. Com a capacidade de renovação constante, Goethe publicou,  ainda, entre muitas outras obras de interesse, o poema épico Hermann e Dorothea (1797), a primeira parte do Fausto (1808) e o romance As afinidades eletivas (1809), [...]. Após sessenta anos de trabalho no Fausto, Goethe conclui a segunda parte da tragédia poucos meses antes de sua morte, a 22 de março de 1832, em sua residência na praça Frauenplan, em Weimar (MAZZARI, 2020, p. 545-546).

[2] Eloá Heise é professora da Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro Dr. Fausto em relação dialética com a utopia. A citação aqui referida, está presente no capítulo intitulado “A literatura da virada do século: fim das utopias?” deste mesmo livro.