Um projeto de escrita teopoética: a obra de Patrice de la Tour du Pin
A theopoetic project: Patrice de la Tour du Pin

Rui Pedro Vasconcelos
Mestre em Teologia pela Universidade Católica Portuguesa (UCP). Contato: ruivasconcelos.mn@gmail.com


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Resumo: A obra poética de Patrice de la Tour du Pin (1911-1975) é aqui estudada sob o signo de um projeto de escrita teopoética. Após uma breve apresentação biográfica, com a sua inscrição nos processos eclesiais de renovação da liturgia católica no pós-concílio Vaticano II, seguiremos a reflexão que o poeta fez sobre a relação entre a liturgia e a criação poética, expressa em artigos e conferências; finalmente, será feita uma breve leitura de dois poemas de Tour du Pin e um hino de Gregório de Nazianzo, que o poeta francês assumiu como fonte inspiradora. Finalmente, colocam-se interrogações quanto à relação entre liturgia e teoliterária[1].

Palavras-chave: Teopoética, Patrice de la Tour du Pin, Liturgia

Abstract: This article analyzes the poetry of Patrice de la Tour du Pin (1911-1975) as a theopoetic writing project, in the context of the catholic liturgical reformation after the Vatican II, with a reflection about the relations between poetry, liturgy and theopoetic. 

Keywords: Theopoetic, Patrice de la Tour du Pin, Liturgy

«L’Écriture Saint était autre chose qu’un véhicule, 
qu’elle était par elle-même un édifice sublime, 
propre non seulement au culte mais à l’habitation» 
(CLAUDEL, 2004, p. 1000).

«Un langage théologique bien formé parle à Dieu 
avant de parler de Dieu, et ne parle bien de Dieu qu’en étant préalablement capable de parler à Dieu» 
(LACOSTE, 2008, p. 215).

1. Uma aventura teopoética

A figura de Patrice de la Tour du Pin (1911-1975) percorre o difícil século XX francês[2]: órfão de pai desaparecido na Primeira Grande Guerra, ferido em combate e prisioneiro logo no início da Segunda Guerra, Tour du Pin desenvolve desde a juventude um projeto poético que terá como primeira obra de referência a publicação em 1933 de La Quête de Joie – obra que receberá um acolhimento literário positivo, com nomes como André Gide a transportarem o poeta para o conhecimento do grande público. No cativeiro, contactará com Yves Congar ou Jean Guitton, que referirá, anos mais tarde, como o trabalho de tradução e criação litúrgica permitirá a Tour du Pin unir uma dupla vocação poética e mística[3]

Casando-se com Anne de Bernis em 1943 (com quem terá quatro filhas), Tour du Pin instala-se numa casa familiar no vale do Loir, numa zona rural, conjugando a criação literária e a atividade agrícola: esta opção por uma vivência retirada num meio natural permeará a sua linguagem poética. Não obstante, intercalará esse retiro com períodos de permanência em Paris, para acompanhar o estudo das filhas, experiência que interpretará como comunhão com o ser humano do século XX – moldado pelos avanços técnicos e científicos. Recebeu o Grand Prix de Poésie de l'Académie française em 1961 e o Grand Prix catholique de Littérature em 1971[4].

Antes ainda do seu trabalho eclesial de tradução e elaboração hínica, Tour du Pin permeia a sua criação poética por uma experiência espiritual testemunhada desde a juventude, a par de uma assumida pertença católica. Logo nas primeiras obras é possível reconhecer uma devoção eucarística forte, a par de uma consciência cósmica e eclesial do Corpo de Cristo, numa linguagem que faz recordar a Teilhard de Chardin. Dessa aventura espiritual é significativa uma oração publicada postumamente, quando o poeta teria 15 ou 16 anos:   

«Seigneur, qu'ils sont beaux vos mystères. Vous m'avez donné la grâce de les aimer, de les contempler, la grâce de la joie de les méditer; vous m'avez dit de les rappeler à d'autres âmes, qui ont perdu ce sens ou qui ne l'ont pas compris; ne vous écartez pas de moi dans cette mission que je ne peux pas remplir seul parce que je divaguerai si vous ne me conduisez pas; j'ai quelques mots sur les lèvres et un peu de votre amour au cœur, et mon âme maintenant est seulement heureuse lorsqu'un autre tressaille quand je parle de vous; je veille bien sur votre sûreté dans mon cœur pauvre, mais donnez-lui cette pauvreté de vos enfants; alors je pourrai mieux trouver les mots qu'il faut dire» (TOUR DU PIN, 1982, p. 45).

2. A renovação litúrgica no quadro do concílio Vaticano II

Em 1964, Tour du Pin conta já com dois volumes da sua Somme de Poésie, publicadas nas edições Gallimard, num projeto pensado de três «Jogos» que definem, segundo o poeta, a condição humana: o «Jogo do Homem diante dele mesmo», o «Jogo do Homem diante do Mundo», e o «Jogo do Homem diante de Deus»[5]. Este terceiro volume, que faltava, receberá um dinamismo novo com o convite que lhe é endereçado nesse ano para colaborar com uma comissão encarregada de traduzir para a língua francesa os textos da liturgia católica, no seguimento da renovação iniciada com o II Concílio do Vaticano. O poeta será incumbido de velar pela qualidade poética das traduções, para que estas não se limitem a uma mera transposição do latim, mas se inculturem no específico de uma língua viva. Único leigo numa comissão de clérigos e religiosos, Tour du Pin refletirá mais tarde sobre a influência que este trabalho exerceu na sua criação poética. À tradução dos textos rituais seguir-se-á a colaboração na tradução ecuménica do Saltério[6].

Do labor de tradução Patrice passará, seguindo apelos e pedidos que lhe chegam, à criação de raiz de novos textos para a liturgia – hinos, orações, composições eucarísticas ­– para uso em diversos contextos celebrativos, nomeadamente monásticos, nas quais se destacam as «Cinco pequenas liturgias de Quaresma»[7]. Estes cinco esquemas são pensados como um itinerário quaresmal, no qual as orações e poemas preparados por Tour du Pin permitem criar ligações entre as partes da celebração eucarística (liturgia da palavra e liturgia eucarística) e entre as várias semanas da Quaresma. À data da sua morte, o poeta preparava uma obra similar para o Pentecostes. No derradeiro ano da sua vida, Tour du Pin concentrará a sua criação literária no horizonte da celebração da eucaristia.

Num inquérito realizado em 1982 por Isabelle Chamska junto de 40 mosteiros em França (CHAMSKA, 1982), 32 referiram utilizar com regularidade na sua celebração da Liturgia das Horas um conjunto de dez hinos elaborados por Tour du Pin e publicados em 1967 na revista La Maison-Dieu (TOUR DU PIN, 1967), alguns com frequência semanal. Tour du Pin assumirá esta criação litúrgica na sua obra poética, incluindo-a em grande parte no terceiro volume da sua Somme de Poésie, numa inscrição pessoal normalmente rara no meio eclesial católico (a autoria dos hinos litúrgicos tende a ser submersa na tradição da Igreja). O poeta não estabelece uma fronteira entre a sua poesia pessoal e poesia litúrgica, embora reflita sobre as condições particulares desta.

O teólogo canadiano Jacques Gauthier desenvolveu uma leitura teológica da obra poética de Tour du Pin sob o signo de uma «teopoesia», termo apresentado pelo próprio poeta[8]. Gauthier explora uma classificação com que o próprio poeta assinalou a sua escrita: a teopoesia como linguagem poética ao serviço da revelação. É possível apontar várias pistas a partir desta definição: situamo-nos (como será compreensível, dado o ofício de poeta e não de teólogo num sentido estrito) numa abordagem quanto ao modo de elaboração poética, e não tanto à forma de reflexão e enunciação teológica. Trata-se de uma elaboração ou criação situada em função de algo, ao serviço de uma missão ou de um objetivo: “abrir” os sentidos dos seus contemporâneos para a revelação divina e exprimir esta revelação segundo termos novos e atuais (GAUTHIER, 1988, p. 315). Para Gauthier, a tensão entre a linguagem pessoal do autor e a necessidade de apresentar uma linguagem para o uso comunitário será um dos fatores de maior fecundidade desta obra. 

É, portanto, como poeta com obra publicada que Patrice é convidado a integrar os trabalhos, no seio da Igreja em França, de tradução dos textos litúrgicos no seguimento do concílio Vaticano II. E não só. O percurso poético de Tour du Pin conhecia já uma expressão religiosa e era já vinculado à experiência de um chamamento pessoal ao serviço do diálogo entre a revelação divina e a geração na qual o poeta se inseria: a geração do pós-Segunda Guerra Mundial, ambientada pelo progresso técnico e científico e pela deslocação social do meio rural para o meio urbano e industrial. A sua escrita intercala a poesia com trechos em prosa, em tom autobiográfico (ainda que figurado em personagens criadas); os poemas surgem neste percurso, lido em chave de peregrinação e de contemplação errante. Escreve o poeta:

«Il expliqua que sa principale préoccupation était de faire communiquer les deux rêves du fossé entre l’univers de la Parole de Dieu et celui de la mentalité du siècle, entre la nuit du mystère de Dieu et le jour de l’intelligence actuelle» (TOUR DU PIN, 1982, p. 328).

Daí a importância que teve para o poeta a vocação eclesial: tal surgiu como uma confirmação e um estímulo à sua própria busca, orientada por uma pergunta fundamental: pode a poesia ser uma linguagem que aproxime da verdade do ser humano e de Deus, verdade essa condensada no mistério eucarístico? Ao longo da sua escrita, Tour du Pin interroga-se se é de facto chamado a esta função e se está a ser fiel a Deus ou a ele mesmo – daí a importância do chamamento eclesial. A órbita litúrgica em torno do mistério de Cristo encarnado, eucarístico e cósmico dará ao poeta a orientação a seguir no seu labor poético. Trata-se de uma aventura espiritual que o poeta narra em sentido ilustrado, criando na sua Somme de Poésie personagens, diálogos, etapas. A poesia surge aqui como uma busca interior, uma peregrinação.

«Restait la seule question qui m’importât vraiment: la poésie étant sauvée de l’accusation d’être pure fiction, pouvais-je garantir qu’elle avait touché en quelque manière le mystère eucharistique que la foi affirmait comme réel et qu’elle en rapportait une version verbale qui, toute relative et insuffisante qu’elle fût, contenait une certaine part de vérité?» (TOUR DU PIN, 1982, p. 262).

Para o poeta, a eucaristia recapitula a vida cristã e a experiência da fé. A travessia bíblica do Êxodo é assumida por Tour du Pin como imagem da sua peregrinação pessoal, num registo pessoal onde a poesia se intercala com o registo meditativo em prosa. A grande questão interior e pessoal reside no valor das enunciações poéticas, a sua capacidade de aproximação ao mistério crístico e eucarístico. O término do Êxodo é a chegada ao Corpo de Cristo, a Igreja, no qual o nós da oração substitui o eu obsessivo.

3. Teopoética e liturgia

Neste percurso poético que vai de La Quête de joie (publicada originalmente em 1939) até às Cinq petites liturgies de Careme e aos hinos pascais integrados na edição francesa da Liturgia das Horas, Tour du Pin considera a linguagem poética como hospedeira, ponto de encontro e abrigo no qual o crente encontra alimento e subsistência para a sua vida interior (DELAVEAU, 1982, p. 139). O poeta nunca separará a escrita poética elaborada e publicada a um título pessoal e os hinos e composições preparadas e publicadas em âmbitos eclesiais: um hino litúrgico não deixa de ser um poema, disposição de palavras em vista a uma outra ordem de linguagem, a da oração, na qual se instauram três polos de diálogo – o orante, Deus e a comunidade – e no qual se conjugam a poesia bíblica, a tradição da Igreja e as novas linguagens e necessidades da comunidade. Por outro lado, toda a escrita do poeta vive da inspiração, não apenas do meio rural no qual vive e das novas linguagens técnicas da geração a que pertence e que escuta, como também da vivência religiosa e litúrgica. É nesse meio que o poeta pensa e diz os três grandes mistérios da vida humana, nos quais organiza a sua Somme de Poésie. Esse mistério é lido numa busca de compreensão e de exercício da inteligência, mas segundo a categoria sintetizante da poesia e não na perspetiva analítica da ciência: daí designar o mistério, e a sua própria busca poética, sob o signo do «jogo», Jeu.

«Malgré ma démarche privée, je n’y peux rien que j’écrive ces mémoires pour qu’ils soient publiés et donc lus; et j’appréhende la réaction du lecteur qui voudra au préalable nommer cette démarche, la classer; pour lui je la désignerai comme “théopoétique”. Et ce renseignement se heurtera sans doute d’autant plus à son exigence de réalité objective, à cause de l’acception qu’il donne à la poésie. Mon intention n’est justement pas d’en dégager une réalité objective, mais d’inviter à faire un certain crédit à une expérience de ce mode, dans l’intervalle qui sépare actuellement l’univers religieux et le champ d’intelligence dégagé de lui. C’est dans cet intervalle que j’ai sauté, que je me suis rengagé, et que je témoigne seulement de ce que je crois un peu… comprendre» (TOUR DU PIN, 1982, p. 220).

É neste intervalo entre a inteligência humana nas suas maiores realizações e o universo religioso – marcado, ainda, por imagens e vocábulos próprios de sociedades agrícolas – que a escrita de Tour du Pin encontrará a sua missão e a sua fecundidade. O poeta acredita que a poesia é a linguagem primordial para comunicar a experiência humana com o sagrado, e que a mesma poesia foi o veículo primeiro da fé no início da história da Igreja, na medida em que por ela o crente se abre na oração à Palavra revelada. Mas quer a crítica teológica, quer a crítica literária colocam a poesia sob a suspeita da ilusão verbal (TOUR DU PIN, 1982, p. 160).

«Comptez seulement les verbes qu'un acte poétique tâche de concerter dans un seul mouvement: voir, lire, comprendre, faire, vivre, être, transmettre, et combien d'autres. Ajoutez-y ceux de la théopoétique : croire, adorer, célébrer, rendre grâce. Ce sont ces rassemblements qui me permettent d'échapper un peu à l'arythmie du monde actuel» (TOUR DU PIN, 1970, p. 218-219).

Este projeto de escrita teopoética encontra a sua fonte seminal de inspiração na pluriforme tradição dos salmos (VISCO, 1975). Dois aspetos em comum podem ser realçados: por um lado, a dimensão essencial de louvor presente mesmo nos salmos de súplica e de penitência, e que deriva do reconhecimento do nome de YHWH tal como se revela na história, nas obras e nas criaturas. Por outro lado, a natureza centrífuga do hino que busca um auditório, uma comunidade que escute e se associe ao testemunho, uma convocação do louvor.  

No prefácio a uma edição de hinos para uso de comunidades cistercienses francófonas, publicada em 1973, Tour du Pin dirige uma Carta aos Contemplativos[9], na qual reflete sobre o emprego da linguagem poética para a oração eclesial. «Aucun assemblage d’idées pures ne circonscrira Dieu Vivant, et l’hymne n’est pas un corps verbal destiné à propager un état seulement poétique». A poesia é considerada commumente como um elemento decorativo e superficial, um meio verbal de evasão; e o exercício poético aplicado no âmbito litúrgico é visto com reservas do espaço literário: «Vous savez bien que certains lecteurs de vos cantiques diront: il n’y a pas là de véritable poésie». O poeta coloca a sua poesia na função explícita de serviço a Deus e como meio de aproximação e transmissão da fé. O exercício poético toca as insuficiências da linguagem humana para traduzir o mistério divino, conduzindo o crente num caminho onde palavra e silêncio se unem. O processo poético situa-se numa linha de síntese e de interpretação, mais do que de análise discursiva. Na raíz grega do termo, poiein remente para o verbo «fazer», para a criação de um universo verbal pessoal por parte do poeta.

A liturgia põe em exercício a linguagem, como qualquer atividade humana: reúne as expressões do viver e agir humanos e congrega-as num corpo verbal com o qual o ser humano respira e responde a Deus. A linguagem poética que habita a liturgia sintetiza a inteligência e o corpo sensorial, colocando o crente numa energia de movimento em busca de Deus. «Cet appel à la poésie déborde forcément les parts qui lui sont réservées dans l’office, il touche à la globalisation naturelle de tout homme, qui me semble poétique avant la moindre élaboration écrite». Tour du Pin reflete sobre o seu labor poético no contexto de um século XX marcado pelo progresso científico. Se há um desenvolvimento do sentido analítico do pensamento, tal arrisca-se a levar à rutura os frágeis equilíbrios que sustentam a vida humana. A própria experiência religiosa – que, na sua natureza, procura a síntese, a religação – é segmentarizada do viver humano e confinada a uma dimensão fechada.

«Nous cherchons souvent des motifs de louange à Dieu; le premier n’est il pas dans l’extraordinaire de chercher à le louer et dans le pouvoir bien limité sans doute de le faire? De le faire parce que la vie nous presse de formuler l’action de grâce, l’action de la grâce en elle».

O desafio maior na criação hínica reside na enunciação de temas litúrgicos (batismo, eucaristia) sem se reduzir à exortação moral ou à sintetização dogmática. Como enunciar e cantar o mistério? O próprio crente reconhece-se como um mistério diante da economia da graça que recita e canta na oração. É a própria vida, o mistério da criação que encontra a sua expressão na voz, na consciência e na palavra do crente. O risco é o de perder o maravilhamento, quando as linguagens litúrgicas já não partem da experiência quotidiana e vital do crente. «La théopoésie, sans prétendre le moins du monde expliquer le miracle, trouvera peut-être de nouveaux mots pour dire le approche du Christ ressuscité» (TOUR DU PIN, 1970, p. 405).

4. En toute vie, le silence dit Dieu

En toute vie, le silence dit Dieu!
Tout ce qui est tressaille d'être à lui, 
Soyez la voix du silence en travail, 
Couvez la vie, c'est elle qui loue Dieu! 
Pas un seul mot, et pourtant c'est son Nom 
Que tout sécrète et presse de chanter; 
N'avez-vous pas un monde immense en vous? 
Soyez son cri, et vous aurez tout dit. 
Il suffit d'être, et vous vous entendrez 
Rendre la grâce d'être et de bénir; 
Vous serez pris dans l'hymne d'univers, 
Vous avez tout en vous pour adorer. 
Car vous avez l'hiver et le printemps, 
Vous êtes l'arbre en sommeil et en fleurs; 
Jouez pour Dieu des branches et du vent, 
Jouez pour Dieu des racines cachées! 
Arbres humains, jouez de vos oiseaux, 
Jouez pour Lui des étoiles du ciel 
Qui sans parole expriment la clarté; 
Jouez aussi des anges qui voient Dieu!

Trata-se de um hino que não foi incluído na edição da Somme de Poésie, mas que o poeta apresentou numa conferência proferida em 1974 (um ano antes da sua morte) e publicada na revista La Maison-Dieu (TOUR DU PIN, 1975, p. 94). Tour du Pin não se alonga no comentário ao seu poema, referindo apenas tratar-se de um hino inspirado no salmo 148 e no qual canta o silêncio, as árvores e a glória de Deus. O hino é rezado no Ofício de Leituras da edição francesa da Liturgia das Horas, na sexta-feira da I semana. Jacques Gauthier tem a opinião de que este terá sido o último hino a ser escrito por Tour du Pin (GAUTHIER 1994, p. 514). O hino foi incluído numa colectânea ecuménica de hinos ortodoxos, católicos e protestantes organizada pelo Conseil Oecuménique des Églises em 1974, com o título de Cantate Domino. Originalmente fruto da adaptação da letra de uma música inglesa da autoria de Élisabeth Peston, uma paráfrase do salmo 148, Tour du Pin acabará por elaborar um novo texto de raiz, deslocando-se do original inglês.

Na referida conferência, Tour du Pin faz preceder o seu poema da referência a um hino atribuído a Gregório de Nazianzo, O Toi l'au-delà de tout, que analisaremos em seguida. De assinalar o ponto de contacto de uma poesia surgida no contexto da reforma litúrgica pós-Vaticano II com um hino oriundo da tradição patrística: o desejo habitualmente designado de «regresso às fontes» que permeou o movimento litúrgico católico é aqui representado. O poeta assume-se como herdeiro de uma tradição caracterizada pela necessidade e liberdade de criação poética para a liturgia, a mistagogia e a catequese, onde se destacam nomes como Ambrósio de Milão, João Crisóstomo, Basílio Magno ou Romano Melodita. 

Há uma liberdade poética na recriação do património bíblico do Saltério que, se na sóbria prática dos padres do deserto é centrado na sua recitação e meditação, já na liturgia das grandes cidades cristãs da Antiguidade (Alexandria, Constantinopla) é fonte de inspiração para novas composições poéticas. A escrita teopoética de Tour du Pin insere-se e assume os riscos desta tradição. Podemos identificar três dimensões comuns aos dois hinos, que permite caracterizar a poesia litúrgica de Tour du Pin. Em primeiro lugar, a linguagem paradoxal do silêncio para exprimir o mistério de Deus. «Le silence dit Dieu». Trata-se de um silêncio fecundo, que nomeia o Divino, que possui uma voz a pedir para ser escutada e que trabalha continuamente, à imagem da natureza. 

«L'acte poétique n'est pas seulement de parole, mais de silence; si le poète convoqué à l'hymne éprouve plus qu'un autre la déception de ne pouvoir traduire avec des mots humains le silence et la nuit de Dieu, il peut pourtant reconnaître la grâce de susciter un peu de nuit, un peu de silence qui mènent au seul acte d'adorer» (TOUR DU PIN, 1975, p. 93).

Outro elemento que podemos relevar é o recurso a elementos naturais e a ausência de termos estritamente teológicos. «Couvez la vie, c’est elle qui loue Dieu!». No seu programa poético, Tour du Pin usa as marcas da experiência cósmica e humana para nelas encontrar o louvor. Há uma recusa consciente em encerrar a poesia litúrgica numa possível linguagem sacra ou hermética, seja pelo uso do latim, seja pelo recurso a termos próprios da fé cristã, como a eucaristia, os sacramentos, a graça e o pecado (TOUR DU PIN, 1975, p. 159). Mesmo antes do convite a integrar a comissão de tradução litúrgica, o poeta escrevia: 

«Je deplorais un peu que le langage liturgique de l’Eglise fuit dans l’ensemble um melange de théologie abstraite et d’idéalism exhaustif, je rêvais de lui donner des racines plus vivantes» (TOUR DU PIN, 1967, 310). 

Mesmo na sua Somme de Poésie, a opção por uma poesia comprometida com a expressão de uma vocação humana e humanizante leva Tour du Pin a recusar uma poesia estetizante, fechada em si mesma (BANCAL, 1982, p. 50). Tour du Pin desloca esta preocupação para a obra litúrgica: 

«Nous n’avons nullement pour objectif d’elaborer un langage sacre à priori, mais celui qui pourrait transmettre le message de Dieu à son peuple d’aujourd’hui et servir de réponse pour ce peuple à la Parole de Dieu» (TOUR DU PIN, 1975, p. 92).

Finalmente, podemos referir o louvor como o veículo que percorre todo o poema. Há uma positividade constante na escrita de Tour du Pin, fruto de uma visão da liturgia como espaço onde o louvor tem o lugar principal. A esse louvor vem unida a categoria de «jogo» (jeu), que Tour du Pin transporta da sua Somme de Poèsie, e que pertence, seguindo a Romano Guardini, à identidade da liturgia. Tal como os anjos, também os seres humanos são convidados a jogar para e diante de Deus: «Jouez pour lui des étoules du ciel / qui sans parole expriment la clarté». Aqui o silêncio das palavras não é mudo, mas exprime-se no louvor das criaturas (recorde-se Francisco de Assis).  

5. Ó Tu, que estás para além de tudo

Ó Tu, que estás para além de tudo, 
como designar-Te de modo diferente? 
Que palavra Te pode cantar, 
se nenhum vocábulo Te nomeia expressamente? 
E como há-de o espírito encarar-Te, 
se não consegues ser apercebido 
por nenhum espírito inteligente? 
Só Tu és inominável, 
embora tenhas criado 
tudo quanto a palavra apreende… 
Só Tu és in-conhecível, 
embora tenhas criado 
o próprio conhecimento… 
Todas as coisas falantes, ou não falantes, 
entoam a Tua glória. 
Todas as coisas pensantes, ou não pensantes, 
conhecem a Tua glória. 
Todos os desejos de todos, 
todos os sonhos de todos, 
todas as preces de todos 
gravitam à Tua roda… 
E todo o Universo, com a consciência do Teu Ser, 
Te canta um hino de silêncio. 
Tudo em ti permanece 
e tudo faz, de Ti, 
a sua convergência… 
o começo e És o fim de tudo, 
és o todo 
e nada de distinto dentro desse Todo. 
E, quanto a nomes, 
todos Te pertencem, todos, todos. 
Como Te chamarei, contudo, 
se és o único que não tens nome? 
Que espírito celeste poderá penetrar 
para além desses véus 
tão acima de todas as nuvens? 
Ah! Sê-nos propício, 
Tu que és tudo 
e que estás, afinal, para além de tudo! (FERREIRA, 2004)

A referência de Tour du Pin a este hino de Gregório de Nazianzo, colocando-o em paralelo com o poema En toute vie, convida-nos a deter-nos neste exemplo da tradição hínica cristã, para mais dispondo de uma tradução para português. 

Sobre Gregório de Nazianzo (329 d. C. – 390 d. C.), David Mourão-Ferreira refere o lugar que ocupa na etapa final da Antiguidade, prolixa nos chamados «Hinos a Deus». A essa abundância não será alheio quer o carácter ainda emergente e experimental da liturgia das grandes basílicas cristãs, quer o confronto e debate com as formas existentes de paganismo e as suas próprias composições poéticas, nomeadamente no paganismo greco-romano. Essa abundância poética continuará pela Idade Média, a par do surgimento das línguas modernas.

Com Gregório, não será ainda o latim a dar lugar a outras línguas no uso comum e literário, mas sim o grego – pelo menos, enquanto as diversas regiões da Cristandade partilham ainda um tronco comum. A língua grega que tantas divindades continha no seu panteão é agora utilizada, refere Mourão-Ferreira, para cantar, glorificar e ensinar o Deus uno e trino do monoteísmo cristão. É iluminador o paralelo que Mourão-Ferreira apresenta entre o hino de Gregório e o testemunho de Tácito, no qual refere com estranheza o Deus único, invisível e supremo no qual judeus e cristãos acreditam. Daí a força paradoxal de uma invocação que permanece na fronteira da linguagem: «Ó Tu, que estás para além de tudo, / como designar-Te de modo diferente?». Diz Mourão-Ferreira: «Sem dúvida que um texto como este, para o gosto actual, nos parecerá demasiado árido, demasiado abstracto – e talvez até demasiado artificioso» (FERREIRA, 2004, p. 165). 

A crítica é pertinente. Tour du Pin, por outro lado, refere «la splendeur qu’il (le hymne) déploie et la teneur d’adoration que le seul nom de Dieu suscite chez un saint» (TOUR DU PIN, 1975, p. 89). A questão essencial reside no «seul nom de Dieu». Nome que convida à adoração, sim, mas que não está longe do perigo da aridez e da abstração. Questão delicada a de uma teologia apofática que não concerne apenas aos enunciados teológicos mas também à linguagem poética e litúrgica. 

«Que palavra te pode cantar, / se nenhum vocábulo Te nomeia expressamente?», pergunta Gregório. «Como te chamarei, contudo, / se és o único que não tens nome?». Trata-se da questão fundamental: a nomeação de Deus. A teologia aceita a função de dar uma palavra e uma consciência ao mistério inefável de Deus, afirmar a sua transcendência retirando-a, na experiência do crente, do espaço do abstrato e do indizível. Gregório trilha neste hino o percurso que Tour du Pin fará mais tarde: cantar e dizer a Deus não através dos acontecimentos da história da salvação, mas através dos elementos cósmicos. «Todo o universo, com a consciência do teu Ser, te canta um hino de silêncio». 

Há uma ascese de todos os termos próprios da economia cristã: nem Cristo, nem a fé, nem a graça ou os sacramentos, nem a Igreja são aqui nomeados, mas sim todo o criado, o conhecimento, os desejos, sonhos e preces de todos – aparentemente, não só dos cristãos. Outros hinos de Gregório de Nazianzo se preocuparão em expor os mistérios da fé; mas a inclusão deste hino na exposição que Tour du Pin faz do seu percurso poético-litúrgico revela bem a preocupação por uma elaboração hínica que vá além da sintetização teológica e da exortação moral, para criar no crente – perante a experiência da inefabilidade de Deus – um espaço, não apenas de palavra, mas também de silêncio. «Nous sommes en plein combat verbal, en pleine lutte de langages (…) Devant l’angoisse actuelle, indiquer les ressources, les remèdes qu’il trouve dans le verbe humain adressé à Dieu et suscité par lui» (TOUR DU PIN, 1970, p. 415).

6. Salmo

o Senhor provoca a minha voz 
a sua palavra rasga-me o coração 
dir-lhe-ei que o seu passo me esmaga? 
não, o Senhor está a lavrar o seu campo 
em mim a vida respondeu 
a vida que geme falou 
como uma árvore testemunha perante o céu 
da luz investida na terra, 
assim a minha voz de homem testemunha perante o Senhor 
da sua descida ao seio da criação 
e a palavra de Deus suscita a minha memória, 
a sua humilhação suscita o meu canto 
acrescento-o ao grito da vida, 
porque eu sou uma terra do Senhor 
ele congrega todas as minhas idades, 
rasga o coração de homem para reencontrar a criança 
atravessa os meus bens em direcção ao meu apelo de pobre 
o do meu nascimento e o das proximidades do meu fim 
o segredo do Senhor escavou o meu segredo 
que a sua palavra crie raízes! 

Dois salmos de Patrice de la Tour du Pin foram traduzidos e incluídos por Mourão em edições da sua própria poesia. O primeiro, aqui reproduzido, Salmo  foi publicado em Dizer Deus ao desabrigo do Nome; o segundo, Salmo de quaresma, surge em Declinações – O Nome e a Forma (MOURÃO, 2009, p. 182-183 e 216). Ambos apresentam semelhanças na forma (as estrofes de dois versos, para recitação coral), e no conteúdo (meditações pessoais, propostas para a vivência em contexto litúrgico). 

A linguagem da criação, cara a Tour du Pin e própria do meio rural no qual viveu, encontra aqui expressão: «lavrar o seu campo», «árvore», «sou uma terra do Senhor», «luz investida na terra», «que a sua palavra crie raízes». De notar as ressonâncias da parábola evangélica do Semeador e da sua leitura como acolhimento e frutificação da Palavra (Mc 4, 1-20). Seguindo um tom próprio de alguns salmos bíblicos, o poeta relata uma ação de Deus na sua vida, testemunhando-a aos irmãos. Trata-se de uma experiência com marcas fortes, permeada de expressões dramáticas: «rasgar», «esmaga», «grito», «atravessa», «escavou», termos que implicam uma ferida, um corte transformante na pele do crente, no «segredo» da sua existência. É possível notar aqui ressonâncias da sentença de Hebreus 4, 12.

A experiência da Palavra, como movimento descendente do Divino, conduz o orante aos marcos mais frágeis da sua existência: a «criança», o «pobre», o «nascimento» e o «fim», numa vulnerabilidade que, embora se note o seu carácter doloroso, se converte em canto de confiança. O orante vive essa experiência como uma «descida» do Senhor, uma visitação que «provoca» a sua «voz» para o testemunho e o canto.

Trata-se de um salmo de caráter íntimo e pessoal, narrando a experiência que o crente reconhece nos passos da sua existência. A enunciação pessoal, o relato na primeira pessoa conjuga-se com a leitura por parte de uma comunidade: o «eu» canta um acontecimento marcante na sua memória abrindo-se ao pedido de que a «palavra» que o visitou permaneça e frutifique, «criando raízes». Pode a oração mais íntima, exteriorizada no poema e no canto, servir de exemplo, estímulo e apelo ao leitor e à comunidade que a escutam? Já não nos situamos, aqui, na linguagem litúrgica habitual, caracterizada pelo uso do «nós» da comunidade orante e do «Vós» dirigido a Deus; no entanto, as repercussões da «palavra», da «voz», da «memória» e do «canto» apontam para uma vivência com ressonâncias celebrativas, que se abrem do espaço litúrgico para a vida do crente. 

Conclusão

O percurso e a obra poética de Patrice Tour du Pin transporta-nos para o núcleo da relação entre teologia e literatura, através de uma síntese vivida de modo biográfico. Trata-se de um projeto que o próprio autor designa de “teopoético” na medida em que procura, pela criação poética, um modo de dizer a relação do ser humano com o Divino. À teologia e à poesia junta-se uma terceira dimensão que abre novas perspetivas de estudo: a liturgia. Neste espaço, o gesto e a palavra unem-se num movimento orante, necessitando uma da outra.

«Para não ser mágico, o gesto precisa de uma palavra que constitua um apelo ou uma recoleção. Ao invés, para não ser uma apreensão ilusória do espírito ou um percurso abstrato e desesperado, a linguagem requere uma residência e uma epifania físicas, formadas por este corpo opaco onde a vida se enraíza e se manifesta, modeladas pelos trabalhos e os amores quotidianos, e ajustadas pelo reencontro do Homem-Deus neste mundo. O orante caminha em direção a Deus. Com a delicada bagagem dos seus gestos e das suas palavras, ele prossegue a sua humilde peregrinação» (CERTEAU, 1987, p. 17).

Diversas perguntas se colocam para uma posterior análise. Delineamos estas perguntas em torno a dois eixos: por um lado, quanto à liturgia e à sua consideração como um espaço poético e mesmo de criação literária; por outro, ao campo de estudo de uma teoliterária. 

A obra de Tour du Pin situa-se num momento histórico para a Igreja Católica com características muito particulares, nomeadamente para a experiência litúrgica: o período de renovação litúrgica após o concílio Vaticano II. Se esta renovação possuía uma herança anterior ao concílio, no quadro do Movimento Litúrgico, a opção e a necessidade de reforma da liturgia romana e de tradução do latim para as línguas vernáculas representou, no espaço francófono que estudamos, não apenas uma necessidade, mas também uma oportunidade. 

Este tempo, necessariamente, conheceu um balizamento final, em torno dos finais da década de 70, com a publicação do novo Missal Romano, pondo fim ao período de experimentação litúrgica. Foi também nesta altura que se deu a morte de Patrice de Tour du Pin, deixando em aberto a pergunta sobre se o poeta prosseguiria o seu trabalho de criação poética para a liturgia mesmo com o fim do trabalho de tradução dos textos latinos. Arriscamo-nos a responder positivamente, dado que esta criação poética encontrou na renovação conciliar da liturgia, não apenas uma oportunidade de criação, mas também um ponto de chegada de um percurso que se iniciara antes. Afinal, na liturgia encaram-se tradicionalmente dois âmbitos, o do “comum” – cânon, leituras bíblicas, orações coletas – e o do “próprio” – admonições, preces, pós-comunhão. Se este âmbito do “próprio” não recebe habitualmente um trabalho de apropriação por parte das comunidades locais, por motivo da rotina, do apreço ao texto estabelecido ou do receio da inovação, outra pergunta se coloca também: o facto de Tour du Pin ser um exemplo relativamente raro de poetas de pertença católica que assumem a liturgia como origem e destino de um trabalho poético não contradiz o caráter poético da liturgia, tal como, entre outros, Jean-Yves Hameline estudou (HAMELINE, 1997)? Tour du Pin conheceu a liturgia e os seus textos como um espaço de liberdade: mas sendo a liturgia um espaço comunitariamente regulado por uma autoridade que vigia o rito e o texto, tal não entra em contradição com um espírito de liberdade poética? José Augusto Mourão, por seu lado, pensando no espaço eclesial português, interroga-se:

«Onde estão os leigos que entre nós se atrevem a falar de Deus? (...) Que pudor é este que entrega aos rimadores medíocres os versos que o povo canta nas igrejas, ou lemos em brochuras. Maria de Lourdes Belchior é, entre nós, uma excepção de honra (...). A distância, em relação à teologia, não podia ser mais marcada. E não recusa Sophia de Mello que digam de alguns dos seus poemas que são “místicos”?

Há aqui uma questão de fundo: porque não pode jungir-se a poesia e a oração, a poesia e a teologia?» (MOURÃO, 1993, p. 46).

Esta síntese entre liturgia e poesia parece difícil de alcançar. No caso português, é reduzido o número de autores que assumem o espaço litúrgico como fonte e destino de uma criação poética[10]: Maria de Lourdes Belchior, José Augusto Mourão e, mais recentemente, Joaquim Félix de Carvalho[11].

Mas as perguntas também se colocam no que toca a uma teoliterária. Os eixos de reflexão em torno de uma teoliteratura que brote do espaço litúrgico parecem, a um primeiro olhar, divorciados[12]. A liturgia parece constituir-se como um espaço exclusivo de estudo para a teologia litúrgica e canónica, do qual a teoliterária parece excluída ou excluir-se. A natureza da obra poética de Tour du Pin enquanto marcadamente confessional afasta-a do que é habitual enquanto campo de estudo da teoliteratura? Se na obra de Tour du Pin existe um projeto poético que, mesmo nas suas diversas publicações, se divide em três eixos, deve o eixo do III volume – o “jogo” do ser humano diante de Deus – ficar de fora desta análise teoliterária? Situando-se habitualmente no campo das interrogações sobre o humano e o divino presentes nas obras literárias, como pode a teoliterária ser convocada para a criação de uma linguagem, de um discurso teológico, de uma enunciação poética de Deus? 

«La théopoésie consistera donc à chanter ces états simples et à les mener vers les états les plus simples devant Dieu, ceux où l’homme adore, reconnait, remercie, demande le pardon, mais aussi la lumière» (TOUR DU PIN, 1970, p. 412).

Referências

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 Notas 

[1] O presente artigo insere-se num projeto mais amplo de investigação em torno da obra de José Augusto Mourão op (1947-2011), projeto de doutoramento financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Presbítero dominicano com um extenso percurso académico na área da semiótica literária, José Augusto Mourão é também autor de uma singular obra poética e homilética. O objeto desta investigação é relevar nesta obra, a par do corpus ensaístico de Mourão, a constituição de um discurso teológico, segundo as categorias da Teologia Prática desenvolvidas por Marcel Viau. A poesia de José Augusto Mourão, de caráter marcadamente litúrgico, assume-se como devedora do trabalho teopoético desenvolvido por Patrice de la Tour do Pin, que aqui expomos num ensaio de leitura.

[2] Seguimos, nesta breve resenha biográfica, a CHAMSKA (2018).

[3] «Sa vocation était poétique et mystique. Dans sa maturité, il trouva moyen de tout unie en participant à l’œuvre de renouveau liturgique» (GUITTON, 1975, p. 529).

[4] A memória da vida e obra de Tour du Pin é criativamente preservada em França através de uma associação, Société des Amis de Patrice de La Tour du Pin, fundada em 1981. Ver https://www.patricedelatourdupin.fr/ (consultado a 21 de novembro de 2022).

[5] Patrice Tour du Pin, Une Somme de poésie I: Le jeu de l’homme devant lui-même (Paris: Gallimard 1981; originalmente publicado em 1946); Une Somme de poésie II: Le jeu de l’homme devant le Monde (Paris: Gallimard 1982; originalmente publicado em 1959); Une Somme de poésie III: Le jeu de l’homme devant Dieu (Paris: Gallimard 1983; originalmente publicado em 1963).

[6] São quatro os artigos publicados a partir de conferências de Tour du Pin, nas quais o poeta reflete sobre o seu trabalho de tradução e criação hínica para a liturgia, à luz de uma teopoética: «L'écrivain et la liturgie», La Maison-Dieu 92 (1967), p. 145-159; «Poétique et liturgie», Christus 67 (1970), p. 392-415; «Langage poétique et liturgie», Lumière et vie 100 (1970), p. 121-140; «La fonction poétique et liturgique», La Maison-Dieu 121 (1975), p. 81-97. (Sobre este tópico, ver GAUTHIER, 1988).

[7] Destacam-se aqui as «Cinq Petites Liturgies de Carême», publicadas em Revue des Deux Mondes, février 1974, p. 282-304. Ver GAUTHIER, 1986, p. 110.

[8] De realçar a tese de doutoramento de J. Gauthier: La Theopoesie de Patrice de la Tour du Pin. Paris: Cerf 1997. Nesta a poesia de Tour du Pin é lida como um caminho de revelação do mistério divino à luz de uma filosofia da linguagem e do símbolo. (Numa linha mais biográfica, ver Gauthier, 1987).

[9] O texto está disponível para consulta na página da Commission Francophone Cistercienne de Liturgie: http://www.cfc-liturgie.fr/index.php?option=com_content&task=view&id=386&Itemid=78 (consultado a 21 de novembro de 2022). A CFC iniciou a sua atividade no período posterior ao concílio Vaticano II, com a função de traduzir e atualizar os textos da Liturgia das Horas para as comunidades monásticas. A sua história revela como estas comunidades apresentaram um movimento de transição do latim para as línguas vernáculas, desejo que o Papa Paulo VI terá lamentado como uma perda do valor da língua latina. É de realçar que esta comissão continua em funcionamento e a produzir com regularidade novas peças poéticas para uso na liturgia monástica no espaço francófono. 

[10] Mesmo no que toca a uma possível receção e influência da obra de Tour du Pin em Portugal, os dados são escassos. Não deixa de ser significativo que, segundo o catálogo da Biblioteca Nacional de Portugal, nenhuma das obras de Tour du Pin – cerca de vinte obras poéticas, agrupadas nos três volumes da Somme de Poésie – tenha sido alguma vez traduzida e editada em Portugal. Também não foi possível encontrar qualquer artigo, nas publicações do espaço teológico português, dedicado ao poeta francês – participando também Mourão desse aparente silêncio.

[11] De Maria de Lourdes Belchior refira-se: Gramática do Mundo (Lisboa: Imprensa Nacional, 1985), e Cancioneiro para Nossa Senhora (Lousã: Gráfica Lousanense 1988); de Joaquim Félix de Carvalho, Triságia (Braga: Seminário de Nossa Senhora da Conceição, 2020); Livro da Deslocação (Maia: Officium Lectionis 2022).

[12] Pensando de novo no espaço português, parece-nos significativo o exemplo do primeiro colóquio Teotopias, organizado pela Cátedra Poesia e Transcendência da UCP e realizado na cidade do Porto entre 8 e 9 de novembro de 2019, dedicado ao centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner, não contar, entre as 21 exposições que constituíram o programa, qualquer exposição que tenha como tema ou ponto de contacto a liturgia. Do mesmo modo sobre o segundo colóquio, realizado entre 4 e 6 de novembro de 2021, e dedicado à obra poética de Daniel Faria.