Aplicação do quadro teórico-metodológico do interacionismo sociodiscursivo para a análise de Gênesis 2,4-17

Application of the theoretical-methodological framework of socio-discursive interactionism for the analysis Genesis 2,4-17

Luzia Bueno
Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade São Francisco (USF) na cidade de Itatiba-SP Contato: luzia.bueno@usf.edu.br

Renato Adriano Pezenti
Mestre em Educação e professor na Universidade São Francisco (USF). Contato: renato.pezenti@gmail.com


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Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa de mestrado sobre a aplicação do quadro teórico-metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) para a análise da narrativa bíblica de Gênesis 2,4-17. A partir dessa análise, que se propõe exemplar, pretende-se explorar esse quadro de análise como recurso para a leitura e interpretação de textos bíblicos. Para isto, apresentamos, em primeiro lugar, as bases conceituais do ISD, sua assunção da linguagem enquanto aspecto central do desenvolvimento humano e, por isto, fundamental para uma ciência do humano. Em seguida, aplicamos esse modelo de análise ao excerto bíblico de Gênesis. Antes de cada etapa da análise, apresentamos brevemente sua conceituação, em geral a partir de textos de Bronckart. A cada etapa da análise alguns resultados de pesquisa já são discutidos, embora sejam compilados de forma mais sistematizada nas considerações finais. Podemos, assim, reunir indícios da potencialidade do quadro teórico-metodológico do ISD para a análise de narrativas bíblicas especialmente no que tange à avaliação dos modelos de agir nelas prefigurados.

Palavras-chave: Interacionismo Sociodiscursivo. Bíblia. Texto. Gênesis. Prefiguração do agir.

Abstract: This article aims to present the results of a master´s research on the application of the theoretical-methodological framework of the Socio-discursive Interactionism (SDI) for the analysis of the biblical narrative of Genesis 2,4-17. From this analysis, which can be considered a model, we intend to explore this framework of analysis as a resource for reading and interpretation of biblical texts as well. Firstly, we present the conceptual basis of the SDI, its language assumption while central aspect of human development, therefore fundamental for a science of the human. Then, we apply this model of analysis to the biblical excerpt of Genesis. Before each step of analysis, we briefly present its concept, in general, based on Bronckart´s texts. At each step of the analysis some results of the research are already discussed, although they are compiled in a systematic way in the final considerations. Thus, we can gather evidence of the potencial of the theoretical-methodological framework of the SDI for the analysis of the biblical narratives, especially, regarding to the evaluation of the models of acting prefigured in them.

Keywords: Socio-discursive Interactionism. Bible. Genesis. Text. Prefiguration of action.

Introdução

Este artigo objetiva apresentar os resultados de uma pesquisa de mestrado sobre a aplicação, de modo exemplar, do quadro teórico-metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) para a análise da narrativa bíblica de Gênesis 2,4-17. O interesse é avaliar como os diferentes níveis de análise de textos propostos pelo ISD podem contribuir com a análise de textos bíblicos e com a produção teológica. Intentamos, portanto, avaliar a possibilidade de diálogo entre o ISD e as pesquisas bíblicas com vistas a evidenciar as prefigurações do agir presentes no texto bíblico. 

Nesta análise a Bíblia é assumida como texto que se situa no horizonte da morfogênese do agir de indivíduos singulares, mas, também, de grupos e de sociedades em geral. Dela, portanto, se depreendem prefigurações para o agir humano.

O texto bíblico, por sua realidade complexa, não é uníssono, mas polifônico. Trata-se de um texto que implica diferentes enunciadores e que remonta a diferentes épocas, que mobiliza, adota e adapta diferentes gêneros textuais a fim de oferecer respostas, interpelações ou expressões capazes de responder, inspirar ou questionar os mais plurais domínios do humano: religioso, cultural, social, político ou existencial.

A mobilização do quadro do ISD para a análise de um texto bíblico tem como principal motivo a assunção dos textos como realidades prefigurativas do agir humano a partir das representações ou (re)configurações que operam. Entendemos que essa compreensão se sintoniza com a realidade da Bíblia como texto de natureza originalmente prefigurativa.

Embora a referência a diferentes quadros teórico-metodológicos não seja uma novidade no campo dos estudos bíblicos, veja-se, por exemplo, o quadro do método histórico-crítico, dos métodos de análise literária e da análise semiótica, a assunção, na nossa pesquisa, do quadro do ISD, comumente empregado na área da Educação, está calcada tanto sobre sua compreensão de que a linguagem está na gênese das formas de agir quanto na concepção de que a Bíblia reflete uma comunidade que intencionou perdurar por gerações e que, por isto, precisou se preocupar com a educação (BRUEGGEMANN, 2015, p. 2).

Com vistas a abarcar essas indicações introdutórias, esse texto está organizado em dois momentos. Inicialmente apresentamos, de forma suscinta, os fundamentos conceituais do ISD e, em seguida, desenvolvemos a análise da perícope bíblica segundo o modelo do ISD buscando desvelar os modelos de agir nela prefigurados, ou seja, a gênese das representações ou reconfigurações das formas de agir presente no texto.

1. As bases conceituais do Interacionismo Sociodiscursivo

Primeiramente cumpre observar que, para o ISD, a linguagem não é compreendida como simples expressão da consciência subjetiva, ou como expressão de processos estritamente psicológicos, mas, nas palavras de Bronckart (2006a, p. 122), como “instrumento fundador e organizador desses mesmos processos”. Por isto, seu domínio se movimenta na ordem da gênese do próprio agir humano, seja ele linguageiro ou não. Assim, além de ser atravessada pelo dinamismo interativo e social que a constitui, a linguagem também é responsável pela constituição do agir humano.

Portanto, o ISD tem um projeto que transcende a linguística, pois assume que a problemática da linguagem é central para uma ciência do humano (BRONCKART, 2006b). Essa importância fundamental do problema da linguagem adquire grande relevância já que parte do entendimento de “que as práticas linguageiras situadas (ou os textos-discursos) são os instrumentos principais do desenvolvimento humano” (BRONCKART, 2006a, p. 10).

Essa compreensão da linguagem em seu imbricamento com o desenvolvimento do humano faz com que a análise de textos adquira importância fundamental enquanto mecanismo para desvelar os modelos de agir neles prefigurados, ou seja, a gênese das formas de agir presente nos textos, as representações e as (re)configurações do agir. Por esse estatuto das práticas de linguagem, as análises do ISD têm por objetivo avaliar os efeitos que os textos exercem sobre o agir e o desenvolvimento humano.

Na medida, portanto, em que o ISD “visa a estudar os efeitos das práticas de linguagem sobre o desenvolvimento humano” (BRONCKART, 2006b, p. 12), foi necessário consolidar uma concepção da organização dessas práticas de linguagem, sob a forma de textos e/ou de discursos.

Essa concepção da organização das práticas de linguagem consolida-se em um modelo de análise que, conforme afirma Bronckart (2006a, p. 143), “só pode ser descendente (indo das atividades sociais às atividades de linguagem e destas aos textos e a seus componentes linguísticos)”, ou seja, deve partir de um olhar sobre o contexto mais amplo, o contexto sócio interacional que se expressa pelo conjunto dos pré-construídos resultantes da história social humana (as diversas atividades e construtos coletivos; os diferentes gêneros; as representações coletivas), passando pelos diferentes dispositivos e processos de mediação formativa e chegando aos efeitos desses percursos formativos sobre a constituição e o desenvolvimento das pessoas. (BRONCKART, 2006b) 

A primeira das duas grandes etapas da análise textual situa-se justamente no leito das interações sociais, ou seja, seu interesse está focado sobre as condições de produção dos textos. O exame de tais condições segue a perspectiva de que todo texto está mergulhado numa determinada esfera situacional. A evidenciação dessa esfera se organiza a partir das discussões sobre a situação de ação de linguagem, a ação de linguagem em si e o empréstimo do arquitexto.

Numa segunda etapa, como se verá a seguir no exercício de aplicação sobre o texto de Gênesis, a análise do texto contempla um esquema que Bronckart identifica como arquitetura textual. Essa organização do texto é chamada pelo autor de “folhado constituído por três camadas sobrepostas” (BRONCKART, 2007, p. 119), a saber: a infraestrutura do texto, os mecanismos de textualização (conexão e coesão) e os mecanismos enunciativos (vozes e modalizações).

2. A análise de Gênesis 2,4-17 segundo o modelo do ISD

No quadro 1 apresentamos a perícope de Gênesis 2,4-17 a fim de facilitar a compreensão do texto e a visualização de algumas análises que serão feitas articulando o texto em língua hebraica. Na coluna à direita apresentamos o texto em língua portuguesa, e na coluna à esquerda, o texto em língua hebraica com uma aproximação interlinear da tradução em língua portuguesa.

Quadro 1 – Apresentação do texto de Gênesis 2,4-17

APROXIMAÇÃO INTERLINEAR: HEBRAICO - PORTUGUÊS

TEXTO CORRIDO: PORTUGUÊS

 אֵלֶּה        תוֹלְדוֹת         הַשָּׁמַיִם       וְהָאָרֶץ              בְּהִבָּרְאָם

quando foram criados   e da terra      do céu      a história     Essa é

         בְּיוֹם                 עֲשׂוֹת    יְהוָה       אֱלֹהִים        אֶרֶץ         וְשָׁמָיִם

 e o céu     a terra      Deus        Iahweh      fez        No tempo em que

24Essa é a história do céu e da terra, quando foram criados. No tempo em que Iahweh Deus fez a terra e o céu,

        וְכֹל      שִׂיחַ           הַשָּׂדֶה             טֶרֶם יִהְיֶה            בָאָרֶץ

sobre a terra   Não havia ainda   dos campos   arbusto     nenhum 

    וְכָל־עֵשֶׂב           הַשָּׂדֶה          טֶרֶם           יִצְמָח 

crescido,   tinha ainda     dos campos    e nenhuma erva

   כִּי       לֹא           הִמְטִיר          יְהוָה אֱלֹהִים     עַל־הָאָרֶץ

sobre a terra   Deus Iahweh   tinha feito chover   não      porque

    וְאָדָם           אַיִן            לַעֲבֹד     אֶת־הָאֲדָמָה

o solo.   para cultivar   não havia      homem e

5Não havia ainda nenhum arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido, porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar o solo.

                וְאֵד                   יַעֲלֶה       מִן־הָאָרֶץ    

da terra        subia     um manancial, Entretanto,

וְהִשְׁקָה        אֶת־כָּל־פְּנֵי־הָאֲדָמָה 

toda a superfície do solo.   e regava

6Entretanto, um manancial, subia da terra e regava toda a superfície do solo.

     וַיִּיצֶר          יְהוָה אֱלֹהִים        אֶת־הָאָדָם          עָפָר       מִן־הָאֲדָמָה

do solo,   com a argila   o homem        Deus Iahweh   modelou     Então

    וַיִּפַּח             בְּאַפָּיו            נִשְׁמַת       חַיִּים     

de vida    um hálito   em suas narinas    e insuflou

     וַיְהִי          הָאָדָם            לְנֶפֶשׁ חַיָּה

um ser vivente.   o homem       se tornou e

7Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, e insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente.

  וַיִּטַּע       יְהוָה אֱלֹהִים         גַּן־          בְעֵדֶן            מִקֶּדֶם      

  no oriente,   em Éden,      um jardim     Deus Iahweh   plantou

    וַיָּשֶׂם     שָׁם    אֶת־הָאָדָם     אֲשֶׁר         יָצָר

 modelara.   que         o homem       aí    colocou e

8Iahweh Deus plantou um jardim em Éden, no oriente, e aí colocou o homem que modelara.

   וַיַּצְמַח      יְהוָה אֱלֹהִים       מִן־הָאֲדָמָה

do solo       Deus Iahweh      fez crescer

        כָּל־             עֵץ           נֶחְמָד    לְמַרְאֶה    וְטוֹב        לְמַאֲכָל

de comer,  e boas       de ver   formosas   de árvores     toda espécie

     וְעֵץ          הַחַיִּים        בְּתוֹךְ            הַגָּן

 do jardim,   no meio   da vida   e a árvore

     וְעֵץ              הַדַּעַת           טוֹב             וָרָע

e do mal.   do bem      do conhecimento,   e a árvore

9Iahweh Deus fez crescer do solo toda espécie de árvores formosas de ver e boas de comer, e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal.

  וְנָהָרּ     יֹצֵא    מֵעֵדֶן         לְהַשְׁקוֹת      אֶת־הַגָּן       

    o jardim     para regar   do Éden      saía    Um rio

וּמִשָּׁם      יִפָּרֵד         וְהָיָה לְאַרְבָּעָה     רָאשִׁים

braços.   formando quatro   se dividia   e de lá

10Um rio saía do Éden para regar o jardim e de lá se dividia formando quatro braços.

    שֵׁם        הָאֶחָד          פִּישׁוֹן      הוּא   הַסֹּבֵב   אֵת  כָּל־אֶרֶץ       הַחֲוִילָה

de Hévila,     toda a terra         rodeia      Fison;     O primeiro   chama-se

אֲשֶׁר־שָׁם    הַזָּהָב

há ouro;       onde      

11O primeiro chama-se Fison; rodeia toda a terra de Hévila, onde há ouro; 

 וּזֲהַב          הָאָרֶץ  הַהִוא         טוֹב       שָׁם          הַבְּדֹלַח        

se encontram o bdélio   na qual      é puro       dessa terra           o ouro

  וְאֶבֶן      הַשֹּׁהַם 

   ônix.     e a pedra

12é puro o ouro dessa terra na qual se encontram o bdélio e a pedra ônix.

   וְשֵׁם־       הַנָּהָר  הַשֵּׁנִי      גִּיחוֹן 

Geon:   O segundo  rio       chama-se

הוּא הַסּוֹבֵב   אֵת   כָּל־אֶרֶץ          כּוּשׁ

 de Cuch.   toda a terra         rodeia       a      

13O segundo rio chama-se Geon: rodeia toda a terra de Cuch.

   וְשֵׁם     הַנָּהָר     הַשְּׁלִישִׁי    חִדֶּקֶל הוּא  

Tigre:    O terceiro      rio      se chama

הַהֹלֵךְ       קִדְמַת         אַשּׁוּר      וְהַנָּהָר   הָרְבִיעִי הוּא     פְרָת

 Eufrates.       O quarto         rio    da Assíria.   pelo oriente   corre

14O terceiro rio se chama Tigre: corre pelo oriente da Assíria. O quarto rio é o Eufrates.

 וַיִּקַּח       יְהוָה אֱלֹהִים    אֶת־הָאָדָם

o homem     Deus Iahweh     tomou

   וַיַּנִּחֵהוּ              בְגַן־עֵדֶן              לְעָבְדָהּ            וּלְשָׁמְרָהּ

e o guardar.   para cultivar   no jardim do Éden    e o colocou

15Iahweh Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para cultivar e o guardar.

             וַיְצַו                   יְהוָה אֱלֹהִים    עַל־הָאָדָם לֵאמֹר  

ao homem     Deus     Iahweh    E-deu-este mandamento:

   מִכֹּל         עֵץ־               הַגָּן        אָכֹל תֹּאכֵל

 “Podes comer   do jardim.    as árvores   de todas

16E Iahweh Deus deu ao homem este mandamento: “Podes comer de todas as árvores do jardim.

    וּמֵעֵץ              הַדַּעַת             טוֹב            וָרָע         לֹא תֹאכַל    מִמֶּנּוּ

não comerás,  e do mal      do bem   do conhecimento   Mas da árvore

   כִּי             בְּיוֹם           אֲכָלְךָ     מִמֶּנּוּ        מוֹת תָּמוּת

terás de morrer.”    Dela      comeres   no dia em que    porque

17Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás de morrer.”

Fonte: o autor

2.1 As condições de produção do texto 

Neste primeiro momento da análise do texto, nos dedicamos a avaliar as suas condições de produção, os elementos externos a ele que, de alguma maneira, estão presentes ou intencionalmente ausentes. 

Segundo Bronckart (2007, p. 93), analisar a situação de ação de linguagem de um texto envolve mobilizar “o conjunto dos parâmetros que podem exercer uma influência sobre a forma como um texto é organizado”. Por isto, esse nível de análise dedica-se a investigar o suporte sobre qual o texto se apresenta; o(s) enunciador(es); o(s) destinatário(s); e o lugar social do texto.

Inicialmente, é válido compreender que o texto que é objeto de nossa análise compõe o conjunto de livros da Bíblia Hebraica chamada Torah que na Bíblia cristã recebeu o nome de Pentateuco. Esse é o primeiro conjunto de textos da Bíblia e envolve um arco temporal que se estende desde a criação do mundo (Gn 1) até a morte de Moisés, às vésperas do ingresso na “Terra Prometida” (Deuteronômio 34).

Esse texto é apresentado no início do livro do Gênesis, num primeiro conjunto de narrativas que se estende de Gn 1,1 a 11,26, conhecido como a história das origens. Segundo Giuntoli (2013), a localização desses textos do primeiro conjunto de relatos (Gn 1 – 11,26), imprime um traço universalista a tudo aquilo que será narrado em seguida. A partir do “no princípio” (בְּרֵאשִׁית) de Gn 1,1 que abre não só o primeiro relato da criação do mundo, mas toda a Bíblia, todo o tempo, todas as coisas e todos os acontecimentos que se darão sob o sol têm sua origem aí, no ato criador. Por isto, o texto de Gn 1 não prelude somente o livro em si, mas todas as palavras contidas na Bíblia (GIUNTOLI, 2013). Trata-se de um sumário proléptico de toda a história.

Contudo, esse primeiro conjunto de textos (Gn 1,1 - 11,26) apresenta duas vezes, sob perspectivas bastante diferentes, a narrativa das origens do mundo e do ser humano: Gn 1, 1 - 2,3 e Gn 2,4 - 3,24. Esses dois relatos, atualmente justapostos, “tiveram, na verdade, origens independentes entre si, e, em parte, contrastantes.” (GIUNTOLI, 2013, p. 18, tradução nossa) Essa questão das origens independentes nos desloca às complexas discussões sobre a autoria dos textos do Pentateuco em geral, e do livro de Gênesis em particular.  

O que se sustenta atualmente é que a autoria do livro do Gênesis e do todo o Pentateuco remonta a existência de fragmentos, relatos e tradições isoladas. Na própria seção (Gn 2,4 - 3,24) da qual extraímos a perícope de Gn 2,4-17 há, segundo Cassuto (2005, p. 93), muitos temas que “se relacionam com várias escolas de várias tradições”. Segundo Giuntoli (2013, p. 44, tradução nossa), essas tradições foram “aperfeiçoadas e reunidas somente em período pós-exílico, já sob o domínio persa e, talvez, em partes, helênico”. Concordando com Giuntoli (2013), também Ska (2003, p. 126) afirma que “com toda a probabilidade, o Pentateuco atual foi compilado na época do segundo tempo, e muitos ligam essa redação à reforma de Esdras.”[1]

Por isto, se consolidam as evidências, que nós aqui também assumimos, de que o texto de Gênesis teria vindo à luz por um trabalho de justaposições, harmonização e fusão de relatos e de tradições de origens diferentes, além de intervenções redacionais pontuais. Conforme sustenta Schwantes (2009, p. 105), “em muitos indícios se percebe muito bem que esta grande unidade não foi feita de uma só vez. Foi conjugada de várias partes, cada qual com sua tradição e origem”. Por isto, se prefere sustentar a existência de “fragmentos” antigos, recolhidos e arranjados por um redator final.

O ambiente de composição dessa narrativa seria a Palestina, que, inclusive, se parece bastante com a terra seca e árida de Gn 2,5: “Não havia ainda nenhum arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido, porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra.” Para Giuntoli (2013), inclusive, o próprio termo “Éden”, onde Deus plantara seu jardim (Gn 2,8), deriva, provavelmente do sumérico e d i n, que em acádio se tornará ēdēnu, que se traduz como estepe, terra desabitada e não cultivada.

É evidente que, pelo teor mítico da narrativa, essa constatação não deve forçar a compreensão do Éden[2] como realidade física, tanto da origem da narrativa quanto do seu palco, pelo contrário, “o jardim, mais do que uma realidade geográfica, se trata de uma atmosfera, a qual habita a memória dos povos e também o seu anseio.” (LONDOÑO, 2018, p. 172)

Quanto ao ambiente de composição podemos inferir que estamos na Palestina, como indicamos e, no período do império persa, um período que, para os judeus, foi marcado pelo fim do exílio e a possibilidade de retorno à sua terra natal. Uma certa euforia marca esse período, como se pode verificar em textos bíblicos como Isaías 50 - 66, nos quais encontramos trechos de exultação (Is 51, 17a. 22b), verdadeiros panegíricos ao responsável pela queda do império neobabilônico que destruíra Jerusalém em 587 a.C., Ciro, rei persa que se converte em escolhido de Deus para libertar seu povo (Is 41,1-7; 45,1-7; 48,12-15).

A língua na parte ocidental do império era o aramaico e há indícios que podem fazer supor que nessa época havia também relativa prosperidade: na satrapia de Judá (YEHUD), havia a circulação de moedas próprias; graças a presença de fortificações persas na fronteira sul do império, essa região tinha um importante papel na defesa do império; o templo de Jerusalém foi reconstruído, e, com isto, assistiu-se a um florescimento da dimensão religiosa e do culto caracterizada pelo “Monoteísmo ético.” (MAZZINGHI, 2017, p. 109)

A rica e complexa história de composição e a configuração da autoria desse texto são indicadores sólidos de que ele, assim como qualquer texto, participa do fluxo constante dos enunciados. Conforme pôde-se notar na análise das condições de produção do texto, essa perícope reflete, de diferentes maneiras, tanto os pré-construídos expressos nas atividades coletivas não verbais, quanto os saberes acumulados no horizonte das tradições orais e escritas.

Assim, não obstante a tarefa de individuar as diferentes influências e empréstimos adotados, rejeitados ou adaptados pelo texto de Gn 2,4-17, seja uma tarefa de limiar desconhecido, pontuamos alguns aspectos que indicam a interação desse texto com o arquitexto. 

Em primeiro lugar, é importante notar que a essa perícope mobiliza a narrativa mítica (RICOEUR, 2004; LONDOÑO, 2018; DOGLIO, s/d), assim como faziam, por exemplo, as sociedades de matriz acádia. Ao contrário do primeiro relato da criação de Gn 1, no qual o produtor opera intencionalmente uma estrutura demitizante, tomando posição antagônica à estrutura mítica babilônica, o produtor do segundo relato da criação, do qual participa a perícope que analisamos, usa o mito sem grandes dificuldades.

Enquanto mito, a narrativa de Gn 2, 4-17 se constitui como um relato sapiencial que intenta formar e educar, não propriamente informar sobre um evento singular. O autor sapiencial, portanto, “recolhe as tradições antigas do povo para formar os seus contemporâneos para a compreensão do sentido da realidade que estão vivendo.” (DOGLIO, s/d, p. 3, tradução nossa)

Alguns motivos presentes em Gn 2, 4 – 3, 24 estão também presentes na mitologia do Antigo Oriente Próximo. A “árvore da vida” (Gn 2, 9), por exemplo, encontra referência em plantas e alimentos que dão o dom da imortalidade como a que o herói da epopeia de Guilgamesh encontra em suas viagens e que, aliás, será roubada por uma serpente, outro motivo fortemente presente na construção mítica do Antigo Oriente Próximo, enquanto ele se banhava (PRITCHARD, 2011). 

2.2 A arquitetura textual

2.2.1 A infraestrutura textual

Seguindo o modelo de análise de textos proposto pelo ISD engendramos a análise e apresentação da arquitetura textual, que envolve, em seu nível mais profundo, o esboço da infraestrutura geral do texto por meio do plano global dos conteúdos temáticos e, em seguida, a análise dos tipos de discurso.

A primeira unidade declarativa da narrativa explicita claramente o seu conteúdo temático: “Essa é a história do céu e da terra, quando foram criados” (Gn 2,4). Essa espécie de título ou apresentação, constitui-se como um sumário do que se seguirá,

De modo esquemático, temos o seguinte plano global do conteúdo temático:

Esquema – Plano global do conteúdo temático

v.4

Título ou apresentação: “Essa é a história do céu e da terra, quando foram criados.”

v.5

Ausência de arbustos e ervas nos campos e justificativa

v.6

Presença de um manancial

v.7

Criação do homem

v.8a

Plantio de um jardim em Éden

v.8b

Colocação do homem no jardim (1ª menção)

v.9

Flora do jardim e as duas árvores

v.10-14

Mapa fluvial

v.15

Colocação do homem no jardim (2ª menção) e adição do propósito

v.16

Prescrição alimentar: mandamento de Iahweh Deus

v.17a

Veto sobre alimentar-se da árvore do conhecimento do bem e do mal

v.17b

Aviso sobre a consequência do não cumprimento do veto

Fonte: O autor

Para a análise dos tipos de discurso se observa a relação que o enunciador, no nosso caso, o narrador, estabelece em relação ao tema, se de implicação ou autonomia, em relação à situação de produção e se de disjunção ou conjunção em relação ao mundo dessa situação. Essa análise da proximidade ou distanciamento do enunciador em relação ao tema e da relação que estabelece com os interlocutores a quem se dirige permite identificar os tipos de discurso adotados no texto.

No plano global, temos atitudes enunciativas que compreendem um discurso da ordem do narrar autônomo, não implicado. Contudo, o eixo narrativo articula-se numa perspectiva tríplice, ora narrando com distanciamento as ações de Iahweh Deus (Gn 2,4. 7-9, 15); ora descrevendo o ambiente onde se deram os fatos (Gn 2,5-6, 10-14); e, por fim, reportando a única fala constatada na narrativa, o mandamento divino ao final da perícope (Gn 2,16-17), na qual Iahweh é o portador de fala e o homem, o destinatário.

Como se pode ver no quadro 2, a apresentação desse plano global do conteúdo temático articula dois tipos de discurso: a narração, que marca o texto quase na sua totalidade e o discurso iterativo, ao final, quando se apresenta o imperativo advindo do criador.

Quadro 2 – Tipos de discurso

 

TIPOS DE DISCURSO

24Essa é a história do céu e da terra, quando foram criados. No tempo em que Iahweh Deus fez a terra e o céu,

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

NARRAÇÃO

5Não havia ainda nenhum arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido, porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar o solo.

6Entretanto, um manancial, subia da terra e regava toda a superfície do solo.

7Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, e insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente.

8Iahweh Deus plantou um jardim em Éden, no oriente, e aí colocou o homem que modelara.

9Iahweh Deus fez crescer do solo toda espécie de árvores formosas de ver e boas de comer, e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal.

10Um rio saía do Éden para regar o jardim e de lá se dividia formando quatro braços.

11O primeiro chama-se Fison; rodeia toda a terra de Hévila, onde há ouro;

12é puro o ouro dessa terra na qual se encontram o bdélio e a pedra ônix.

13O segundo rio chama-se Geon: rodeia toda a terra de Cuch.

14O terceiro rio se chama Tigre: corre pelo oriente da Assíria. O quarto rio é o Eufrates.

15Iahweh Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para cultivar e o guardar.

16E Iahweh Deus deu ao homem este mandamento:

“Podes comer de todas as árvores do jardim.

NARRAÇÃO

DISCURSO INTERATIVO

17Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás de morrer.”

DISCURSO INTERATIVO

Fonte: o autor

2.2.2 Mecanismos de textualização

Os mecanismos de textualização envolvem as conexões e a coesão nominal e verbal que amalgamam o discurso e são analisadas a partir de sua condição de organizadores textuais e de seu papel em relação à representação do agir, uma vez que estabelecem as relações entre os diferentes agires e os actantes presentes no texto: relação de causalidade, de determinação, de autonomia etc.

Em grande medida a coerência linear do texto é garantida por conjunções tais como: “entretanto”; “então”; “porque”, “e”, “mas” etc. No texto hebraico esses conectores são, na sua maioria, representados por uma única conjunção copulativa, o vav -ו”, que justapõe e une várias partes de um texto, tanto palavras quanto sentenças. “Quanto ao significado, o “ו” não tem conteúdo próprio, tudo depende das palavras que une; aqui é onde cabem equivalências diferenciadas em português.” (SCHӦKEL, 1997, p. 187) Na edição em língua portuguesa as opções de tradução do “ו” são variadas: “e não havia homem para cultivar o solo” (וְאָדָם אַיִן לַעֲבֹד אֶת־הָאֲדָמָה); “Entretanto, um manancial subia...” (וְאֵד יַעֲלֶה); “Então, Iahweh Deus modelou...” (וַיִּיצֶר יְהוָה אֱלֹהִים); E Iahweh deu ao homem este mandamento” (וַיְצַו יְהוָה אֱלֹהִים עַל־הָאָדָם). Por vezes, na tradução, é supresso: “não havia nenhum arbusto” (וְכֹל שִׂיחַ הַשָּׂדֶה טֶרֶם); “Iahweh plantou um jardim...” (וַיִּטַּע יְהוָה אֱלֹהִים גַּן).

No verso 5 há uma conjunção causal, “porque” (כִּי) que explica os dois motivos pelos quais “não havia ainda arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido”, a saber: “porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra” e a esse, por meio da conjunção “e” (וְ) adiciona-se um segundo motivo o qual, justamente coordena o trabalho humano à ação divina: “e não havia homem para cultivar o solo”. Ademais, essa conjunção é um claro sinal da onisciência do narrador que já conhecia os motivos pelos quais não havia verdura nos campos.

Na oração seguinte, versículo 6, o “וְ”, na tradução em língua portuguesa, assume a função da conjunção adversativa “entretanto”, indicando oposição entre duas condições. Nesse caso à condição árida e sem vida da terra decorrente da inação divina e humana, opõe-se a presença de um manancial (אֵד) que subia da terra e regava toda a superfície do solo. Assim, não obstante a ausência das chuvas, havia já a presença de algum tipo de irrigação do solo e a conjunção adverte sobre essa nova informação.

Da mesma forma, no verso 15, no qual se faz menção ao domínio do trabalho há a presença de alguns conectores dos quais destacamos novamente a conjunção “וְ”, que aparece duas vezes: na primeira aparição, não é traduzida (“Iahweh Deus tomou o homem” - וַיִּקַּח יְהוָה אֱלֹהִים אֶת־הָאָדָם); na segunda, é traduzida por meio da conjunção “e” (“E o colocou no jardim de Éden para o cultivar e guardar -וַיַּנִּחֵהוּ בְגַן־עֵדֶן לְעָבְדָהּ וּלְשָׁמְרָה ). Nessa mesma oração, os verbos (“cultivar” e “guardar”) no infinitivo, precedidos pela preposição “para” (a preposição “לְ” como prefixo do verbo “עָבַד”) indicam a finalidade das ações divinas (“tomou o homem” e “colocou no jardim”). Aqui, a finalidade da presença do homem no jardim remete ao verso 5 que indica a expectativa do trabalho humano.

Essas opções de tradução da conjunção copulativa “ו” revelam uma opção pelo tipo de relação que se estabelece entre as orações ou termos.

No plano da coesão verbal e nominal observa-se que, logo após a abertura do texto com a fórmula elleh toledot (אֵלֶּה תוֹלְדוֹת), o leitor é informado sobre o teor da história que se seguirá: em primeiro lugar é a história dos céus e da terra (הַשָּׁמַיִם וְהָאָרֶץ) em um tempo específico, a saber, “quando foram criados” (בְּהִבָּרְאָם). A preposição hebraica בְּ, traduzida por “quando”, situa o verbo no tempo e a conjugação do verbo ברא (criar) em niphal (“passivo”), estabelece a condição dos céus e da terra em relação à criação, ou seja, “foram criados”. Não há, portanto, acaso ou autonomia, sua criação se deve ao agir de outro, nesse caso, Iahweh Deus (יְהוָה אֱלֹהִים). 

Os principais agires descritos no texto são protagonizados por Iahweh Deus que é citado sete vezes, em todas elas a partir do nome próprio e sem o recurso de pronomes: Iahweh Deus faz a terra e o céu (עֲשׂוֹת אֶרֶץ וְשָׁמָיִם) é ele quem ainda não fizera chover sobre a terra (לֹא הִמְטִיר עַל־הָאָרֶץ), modela o homem (וַיִּיצֶר אֶת־הָאָדָם) e sopra em suas narinas o hálito da vida (וַיִּפַּח בְּאַפָּיו נִשְׁמַת חַיִּים ), é ele quem planta um jardim (וַיִּטַּע גַּן־) e nele coloca o homem que moldara (וַיָּשֶׂם שָׁם אֶת־הָאָדָם; וַיַּנִּחֵהוּ בְגַן־עֵדֶן וַיִּקַּח אֶת־הָאָדָם), é ele quem faz crescer as árvores formosas (וַיַּצְמַח מִן־הָאֲדָמָה), é ele quem dá ao homem um mandamento (וַיְצַו עַל־הָאָדָם)[3]. Nominado sete vezes, Iahweh Deus é o ator de dez ações (fazer; fazer chover; modelar; insuflar; plantar; fazer crescer; colocar; tomar; colocar; dar ordem). Quando não citado junto ao verbo, como em וַיִּיצֶר יְהוָה אֱלֹהִים (Iahweh Deus modelou), por exemplo, a conjunção copulativa vav (ו) garante a vinculação do sujeito à ação descrita em adição como em וַיִּפַּח בְּאַפָּיו (e insuflou em suas narinas).

A primeira realidade criada por Iahweh Deus é justamente o homem. Criar o homem é o primeiro agir divino descrito de maneira específica, o que pode indicar a sua importância em relação aos outros seres criados bem como seu estatuto e papel na criação. “A criação praticamente não pode existir sem o homem; a erva, se o homem não a cultiva, não nasce.” (DOGLIO, s/d, p. 6, tradução nossa). 

Dentre os verbos que indicam o agir divino há um que notifica um “não agir”: não fazer chover (לֹא הִמְטִיר). Nos parece importante atentar para essa “não ação”, pois ela é apontada como a causa da ausência dos arbustos e ervas nos campos. Ora, se considerarmos que estamos diante de um relato da criação, a expectativa poderia ser a de que esses arbustos e ervas também fossem criados, como foram feitas crescer as árvores formosas e frutíferas no verso 9. No entanto, o segundo motivo pelo qual se justifica a ausência da vegetação nos campos pode ser a chave de compreensão desse (não) agir divino e o motivo é a previsão de um agir humano, ou seja, “cultivar a terra” (לַעֲבֹד אֶת־הָאֲדָמָה). Assim, pode-se depreender que o agir do homem é previsto e deliberado pelo criador.

Os verbos que indicam o agir humano (cultivar o solo - לַעֲבֹד אֶת־הָאֲדָמָה; cultivar e guardar - לַעֲבֹד אֶת־הָאֲדָמָה), além, é claro, do imperativo de que é destinatário (podes comer -אָכֹל תֹּאכֵל; não comerás - לֹא תֹאכַל), estão, de alguma forma, na dependência da iniciativa divina: nos versos 16 e 17 o mandatário do imperativo é Iahweh Deus, o destinatário, o homem; no verso 5, quem prevê o agir do homem, cultivar o solo, também é Deus, uma vez que, podendo criar a vegetação dos campos como criara as árvores no verso 9, não o faz, mas delega ao homem essa corresponsabilidade que se soma à sua ação de fazer chover; no verso 15, da mesma forma, é Iahweh Deus quem determina o agir humano no jardim.

O homem, por sua vez, não é nomeado, sua apresentação se dá mediante o substantivo adam (אָדָם) que, inclusive, é cunhado a partir da matéria prima da qual foi feito, a adamah (אֲדָמָה), terra[4]. Ao longo do texto o homem é citado seis vezes na forma de substantivo, uma dessas citações, antes da sua criação, no versículo 5. Noutras quatro vezes se alude a ele ou ao seu agir por meio de pronome relativo (אֲשֶׁר) ou de sufixos pronominais (יו; וּ; ךָ).

Outro nome que merece atenção indica a localização referencial dos acontecimentos narrados, Éden (עֵדֶן), que é nominado três vez, mas mencionado outras, seja apenas por meio da referência ao “jardim” (גַּן), seja pelo dêitico “aí” (שָׁם). Como já indicamos, Éden não se trata de uma referência propriamente geográfica, mas semântica. O jardim de Éden é a morada do homem, não a morada de Iahweh Deus, e se constitui como uma espécie de microcosmos dentro do cosmos criado. Criados o céu e a terra e formado o homem, Iahweh Deus plantou um jardim e aí colocou o homem.

Enquanto espaço, o Éden está vinculado a um agir que envolve o homem, tanto como destinatário do imperativo de Gn 2,16-17, quanto como beneficiário da providência de Iahweh Deus em Gn 2,9a que faz crescer toda espécie de árvores formosas de ver e boas de comer. O lexema “comer” (אכל) também traz à tona outro agir que implica a relação entre Iahweh Deus e o homem: é Iahweh Deus quem provê ao homem o alimento necessário (vegetal e não animal) e é ele quem determina o limiar das fontes de alimento, ou seja, a árvore do conhecimento do bem e do mal.

2.2.3 Mecanismos enunciativos: vozes e modalizações

No nível dos mecanismos enunciativos, ou seja, dos “mecanismos de responsabilização enunciativa, que são constituídos das modalizações e das vozes” (LOUSADA, 2010, p. 8), a análise textual busca identificar essas diferentes vozes e modalizações presentes no texto. Nesse nível de análise emergem com maior clareza as prefigurações do agir inerentes ao texto pelo manejo das vozes atuado pelo enunciador, bem como das modalizações apresentadas a partir de verbos e advérbios, por exemplo. 

Essa análise nos permite identificar o ator ou agente das ações narradas, a relação de autonomia ou não das diferentes vozes, configuradas por meio da gestão de tempos verbais como o imperativo ou de verbos transformativos. Essa caracterização do agir permite individuar, juntamente com as outras etapas de análise do texto, as prefigurações do agir nele presentes.

O protagonista da narrativa de Gn 2, 4-17 é Iahweh Deus. À exceção dos trechos de caráter descritivo (Gn 2, 6.10-14), todo o texto está dedicado a refletir o seu agir e suas consequências ou as consequências da sua inação. Os verbos, de natureza transformativa, na sua absoluta maioria, retratam a ação de Iahweh: é ele quem faz (עֲשׂוֹת) o céu e a terra; ele quem não fizera chover (הִמְטִיר עַל־הָאָרֶץ לֹא ); ele quem modela/plasma o homem (וַיִּיצֶר אֶת־הָאָדָם) e insufla o hálito da vida em suas narinas (וַיִּפַּח בְּאַפָּיו) etc.

Iahweh Deus age com total autonomia e autoridade, ele não só comanda (וַיְצַו) imperativamente ao homem que coma de todas as árvores do jardim à exceção da árvore do bem e do mal, como não sofre qualquer tipo de restrição. 

Essa descrição do agir divino retratada por meio dos verbos, apresenta uma divindade ocupada com afazeres muito concretos e comuns a profissões como a do oleiro[5] ou do jardineiro. Não obstante sua autonomia criadora, o recurso antropomórfico do enunciador delineia o agir da divindade a partir de formas e agires tipicamente humanos. “Para criar o homem, Iahweh trabalha como ele, e usa os elementos ou faz os gestos de um ser humano.” (CROATTO, 1986, p. 40) 

Em praticamente tudo o enredo, a responsabilidade enunciativa é do próprio narrador, ao final da narrativa, no entanto, o enunciador concede a palavra à Iahweh Deus para proferir o mandamento final. Iahweh Deus dá ao homem um mandamento dizendo: “Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, poque no dia em que dela comeres terás de morrer.” (Gn 2,16b-17).

A primeira e única fala desse recorte narrativo é destinada ao ordenamento do criado. Há um claro acento sobre esta perspectiva já que, além de imperativa, essa fala é um discurso direto do criador. Antes de ser um veto, no entanto, esse mandamento divino formaliza uma concessão e configura o criador também como provedor do alimento necessário: “Podes comer de todas as árvores do jardim”; e, só então, apresenta-se o interdito: “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, não comerás”.

Iahweh Deus não é somente o protagonista do ato criador, mas, também, o responsável pelo ordenamento do criado. Os versículos 16 e 17 se constituem efetivamente como um primeiro mandamento da Torah.

Esse mesmo mandamento que ordena os hábitos alimentares do homem e que, portanto, coloca Iahweh Deus em destaque, na condição daquele que cria e comanda (ator), coloca o homem na condição daquele que é comandado (agente). Quase todo o texto pressupõe o homem na condição passiva daquele que é modelado e é colocado no jardim. Sua estatura, não obstante o tratamento especial que tem em relação a todo o criado (ele é o primeiro a ser criado, será incumbido de guardar e cultivar o jardim e nominará a todos os animais – Gn 2, 19), é, ainda assim, o de uma criatura.

A consequência da transgressão do mandamento divino é bastante clara: “No dia em que dela [árvore do conhecimento do bem e do mal] comeres, terás de morrer”. O sintagma hebraico מוֹת תָּמוּת [6] (literalmente “morrer morrerás”), repetido várias vezes ao longo do Antigo Testamento, “é quase um performativo, uma palavra que ‘faz o que diz’”. (CROATTO, 1986, p. 73). Sua formulação não acena propriamente para a natureza mortal da árvore (ou do fruto) de que se coma, mas aponta para a força tremendamente eficaz da palavra imperativa que Iahweh Deus acabara de pronunciar.

A voz do homem que acaba de ser modelado do barro, não é ouvida. Essa ausência de voz do homem ou a ausência de descrição de alguma ação por ele cumprida, não é sinônimo de depreciação ou inação. Pelo contrário, o centro da narrativa se consolida ao redor da criação do homem: sua inexistência é uma das causas da ausência de verdura nos campo, como vimos; sua criação é noticiada com plasticidade, sendo plasmando a partir da argila do solo e recebendo do criador o hálito da vida (Gn 2,7a); o homem é colocado no jardim em Éden (Gn 2,8); há sobre o homem uma expectativa descrita (Gn 2,15b); é para alimentar o homem que as árvores do jardim dispõe seus frutos (Gn 2,16b); o homem é um receptor de ordem direta da divindade (Gn 2,16a).

A ação que é prevista para o homem goza de especial destacamento. Ele não só é colocado no jardim para cultivar e guardar (לְעָבְדָהּ וּלְשָׁמְרָהּ), mas, seu agir no trabalho é contíguo ao ato criador da divindade. O início da narrativa noticia que “no tempo em que Iahweh Deus fez a terra e o céu, não havia ainda nenhum arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido” (Gn 2,5) e, na sequência, por meio da conjunção subordinada causal “porque” (partículaכִּי  [7]), explicam-se as duas causas dessa ainda não existências dos arbustos dos campos sobre a terra e do ainda não crescimento de erva dos campos. A primeira causa é uma inação de Iahweh Deus que “não tinha feito chover sobre a terra”, a segunda, além de uma inação de Iahweh que não criara o homem, implica uma inação do homem que ainda não existia para cultivar o solo.

A tradução em língua portuguesa de “cultivar” advém do verbo hebraico largamente usado para “trabalhar” ou “cultivar” (עָבַד) que, aqui, na sua forma infinitiva, é precedido pela preposição ל (לְעָבְדָהּ), que, seguida do infinitivo, denota, finalidade, “para”. Desse modo, o trabalho do homem tem estatuto de colaboração com Iahweh Deus, e sugere-se quase que uma co-dependência de modo que poderíamos supor a compreensão de que a dependência da vida da verdura dos campos é de igual patamar entre o agir de Iahweh (fazer chover) e o trabalho humano.

Dessa construção se depreende uma concepção positiva do trabalho, conforme já indicamos. Antes mesmo de que o homem fosse criado, a narrativa já informa o seu papel no mundo que acabara de vir à luz por meio da criação: “não havia o homem para cultivar o solo” (Gn 2,5). Essa expectativa vai se confirmar alguns versos depois, quando “Iahweh Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2,15).

As modalizações do texto que apontam para uma concepção positiva do trabalho bem como do próprio homem, chocam-se, em certo sentido, com o edifício literário do Antigo Oriente Próximo que exerceu influência sobre a estrutura simbólica e ideológica da mentalidade bíblica veterotestamentária. Nos textos mesopotâmicos, a humanidade é criada para cumprir o serviço que fatigava aos deuses a fim de que esses pudessem ficar livres e repousar. Em textos mesopotâmicos como o poema Enuma Elish e o épico Atrahasis, os deuses, fatigados pelo trabalho, protestam e sugerem a criação do homem para substituí-los em sua labuta. Em Gn 2,5b.15, a perspectiva é radicalmente oposta, o homem é criado para cuidar do jardim numa perspectiva de colaboração com o criador, como vimos. A realidade do trabalho se constitui como um propósito da criação, não meramente como dimensão produtiva, mas de colaboração com o agir do criador e de plenificação do criado.

Assim, pode-se identificar a acepção de um trabalho compartilhado, cumprido a duas mãos: Iahweh Deus faz chover, faz crescer as árvores, plasma o homem e planta um jardim; o homem deve cultivar e guardar. Depreende-se, então, que o ato criador de Iahweh Deus é contiguo ao agir do homem, sem o qual a criação não está completa.  

Conclusão

Par a o ISD, o ser humano se expressa, se representa e se configura na e pela linguagem. Nesse sentido, a Bíblia, um texto que atravessou séculos, mundos e gerações, é também atravessado por um dinamismo humano muito rico. Ele carrega em si a complexidade simbólica do “fazer humano”, e do “fazer-se humano”, diríamos, em situações de ação de linguagem muito plurais e a partir de questões existenciais muito particulares.

Assim, é justo assumir que os “signos-ideias” presentes no texto bíblico são provenientes de uma intensa atividade de interação sociodiscursiva que não se encerra com a canonização do texto, mas que se atualiza em cada leitor moderno que lê, interpreta e ressignifica o texto. 

Essa avaliação da perícope bíblica nos permitiu analisar as diferentes camadas do texto, com atenção especial aos agires dos actantes, às vozes e modalizações presentes e aos diferentes modelos de agir que se depreendem desse texto. 

Em relação a esses modelos de agir que se depreendem do texto, pontuamos, em primeiro lugar, que, o valor semântico de um relato das origens, não reside sobre sua validade historiográfica, mas sobre sua perspectiva de desenvolvimento do ser humano a partir de diferentes olhares, antropológico, teológico, ético, ecológico, pedagógico etc. Esse, aliás, é um ponto de contato bastante central entre o ISD, enquanto ciência do humano, e a antropogonia de Gn 2,4-17.

Partindo dessa perspectiva podemos avaliar que, sendo adam (אָדָם) não um homem particular, mas uma espécie de representante de toda a humanidade, os agires que se depreendem da sua relação com a divindade, criador, e com o criado, natureza, são norteadores do agir prefigurado para toda a humanidade. Assim, a morfogênese do agir depreendida a partir, especialmente, dos propósitos da criação, cuidar e guardar se vinculam, como vimos, ao mandamento divino de Gn 2,16-17. Os dois actantes da perícope analisada são “indivíduos” singulares e a unidade que se depreende a partir dessa sua representação é eloquente quanto ao alcance dos modelos de agir propostos pelo texto. Iahweh Deus é uno, não compartilha o ato criador com outras divindades, disso decorre que seus atos são, além de primordiais, absolutos; adam é um homem singular, as responsabilidades que os enunciados lhe atribuem, emanadas diretamente por Iahweh Deus, são, portanto, intransferíveis e indeclináveis. É como se o agir das duas singularidades originais, Iahweh Deus e adam, depreendesse os modelos de agir das gerações que se seguem, até o leitor atual.

Toda a estrutura da narrativa mítica de Gn 2, 4-17, conforme sustentamos, não se constitui como um relato historiográfico. Sua intencionalidade mobiliza uma compreensão da realidade humana frente a divindade, a natureza, o trabalho, a moralidade etc. Por esse seu caráter ideológico, prefigura agires capazes de reverberarem para o leitor moderno, a despeito da sua distância em relação à situação de origem do texto. 

Assim, consideramos que todas as dinâmicas presentes no interior do texto, vozes, modalizações, relação entre os actantes, bem como a relação do texto com a situação de ação de linguagem etc, permitem uma leitura qualificada e profunda que estabelece condições favoráveis a uma hermenêutica rica do texto bíblico. Essa análise traz à tona toda a “potência” do texto bíblico no terreno da morfogênese do agir.

Além disso, a atenção aos modelos de agir depreendidos a partir do texto, favorece a percepção da sua intencionalidade, digamos, “didática”, na medida em que, como prática linguageira, exerce um efeito bastante pragmático sobre o desenvolvimento humano. E, em que pese as diferentes intencionalidades que levam algum sujeito a aproximar-se do texto bíblico, o texto em si é o proponente de modelos de agir os quais, naturalmente, se moldam ao leitor de forma interativa. Fica assim consolidada a dimensão dos processos de mediação formativa inerentes ao texto bíblico na medida em que narrando a origem do adam primordial, narra o destino e a identidade de todo ser humano.

Por fim, esse exercício teórico-metodológico consolida-se como um esforço pontual, e quem sabe, com alguma medida de ineditismo, contudo, não exaure as estratégias de aproximação do quadro do ISD com o horizonte dos estudos de textos bíblicos. Na verdade, até mesmo sobre o texto de Gn 2, 4-17 outros e novos elementos podem ser aprofundados e explorados a partir do prisma do ISD, tamanha é a vastidão de recursos oferecidos por seu método de análise e tamanha é a riqueza sígnica do texto bíblico que não cessa de oferecer novas possibilidade de leitura e interpretação.

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Notas

[1] Segundo estudiosos como P. Weimar e E. Zenger “O Pentateuco ficou pronto [...], por volta de 400 a.C.  Os autores do modelo de Münster não negam a existência de tradições e leis antigas. Porém o material outrora datável no tempo de Salomão (como a antiga história Javista, conforme os estudos de G. Von Rad) agora tomou forma escrita a partir de 650 a.C. até o tempo do exílio de Babilônia. A maior parte das tradições foram escritas pouco antes do exílio e no exílio, quando se formou a história deuteronomista (Eneateuco). Mas a grande obra histórica pós-exílica como propõe Zenger, ganhou forma junto com a obra sacerdotal depois de 450 a.C.” (ARTUSO, 2012, p. 282).

[2] Enquanto lugar, o Éden se enquadraria muito bem na categoria de “não lugar” (οὐ τόπος).

[3] O verbo que indica a ação divina, como vimos é  צוהem sua forma Piel (comandar; dar ordem) que aparece em diversos outros textos legislativos do Antigo Testamento.

[4] adamah (אֲדָמָה) é a forma feminina de adam (אָדָם).

[5] No versículo 7, por exemplo, o verbo utilizado é יצר, plasmar. Em hebraico, o oleiro (יוֹצֵר) é o particípio de יצר.

[6] A partir das categorias de análise do ISD poderíamos assumir que o sintagma מוֹת תָּמוּת, traduzido como “terás de morrer” se constitui como uma modalização

[7] “Partícula que introduz orações principais, completivas ou subordinadas: que, pois, porque, posto que, já que, quando, se, em caso de, embora, por mais que, de modo que.” (SCHӦKEL, 1997, p. 312, grifos do autor).