Marcio Cappelli
Doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ). Professor no Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Contato: alocappelli@gmail.com
Alex Villas Boas
Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ) Professor de Hermenêutica de Textos Religiosos na Universidade Católica Portuguesa (UCP). Contato: alexvboas@ucp.pt
Resumo: O artigo pretende apresentar uma hermenêutica da literatura em José Tolentino Mendonça a partir da noção de exercícios espirituais. Não se trata de simplesmente afirmar que o poeta português está inserido numa tradição religiosa, mas, antes, de perceber como, no seu fazer poético e na sua compreensão acerca da literatura, o autor reflete e refrata elementos da espiritualidade cristã. Para realizar esse objetivo, o percurso argumentativo do artigo vai, num primeiro momento, de uma descrição da tradição dos exercícios espirituais e sua incorporação por José Tolentino Mendonça a um destaque aos discursos feitos no retiro espiritual do Papa e da Cúria Romana, em 2018, ocasião em que foi o pregador.
Palavras-chave: José Tolentino Mendonça; literatura; exercícios espirituais
Abstract: The article intends to present a hermeneutics of literature in José Tolentino Mendonça based on the notion of spiritual exercises. It is not a matter of simply stating that the Portuguese poet is part of a religious tradition, but rather of understanding how, in his poetic work and in his understanding of literature, the author reflects and refracts elements of Christian spirituality. To achieve this objective, the article's argumentative path goes, at first, from a description of the tradition of spiritual exercises and their incorporation by José Tolentino Mendonça to a highlight of the speeches made at the spiritual retreat of the Pope and the Roman Curia, in 2018, occasion when Tolentino was the preacher.
Keywords: José Tolentino Mendonça; literature; spiritual exercises
A imbricação do poeta em cardeal conduz a uma espécie de movimento natural que reforça uma das possibilidades de literacia da obra de José Tolentino Mendonça, em uma correlação entre a atividade artística e a religião. Com efeito, sua poesia pode ser entendida como um exercício espiritual, no sentido que o trabalho literário do autor se desenvolve num movimento de apropriação da tradição espiritual cristã. Recorrendo às palavras do filósofo Emmanuel Lévinas, o próprio autor afirma que “o poema é o acto espiritual por excelência” (MENDONÇA, 2014, p. 214). Ademais, isto pode ser evidenciado em certos poemas que incorporaram a linguagem deste estilo de espiritualidade cristã, como por exemplo aquele que, inclusive, recebe o título de “Exercícios Espirituais”:
Devem existir maneiras de ir além
do pequeno fracasso
dar agora meia dúzia de passos
mas de olhos vendados
ver a vida romper-se no governo do vazio
arriscando em vez dos tropeções habituais
a queda infinita (MENDONÇA, 2017, p. 75).
Entretanto, ao se aproximar da semântica de seus poemas o leitor não terá dificuldade em perceber que não se trata um mero exercício estético de versificação simplista do discurso religioso. Em algumas passagens, como é o caso do poema acima citado, sequer há menção do religioso. Com efeito, para Tolentino poesia e mística se aproximam por serem formas de “exercícios espirituais” (MENDONÇA, 2020, p. 33), contudo, a compreensão da poética tolentiana como um exercício espiritual exige, portanto, um maior esclarecimento, seja pelo uso preciso como é empregado no corpo dos poemas, seja pela ambiguidade que a expressão acumulou desde o século XVI, quando o termo passa a ser vinculado à Santo Inácio de Loyola.
A expressão Exercícios Espirituais ficou mais conhecida no Ocidente desde a tradução da sua versão latina Exercitia Spiritualia autorizada para publicação em 1548, como o resultado das anotações das experiências espirituais feitas por Santo Inácio de Loyola e adaptadas em forma de livro principalmente para quem iria dar os exercícios. O termo, entretanto, evoca uma larga tradição que remonta à Antiguidade e Idade Média, o que implica ter sido concebido em um período em que não há distinção entre teologia e filosofia, separação que só iria acontecer no século XIII com a teologia escolástica, e que Inácio procura resgatar no seu projeto de reforma católica, vivido primeiramente como experiência compartilhada entre seus primeiros companheiros. Vale a pena notar que não somente Lutero foi alvo da inquisição, mas também os reformadores católicos como Teresa D’Avila e Inácio de Loyola, tendo os três em comum a busca de uma Cristianismo mais próximo do Evangelho.
Na compreensão de Pierre Hadot, os “exercícios espirituais” ou askésis como pensados, sobretudo pelos estóicos, eram concebidos como um “treinamento da alma” ou ainda exercícios de cuidado de si que faziam parte do ideal da salus ou de uma salutologia, isto é, exercícios que visavam a saúde do todo. Tais exercícios espirituais se relacionam ao modo como a vida contemplativa traduz em um logos a sabedoria contida no pneuma vital do Cosmos, entendendo tal pneumática como a conexão dinamizadora ou sympatheia entre todas as coisas. Assim, o exercício espiritual é uma forma de dinamizar a própria existência e aprender a viver por meio do cultivo da sabedoria, da leitura dos poetas e escrita de si, pelos exercícios físicos, pela meditação, pelo diálogo com os demais, pela boa alimentação. Tais askésis foram sendo reduzidas à forma mais platonizada ainda no mundo grego de modo a assumir o oráculo de Delfos na forma racionalista do “conhece-te a ti mesmo”, reduzindo tais práticas a exercícios da alma (VILLAS BOAS, 2022, p. 18-19).
No século XX há todo um movimento de resgate dos exercícios espirituais como uma experiência existencial (DE GUIBERT, 1953), e principalmente por meio de alguns autores, relacionando esse dinamismo a uma prática poética. Tolentino evoca ao menos três autores que se debruçaram, cada um a seu modo, sobre a tarefa de reinterpretação teológica dos exercícios espirituais que podem servir de pistas para a sua apropriação da expressão exercício espiritual. Um primeiro nome é Hans Urs von Balthasar (1905 – 1988) conhecido pela sua estética teológica, que inclui também uma poética, pela qual compartilha com o autor suíço da opinião de que “a gramática de Deus foi mais iluminada no século XX por poetas, pintores e artistas do que por teólogos” (MENDONÇA, 2012). Balthasar vincula a experiência da fé à sensibilidade ao amor e como ápice da beleza divina.
A Estética Teológica balthasariana não se debruça sobre os ornamentos estéticos na teologia, mas sim sobre a presença do elemento estético na inteligência teológica como manifestação da harmonia entre imanência e transcendência que tem seu ápice na Encarnação de Cristo. A estética teológica visa, assim, tornar visível a beleza da presença de Cristo no mundo e tem em seu centro um despertar para a experiência mística. A teologia fundamental do projeto balthasariano principalmente se concentra na teoria da percepção, ou seja, em como a estética ou a doutrina da percepção da forma de Deus abre a questão sobre quais condições de possibilidade são necessárias para “ver bem”, ou seja, perceber a beleza de Cristo no mundo, ou ainda o modo como se manifesta. Na fenomenologia balthasariana, a figura que aparece só é bela porque há uma conformidade, não só com aquilo que ela se permite mostrar [Sich-Zeigen], mas também com aquilo que ela dá de si [Sich -Schenken] nessa manifestação. A beleza da figura se dá na profundidade da verdade e da bondade da realidade que se manifesta como algo inesgotávelmente precioso e fascinante. Nessa direção, para Balthasar, os Exercícios Espirituais impregnam na sensibilidade (aisthésis) expressões desta beleza profunda que acabam por cavar no desejo a busca por um Amor maior (magis), bem como gera um sentimento crescente de abandono em Deus que se manifesta dando forma à vida (BALTHASAR, 2009, p. 132-135; VILLAS BOAS, 2019, p. 204-205). Tal alusão à densidade da beleza do dogma, mais que o rigor conceitual das fórmulas teológicas, exigem uma “dimensão espiritual” para sua captação e que os poetas e artistas oferecem como vias de fuga das não raro frequentes aporias que algumas discussões teológicas criam. Nesse sentido, coincide com Tolentino a percepção de que “a poesia nos prepara para a busca de Deus” (MENDONÇA, 2016).
Tolentino também desenvolve uma aisthésis em sua teologia dos sentidos, porém evoca nela outro intérprete dos Exercícios Espirituais, nomeadamente Karl Rahner (1904 – 1984) e sua apresentação do Mistério radical como “proximidade e não distância”, como “amor que se dá a si mesmo e não juízo” (RAHNER apud MENDONÇA, 2021, p. 13).
Em Rahner, Deus se dá a conhecer (fala) a partir das “experiências concretas”, sendo os Exercícios Espirituais uma lógica de conhecimento existencial que ajuda a discernir a presença significativa que deixa suas marcas de sentido em cada vivência. O próprio Inácio é visto por Rahner como um radical existencialista cristão e o protótipo de uma mudança de época (1965, p. 23). A Palavra sinaliza “exteriormente” a identificação profunda com a existência cristológica da humanidade do Filho atravessada pelo amor de Deus. Esta palavra, para Rahner, não é qualquer palavra, mas uma palavra poética. Porque, para “para poder ouvir a palavra do Evangelho”, é necessário: 1) que o ser humano tenha ouvidos abertos para “ouvir o inominável”, e é a poesia que educa para o silêncio contemplativo da palavra, para aquilo que ela quer dizer além do que já disse; 2) ter a capacidade de ouvir as palavras que toquem ao “centro” do ser humano, portanto, precisa aprender a ouvir as “proto-palavras”[1] ou “palavras primordiais”, as palavras gravadas no “coração”, que escapam a toda a definição, porém é uma palavra “certeira”; 3) ouvir a palavra que “une”, que “reconcilia” e “liberta o individual de sua ilhada solidão”, e é a palavra poética, enquanto palavra autêntica que penetra o interior do humano, fala humanamente, de modo familiar a ele, fala conhecendo sua dor e seu íntimo e, por isso, está unida ao que ouve; e, por fim, 4) descobrir o mistério inefável “em meio a cada palavra”, perceber a Palavra que se fez carne na realidade humana. Saber ouvir essa palavra na realidade humana é estritamente “graça da fé”, mas é a graciosidade da poesia que pode ajudar a ler o profundo do humano, como “finitude de um mistério infinito” que é seu interior. A sensibilidade para a palavra poética é um “pressuposto para ouvir a palavra de Deus”, a “poesia fundamental da existência eterna”, pois a “palavra divina leva já em si o ser mais íntimo da palavra poética”. Cristianismo e poesia não podem viver separados, porque o humano é também o poético (RAHNER, 1962b, p. 442-449).
Particularmente, a relação entre sacerdote e poeta em Rahner parece se aplicar de modo muito significativo em Tolentino, pois para o teólogo jesuíta, todo o sacerdote é chamado a ser poeta, pois deve captar as “protopalavras”, os desejos mais íntimos do ser humano, e os transubstanciar na Palavra de Deus que deve ser dada como palavra poética que funda o ser, ou seja, “introduz o amor de Deus no âmbito existencial do ser humano como um amor que busca correspondência”. Por isso, pode-se dizer que o poeta é o sacerdote da palavra, e o sacerdote deve ser poeta. Quando um vem a ser o outro, quando o “sacerdote for também poeta e quando o poeta se fizer sacerdote”, tem-se a plenitude da Palavra, pois a Palavra de Deus faz a sua kenosis na palavra humana como poesia que penetra o coração e derrama, no seu mais profundo, a efusão do seu amor. A Palavra de Deus é poética porque as protopalavras do ser humano, sublimadas pelo Espírito, podem chegar a ser Palavra de Deus. É então que um “poeta se faz sacerdote” [ein Dichter Priester sein darf] (RAHNER, 1962a, p. 367).
Há ainda uma outra referência cuja presença na escrita de Tolentino dá pistas para uma aproximação de sua interpretação dos Exercícios Espirituais, nomeadamente Michel de Certeau (1925 – 1986), que é evocado no prefácio de duas obras, uma sobre mística e outra em sua poesia reunida.
No prefácio de sua obra a Mística do instante de 2014, Tolentino cita uma definição de místico do livro do jesuíta francês, A Fábula Mística: “O místico é alguém que não pode deixar de caminhar” (MENDONÇA, 2021, p. 3).
Em seguida, fala da Mística do tempo presente, entendendo o presente como um tempo de discernimento em duplo sentido, horizontal enquanto jornada de um cronologicamente quantitativo entre o momento em que se vive e o que virá, mas também um discernimento vertical de um tempo qualitativo, kairológico, que encontra formas de epifania de abertura transcendental no tempo que se chama hoje, em que é necessário encontrar tempo para a vida contemplativa, para a mística que ajude a discernir esse tempo (MENDONÇA, 2021, p. 29-30).
Certeau é novamente evocado para perceber a mística não somente nesse movimento inquietante e incessante, mas para concebê-la na qualidade essencial do pensador francês como uma experiência que “não exclui ninguém”, “para todos” e “literalmente universal”. A mística é pensada “experiência integral de vida” e o místico é visto como alguém que “vive estando aberto a toda a realidade, atento e responsivo à dor do mundo”. A um só tempo, profundamente comprometido e profundamente livre, sendo o compromisso fruto de suas escolhas conscientes e não por inércia ou mero corporativismo institucional, e que percebe “a interdependência entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande”. Contudo, a mística não habita em nenhum lugar, mas antes é habitada, e para tal habitação ser possível é necessário um exercício de esvaziamento do espaço para a chegada do Outro, uma jornada em que se cresce a confiança nesse Outro que chega (MENDONÇA, 2021, p. 34).
Ao aproximar-se daquele que amam, o crente experimenta sempre, de uma forma ou de outra, uma sensação de vazio: abraça uma sombra! Eles esperam encontrá-lo aproximando-se dele, mas ele não está lá. Eles o procuram em todos os lugares, examinam todos os cantos onde ele poderia estar. Mas ele não está em lugar nenhum (CERTEAU apud MENDONÇA, 2021, p. 37).
A evocação do jesuíta francês convida a escavação de um diálogo inacabado entre os projetos filosóficos entre Foucault e Certeau (PETIT, 2020), em que se dá uma reapropriação dos exercícios espirituais. Foucault, assim, revisita a ideia de exercícios espirituais como espiritualidade política primeiramente, iniciada pela necessidade de um “diagnóstico do declínio do desejo revolucionário no Ocidente”, se interessando pelas “origens religiosas das revoluções modernas” desde a leitura do Princípio Esperança de Ernst Bloch (CANDIOTTO, 2020, p. 111-112; 16).
Nesse momento eclode a insurreição islâmica no Irã iniciada em 1978 e o filósofo francês tenta articular publicamente tal episódio que para ele desvelava o paradoxo processo de modernização em que motivos religiosos se cruzavam com motivos políticos em uma aliança ética de modo a conduzir as perplexidades populares a uma luta política. Independente dos desdobramentos da insurreição iraniana, é deste contexto que Foucault concebe incialmente a ideia de espiritualidade política como genealogia da ética (FOUCAULT, 2018, p. 23).
A espiritualidade, para Foucault, não se restringe à prática religiosa ou adesão ritual e/ou doutrinária, mas é anterior a isso e diz respeito a uma atitude diante de si, respondendo a um imperativo de autotransformação. Não se nega que a religião possa ser uma “uma espécie de estrutura de acolhimento para formas de espiritualidade” (FOUCAULT, 2018, p. 20), mas não necessariamente coincide com a espiritualidade, pois a religião também pode ser parte da estrutura de manutenção da realidade inaceitável e passar a operar ideologicamente.
A espiritualidade política pensada por Foucault é uma prática de transformação de si mesmo para ter acesso à verdade no encontro com a dimensão política, de onde emerge uma vontade coletiva compartilhada, rompendo inclusive, se for necessário, com a linearidade ideológica dos partidos políticos que se pretendem como intérpretes dessa verdade. O episódio iraniano possibilitou para o filósofo aportar novas questões em seu trabalho de análise de produção das subjetividades por processos de objetivação e subjetivação, dentro de um contexto discursivo e de estratégias de poder que dando a ideia de uma identidade nuclear e essencial reprodutora do Mesmo. A espiritualidade política é concebida no interior das múltiplas possibilidades das relações de saber-poder, não como projeto de revolução que visaria uma tomada do poder, mas como emergência de uma subjetividade que se constitui como legítima resistência às forças condicionantes, e, portanto, opera no processo de produção de singularidades que ocorrem em uma espécie de torção íntima que produz a modificação constante de si.
Em um segundo momento, Foucault se dedica a questão da espiritualidade no curso dado em 1982 no no Collège de France sobre A Hermenêutica do sujeito dando especial atenção à noção de “cuidado de si” (epimeleia heautô). Analisa então os exercícios espirituais do período greco-romano, e em especial os dois primeiros séculos da era cristã, entendidos como práticas de si, desde autores clássicos como Epiteto, Plutarco, Marco Aurélio, entre outros, tendo como interlocutor, Pierre Hadot, e contrapondo o cuidado de si a questão do conhecimento de si (gnôthi seautón), esta fruto do “momento socrático-platônico”, que ao privilegiar a estrutura ontológico-cognoscente, dissociou espiritualidade e filosofia, e concebeu a tarefa filosófica como um acesso à verdade, sem a necessidade de um trabalho interior de natureza ética (FOUCAULT, 2006, p. 19).
A espiritualidade em Foucault se vincula ao cuidado de si por meio de um conjunto de práticas, também concebidas como exercícios espirituais aplicadas à vida concreta que além da escrita de si, o exame de consciência, a escuta, a meditação, a leitura a alimentação equilibrada, visam também a atenção ao tempo presente e por meio destes exercícios visam uma transformação individual que transfigura a existência e repercute no modo de se relacionar com os outros e com o mundo, um exercício de esteticização de si, uma busca de um estilo de vida singular. A própria tarefa filosófica, em sintonia com Hadot, é vista como um exercício espiritual, um modo de vida (HADOT, 2014, p. 9) e constitui para o filósofo francês uma fonte de esperança para estes tempos (FOUCAULT, 2018, p. 52).
Neste sentido, A Fábula Mística de Certeau situa a questão da mística no campo enigmático da relação entre a História e do Outro por meio da linguagem que articula o dito e o não dito, e, portanto, desde a perspectiva de decifrar o sentido do paradoxo da linguagem (CERTEAU, 2007, p. 58-64), dimensão essa que o discurso teológico acaba por perder, pois tal qual a filosofia também se dissocia da espiritualidade ou quando muito a reduz a exercícios de piedade. É nesse contexto que os Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola são revisitados por Certeau para uma tarefa de discernir o tempo presente.
Nesse sentido, a evocação da segunda epígrafe de Certeau por Tolentino em sua poesia reunida intitulada A noite abre meus olhos, indica o papel da tarefa poética: “Na sua miséria, a teologia olha em direção à porta” (MENDONÇA, 2014), e pode ser relacionada ao problema da autorreferencialidade da teologia. Essa questão na perscpetiva da “arqueologia religiosa” de Michel de Certeau se dá já na origem do Estado Liberal com o surgimento de uma razão pública em litígio com a religião. Litígio esse que se retroalimenta na constituição das chamadas Ciências Humanas no século XIX, que vão atuar como produtoras de uma “razão de Estado”, como equivalente à racionalidade pública.
O projeto arqueológico de Michel de Certeau nasce de sua tese em teologia reprovada no Institut Catholique de Paris[2], em que propunha uma “rupture instauratrice” do cristianismo com as estruturas simbólicas remanescentes do Antigo Regime para pensar o diálogo com a cultura contemporânea. Esta tese reprovada em 1971, é retomada como projeto arqueológico em 1975 em L'Écriture de l'histoire, em que Certeau analisa os regimes discursivos que estão na origem da cisão entre a simbólica cristã e a simbólica moderna.
O jesuíta francês parece ter como interlocutor o projeto de “archéologie du savoir” de Michel Foucault em que opera como uma análise do discurso, bem como estabelece as condições históricas e sociais que possibilitaram a irrupção dos acontecimentos discursivos que viabilizam a formação de regimes discursivos (épistémès) em que os múltiplos discursos se relacionam simultaneamente. Assim, o filósofo francês identifica “rupturas epistemológicas” e/ou descontinuidades entre os modos de configurar o conhecimento até o Renascimento (século XVI), o Iluminismo, denominado por ele de Idade Clássica (séculos XVII e XVIII) e Idade Moderna (século XIX). O discurso teológico, portanto, participa no mesmo contexto de outros discursos e práticas segundo as condições de saber de cada época. Para a Renascença, há semelhança entre palavras e coisas, e Deus seria compreendido por meio de Suas marcas nas coisas da criação. Na épistémè clássica, presente em Descartes, o objetivo é explicar a ideia de Deus para representar uma ordenação racional das coisas, em que Deus deixa de habitar o mundo das coisas e passa a habitar o mundo dos conceitos puros. Esse deslocamento possibilitou o apoio de teologias políticas e resultou na morte de Deus na moderna épistémè e no “fim da metafísica” que foi substituída por uma analítica da finitude. Nessa análise, a “filosofia de vida” denuncia a metafísica como “véu de ilusão”, a “filosofia do trabalho” a denuncia como ideologia, e a “filosofia da linguagem” a trata como um episódio cultural (FOUCAULT, 1966). Tal processo também propicia o evento discursivo em que o ser humano se torna um objeto-discurso que inaugura as Ciências Humanas à parte da teologia.
Já na proposta arqueológica do jesuíta francês, a atenção é dada às práticas discursivas do Estado Moderno entrelaçadas às do regime discursivo sintonizado com a Filosofia do Iluminismo, mas progressivamente distantes das massas rurais que permaneceram religiosas como forma de resistência por causa da distância social do Estado. Adotando a lógica da arqueologia certeausiana, há pelo menos dois tipos de enunciados teológicos com distintos efeitos políticos no surgimento da Modernidade que devem ser distinguidos: 1) as teologias amalgamadas ao Antigo Regime, responsáveis pela elaboração de uma crítica antimoderna, enfatizando o rigor moral para com o indivíduo, diante de uma suposta decadência da sociedade que se distancia da fé e culpabiliza o liberalismo. Tais teologias, no entanto, não estabelecem uma crítica ao Estado e suas contradições decorrentes da Revolução Industrial, mas, antes, oferecem um suporte religioso por meio de justificativas divinas; 2) as teologias críticas que se manifestaram taticamente resistentes às teodicéias, porém, não raro, mais pelas práticas sociais, notadamente pelo catolicismo social, do que pelos discursos teológicos. Tal postura era ao mesmo tempo crítica às contradições do liberalismo e crítica à estratégia discursiva em que a conservação da fé coincidia com a conservação de privilégios. Há uma relação mais complexa para identificar os limites de [in] compatibilidade ou [in] tolerância entre as diferentes formas de correlacionar sistema político, sistema religioso e suporte epistemológico. Coexistiam simultaneamente pelo menos dois tipos de enunciados teológicos: a) um enunciado teológico como defesa da reta doutrina, que pretende sustentar-se com uma epistemologia escolástica autorreferencial enraizada no Antigo Regime de modo compatível ao sistema político; b) um enunciado teológico tático como crítica da sociedade, mas simultaneamente i) compatível com o sistema religioso [compartilhamento de fontes]; ii) incompatível com o sistema político e, portanto, iii) compatível com o surgimento das Ciências Humanas, compartilhando assim um humanismo comum. Para Certeau, a historiografia iluminista, julgando-se ideologicamente imune, acabou eliminando tal complexidade dos enunciados teológicos, de modo que as condições de possibilidade para outro regime discursivo de uma teologia aberta ao diálogo com as Humanidades tiveram que esperar até o século XX. A autorreferencialiadade se instala dialeticamente entre teologia e ciências humanas na medida em que estas passam a adotar o “primado epistemológico da ética na reflexão” na emergência de uma racionalidade pública que desafiou a primazia da significação dogmática do processo de produção teológica (CERTEAU, 1982, p. 139).
Michel de Certeau enxerga nas práticas sociais do cristianismo, mais do que nas práticas discursivas de identidade dogmática, uma estratégia utópica que contém uma teologia da diferença, em que a alteridade não é impeditiva da comunhão. Não se trata do mito da cidade reconciliada, mas da diversidade reconciliada em torno de uma utopia, que se encarna eutopicamente na comunidade heterotópica e atua taticamente como um Cavalo de Tróia na distopia do poder (CERTEAU, 2015, p. 181).
Contudo, tal qual os exercícios espirituais de Foucault, em Certeau a ênfase é dada ao processo que opera no íntimo, sendo os Exercícios inacianos um “modo que caracteriza um proceder”, mas supõe um “desejante”, em que aquilo que está no texto funciona com cifra para a música, pois se coordena fora do texto dando voz aos desejos que o habitam, e provocando no mesmo a abertura a um itinerário que lhe permita confessar a si mesmo seus desejos mais profundos. O Fundamento dos exercícios inacianos em Certeau “não é a exposição de uma verdade universal”, mas “o esquema de um movimento” entre o desvelar dos espaços da arquitetura do desejo e o silêncio. Tais espaços abertos como cifra a serem executadas é aberto pelo texto que funciona como um poema e oferece formas do desejante reconhecer seus desejos. A confissão dos desejos é “o ponto de partida de uma trajetória” (CERTEAU, 2007, p. 261-262). Para Certeau, a tarefa poética é correlata à tarefa de uma Teologia da diferença, precisamente a de conceber formas culturais heterológicas, análoga a um Deus que sendo de natureza radicalmente diferente ao ser humano não vê na diferença um impeditivo para a comunhão. “Não sem Ti” é o modo como Deus age heterologicamente, pois é sempre “maior” [magis] que os limites das fronteiras, uma dinâmica heterológica que realiza-se na literatura – em primeiro lugar – como vocação para derrubaras muralhas da resistência identitária em relação ao outro (CERTEAU, 1986).
Assim, os exercícios espirituais são exercícios de reinvenção cotidiana do espaço para um esvaziamento que possibilite a habitação comum entre os diferentes, um movimento de saída da autorreferencialidade pela refeitura poética do tecido cultural dado, para evocar as palavras de uma poeta cara a Tolentino, “seu poder poético de estabelecer uma aliança” (ANDRESEN, 2015, p. 1142). É nessa transparência que podemos chamar de kenótica entre os diferentes que se pode “entrever” o essencial (MENDONÇA, 2020, p. 34). Tal confiança que brota da jornada com o outro e é condição para a sua habitação se dá na transparência entre aqueles que se encontram, ou na expressão agambianamente tomada de Sophia de Mello Breynen Andresen, a relação de confiança, que não deixe de ser intimidade que se dá na “nudez da vida” (MENDONÇA, 2021, p. 38)
A nudez é para Tolentino precisamente “onde a mística e a literatura se encontram”, e cujo fundamento é o “esvaziamento de Cristo”. A “mística da nudez” é exercício espiritual kenótico, e a poesia não é adorno, tampouco trabalho de idealização, mas: “ela cria um método que nos adentra sempre na experiência do inominável, no silêncio da vida nua” (MENDONÇA, 2020, p. 30-31). Tolentino aproxima, assim, a nudez da vida à prática poética.
O poeta inscreve-se, portanto, também em um diálogo crítico com o filósofo contemporâneo Giorgio Agamben (MENDONÇA, 2011), que poderia ser situado entre a arqueologia do tempo presente deste e a mística do tempo presente de Tolentino, ambos convergindo para a recuperação do papel da poética para esse exercício kenótico da nudez, como forma de revisitar as formas históricas e culturais do Cristianismo, pois para Agamben, uma das causas da crise do pensamento contemporâneo é exatamente o divórcio entre poética e política.
Na medida em que a modernidade perde a noção do “estatuto poético” da humanidade sobre a terra, a produção poética é reduzida à produtividade da práxis. Para a Antiguidade grega, apesar de poíesis e práxis se orientarem para a ação, esta última se relaciona com a experiência da vontade, em seu processo de agir volitivo, ao passo que a poesia se relaciona com a experiência da presença produtora, de algo que vem do não ser e desvela o ser. Nietzsche, entretanto, ao martelar a metafísica de uma razão legitimadora de uma vontade divina anuladora da vida, para reabilitar a vontade criativa humana, expressão de sua liberdade, contra o platonismo das massas instalado nas formas de religião ocidental se torna a base e ao mesmo tempo motor de transformação da sociedade por meio da de uma filosofia da práxis que converge na ascensão da “força do trabalho” marxiana. A poíesis, entáo, é ofuscada em uma filosofia da práxis, dinamizada pela vontade de justiça e de liberdade, para uma nova obra de arte, a saber construção de uma nova história, entendida como sociedade. Tanto em Nietzsche quanto em Marx não cabem um ateísmo, mas a dispensa de uma teologia racional inibidora da vontade e de mudanças (AGAMBEN, 2012, p. 1672).
A poíesis transformada em práxis doa um sentido de mística aos processos de transformação social, entretanto, perde a dinâmica de distanciamento da realidade para reelaboração criativa que retorna à realidade inspirando a práxis. Ao se fundir com a práxis, a poíesis deixa de ser dinamizadora da pólis, e se converte em ideologia da práxis, em razão criativa, porém apologética.
A ausência da poíesis e especialmente sua transformação em razão criativa apologética de um ideal produz a presença de um fetiche, o substituto de um objeto ausente, inacessível e ideal. Agamben, ainda evoca a acídia patrística, como efeito da ausência da poíesis para a compreensão de um éros perverso no narcisismo que é incapaz de disposição para o labor criativo, uma vontade de sentido, porém indisposto a trilhar a via que a ele conduz, uma indisposição poética que revela a indisposição política contemporânea, pois se manifesta como indisposição ética (2007, p. 264), por gerar uma dinâmica autoreferencial a um sistema e modo de pensar incapaz de autocrítica.
O interesse de Agamben se inscreve nesse movimento de escavação da tradição cristã como uma experiência que também tem algo a dizer sobre o enfrentamento de um império, desde uma nova concepção de universalidade, nomeadamente por meio de uma “revolução paulina”, em que a casa (oikos) como Domus Ecclesia passa a ser um novo espaço da vida em comum em que «não há judeu nem grego, não há escravo nem homem livre, não há homem nem mulher» (Gl 3, 28), grupos que não tinham o status de igualdade no sistema de cidadania romana na tensão entre a utopia do Evangelho e a distopia do Império. Tal nudez kenótica, portanto, implica despojar o cristianismo de sua tentação de hegemonia, a consciência do esgotamento de discursos totalizantes, aceitando a crise do fundamento da ontoteologia cristã e, o enfraquecimento da crença no poder da razão tal como compreendida no âmbito do projeto das Luzes. Só a consciência da debilidade advinda da transparência da nudez pode fundar um espaço a ser iluminado por algo mais. E assim, a reinterpretação da religião torna-se possível a partir de seu ‘esvaziamento’, não somente do exercício de despir superficialmente as vestes hegemônicas, mas pela dedicação do trabalho poético se traduz num esforço para revelar a nudez do real.
Desde 1929, com a publicação da Encíclica “Mens nostra: Sobre os Exercícios Espirituais”, o Papa Pio XI tomara a decisão de estabelecer anualmente um retiro da Quaresma a ser dado para o para o próprio Papa, juntamente com os membros da Cúria Romana tendo por base a prática dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Em 2018, o Papa Francisco, um jesuíta experiente na espiritualidade inaciana, convida José Tolentino de Mendonça para dar os Exercícios Espirituais entre os dias 18 e 23 de Fevereiro de 2018. Tal retiro foi publicado em forma de livro com o título Elogio da Sede.
Nesta obra Tolentino une mais uma aspecto dessa jornada espiritual de busca da transparência de si, a sede como metáfora para abordar o elemento central do exercitante, o desejo, pensado em sua densidade paradoxal de presença na ausência, e, portanto, de relação entre “distância” e “atração”, de ser habitado por uma vontade de vencer a lonjura do que se espera, é “ausência” e “mobilizadora expectativa” (MENDONÇA, 2018, p. 34). Em sua paradoxal densidade esse anseio pela felicidade é também a causa da dor, da falta que constitui o motivo da busca, e que não raro o cansaço dos passos resulta em um esvaecimento ou mesmo dispersão. O desejo se relaciona diretamente com a “vulnerabilidade extrema” presente na nudez, e sede exige a disposição para se alcançar tal nudez, pois é um despir daquilo que leva a encobrir a força de atração do desejo:
Não é fácil reconhecer que se tem sede. Porque a sede é uma dor que se descobre pouco a pouco dentro de nós, por detrás das nossas habituais narrativas defensivas, assépticas ou idealizadas; é uma dor antiga que sem percebermos bem como encontramos reavivada, e tememos que nos enfraqueça (MENDONÇA, 2018, p. 36)
Entretanto, é nessa dor da sede que é a mesma dor da vulnerabilidade extrema que o convite de Jesus Cristo é feito: “O que tem sede, aproxime-se...” (Apocalipse 22,17), como citado pelo poeta português. Tal aproximação do Mistério não é distinta da aproximação da nudez, mas antes constitui-se o mesmo espaço vazio do desejo, pois “o que de mais decisivo se joga em nós prende-se com o desejo de Deus” (MENDONÇA, 2018, p. 34).
Porém, como “são feridas que nos custa encarar, quanto mais aceitar na confiança”, pois quando não saciada,
A sede retira-nos o alento, esgota-nos, desvitaliza-nos, faz-nos perder as forças. Deixa-nos sitiados e sem energia para reagir. Transporta-nos aos limites. Compreende-se que não seja fácil expormos a nossa sede (MENDONÇA, 2018, p. 38).
Para tal tarefa existencial de contactar com a própria sede, que é também o terreno da mística, Tolentino conta com a ferramenta literária capaz para o exercício espiritual de construção da própria singularidade:
Na averiguação do estado de nossa sede, creio que a literatura nos pode ajudar [...] A literatura é, de facto, uma ferramenta sapiencial. Porventura, estamos agora a perceber melhor que os escritores e os poetas são pertinentes mestres espirituais e que as obras literárias podem ser de enorme utilidade no nosso caminho de maturação interior [...] A literatura é um instrumento de precisão, como existem poucos, pois está a altura da singularidade, liberdade e tragicidade da vida (na verdade, consegue relatar o eu e o nós, o ardentemente pessoal e a aventura coletiva, mas também a graça e o pecado, o encontro e a solidão, a dor e a redenção). A vida espiritual não é pré-fabricada: ela está implicada na radical singularidade de cada sujeito (MENDONÇA, 2018, p. 49-50).
É nesse itinerário que Jesus é apresentado como aquele que pode guiar o caminho, mas sobretudo de ajudar “a escutar até o fim o apelo que está por detrás da fome e da sede”. Manter a escuta do apelo da sede é ao mesmo tempo um modo de saída “do delírio da autoafirmação e da autorreferencialidade” que é um tipo de “narcisismo teológico” (MENDONÇA, 2018, p. 144-145; 117). O caminho de Jesus é de compartilhar as sedes, da misericórdia com outros sedentos, especialmente os sedentes e famintos não metafóricos das periferias não somente existências, mas geográficas para encontrar no serviço à dor do outro a transfiguração da dor da própria sede em “bem-aventurança da sede” que transforma o sedento em peregrino e a sede em mapa e viagem como itinerário soteriológico (MENDONÇA, 2018, p. 164).
Poesia e mística dialogam na obra de José Tolentino Mendonça e podem ser ambas entendidas como exercícios espirituais, porém com objetivo de uma “religação” com a nudez da vida. Nesse sentido o termo ‘exercícios espirituais’ parece ser utilizado pelo autor em suas interpretações contemporâneas, o que de algum modo incorpora o ambiente de discussão dessas abordagens dos autores que o poeta invoca em seu trabalho.
Com isso, de fato, a noção de exercícios espirituais parece plasmar a experiência poética, como tarefa existência, e eivada de um espírito de ultrapassagem, seduzido por uma intocável origem ou fim chamado Deus, mas que ao mesmo tempo, enquanto jornada existencial e também cultura na refeitura do tempo presente dialoga e incorpora contribuições de autores não religiosos, procurando na dignidade comum do ser humano encontrar também um espaço comum para as mudanças necessárias do tempo presente. Sua obra, especialmente literária, incide assim sobre o compromisso de uma ética pública fomentada pela ressignificação da cultura. Contudo, também seus ensaios de espiritualidade propriamente dito sempre assumem tal diálogo com a cultura e o tempo presente.
Nesse sentido a poesia como exercício espiritual pode ser entendida como o instrumento que remete de uma só vez para a separação e a “religação” (religare) dos espaços interiores e exteriores, para o potencial do esvaziamento (kénosis) como abertura desde o “exercício” (áskesis) de contemplação (theoría) da fronteira[3], um o “entre-lugar” no qual acontece o trânsito entre o visível e o invisível, o real e o imaginário, o dizível e o indizível, o imanente e o transcendente – entenda-se, aqui, o transcendente não como algo descrito na positividade dos credos específicos, mas como um horizonte essencialmente negativo, que, justamente por isso, não é possível nomear a não ser precariamente, porém abre portas para a saída da autorreferencialidade narcísica do desejo e das formas de pensamento para um itinerário de reconhecimento do outro, como condição sine qua non para entrever o Outro. Ademais, desde a noção de exercício espiritual haveria um um paradoxo originário da poética tolentiana: o ato poético se dá no reconhecimento de sua fragilidade intrínseca e ao mesmo tempo de seu potencial, pois para Tolentino a tarefa do “poema não alcança aquela pureza que fascina o mundo. O poema abraça aquela impureza que o mundo repudia” (MENDONÇA, 2014, p. 202).
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[1] O texto original se refere a Urworte, que dá a ideia de «primeira», «primordial». A opção de proto-palabra é da tradução espanhola. Cf. id. Escritos de Teología, tomo IV, 4.ª ed. Madrid: Ediciones Cristiandad, 2002, p. 414.
[2] Michel de Certeau na altura já era doutor em História das Religiões pela Universidade de Sorbone, e foi convidado a reunir alguns de seus trabalhos como projeto de tese doutoral a ser defendida no Institut Catholique de Paris a fim de também poder orientar teses doutorais em teologia.
[3] Teoria da Fronteira é o título de uma das coletâneas de poemas de José Tolentino Mendonça.