Usos filosóficos do biográfico
Farias Brito
DOI :
https://doi.org/10.23925/politica.v13i2.74568Mots-clés :
Farias Brito, Filosofia brasileira, Século XIX, História da filosofia, Espiritualismo, PositivismoRésumé
Neste trabalho examinarei os procedimentos discursivos pelos quais Raimundo de Farias Brito (1862-1917) constrói sua voz de filósofo. Sua obra é extensa, começando pela série Finalidade do mundo (1895) e terminando com O mundo interior (1914). Nela, mantém um diálogo com filósofos brasileiros do século XIX, como Tobias Barreto e Sílvio Romero. Isso já revela a existência de um campo filosófico brasileiro com um conjunto recorrente de questões e problemas, em um período anterior à profissionalização universitária em filosofia. Além dessa linhagem brasileira oitocentista, meu interesse será também analisar sua apropriação de autores europeus, no sentido da incorporação de procedimentos fundadores de uma voz autoral filosófica. Ao falar “eu” em seus textos, Farias Brito tanto se inspira em testemunhos próprios do debate filosófico brasileiro de fins do século XIX e começo do século XX, quanto em autores consagrados do debate europeu. Essa difícil e, ao mesmo tempo, interessante posição de um filósofo em um país de origem colonial, na passagem do Império para a República, em que o ofício de filósofo se apresentava sem garantias quanto à sua legitimação, vale a pena ser analisada visto o estranhamento que ela nos provoca hoje. Investigar as razões desse estranhamento, procurando escapar às armadilhas do anacronismo, é um caminho proveitoso que nos leva a repensar os modos de legitimação filosófica do presente. Além disso, faz-nos refletir sobre os possíveis usos do biográfico no discurso filosófico.
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