Memória: suas possibilidades nas Ciências Sociais

Autores

  • Teresinha Bernardo PUCSP

Palavras-chave:

Memória, Ciências Sociais e historia

Resumo

Pensar a memória não é, simplesmente, entrar no passado e encontrar fatos, pessoas, lugares nos quais vivemos e conhecemos em algum momento de nossa vida. É muito mais complexo. Na realidade, a memória aqui se refere à memória coletiva, isto é, à lembrança de um grupo que vive certos acontecimentos em comum. Ainda, sobre esse tema Halbawchs (1990, p.34) diz: para que nossa memória seja auxiliada com as dos outros, não basta que eles nos tragam seus depoimentos, é necessário que ela não tenha cessado de concordar com as memórias do grupo e que haja bastante pontos de contato entre uma e outra, para que as lembranças que nós recordamos possam ser reconstruídas sobre um fundamento comum. No limite, esse autor refere-se à necessidade da concordância entre diferentes membros do grupo para que a memória possa, assim, ser reconstruída. Há ainda outro aspecto do processo de memorização que se destaca. Halbawchs (1990) denomina de real interpenetração e Pollack (1989) chama de acontecimentos vividos por tabela. Na realidade, o que ocorre é que existem lembranças que não foram vividas por certos sujeitos, mas há um processo de identificação tão intenso entre esses indivíduos e tais lembranças, que eles imaginam que realmente as viveram. Na verdade, os quadros coletivos da memória não se resumem em datas e nomes. Eles representam correntes de pensamento que reencontramos no nosso passado, porque esse foi atravessado por tudo isso. Ao lado de uma historia escrita, há uma historia viva, que se perpetua ou se renova através do tempo, na qual é possível encontrar um grande número dessas correntes antigas que haviam desaparecido somente na aparência, pode-se dizer mesmo que não só os fatos, mas também a maneira de ser e de pensar de outrora, fixam-se na memória e são ressignificados na vivência do presente. A memória não é fixa, ela tem um movimento especifico: sai do presente vai ao passado e retorna ao presente. Esse movimento é o seu próprio tempo que por sua vez, é o reversível. A ideia do tempo reversível se origina da experiência universal humana de trazer os tempos passados de volta. Para Vernant (1971), não é só a memória que vive a reversibilidade do tempo, ela é acompanhada pelo mito e pela poesia. Mas a idéia do tempo reversível não é específica da memória, do mito e da poesia. No mundo natural as quatro estações do ano retornam periodicamente, o mesmo acontece com o movimento dos astros. Mircea Eliade (1993), pergunta-se se o tempo reversível não significa a revolta ao tempo histórico, ao tempo irreversível, ao tempo linear, que não propicia a esperança de trazer os tempos passados de volta. Se é revolta ou não, neste momento é impossível responder. Mas, o trabalho da memória não traz para o presente os fatos como realmente ocorreram. As lembranças de determinados acontecimentos dependem de inúmeros fatores: desde o lugar que indivíduo ocupa na hierarquia social, até como se encontra a vivência do presente. Nesse sentido, Pollack diz: o presente colore o passado. Provavelmente, é devido a essas transformações ocorridas nas vivências passadas que a memória, ou a reversibilidade do tempo, possa ser uma resposta à revolta do tempo histórico, do tempo que não se repete. Essa solução está referida diretamente à existência do imaginário. Mas, não obstante essa proximidade entre memória e imaginário, o recurso em relação à primeira pode possibilitar descortinar situações conflitivas, discriminações, jogos de poder, entre pessoas e grupos sociais, e processos como o de construção de identidades, uma vez que memória e identidade se encontram imbricadas. Assim, esse recurso pode ser utilizado com sucesso pelas Ciências Sociais. Ainda, se na memória se encontra o pensamento do grupo ao qual o individuo pertence, é possível, por meio dela, reconstruir a família, o trabalho, as diversas formas do sujeito se comunicar, seus diferentes tipos de lazer. Enfim, o cotidiano de sua vida, ou do grupo ao qual pertence. A análise da memória, a partir da contribuição teórica de Pollack, permite que os significados dos silêncios, dos não-ditos, dos conflitos, dos sentimentos de vergonha, dos constrangimentos que possam estar embutidos nas lembranças, sejam interpretados, desnudando relações sociais, e porque não dizer de poder, nas quais as discriminações se encontram, iluminando inclusive a identidade dos grupos que são discriminados. Dessa forma, o relativismo cultural sai de cena, permitindo a critica cultural, o que era simplesmente diferente ganha o foro de desigualdade. O trabalho com a memória possibilita ainda o encontro com a História. Na verdade, Benjamim (1985), por meio da teoria da narração, aponta a existência das histórias contadas à História. É esse movimento que se busca resgatar, por intermédio do recurso à memória. Procura-se dialogar com a História, não com a oficial, mas com a Nova História, que superou a distinção entre a história apreendida e a história vivida. Assim, a memória possibilita análises densas de diferentes grupos sociais, e traz para o presente não só os fatos vividos objetivamente, mas também as subjetividades dos sujeitos em questão.

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Publicado

2011-05-25

Edição

Seção

Coluna