Da normatividade da linguagem à democracia agonística
Wittgenstein e a crítica ao populismo reacionário do discurso político-religioso do fundamentalismo bíblico
DOI:
https://doi.org/10.23925/2177-952X.2025v19i36p22-41Palavras-chave:
Wittgenstein, democracia agonística, populismo reacionário, fundamentalismo religioso, jogos de linguagemResumo
A partir do diálogo entre a filosofia tardia de Wittgenstein e a teoria da democracia agonística de Mouffe, este ensaio sustenta que o populismo reacionário, quando articulado ao fundamentalismo religioso, destrói o terreno partilhado da linguagem e converte a política em guerra simbólica contra inimigos fabricados, eliminando a possibilidade de persuasão e bloqueando a pluralidade constitutiva da democracia. O problema central, assim, não se limita a uma conjuntura histórica específica, mas concerne à própria natureza da linguagem quando absolutizada como dogma e mobilizada como instrumento de poder excludente. Metodologicamente, o texto desenvolve-se por meio de articulação conceitual, mobilizando categorias como “jogos de linguagem”, “formas de vida”, “persuasão” e “agonística”, de modo a construir conexões entre Wittgenstein, Mouffe, Giannotti e Spinoza. Na primeira parte, explora-se como a normatividade da linguagem e a dimensão plural do dissenso abrem caminho para uma concepção agonística da democracia. Na segunda, analisa-se o populismo reacionário como dispositivo discursivo que destrói essa possibilidade, substituindo o espaço da persuasão pela doutrinação bélica. Na terceira, aprofunda-se o exame do fundamentalismo bíblico, mostrando como a absolutização da Escritura fornece uma gramática simbólica para legitimar narrativas homogêneas e sustentar a lógica populista da guerra político-espiritual. Com isso, pretende-se demonstrar que a crítica ao populismo reacionário só pode ser plenamente compreendida quando iluminada pela filosofia da linguagem e pela teoria da política, pois apenas nelas se torna claro que o destino da democracia agonística depende da preservação da abertura da linguagem, sem a qual o conflito legítimo degenera em cruzada sectária e a política se reduz a instrumento de exclusão.
Referências
ALVES, Rubem. Religião e repressão. Juiz e Fora: Editora Siano, 2020.
ARMENDANE, Geraldo das D. Contribuições de Wittgenstein para o debate teórico-político sobre a democracia. Guairacá Revista de Filosofia, Guarapuava, v. 38, n. 1, pp. 63-81, 2022. Disponível em: <https://revistas.unicentro.br/index.php/guaiaraca/article/view/7040>. Acesso em: 23 jan. 2024.
AUDI, Robert. Religion and Politics. In: ESTLUND, David. (Ed.). The Oxford Handbook of Political Philosophy. New York: Oxford University Press, 2012, p. 223-240.
BALDWIN, Thomas. Philosophy of Language in the Twentieth Century. In: LEPORE, Ernest; SMITH, Barry C. (Eds.). The Oxford Handbook of Philosophy of Language. New York: Oxford University Press, 2008, p. 60-99.
BARR, James. Fundamentalism. Philadelphia: The Westminster Press, 1978.
BARR, James. Escaping from fundamentalism. London: SCM Press, 1984.
BREY, Petterson. Apologética e hermenêutica fundamentalista no discurso político do Brasil contemporâneo. PASSOS, João D.; SANCHEZ, Wagner L. (Orgs.). A salvação da pátria amada: religião e extrema direita no Brasil. São Paulo: Paulus, 2024, p. 129-155.
CHAUI, Marilena. Ideologia: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2025.
EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2019.
FRYE, Northrop. The Educated Imagination. Bloomington: Indiana University Press, 1994.
FRYE, Northrop. The Great Code: The Bible and Literature. New York: Mariner Books, 2002.
GIANNOTTI, José A. Apresentação do mundo: considerações sobre o pensamento de Ludwig Wittgenstein. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
LYNCH, Christian; CASSIMIRO, Paulo H. O populismo reacionário. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022.
MOUFFE, Chantal. The Democratic Paradox. London/New York: Verso Books, 2009.
NUNES Jr., Edson M.; BREY, Petterson. Fundamentalismo, inerrância e poder: a base da hermenêutica da Teologia do Domínio. In: PASSOS, João D. (Org.). Teologia do Domínio e usos de Deus na Política. (Sociopolítica). São Paulo: Ideias e Letras, 2025, p. 165-186.
PASSOS, João D. No lugar de Deus: ensaios (neo)teocráticos. São Paulo: Paulinas, 2021.
PASSOS, João D. Introdução. In: PASSOS, João D. (Org.). Teologia do Domínio e usos de Deus na Política. (Sociopolítica). São Paulo: Ideias e Letras, 2025, p. 9-20.
SANTOS, Luiz H. L. dos. Sobre o transcendental prático e a dialética da sociabilidade. (Dossiê J. A. Giannotti). Novos Estudos, n. 90, p. 7-18, jul. 2011. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/nec/a/j8xkmCmkvLRbvvpNwXR6vgm/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 21 jul. 2025.
SPINOZA, Benedictus. Tratado Teológico Político. São Paulo: Perspectiva, 2014.
SPINOZA, Benedictus. Ética. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2020.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica dos meios de comunicação em massa. Petrópolis: Editora Vozes, 1995.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Da Certeza. Lisboa: Edições 70, 2012.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Petrópolis: Editora Vozes, 2014.


