Waman Poma de Ayala, um autor indígena do século XVII

questionando antropocentrismos no colonialoceno

Autores

  • Rocío Quispe-Agnoli Michigan State University, American Indian Studies Program, East Lansing, Michigan, Estados Unidos
  • Ana Gretel Echazú Böschemeier Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Programa de Pós-Graduação em Antropologia social, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil
  • Lucrecia Greco Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Salvador, Bahia, Brasil

DOI:

https://doi.org/10.23925/1984-3585.2021i24p157-182

Palavras-chave:

Waman Poma, Tradução Entrecultural, Imagem, Antropocentrismo, Colonialoceno, Epistemicídio

Resumo

No presente artigo, apresentamos os resultados parciais do atual ciclo do projeto de extensão “ReCânone, Oficina Permanente de Tradução, Legendado e Interpretação de Materiais Indígenas, Afrodiaspóricos e Latinxs” da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Brasil, que objetiva trabalhar com traduções culturalmente situadas de alguns registros elaborados no território do atual Peru pelo cronista indígena Waman Poma de Ayala, quem produziu sua obra “Nova Crônica e Bom Governo” (Nueva corónica y buen gobierno) entre finais do século XVI e inícios do século XVII. A partir de uma leitura crítica e reflexiva de algumas imagens e textos escritos que as acompanham, se oferece uma proposta inicial da “Opera Aperta” que resulta ser a obra de Waman Poma. Os textos visuais e escritos apresentados encontram-se em processo de serem submetidos a tradução entrecultural: compreendemos-os inicialmente como campos semânticos escrito-visuais que nos estimulam a tecer uma história a contrapelo das imposições coloniais. Assim, aproveitamos alguns materiais elaborados pelo cronista explorando o estatuto do antropocentrismo e suas implicâncias ambientais, ontológicas e epistemológicas. Aproveitamos nessa crítica a abordagem conceitual do Colonialoceno, que chama a atenção para a observação do tecido da vida constituído por realidades mais do que humanas em contextos de alteridade colonial. Abrindo o espaço da reflexão para um Waman Poma que possa nos revelar a possibilidade de habitar mundos não cartesianos, cíclicos e densos, apelamos para o trabalho entrecultural como semeador de uma sensibilidade que inspire movimentos contemporâneos na direção de uma descolonização permanente da academia. À maneira de conclusão, sublinhamos a relevância de ampliar a base epistêmica da discussão científica, tensionando o cânone dos discursos científicos contemporâneos e incluindo essas referências nos currículos, seminários e eventos próprios do campo de produção das ciências no Brasil, em Abya Yala e no Sul Global.

Biografia do Autor

Rocío Quispe-Agnoli, Michigan State University, American Indian Studies Program, East Lansing, Michigan, Estados Unidos

PhD em Estudos Hispânicos pela Brown University e Professor de Estudos Latino-Americanos e Estudos Indígenas na Michigan State University. Atua nas áreas de Literatura indígena e mestiça do período colonial, estudos visuais, estudos pós-coloniais e subalternos. Editora-chefe de REGS/Journal of Gender & Sexuality Studies.

Site: michiganstate.academia.edu/Roc%C3%ADoQuispeAgnoli/CurriculumVitae

Ana Gretel Echazú Böschemeier, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Programa de Pós-Graduação em Antropologia social, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

PhD em Antropologia (UnB). Professora Adjunta DAN e PPGAS/UFRN. Feminista e tradutora, atua nas áreas de Direitos Humanos, Corpo, Gênero, Raça/Etnicidade, Saúde Coletiva, Metodologias da Pesquisa e Tradução Entrecultural desde a perspectiva das Epistemologias do Sul.

CV Lattes: lattes.cnpq.br/2727813198531300

Lucrecia Greco, Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Salvador, Bahia, Brasil

Doutora em Antropologia pela Universidad de Buenos Aires, professora visitante no Programa de Pós-Graduação em Antropologia. UFBA. Atua nas áreas de antropologia do corpo e da performance e de etnologia indígena.

CV Lattes: lattes.cnpq.br/7428279694968656

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Publicado

2022-03-09