A mentira em Rousseau
entre a memória, a linguagem e o desejo de verdade
DOI:
https://doi.org/10.23925/politica.v13i1.74254Palabras clave:
Rousseau, Verdades, Mentiras, Confissões, DevaneiosResumen
Este artigo propõe uma análise da produção autobiográfica de Jean-Jacques Rousseau, focando em As Confissões e Os Devaneios do Caminhante Solitário, para desvendar o complexo itinerário entre verdade e mentira. O cerne da investigação reside no desejo de verdade e na busca pela sinceridade absoluta, ou transparência, que Rousseau adota como lema de vida (Vitam Impendere Vero). No entanto, esse ideal de sinceridade é posto em crise devido aos limites impostos pela memória e pela linguagem. A memória não atua como mero arquivo, mas como um dispositivo interpretativo que reinterpreta o passado, revelando a instabilidade do eu e a circularidade do relato. Paralelamente, a linguagem, inicialmente uma expressão direta do sentimento, é transformada em artifício pela convenção social, possibilitando a dissimulação e, consequentemente, a mentira. Concentrando-se na Quarta Caminhada dos Devaneios, o texto demonstra que Rousseau desloca o problema da veracidade para o campo da ética e da intenção. A mentira é definida como um ato de injustiça, intrinsecamente ligada à intenção de prejudicar. Em contraposição, Rousseau inventaria a categoria de ficção, vista como um enunciado inofensivo, moralmente permissível por ausência de dano ou intenção malévola. Conclui-se que, para Rousseau, a verdade adquire um fundamento essencialmente moral, equiparando-se à justiça e guiada pelos ditames da consciência. O projeto autobiográfico, ao expor a luta contra as armadilhas da memória e da linguagem, torna-se um procedimento filosófico que busca uma verdade mais profunda e sentida, exigindo um permanente autoexame e uma sensibilidade para a responsabilidade social.
Citas
FAÇANHA. Luciano da Silva. Para ler Rousseau: uma interpretação de sua narrativa confessional por um leitor da posteridade. São Paulo: Edições Inteligentes UFMA. FAPEMA. 2006.
PISSARRA, Maria Constança Peres. Escritura, Verdade, Virtude. São Luís, Cadernos de Pesquisa, set./dez. 2015, p. 01-p.10.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. As Confissões. Tradução: Rachel de Queiroz. 2ª. ed. São Paulo: Atena Editora. 1959.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Carta a D’Alembert sobre os espetáculos. Tradução: Roberto Leal Ferreira. Campinas. SP: Editora da UNICAMP, 1993.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Cartas escritas da montanha. Tradução: Maria Constança Peres Pissarra, Maria das Graças de Souza. Colaboradores: Luciano Façanha, Marice Nunes e Osmar de Souza Medeiros. São Paulo: Unesp e Educ, 2006.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Os devaneios do caminhante solitário. Tradução: Fúlvia Maria Luiza Moretto. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 3ª. ed., 1995,
STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo; seguido de sete ensaios sobre Rousseau. Tradução: Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.