4. Considerações sobre o significado da esterilidade no ciclo patriarcal

Resumo

O presente artigo foca o conceito de esterilidade, tal como idealizado no texto bíblico e exemplificado nas histórias de Sara e Abraham, Rebeca, Lea, Raquel e Jacob. Minha análise dessas histórias leva a hipótese de que a esterilidade é um dos temas na fundação do passado antigo de Israel, ao condensar alguns dos obstáculos principais inerentes à emergência de um povo que acredita ser guiado por Deus. Esta nova perspectiva sobre a esterilidade foi alcançada ao focar no espectro de significados da raiz hebraica ‘qr, que inclui infertilidade e desenraizamento; estes, junto da fome na terra, são experiências que modelarão a consciência religiosa de Israel. Esta abordagem amplifica a percepção da esterilidade na Bíblia hebraica, porquanto emerge do texto como um estado liminar de privação, por oposição aos conteúdos da promessa divina aos patriarcas (descendência e terra). Mas, mesmo quando incluindo falta de produtividade, fraqueza e morte, que têm um valor negativo, a esterilidade bíblica não é um círculo fechado, mas um espaço aberto à potencialidade, aonde acontece a revelação divina. Deus se revela através da esterilidade e na esterilidade. A originalidade e a noção de especificidade na idéia bíblica sobre a esterilidade radicam nesta natureza cíclica, que quebra a circunscrição e a orientação negativa da esterilidade. A Bíblia apresenta a esterilidade como um estado transitório, uma área para a transformação individual e coletiva do status. Num sistema ideológico tal como o do antigo Israel, aonde relações contratuais substituem as relações naturais, a esterilidade funciona como um símbolo poderoso do relacionamento entre as pessoas e entre as pessoas e Deus. Este pode ser o motivo por que as tradições das matriarcas estéreis foram continuamente reinterpretadas do século X aEC até o século I EC e puderam ser adaptadas a novos contextos, fazendo sentido para comunidades diferentes, particularmente nos tempos de crise e transição.