TÁBUA DE MORTALIDADE DE SEGURADOS VÁLIDOS DO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DO ESTADO DO CEARÁ

MORTALITY TABLE OF HEALTHY INSURED MEMBERS OF THE STATE OF CEARÁ'S SOCIAL SECURITY SYSTEM 

Alane Siqueira Rocha [1]

Breno Aloísio Torres Duarte de Pinho [2]

Isaac Figueiredo de Sousa [3]

Sérgio César de Paula Cardoso [4]

 

Resumo 

Este estudo tem como objetivo desenvolver tábuas de mortalidade de válidos segmentadas por sexo para os servidores públicos do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) do estado do Ceará. Utilizaram-se dados do registro administrativo do período de 2013 a 2017, referentes aos servidores públicos civis vinculados ao Poder Executivo estadual. A metodologia incluiu a análise de consistência dos dados, o cálculo das probabilidades de morte e ajuste com uma variante do modelo relacional TOPALS. As tábuas de mortalidade masculina e feminina estimadas mostraram-se mais eficazes na previsão da mortalidade dos segurados do RPPS estadual em comparação com outras tábuas de mortalidade. Além disso, a esperança de vida dos segurados do RPPS estadual, em geral, mostrou-se mais elevada do que a da população nacional, com diferenças superiores a 10% aos 60 anos de idade. 

Palavras-chave: Mortalidade; Premissas atuariais; RPPS; Previdência; Ceará.

Abstract

This article aims to develop sex-segmented mortality tables for valid public servants under the own social security regime of Ceará. Data from administrative records for the period 2013 to 2017 were utilized, pertaining to civil public servants affiliated with the state Executive Branch. The methodology included data consistency analysis, calculation of death probabilities, and adjustment using a variant of the TOPALS relational model. The estimated male and female mortality tables proved to be more effective in predicting the mortality of state RPPS beneficiaries compared to other mortality tables. Additionally, the life expectancy of state RPPS beneficiaries was generally higher than that of the national population, with differences exceeding 10% at the age of 60. 

Keywords: Mortality; Actuarial assumptions; RPPS; Pension System; Ceará.

1. Introdução

 A mortalidade é uma das variáveis utilizadas nas avaliações atuariais dos planos de benefícios de regimes próprios de previdência social (RPPS). A determinação de seus padrões deve ser adequada para a realidade de cada plano, visto que a sobrevivência dos segurados se reflete nos cálculos de pensões e aposentadorias (PINHEIRO, 2007; BENELLI; SIVIERO; COSTA, 2016). De modo que, a utilização de premissas inadequadas pode gerar estimativas de situação atuarial incorretas e afetar a governança dos RPPS (RODRIGUES, 2008; AMARAL NETO; ANDRADE, 2018).

Para a avaliação de um regime próprio de previdência social, a tábua de mortalidade a ser utilizada deve respeitar limites mínimos para a taxa de sobrevivência, dados por uma tábua de referência definida legalmente (BRASIL, 2018). No âmbito previdenciário, a escolha de uma tábua de mortalidade define a longevidade para os segurados e impacta nas projeções futuras dos benefícios (PINHEIRO, 2007; WILBERT; LIMA; GOMES, 2013; BENELLI; SIVIERO; COSTA, 2016).

Consoante Silva (2010) e Beltrão e Sugahara (2017), o Brasil apresenta uma disponibilidade limitada de tábuas de mortalidade elaboradas a partir da experiência de servidores públicos. Um levantamento de Dantas (2021) revela que, nas avaliações atuariais dos RPPS dos estados da Região Nordeste, são utilizadas basicamente tábuas de mortalidade de experiências internacionais e da população brasileira. Esses resultados evidenciam uma carência de tábuas elaboradas a partir dos dados de mortalidade dos segurados desses regimes.

A utilização de tábua de mortalidade estimada a partir da experiência da população brasileira como premissa atuarial pode subestimar as obrigações atuariais dos RPPS, pois os servidores públicos tem taxas de mortalidade de 10% a 24% inferiores à média de mortalidade da população geral brasileira (CORRÊA; GONZAGA; TURRA, 2020).

Tendo em vista contribuir com as pesquisas sobre as experiências de mortalidade de segurados de regimes próprios de previdência social no Brasil, apresenta-se, aqui, um estudo sobre a mortalidade dos servidores públicos do estado do Ceará. Mais especificamente, o objetivo é elaborar uma tábua de mortalidade a partir da experiência dos servidores públicos segurados do RPPS do estado do Ceará, e avaliar a aplicabilidade dessa tábua para a cálculo do número de óbitos esperados para o referido regime de previdência. Essa avaliação será realizada de forma comparada, considerando a aplicação de diferentes tábuas de mortalidade, comumente adotadas em avaliações atuariais.

O RPPS do estado do Ceará foi instituído no ano de 1999. Atualmente é denominado Sistema Único de Previdência Social do Estado do Ceará – SUPSEC. São segurados desse sistema os servidores públicos civis de cargo efetivo dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, do Ministério Público Estadual, do Tribunal de Contas do Estado e da Defensoria Pública, e também os militares estaduais (FONTOURA et al., 2018).

O conjunto dos beneficiários do SUPSEC engloba os segurados ativos, os segurados inativos e os dependentes previdenciários (FONTOURA et al., 2018). Em dezembro de 2019, o SUPSEC respondia por um número de 143,3 mil beneficiários, sendo 62,0 mil indivíduos ativos, 62,7 mil aposentados e 18,4 mil pensionistas (SEPLAG, 2019).

Neste estudo, as estimativas de mortalidade serão apresentadas para o grupo formado por servidores públicos válidos (ativos e aposentados, exclusive aposentados por invalidez) da categoria civil, vinculados ao Poder Executivo estadual. As estimativas serão segmentadas por sexo. Os dados utilizados são provenientes dos registros administrativos do SUPSEC. 

O artigo está organização em quatro seções. Na segunda, são discutidos os aspectos metodológicos deste estudo. Na terceira, são apresentados os resultados e as discussões, isto é, a tábua de mortalidade elaborada a partir da experiência dos segurados do RPPS do Ceará, e uma avaliação da adequabilidade de sua aplicação, em comparação com outras tábuas de mortalidade. A última seção são as considerações finais.

2. Aspectos metodológicos

Nesta seção, são apresentadas informações relativas aos dados utilizados, o método de cálculo das taxas de mortalidade e probabilidade de morte, o método adotado para o ajuste da curva de mortalidade, as tábuas de mortalidade selecionadas, e as estatísticas utilizadas para a análise de adequabilidade da aplicação das tábuas de mortalidade.

2.1 Fonte de dados

Para as estimativas de mortalidade do RPPS do Ceará, foram utilizados dados dos registros administrativos do SUPSEC. As informações foram disponibilizadas pela Coordenadoria de Gestão Previdenciária (CPREV) da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado do Ceará (SEPLAG). O banco de dados analisado contempla os servidores do Poder Executivo, e não inclui servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Tribunal de Contas e do Ministério Público do Estado. Apesar desse recorte, verifica-se que é elevada a participação dos servidores do Poder Executivo na formação do grupo dos segurados do SUPSEC.

O banco de dados utilizado neste estudo contempla informações sobre: sexo, massa (categorias civil e militar), tipo de segurado (servidor ativo, aposentado programado e aposentado por invalidez), tipo de saída (óbito e desligamento do estado), data de nascimento, data de ingresso no estado, data de início de recebimento do benefício e data de saída.

Antes de iniciar as estimativas de mortalidade, a consistência dos dados foi avaliada. Os casos com inconsistências de datas foram excluídos da análise. Não se considerou a existência de erros de registros relativos às informações de sexo, massa, tipo de segurado e tipo de saída. Também foram realizadas análises preliminares sobre a distribuição, no tempo, dos eventos de aposentadoria, óbitos e desligamento. Após a análise de consistência dos dados, foi estabelecido, como período de referência para este estudo, o intervalo entre os anos de 2013 e 2017. 

Considerando a população de segurados do SUPSEC, deve-se observar que, neste estudo, as estimativas de probabilidade de morte serão elaboradas para homens e mulheres, considerando somente os segurados da categoria civil e que se encontravam na condição de válido. Sendo assim, a experiência de mortalidade engloba os servidores ativos e aposentados, exceto os aposentados por invalidez. Como já mencionado, esses dados referem-se aos servidores vinculados ao Poder Executivo. 

2.2 Taxas de mortalidade e probabilidades de morte 

A taxa de mortalidade corresponde ao quociente entre o número de óbitos e o número de pessoas-anos (exposição ao risco de morte) em um faixa de idade (PRESTON; HEUVELINE; GUILLOT, 2001). A partir dos dados observados, relativos ao número de óbitos e exposição ao risco, a taxa de mortalidade foi calculada a partir da equação: mx = Dx / Ex . Em que: mx é a taxa de mortalidade na idade x, Dx é o número de óbitos na idade x, e Ex é a exposição ao risco de morte na idade x.

A partir da taxa de mortalidade obtida com base nos dados observados, é calculada a probabilidade de morte. Consoante Preston, Heuveline e Guillot (2001), considerando a hipótese de força de mortalidade constante no intervalo de idade, a probabilidade de morte é estimada a partir da equação: qx = 1 - e -mx . Em que: qx é a probabilidade de morte na idade x,  é a função exponencial, e mx é a taxa de mortalidade na idade x.

Considerando que os cálculos para exposição ao risco de morte e óbitos cobrem um período de cinco anos, de 2013 a 2017, deve-se notar que: os indivíduos que ingressaram no estado, dentro do período em análise, iniciam sua exposição a partir da data de ingresso; a saída dos indivíduos da exposição ao risco de morte, no período de referência, ocorre quando o indivíduo morre, quando perde o vínculo com o estado, ou entra em aposentadoria por invalidez; e o número de óbitos refere-se aos indivíduos que, na condição de válido, morreram.

2.3 Ajuste das curvas de mortalidade 

As taxas de mortalidade por idade, estimadas a partir dos dados observados, tendem a apresentar padrões irregulares devido a flutuações aleatórias (Tang; Dodd; Forster, 2022). 
O comportamento irregular das taxas observadas pode revelar flutuações acentuadas e ausência de casos em algumas idades. Considerando esses desafios, observados também nos dados do RPPS do estado do Ceará, buscou-se suavizar as estimativas de mortalidade utilizando modelos para gerar uma curva de mortalidade completa e suave.

Os métodos previamente utilizados para o ajuste das curvas de mortalidade foram: o modelo Relacional de Brass (1971), o modelo de Heligman e Pollard (1980), e a variante do modelo TOPALS desenvolvida por Gonzaga e Schmertmann (2016). O modelo TOPALS foi escolhido por oferecer o melhor ajuste aos dados de mortalidade observados, conforme o critério de menor valor no teste Qui-quadrado, seguindo Tomas e Planchet (2014).

TOPALS é um modelo relacional que permite estimar curvas completas de mortalidade, utilizando informações limitadas de probabilidades de morte específicas por idade e uma tábua de mortalidade padrão (BEER, 2012). Gonzaga e Schmertmann (2016) apresentaram um método de regressão de Poisson baseado no TOPALS para suavizar e projetar probabilidades de morte específicas por idade. Essa variante do modelo de TOPALS foi aplicada pelos autores para estimar a mortalidade em pequenas áreas geográficas, e os resultados mostraram que o modelo é eficaz na aplicação a populações de tamanho reduzido e com dados incompletos para as taxas de mortalidade específicas por idade. 

Uma vantagem do modelo de regressão TOPALS de Gonzaga e Schmertmann (2016), em comparação com modelos relacionais comumente empregados como o de Brass (1971), é que os resultados da regressão TOPALS não são sensíveis à escolha do padrão de mortalidade requerido na aplicação dessas técnicas.  

Todo modelo relacional requer, além dos dados de mortalidade da população alvo, a utilização de uma tábua de mortalidade padrão. Para construir a tábua de mortalidade dos segurados civis válidos do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) do Ceará, foram empregadas as tábuas de mortalidade padrão BR-EMSSb-v.2015.f para as mulheres e BR-EMSSb-v.2015.m para os homens. Esse padrão foi selecionado por representar uma experiência nacional de mortalidade de um subgrupo populacional com características sociodemográficas mais próximas aos servidores do estado, em comparação com tábuas internacionais ou da população nacional geralmente utilizadas como premissa de mortalidade nesses entes públicos. Além disso, após testes comparativos com outras tábuas modelo, esse padrão apresentou o melhor ajuste aos dados observados.

Neste estudo, as taxas de mortalidade suavizadas foram estimadas utilizando uma adaptação a rotina em R desenvolvida por Schmertmann (2018). 

2.4 Tábuas de mortalidade

Após a realização das estimativas de taxas de mortalidade suavizadas pela regressão TOPALS para idades simples foram calculadas as demais funções de uma tábua de mortalidade para o grupo de segurados válidos da categoria civil do RPPS do Ceará. Os procedimentos de cálculo foram desenvolvidos consoante Preston, Heuveline e Guillot (2001). Essas tábuas foram denominadas RPPS-CE (ajustada) – masc e RPPS-CE (ajustada) – fem, referentes à experiência de mortalidade de homens e mulheres, respectivamente.

Para uma avaliação das tábuas de mortalidade estimadas a partir da experiência dos segurados do RPPS do Ceará, os resultados de sua aplicação sobre o grupo de segurados, em termos de número de óbitos esperados, serão comparados com os das seguintes tábuas: AT83 Basic-m; AT83-m; AT2000-m ; AT2000-Suav-m; RP 2000-m; BR-EMSSb-v.2010-m; BR-EMSSb-v.2015-m; IBGE 2017 Extrapolada-m; AT83 Basic-f; AT83-f; AT2000-f ; AT2000-Suav-f; RP 2000-f; BR-EMSSb-v.2010-f; BR-EMSSb-v.2015-f; IBGE 2017 Extrapolada-f. As tábuas de mortalidade elaboradas pelo IBGE foram obtidas no site na Secretaria de Previdência do Ministério da Economia, e as demais tábuas foram obtidas no site Instituto Brasileiro de Atuária.

2.5 Testes para avaliação de ajuste das curvas de mortalidade

Os testes de aderência de tábuas de mortalidade verificam se o número observado de óbitos em cada intervalo etário está próximo do número de óbitos que seriam esperados se a experiência tivesse seguido uma tábua de mortalidade de interesse. O teste Qui-quadrado de aderência é comumente empregado em estudos atuariais para avaliar a adequação de uma curva de mortalidade em relação à experiência de mortalidade de uma população específica (TOMAS; PLANCHET, 2014; SOA, 2018; SIMWA, 2018). 

Para obter a estatística do Qui-quadrado, utiliza-se a equação:   . Em que: x corresponde à idade ou grupo etário, Ox é o número observado de óbitos em x, e Ox é o número esperado de óbitos em gerado a partir da tábua de mortalidade de interesse. O teste Qui-quadrado segue uma distribuição c2, e o número de graus de liberdade corresponde à diferença entre o número de intervalos etários e o número de parâmetros estimados (SOA, 2018).  

O teste Qui-quadrado será aqui aplicado para verificar a seguinte hipótese nula: não existe diferença entre o número observado de óbitos dos segurados do RPPS do Ceará e o número de óbitos esperados, calculado com base em uma tábua de mortalidade aplicada ao grupo de segurados expostos. Ademais, será considerado o nível de significância de 5%, e os eventos serão considerados por grupos de idade, devido à condição de aplicação do teste no que se refere ao número mínimo de observações. Consoante Lemaire (1995), devem ser observados os seguintes critérios: número mínimo de 5 eventos para pelo menos 80% dos intervalos etários, e número mínimo de 1 evento para todos os intervalos.

O teste Qui-quadrado, como uma medida agregada que soma desvios, possui algumas limitações. Uma dessas limitações é a possibilidade de não detectar compensações entre grandes desvios e um número excessivo de pequenos desvios em outros intervalos de idades. Essa limitação pode ser avaliada pelo teste de desvios padronizados individuais, que busca determinar se o padrão observado desses desvios é consistente com uma distribuição normal padrão (SIMWA, 2018).

Assim, será utilizado o teste de normalidade Shapiro-Wilk para verificar a hipótese nula de que os desvios padronizados individuais, calculados pela expressão  , seguem uma distribuição normal padrão. Será considerado um nível de significância de 5%, e as variáveis e grupos etários serão os mesmos utilizados no teste Qui-quadrado. 

3. Resultados e Discussão

Para uma compreensão inicial dos resultados deste estudo, apresenta-se, na Figura 1, as probabilidades de morte por idade, para homens e mulheres, do grupo de segurados válidos da categoria civil do RPPS do Ceará.  A análise gráfica permite observar as flutuações das probabilidades de morte obtidas com os dados observados, e o resultado alcançado após os procedimentos empregados para o ajuste desses dados.  

Figura 1: Probabilidades de morte por idade, segurados válidos da categoria civil – RPPS do estado do Ceará, 2013-2017

Fonte: Elaborado a partir dos dados do RPPS-CE.

Como já mencionado, as tábuas de mortalidade elaboradas para o grupo de segurados do RPPS do Ceará foram denominadas RPPS-CE (ajustada) – masc e RPPS-CE (ajustada) – fem. Para uma compreensão dos resultados, são apresentadas, na Figura 2, as esperanças de vida provenientes dessas tábuas, acompanhadas dos dados das tábuas de mortalidade do IBGE, que se referem à população brasileira.

Figura 2: Esperança de vida para os segurados válidos da categoria civil do RPPS do estado do Ceará - 2013-2017 e para o Brasil - 2017

Fonte: Elaborado a partir dos dados das Tábuas de Mortalidade RPPS-CE (ajustada) – masc e RPPS-CE (ajustada) – fem; e dos dados das Tábuas de Mortalidade IBGE 2017 – Extrapoladas, para homens e mulheres, disponibilizadas pelo Ministério da Previdência Social.

Em comparação com a população do país, a esperança de vida dos segurados do RPPS do estado do Ceará, regra geral, apresenta-se mais elevadas, com menor distância entre as curvas ocorrendo nas idades mais avançadas. Essa característica pode ser observada para homens e mulheres. Esses resultados estão em conformidade com a literatura. No âmbito previdenciário, consoante Pinheiro (2007), Benelli, Siviero e Costa (2016), Wilbert, Lima e Gomes (2013), Beltrão e Sugahara (2017) e Gonzaga et al. (2022), a mortalidade da população de um país tende a ser mais elevada em comparação com a de grupos específicos de segurados.

Aos 60 anos de idade, a esperança de vida na tábua do RPPS do Ceará foi superior em 12% para as mulheres e em 10% para os homens, quando comparada às esperanças de vida nacionais por sexo, estimadas pelo IBGE. Esses achados estão em conformidade com a literatura existente. A maior longevidade dos servidores públicos em relação ao cenário nacional também foi destacada por Corrêa, Gonzaga e Turra (2020).

Para uma avaliação das tábuas de mortalidade elaboradas a partir da experiência dos segurados do RPPS, serão analisados, de forma comparada com outras tábuas de mortalidade, o número de óbitos observados para os segurados do RPPS e o número de óbitos esperados, gerado a partir da aplicação das tábuas sobre os segurados expostos. Esses resultados são apresentados para os homens e mulheres na Figura 3. 

Figura 3: Óbitos observados dos segurados do RPPS-Ceará e esperados com a aplicação de tábuas de mortalidade selecionadas – segurados válidos da categoria civil, 2013-2017 

Fonte: Elaborado a partir dos dados do SUPSEC, para segurados válidos da categoria civil; das Tábuas de Mortalidade RPPS-CE (ajustada) – masc e RPPS-CE (ajustada) - fem; e das tábuas de mortalidade selecionadas, obtidas no site do Ministério da Previdência Social e do Instituto Brasileiro de Atuária.

Analisando a população de homens do RPPS do Ceará, observa-se que, em comparação com a curva de óbitos gerada com a aplicação da tábua de mortalidade RPPS-CE (ajustada) - masc, a tábua AT-83 MALE (IAM) apresenta valores mais próximos, enquanto as tábuas AT2000 (Suavizada 10%)_MAS, AT-2000 MALE, BR-EMSsb-v.2010-m e BR-EMSsb-v.2015-m tendem a apresentar resultados inferiores, e as tábuas AT-83 MALE (Basic), RP-2000 MALE e IBGE 2017-EXTRAPOLADA-m tendem a apresentar resultados mais elevados.

Considerando a população de mulheres do RPPS do Ceará, observa-se que, em comparação com a curva de óbitos gerada com a aplicação da tábua de mortalidade RPPS-CE (ajustada) – fem, a tábua AT2000 (Suavizada 10%)_FEM apresenta valores mais próximos, enquanto as tábuas BR-EMSsb-v.2010-f e BR-EMSsb-v.2015-f tendem a apresentar resultados inferiores, e as tábuas AT-2000 FEMALE, AT-83 FEMALE (Basic), AT-83 FEMALE (IAM), RP-2000 FEMALE e IBGE 2017-EXTRAPOLADA-f tendem a apresentar resultados mais elevados.

Para avaliar a adequabilidade das tábuas de mortalidade em relação aos dados de óbitos observados para RPPS do Ceará, são apresentados a seguir, na Tabela 1, os resultados da aplicação do teste estatístico Qui-quadrado, acompanhado do teste Shapiro-Wilk. 

Tabela 1: Testes estatísticos aplicados aos resultados das tábuas de mortalidade selecionadas - segurados válidos da categoria civil, 2013-2017

Fonte: Elaborada a partir dos resultados das tábuas de mortalidade selecionadas e dados observados de óbitos do RPPS-CE.

Considerando os resultados do teste Qui-quadrado, verificou-se que, em algumas situações, não há diferenças estatisticamente significantes ao nível de 5% entre os óbitos observados e os gerados pelas tábuas de mortalidade selecionadas. Para os homens, isso ocorreu nas tábuas AT83-m e RPPS (ajustada) – masc. Para as mulheres, ocorreu nas tábuas AT2000-f Suav 10%, AT-2000-f e RPPS (ajustada) – fem. Além disso, não foi rejeitada a hipótese de normalidade dos desvios padronizados para esses casos.  

Com esses resultados, é possível identificar, entre as tábuas indicadas pelos testes estatísticos, aquela que melhor se ajusta aos dados observados de mortalidade. De acordo com Tomas e Planchet (2014), deve-se escolher o modelo com o menor valor no teste Qui-quadrado. Com base nesse critério, a tábua RPPS (ajustada) – masc apresenta o melhor ajuste para os dados de mortalidade dos segurados homens do RPPS, enquanto a tábua RPPS (ajustada) – fem é a mais adequada para as seguradas mulheres.

Assim, as tábuas de mortalidade elaboradas a partir da experiência dos segurados do RPPS do Ceará mostraram-se mais ajustadas à realidade desse regime de previdência em comparação com as outras tábuas de mortalidade selecionadas para fins de análise.

Estes resultados também corroboram com a literatura sobre o tema. Outros estudos no âmbito previdenciário no Brasil, como Wilbert, Lima e Gomes (2013), Gomes, Fígoli e Ribeiro (2010), Beltrão e Sugahara (2017), Rocha et al. (2020) e Gonzaga et al. (2022), mostram que podem ser elaboradas tábuas biométricas mais próximas da realidade de um grupo de segurados a partir do uso de dados provenientes da experiência desse mesmo grupo.

4. Considerações Finais

Os resultados deste estudo mostram as especificidades da experiência de mortalidade dos segurados do RPPS do estado Ceará.  Foram elaboradas tábuas de mortalidade para homens e mulheres, na condição de válidos, da categoria civil, vinculados ao Poder Executivo estadual. Para isso, foram utilizados dados provenientes dos registros administrativos do RPPS, tendo como período de referência os anos de 2013 a 2017. 

As taxas de mortalidade foram calculadas a partir das estimativas de óbitos e exposição ao risco de morte, observadas no período de referência. A mortalidade foi avaliada separadamente para homens e mulheres, e os dados observados foram ajustados por meio de um modelo relacional. Após esse ajuste das taxas, foram elaboradas as tábuas de mortalidade, as quais foram denominadas RPPS-CE (ajustada) – masc e RPPS-CE (ajustada) – fem.

Para avaliar essas tábuas de mortalidade, foram confrontados o número observado de óbitos de segurados do RPPS e o esperado a partir da aplicação da tábua de mortalidade.  Esse processo foi realizado de forma comparada com a aplicação de oitos tábuas de mortalidade, disponíveis para as avaliações atuariais. Constatou-se que, para o grupo de segurados válidos da categoria civil do RPPS do Ceará, as tábuas RPPS-CE (ajustada) – masc e RPPS-CE (ajustada) – fem apresentaram um melhor resultado em comparação com a aplicação de outras tábuas de mortalidade.

Para o regime de previdência objeto do presente estudo, os resultados apresentados indicam que a elaboração de tábuas biométricas, a partir da experiência de sua própria população de segurados, pode oferecer estimativas de mortalidade mais próximas de sua realidade, e sua aplicação mostra-se satisfatória em comparação com o uso de tábuas de mortalidade decorrentes da experiência de outras populações. 

Para estudos futuros, novas tábuas de mortalidade podem ser elaboradas para mesmo grupo de segurados do regime de previdência estadual, considerando uma ampliação quantitativa dos dados e ganhos na qualidade das informações dos registros administrativos. Ademais, as estimativas de mortalidade devem ser reavaliadas ao longo do tempo, de modo a refletir adequadamente mudanças nas condições de saúde e sobrevivência dos segurados.

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Recebido: 06/07/2024
Aceito: 29/07/2024

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Notas

[1] Universidade Federal do Ceará, https://orcid.org/0000-0002-4863-8236, alanerocha@ufc.br

[2] Universidade Federal do Ceará, https://orcid.org/0000-0003-3174-2309, brenopinho@ufc.br.

[3] Secretaria do Planejamento e Gestão do Estado do Ceará, https://orcid.org/0000-0002-3918-6426, isaac.figueiredo@cearaprev.ce.gov.br

[4] Universidade Federal do Ceará, https://orcid.org/0000-0002-1750-8092, sergioce@ufc.br